Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1860/18.4T8AGD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: CUMULAÇÃO DE EXECUÇÕES
MESMO BEM
EXECUÇÃO COMUM
EXECUÇÃO FISCAL
SUSPENSÃO
Nº do Documento: RP201911071860/18.4T8AGD-A.P1
Data do Acordão: 11/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Para se determinar se uma execução para pagamento de quantia certa deve ou não manter-se suspensa em relação a um bem imóvel primeiramente penhorado em execução fiscal e que constitui casa de morada de família do executado (artigos 794.º, n.º 1, do C. P. C. e 244.º, do C. P. P. T.), tem o tribunal onde aquela corre de averiguar, sem prejuízo do dever das partes em o esclarecerem, se a penhora efetuada no processo fiscal se vai manter e se o bem vai ser vendido para pagamento do crédito exequendo aí reclamado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1860/18.4T8AGD-A.P1.
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1). Relatório.
B…, S. A., com sede na Av. …, .., Lisboa, propôs contra C… e D…, residentes na Estrada …, Albergaria A Velha, ação executiva para pagamento de quantia certa que corre termos no juízo de execução de Águeda.
No decurso dos autos, estando penhorado um imóvel, foi declarada a suspensão dos mesmos ao abrigo do disposto no artigo 749.º, do C. P. C. (penhora anterior de ½ do mesmo bem em execução fiscal), a exequente requereu que a execução prosseguisse com a venda do bem imóvel penhorado, o que foi indeferido pelo tribunal recorrido, determinando que se procedesse à venda da outra metade desse mesmo bem.
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Inconformada com tal despacho, interpõe a exequente o presente recurso alegando em síntese que:
no âmbito dos presentes autos foi intentada execução em 05/07/2018, em virtude do incumprimento dos contratos de empréstimo celebrados em 21/10/2014 e 23/12/2010, entre a exequente e os executados.
no âmbito dos contratos de empréstimo supra referidos, foram constituídas pelos executados três hipotecas voluntárias a favor da aqui exequente, do imóvel sito na freguesia de …, concelho de Albergaria-a-Velha, descrito na CRP de Albergaria-a-Velha sob o número 5085/20080925-A e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 3794.
sobre o imóvel supra referido para além da penhora à ordem dos presentes autos, existe uma penhora prévia, no âmbito de um processo de execução fiscal que corre os seus termos no Serviço de Finanças de Albergaria-a-Velha, no âmbito do qual, é executado, o aqui executado C… e onde foi penhorada ½ do imóvel onerado e onde a aqui exequente veio em 2016 a intentar a sua reclamação de créditos;
deste modo, em virtude da existência dessa penhora a favor da fazenda Nacional, a presente execução veio a ser sustada sobre a proporção de ½ do imóvel onerado, nos termos do artigo 794º do CPC.
a aqui exequente foi informada pelo respectivo serviço de finanças que efectuou a primeira penhora sobre a ½ do imóvel onerado que, segundo o seu entendimento, nos termos do artigo 244 nº 2 do CPPT (na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13/2016 de 23/05), não há lugar à realização da venda do imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente dos executados ou do seu agregado e por conseguinte, não iria proceder à venda judicial do imóvel onerado.
assim, veio a aqui exequente, expor a toda a situação aos presentes autos, tendo solicitado, que se autorizasse a venda nos presentes autos da totalidade do imóvel (a ½ penhorada no âmbito do processo de execução fiscal e a ½ penhorada no âmbito dos presentes autos) e assim, lograr obter a aqui exequente o ressarcimento do seu crédito exequendo.
entende a exequente que, uma vez que, existem três hipotecas voluntárias registada a favor da mesma, bem como uma penhora, logo, caso a venda do imóvel esteja proibida nos termos do artigo 244º nº 2 do CPPT em processo de execução fiscal, deixa de fazer sentido a sustação da execução comum prevista no artigo 794º nº 1 do CPC, uma vez que, a proibição da venda, aplica-se unicamente aos autos de execução fiscal, já que, norma idêntica, não foi introduzida no CPC.
deste modo, terá de ser permitida ao credor comum a prossecução da execução sobre tal bem, e por conseguinte, deverá o agente de execução em funções na presente execução, proceder ao levantamento da sustação da penhora registada sobre a ½ do imóvel onerado, prosseguindo os autos com a citação dos credores nos termos do artigo 786º do CPC, com as subsequentes diligências de venda de forma a permitir que, a aqui exequente obtenha o ressarcimento do seu crédito;
decidindo-se de forma contrária, impedirá a aqui exequente de ver o seu crédito ressarcido, uma vez que, existem duas instâncias executivas (a comum e a fiscal) que proíbem a venda da totalidade do imóvel hipotecado, limitando-se a venda judicial, a apenas, a ½ do imóvel que se encontra penhorada à ordem dos presentes autos.
têm sido proferidas decisões recentes de tribunais superiores que sufragam a posição da aqui exequente, senão vejamos: Ac. da Relação de Guimarães de 17/01/2019, Ac. da Relação de Évora de 12/07/2018, Ac da Relação de Coimbra de 26/09/2017, todos em www. dgsi.pt.
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Não houve contra-alegações.
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2). Fundamentação.
2.1). De facto.
1). A exequente B…, S. A., ora recorrente, propôs contra C… e D…, ação executiva para pagamento de quantia certa pedindo o pagamento coercivo de 122.537,01 EUR relativo a prestações não pagas de um contrato de mútuo de 23/12/2010 no valor de 75.000 EUR e outros dois contratos de mútuo de 21/10/2004, nos montante de 110.000 EUR e 45.000 EUR, com três hipotecas constituídas a seu favor sobre a fracção autónoma «A», sita em …, Albergaria-a-Velha, descrita na C. R. P. de Albergaria-A-Velha sob o número 5085/20080925-A, omissa na matriz.
2). Em 20/07/2018 foi penhorado o imóvel referido em 1), com atribuição do valor de 131.361,44 EUR correspondente ao valor tributário em 18/07/2018, fazendo-se menção que estão registadas três hipotecas voluntárias a favor da exequente e uma penhora a favor da Fazenda Nacional.
3). Sobre o imóvel está registada:
aquisição a favor de ambos os executados – 15/10/2004, ap. 4;
hipotecas a favor da exequente – 15/10/2004, aps. 5 e 6, 2010/12/23, ap. 3624;
penhora de ½ sendo sujeito passivo o executado C… - processo de execução fiscal n.º 0027201401007327, serviço de Finanças de Albergaria-A-Velha, AP. 1290 de 2014/10/06 13:46:10 UTC – efetuada em 06/10/2014, registada em 2014/10/06;
penhora a favor da exequente nestes autos, registada em 20/08/2018, ap. 379.
4). O agente de execução, em 04/09/2018, emite decisão com o seguinte teor: «uma vez que, sobre a proporção de 1/2 do bem imóvel identificado na verba nº 1 do presente auto, (…) já existem penhoras anteriores, susta-se quanto a este, a presente execução nos termos do disposto no artigo 794.º do CPC. A primeira penhora encontra-se registada em 06/10/2014.
Da decisão de sustação da presente execução relativamente ao bem penhorado vão ser notificados exequente e executado, sendo também informado o processo a favor do qual foi realizada a primeira penhora, em cumprimento do disposto no n.º 1 do 794.º do CPC.».
5). Em 07/09/2018, a exequente formula requerimento ao agente de execução com o seguinte teor: «vem solicitar a V.Exª que oficie o processo de execução fiscal onde existe a penhora de ½ do imóvel onerado, no sentido de o mesmo informar o estado do processo, nomeadamente, se se encontra activo ou já foi extinto, e também que, a informação se se irá proceder à venda judicial da ½ do imóvel que se encontra penhorado.».
6). Em 19/09/2018 o agente de execução envia ao exequente comunicação do serviço de finanças à ordem do qual foi efetuada a penhora referida em 3) onde se menciona que o processo está em fase de penhora, não houve transmissão do bem penhorado e que se mantém o interesse na penhora.
7). Em 21/01/2019 a exequente apresentou nos autos requerimento com o seguinte teor:
«No âmbito dos presentes autos foi intentada execução em 04/07/2018. Sobre o imóvel hipotecado e cujo incumprimento dos empréstimos por parte do executado, originou a presente execução, existia uma penhora prévia, efectuada em 2014/10/06, no âmbito do processo de execução fiscal nº 0027201401007327 que corre os seus termos no Serviço de Finanças de Albergaria-a-Velha -. Deste modo, em virtude da existência da penhora de 1/2 do imóvel a favor da Fazenda Nacional, foi sustada quanto a esta metade, a presente execução, nos termos do artigo 794º do Código de Processo Civil.
- Ora, a aqui exequente, intentou Reclamação de Créditos Espontânea no âmbito do processo de execução fiscal supra identificado, na qualidade de credora hipotecária.
- Contudo, entende o respectivo Serviço de Finanças que, nos termos do artigo 244º nº 2 do CPPT (na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13/2016 de 23/05), não há lugar à realização da venda do imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado, quando o mesmo esteja afecto a esse fim.
(…)
Após a entrada em vigor da citada lei, nos processos de execução fiscal, os imóveis destinados exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, deixaram de poder ser vendidos pela Autoridade Tributária. No entanto, tal impossibilidade, não se estende ou não se aplica a todos os credores, onde se inclui a aqui exequente, a qual, além de possuir penhora registada sobre o imóvel, é ainda titular de duas hipotecas registadas sobre esse imóvel.
Deste modo, num caso em que, a venda do imóvel esteja proibida nos termos do artigo 244º nº 2 do CPPT, deixa de fazer sentido a sustação da execução comum prevista no artigo 794º nº 1 do CPC, uma vez que, a proibição da venda, aplica-se unicamente à execução fiscal, já que, norma idêntica não foi introduzida no CPC. Assim, terá de ser permitida ao credor comum a prossecução da execução sobre tal bem, ou o uso do mecanismo do Artigo 850 nº 5 do CPC (se tiver ocorrido a extinção da execução nos termos do artigo 794 nº 4 do CPC).
Realçando-se que, esta é a única possibilidade que existe, para ser efectuada a venda judicial da totalidade do imóvel, e o consequente ressarcimento do crédito por parte da aqui exequente. (...).
Pelo exposto e em face do supra exposto, a aqui exequente vem requerer a V.Exª que, autorize a venda judicial do imóvel nos presentes autos, procedendo-se à venda do mesmo na totalidade (a ½ que se encontra penhorada nos presentes autos e a ½ que se encontra penhorada no processo de execução fiscal) realçando-se que, esta é a única possibilidade que existe, para ser efectuada a venda judicial da totalidade do imóvel, e o consequente ressarcimento do crédito por parte da aqui exequente.».
8). O tribunal aprecia o mencionado requerimento em 26/02/2019 referindo: «Veio a exequente requerer, o prosseguimento da execução com a venda do totalidade do imóvel, não obstante o disposto no artigo 794 do Código de Processo Civil, atendendo a que penhora anterior que incide sobre o imóvel penhorado nos autos, na proporção de 1/2, se encontra registada a favor do Serviço de Finanças, que se encontra impedido de promover a execução quanto ao referido imóvel, porquanto é a habitação própria e permanente do executado, atento o disposto no artigo 244 do CPPT.
Estabelece o artigo 244/2 do CPPT que "Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim."
A jurisprudência maioritária tem vindo a entender, quanto a esta questão, não há lugar à desaplicação do artigo 794 do Código de Processo Civil, pelo que os presentes autos terão que ser sustados, ou extintos, se a situação se enquadrar no disposto no nº4 da referida disposição legal.
O aqui exequente tem que reclamar o seu crédito na execução fiscal e aí ser admitido a promover a venda do imóvel penhorado - vide os Acórdãos da Relação de Coimbra de 24.10.2017, disponível em www.dgsi.pt e o Acórdão da Relação do Porto proferido no processo 467/17.8T8AGD deste Juízo de Execução.
Por outro lado, caso esta execução pudesse prosseguir, desaplicando-se, no caso, o disposto no artigo 794 do Código de Processo Civil, a fim de garantir a satisfação do crédito fiscal, teria que ser citada a Fazenda Nacional para o vir reclamar nestes autos, o que contraria a própria natureza da norma, considerando que a sua penhora é que é prioritária em relação aos presentes autos, sendo duvidoso que viesse reclamar tal crédito nestes autos, já que tal implicaria mais despesas, designadamente com a taxa de justiça a pagar para esse efeito.
Assim, não pode ser ordenado o prosseguimento da execução com a venda do referido imóvel, na sua totalidade, por, em abstrato, poder constituir um ato lesivo do crédito da Fazenda Nacional sobre o executado, até tendo presente o disposto no nº3 do artigo 244 do CPPT, já que na eventualidade de vir a ser alterado o valor tributário do imóvel para um valor superior, que cumpra os requisitos ali previstos, a venda é impedida apenas durante um ano.
Em face do exposto, indefiro o requerido pela exequente, prosseguindo a execução com a venda do imóvel na proporção da 1/2 penhorada nos presentes autos.
Notifique.».
9). Em 04/03/2019 o agente de execução determina o seguinte: «Tendo em conta o despacho proferido em 26/02/2019, (…), decide-se avançar com a venda da proporção de ½ do imóvel penhorado nos autos, pertencente à executada D…» tendo sido fixado o valor de 65.680,72 EUR.
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O ter destes factos tem por base o registo de atos constantes do histórico do processo de execução via citius.
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A questão a decidir é determinar se o tribunal recorrido pode fazer cessar a suspensão dos autos ao abrigo do disposto no artigo 794.º, n.º 1, do C. P. C. sem ainda ter ocorrido a venda do bem penhorado na execução fiscal onde primeiramente foi penhorado.
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2.2). Dos argumentos do recurso.
O que unicamente está em causa no presente recurso é aferir se estando alegadamente penhorado o mesmo bem quer na execução a que os presentes autos de recurso estão apensos quer numa execução fiscal e se, não podendo o bem ser vendido nestes últimos autos em virtude do disposto no artigo 244.º, do Código de Procedimento e Processo Tributário (C. P. P. T.), se deve ou não manter-se a suspensão da primeira referida execução nos termos do artigo 749.º, do C. P. C..
O artigo 244.º, do C. P. P. T. dispõe que:
«1 - A venda realiza-se após o termo do prazo de reclamação de créditos.
2 - Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.
3 - O disposto no número anterior não é aplicável aos imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis.
4 - Nos casos previstos no número anterior, a venda só pode ocorrer um ano após o termo do prazo de pagamento voluntário da dívida mais antiga.
5 - A penhora do bem imóvel referido no n.º 2 não releva para efeitos do disposto no artigo 217.º, enquanto se mantiver o impedimento à realização da venda previsto no número anterior, e não impede a prossecução da penhora e venda dos demais bens do executado.
6 - O impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente previsto no n.º 2 pode cessar a qualquer momento, a requerimento do executado.».
Verifica-se assim que se o imóvel penhorado no âmbito da execução tributária não atinge o valor a que se aplica a taxa máxima sobre a aquisição de imóvel que seja destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis, não pode esse mesmo bem ser vendido para pagamento de dívidas fiscais.
Esta norma advém da Lei n.º 13/2016, de 23/05 no intuito de proteger a casa de morada de família do executado que assim não a pode ver vendida para pagamento de dívidas fiscais.
E, além de não poder ser vendida, também não pode ser penhorada atento o disposto no artigo 219.º, n.º 5, do mesmo C. P. P. T. - «a penhora sobre o bem imóvel com finalidade de habitação própria e permanente está sujeita às condições previstas no artigo 244.º», ou seja, se não reúne aquelas condições, o imóvel não pode ser penhorado.
Ao imóvel originariamente penhorado em questão foi atribuído o valor de 131.361,44 EUR que era o seu valor tributário em 2018 (facto 2), bastante aquém do valor correspondente à taxa máxima do imposto sobre transmissões onerosas de imóveis – 574.323 EUR – artigo 17.º, n.º 1, a), do Código Imposto Municipal Transmissão Onerosas de Imóveis (C. I. M. T.) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11.
Como referimos, a única questão que é objeto do recurso é determinar se a execução comum (não tributária) pode prosseguir com a venda do bem originariamente penhorado (imóvel identificado em 1), dos factos assentes) por alegadamente não poder ser vendido em sede de execução fiscal.
Como também já referimos, o imóvel em causa tinha, em 2018 o valor tributário de 131.361,44 EUR (facto assente 2), tendo a penhora efetuada em sede de execução fiscal a data de 06/10/2014.
Desconhece-se o valor tributário do imóvel na data da penhora no processo tributário sendo que a impossibilidade da venda (e penhora) do bem se afere pelo valor na data da penhora.
É certo que, muito provavelmente, nessa data o valor não atingiria aqueles 574.323 EUR acima referidos mas não se dispõe nos autos desse elemento.
Por outro lado, o que está penhorado na execução fiscal é um direito – quota ideal correspondente a metade do imóvel – não se sabendo qual o valor que foi atribuído a esse direito (sabemos que na execução comum, após a prolação do despacho recorrido, foi atribuído o valor de metade do valor patrimonial da totalidade do bem – facto assente 9 -).
É assim importante saber qual o valor patrimonial do bem penhorado na execução fiscal para se determinar se pode ou não aí ser vendido.
Se se chegar à conclusão que, pelo seu valor tributário, não pode ser vendido, não podendo sequer ter sido penhorado, o que sucede é que, no cumprimento das regras processuais tributárias, a penhora poderia ter de ser levantada pois não tinha sido efetuada nos termos legalmente previstos.
Sendo levantada a penhora pela Fazenda Nacional, então deixaria de subsistir a «pendência de execuções sobre os mesmos bens» prevista no artigo 749.º, n.º 1, do C. P. C.; se por qualquer motivo a exequente Fazenda Nacional não diligencia pelo levantamento da penhora, na nossa visão, não pode o tribunal na execução comum desde logo decidir pelo seu prosseguimento.
Estando em causa uma penhora que não pode subsistir e pode violar os acima indicados preceitos legais (artigos 219.º, n,º 5 e 244.º, n.º 2, do C. P. P. T.) e/ou a persistência numa venda que não pode ser efetuada, essa conclusão tem de ser retirada na execução fiscal e não na execução comum por esta não ter competência para aferir a prática de atos processuais noutros processos e, no caso, de outra jurisdição.
O exequente pode eventualmente estar a ser lesado pelo incumprimento das regras relativas à penhorabilidade e venda do bem por não obter o pagamento do seu crédito (em primeira linha quem é o lesado é o executado cujo bem foi penhorado) mas a procura da cessação dessa violação é alheia ao processo comum não tributário.
Na execução tributária podem ocorrer situações que venham a permitir a penhora e subsequente venda (por exemplo, discutir-se na execução fiscal se o imóvel é a residência permanente do executado, qual o seu valor patrimonial à data da penhora, apuramento da existência do crédito exequendo ou, tendo havido reclamação de créditos, aceitar-se a nível de execução tributária que essa execução pode prosseguir para pagamento dos créditos reclamados e também do crédito do Estado – J. H. Delgado de Carvalho, «As alterações introduzidas pela lei n.º 13/2016, de 23/5, no Código de Procedimento e de Processo Tributário e na Lei Geral Tributária e as suas repercussões no concurso de credores», página 10, blog do IPPC de 11/07/2016 -.).
E seja nestas últimas situações ou noutras em que se coloque a hipótese de que o bem pode ser penhorado e vendido, seja quando não se cumpre a legalidade tributária e não se afaste o vício, não tem o tribunal do processo executivo comum competência para determinar que ocorre tal eventual vício ou que pode a execução prosseguir sem estarem preenchidos os pressupostos para que a execução possa deixar de estar suspensa (deixando de haver penhora ou deixando de a execução fiscal estar a prosseguir para a venda desse bem).
Pode suceder, como referimos, que a penhora na execução fiscal se mantenha e aí se prossiga para a venda desse bem para pagamento também do crédito reclamado e nessa situação a execução comum tem de se manter suspensa.
A lei é clara ao impor que havendo mais do que uma penhora sobre um bem o exequente tem de reclamar o seu crédito na execução mais antiga – citado artigo 749.º, n.º 1, do C. P. C. -; para se determinar se subsiste esta situação, tem de ser o processo executivo onde primeiro se realizou a penhora a aferir se no outro processo a penhora se mantém ou se não se vai proceder à venda do bem penhorado.
Se os serviços competentes para a execução fiscal afirmarem que levantaram a penhora ou que não se vai proceder à venda do bem penhorado, então o tribunal da execução comum já pode concluir que não há a pendência de uma execução sobre os mesmos bens pois o exequente declarou que não se pretende pagar à custa desse bem duplamente penhorado e pode então fazer prosseguir a execução.
No caso concreto, apesar de o recorrente afirmar que os serviços de Finanças entendem que, nos termos do artigo 244.º, n.º 2, do C. P. P. T. (na redação que lhe foi dada pela Lei nº 13/2016 de 23/05), não há lugar à realização da venda do imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado, quando o mesmo esteja afeto a esse fim, o certo é que (daquilo a que temos acesso) não consta dos autos essa informação provinda do processo executivo fiscal nem que tal entendimento abranja créditos reclamados nessa mesma execução fiscal.
Importa que esses serviços esclareçam se afinal a penhora se mantém ou não e/ou se a venda se realiza ou não e qual tomada de posição em relação à reclamação de créditos que foi efetuada – se prossegue ou se fica impedida de prosseguir -.
Sem essa informação, a execução comum não pode prosseguir mas também não se pode nem decidir se a sustação da execução se mantém nem ainda se pode alterar o objeto da penhora; é necessário aferir o que vai suceder à penhora primeiramente realizada e depois é que se pode ponderar qual a decisão a tomar.
Se eventualmente a informação for omitida, restará às partes interessadas diligenciar pela atuação junto da exequente fiscal, mantendo-se os autos suspensos até que algo se demonstre que pode fazer cessar a mesma suspensão
O que consta dos autos, datado de 19/09/2018 é que os serviços de finanças informam que o processo está em fase de penhora, não tendo havido transmissão do bem penhorado e que se mantém o interesse na penhora (facto assente 6); esta informação, além de datar de há cerca de um ano (cinco meses até à prolação do despacho recorrido), não esclarece se interessa a venda por que se vai vender o bem para se obter produto para pagar aos credores reclamantes ou se não se atentou nessa questão ou se existe outro motivo.
Assim, é insuficiente essa informação para decidir que os autos de execução comum podem ou não prosseguir.
Deste modo, a decisão recorrida não pode manter-se pois o tribunal recorrido (sem prejuízo dos deveres das partes em especial do exequente, impulsionador principal dos autos), ao abrigo do dever de gestão processual - artigo 6.º, n.º 1, do C. P. C. - tem primeiro de averiguar se o «bem» se mantém penhorado, se assim se vai manter e ainda se vai ou não ser vendido na execução fiscal e se se visa que os credores venham a ser pagos com o produto dessa venda e só depois, obtendo a informação, pode concluir se a suspensão que foi determinada se se deve manter ou se os autos devem prosseguir.
Se não se conseguir obter informação suficiente, a suspensão tem de manter-se, não podendo alterar-se o objeto da penhora (penhora de imóvel para penhora de ½ do imóvel) já que os autos estão suspensos quanto a tal penhora.
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3). Decisão.
Pelo exposto, revoga-se a decisão recorrida devendo ser substituída por outra em que, sem prejuízo de outra informação que possa entretanto advir aos autos de execução, se averigue junto do processo de execução fiscal n.º 0027201401007327 - Serviço de Finanças de Albergaria-A-Velha se a penhora aí efetuada se mantém e se, mantendo-se, o bem vai ser vendido e se tal venda será igualmente para pagamento do crédito reclamado pelo aqui exequente nos termos acima referidos para depois, consoante o que se apurar, se decidir no tribunal recorrido em relação à manutenção ou não da suspensão da execução nos termos do artigo 794.º, n.º 1, do C. P. C.
Sem custas.
Registe e notifique.

Porto, 2019/11/07.
João Venade
Paulo Duarte
Amaral Ferreira