Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1234/12.0TMPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: FGADM
MONTANTE DA PRESTAÇÃO
CONTRADITÓRIO
NULIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: RP201410091234/12.0TMPRT-A.P1
Data do Acordão: 10/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Em incidente destinado à atribuição ou revisão da prestação de alimentos a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, deve ser observado o contraditório relativamente àquele Fundo.
II – Caso tenham sido reunidas provas, destinadas à atribuição ou à revisão das condições da atribuição da prestação de alimentos pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, devem as mesmas ser comunicadas àquele Fundo para que possa exercer o seu direito ao contraditório, podendo juntar novos elementos probatórios e pronunciar-se sobre o mérito do incidente antes da decisão final, pela qual não pode ser surpreendido.
III – A violação do princípio do contraditório só produz nulidade se tiver influído no exame ou decisão da causa, cabendo ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores explicar em que medida é que aquela violação o prejudicou, ou seja, em que medida teve a mesma influência no exame ou na decisão da causa.
IV – Atendendo a que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores fica subrogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso, o valor da prestação a suportar por aquele Fundo não pode ser superior ao que está prévia e judicialmente definido para o obrigado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1234/12.0TMPRT-A.P1 – 3ª Secção (Apelação)
Incumprimento das Responsabilidades Parentais – 2º Juízo de Família e Menores do Porto
Rel. Deolinda Varão (849)
Adj. Des. Freitas Vieira
Adj. Des. Madeira Pinto

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B…, em representação do seu filho menor, C…, deduziu incidente de incumprimento das responsabilidades parentais contra a progenitora deste, D…, alegando que a requerida não tem efectuado o pagamento da prestação de alimentos fixada ao menor.
A requerida não deduziu oposição.
Foram solicitadas informações à Segurança Social sobre a situação económica da requerida e foi solicitada ao ISSS a elaboração de relatório sócio-económico relativo ao agregado familiar em que o menor se encontra inserido.
Percorrida a tramitação subsequente, foi proferida decisão que julgou verificado o incumprimento das responsabilidades parentais pela requerida no que respeita ao pagamento da prestação de alimentos e ficou em € 100,00 o montante mensal a prestar pelo Estado ao menor, em substituição da requerida.

O FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES recorreu, formulando, em síntese, as seguintes

CONCLUSÕES
1ª – O Tribunal a quo não aplicou a nova redacção da al. b) do nº 1 do artº 3º do DL 164/99, de 13.05, introduzida pela Lei 64/12, de 20.12, donde passou a considerar-se para efeitos de valor de referência a ter em conta para efeitos de apuramento do rendimento per capita do agregado familiar do menor, o indexante dos apoios sociais (IAS), em vez do salário mínimo nacional.
2ª – O Tribunal recorrido considerou para efeitos de valor de referência a ter em conta para efeitos de apuramento do rendimento per capita do agregado familiar do menor, o salário mínimo nacional.
3ª – Do despacho recorrido não consta quais os rendimentos que foram considerados e qual foi a forma de ponderação de cada elemento do mesmo [agregado familiar], para efeitos de apuramento da capitação de rendimentos [artº 1º, in fine, da Lei 75/98, e artº 3º, nºs 1, al. b), 2, 3 do DL 164/99].
4ª – O despacho é assim, nulo, por falta de fundamentação legal – face à não aplicação dos critérios legais em vigor à data do despacho – e factual, violando o disposto nos artigos 154º e 615, nº 1, al. b), ambos do CPC.
5ª – Foi também violado o princípio do contraditório, estatuído nos artºs 3° e 415°, nº 1, do CPC, segundo os quais, enquanto parte, nenhuma questão de direito ou de facto pode ser decidida sem que tenha tido possibilidade de sobre ela se pronunciar, nem admitida ou produzida prova sem que tal ocorra – neste sentido, vd. Ac. proferido no agravo nº 20030B/1999.P2.de 26/06/2012.
6ª – Sobre a impossibilidade de ser fixada ao FGADM uma prestação superior a que se encontrava vinculado o progenitor em incumprimento, já se pronunciaram os Tribunais Superiores, referindo-se entre outros, os acórdãos proferidos pelo TRL, de 30.01.14, proc. 130/06.5TBCLD-E.L1-6; de 30.01.14, proc. 306/06.5TBAGH-A.L1-6; de 19.12.13, proc. 122/10.0TBVPV-B.L1-6; de 12.12.13, proc. 2214/11.9TMLSB-A.L1-2; de 08.11.12, proc. 1529/03; o acórdão do TRC, de 19.02.13, proc. 3819/04; o acórdão proferido pelo TRP, de 10.10.13, proc. 3609/06.5; de 25.02.13, proc. 30/09; e o acórdão proferido pelo TRE, de 14.11.13, proc. 292/07.4.
7ª – A obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM é autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal e não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação.
8ª – O nº 1 do artº 3º da Lei 75/98 não deixa dúvidas que o montante que o tribunal fixa a cargo do Estado é para este prestar "em substituição do devedor".
9ª – Existe uma "substituição", apenas enquanto houver a obrigação original, por se verificarem os seus pressupostos e ocorrer incumprimento da mesma, o que seria diferente se estivéssemos perante uma obrigação diversa, desligada da originária.
10ª – A sub-rogação não pode exceder a medida da sub-rogação total, porquanto, se o terceiro paga mais do que ao devedor competia pagar, ele não tem o direito de exigir do devedor o reembolso pelo excesso, e só poderá exigir do credor a restituição do que este recebeu indevidamente - cfr. artº 593° do CC – é legítimo concluir-se que, ao estabelecer esta sub-rogação legal, o legislador não podia deixar de ter implícito que a prestação a cargo do Fundo nunca poderia ser superior ao montante máximo da prestação alimentícia a que o menor tinha direito.
11ª – Não tem qualquer suporte legal fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do FGADM superior à fixada à progenitora, pois a diferença que daí resulta é fixada apenas para o FGADM e é uma obrigação nova.
12ª – A manter-se a decisão, a obrigação e responsabilidade de prestar alimentos deixará de ser imputável à progenitora obrigada, passando a ser única e exclusivamente da responsabilidade do FGADM.
13ª – Existiu, assim, violação do disposto no nº 1 do artº 5º do DL 164/99, de 13.05, uma vez que o FGADM não é o obrigado à prestação de alimentos, assumindo apenas a obrigação, como interveniente acidental que se substitui à progenitora [obrigada judicialmente] incumpridora.

O MINISTÉRIO PÚBLICO contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II.
O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
O menor vive com o progenitor e a avó paterna, sendo os rendimentos do agregado familiar provenientes do subsídio de desemprego do progenitor e da pensão de reforma da avó paterna, tudo no montante global de € 631,03/mês.
O mesmo agregado tem despesas mensais, no montante global de € 862,84, sendo as específicas relativas ao menor, no montante de € 170,84/mês.

Está ainda provado o seguinte facto:
Por decisão de 10.06.123, proferida no processo principal, foi fixada a cargo da requerida e a favor do seu filho menor a que se reportam os autos, a pensão de alimentos no valor mensal de € 30,00.
*
III.
As questões a decidir – delimitadas pelas conclusões da alegação do apelante – são as seguintes:
- Se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação de facto e de direito;
- Se não foi cumprido o contraditório relativamente ao apelante;
- Se, para efeitos de apuramento do rendimento per capita do agregado familiar do menor deve ser utilizado o indexante dos apoios sociais (IAS), em vez do salário mínimo nacional;
- Se o montante da pensão de alimentos a cargo do FGADM está limitado pelo montante da pensão fixada judicialmente à progenitora do menor.

1. Nulidade da decisão
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do artº 615º do CPC – na versão introduzida pela Lei 41/13, de 26.06 (cfr. artºs 5º, nº 1 e 7º, nº 1), à qual pertencem todas as normas do CPC adiante citadas sem outra menção.
Nos termos daquele preceito, é nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Com excepção da 2ª parte da al. c), o artº 615º, nº 1 reproduz o artº 668º, nº 1, na versão anterior à introduzida pela Lei 41/13, pelo que continuam a ser válidas as considerações doutrinais tecidas a propósito das normas deste preceito.
Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença a provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada[1].

Nos termos da al. do citado artº 615º, nº 1, al. b), a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artº 607º, nº 3, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artº 615º.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade[2].
No que à fundamentação de facto diz respeito, basta que o juiz indique os factos que teve como provados e sobre os quais assentou a sua decisão para que aquela nulidade não se verifique[3].
Na decisão recorrida, elencaram-se os factos provados e indicaram-se as normas em que se baseou a decisão.
Tanto basta para que a decisão não enferme do mencionado vício de falta de fundamentação de facto e de direito.
Se a fundamentação é deficiente ou errada estamos perante erros de julgamento que, oportunamente, serão sindicados e que, a existirem, podem levar à alteração ou revogação da decisão, mas que não afectam a sua validade formal – como acima dissemos.

2. Incumprimento do contraditório
A violação do princípio do contraditório resulta da omissão de um acto que a lei impõe (a audição da parte contrária em determinadas situações) e que pode influir no exame e decisão da causa. Constitui pois uma nulidade processual atípica ou inominada, aplicando-se-lhe o regime do artº 195º, nº 1 do CPC.
Não sendo de conhecimento oficioso, teria de ser arguida pelo interessado (no caso, pelo FGADM), no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão recorrida; e teria de ser arguida perante o tribunal que a praticou. É o que resulta do regime instituído nos artºs 197º, nº 1 e 199º, nºs 1 e 3 do CPC. (este, a contrario).
No entanto, tem sido defendido, doutrinal e jurisprudencialmente, que sempre que a violação das normas processuais esteja coberta por decisão judicial que ordenou, sancionou ou autorizou o acto ou omissão (mesmo que de modo implícito), pode reagir-se contra tal violação através de recurso da decisão[4].
É o que sucede no caso dos autos, em que, a ter-se cometido tal nulidade, foi a mesma sancionada pela decisão recorrida, pelo que dela cumpre conhecer.

Um dos princípios fundamentais do processo civil é o princípio do contraditório, consagrado em diversas disposições do CPC e fundamentalmente no artº 3º.
Segundo Manuel de Andrade[5], o processo reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars). Cada uma das partes é chamada a deduzir as suas razões (de facto e de direito), a oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e a discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras.
Lebre de Freitas[6] refere que, na sua concepção tradicional, o princípio do contraditório tinha como escopo principal a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia. Àquela concepção substitui-se hoje uma noção mais lata de contrariedade, entendida como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com todo o objecto da causa. O escopo principal do princípio do contraditório passou a ser a influência, no sentido positivo do direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.
A reforma processual de 96 consagrou aquela noção mais ampla de contraditório.
Diz o artº 3º, nº 3 do CPC que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Como se lê no Preâmbulo do DL 329-A/95 de 12.12, “…prescreve-se, como dimensão do princípio do contraditório, que ele envolve a proibição da prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem…”.
O princípio do contraditório está posto ao serviço do princípio da igualdade das partes, consagrado no artº 4º do CPC: o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.
No plano da alegação, o princípio do contraditório exige que os factos alegados por uma das partes (como causa de pedir ou fundamento de excepção) possam ser pela outra contraditados (por impugnação ou por excepção), sendo assim concedida a ambas as partes, em igualdade, a faculdade de sobre elas se pronunciarem. Constituindo os articulados as peças nas quais as partes alegam, em regra, a matéria de facto, o princípio do contraditório implica que haja tantos articulados quantos os necessários para que o direito de resposta seja assegurado.
A resposta à excepção deduzida no último articulado admissível poderá ainda ser dada no início da audiência preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final, como expressamente resulta do nº 4 do artº 3º do CPC.
No que respeita às questões de direito, o princípio do contraditório exige que, antes da sentença, seja facultada às partes a discussão efectiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie.
Tratando-se de um fundamento de direito na disponibilidade exclusiva das partes, a possibilidade de discussão resulta naturalmente da sua invocação necessária pelo interessado e do direito de resposta da parte contrária.
A proibição da decisão surpresa a que se refere o Preâmbulo do DL 329-A/95 tem sobretudo interesse para as questões de que o tribunal pode conhecer oficiosamente, quer sejam de direito material ou de direito processual.
Lebre de Freitas[7] defende que se nenhuma das partes tiver suscitado aquelas questões, deve o juiz que nelas entenda dever basear a sua decisão – seja mediante o conhecimento prévio do mérito da causa, seja no plano processual – convidar previamente ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade (artº 3º, nº 3 do CPC).
Segundo Abílio Neto[8], o efeito surpresa é inadmissível porque apanha a parte desprevenida, atentando contra o dever de lealdade que deve informar a actividade judiciária.
Todavia, o efeito surpresa só acontece se a parte for apanhada desprevenida pela decisão, isto é, se, tendo alegado factos susceptíveis de levar a determinado resultado, independentemente da posição sobre eles tomada pela parte contrária, se vir frustrada nas suas expectativas, porque a decisão aparece inopinadamente num sentido imprevisível[9].

Como se escreveu no Ac. da RG de 19.03.13, que passamos a seguir de perto:
No caso, estamos em face de um processo de jurisdição voluntária (artºs 986º e segs. do CPC e 150º da OTM), em que predomina o princípio do inquisitório, ao dispor do tribunal, em detrimento do princípio do dispositivo (nº 2 do citado artº 986º), e o princípio da equidade sobre o princípio da legalidade estrita (artº 987º do CPC), aliando aquele à busca de uma solução de conveniência e de oportunidade; vigora aqui o princípio da livre revogabilidade das decisões, por parte do Tribunal que as está a aplicar, sem que isso signifique que elas não gozam da força do caso julgado, enquanto subsistem, para com os seus concretos destinatários (988º, nº 1 do CPC).
Mas aquelas características do processo não dispensam o contraditório.
Não seria compreensível que o FGADM, apesar de parte incidental, mas em incidente destinado à sua condenação e posterior manutenção da condenação no pagamento de prestações mensais que se podem manter até ao limite da menoridade do beneficiário, com direito a recurso, não fosse ouvido, nem informado sobre os termos do processo que lhe diz respeito em tudo quanto se desenvolve processualmente até à decisão de que é destinatário directo.
Admite-se que o princípio do contraditório não é absoluto e que sofre derrogações pontuais (cfr. artº 3º, nº 2 do CPC), mas não vemos em que possa ficar prejudicado o superior interesse da criança se ao FGADM for dada a oportunidade de se pronunciar sobre matéria que lhe diz respeito.
Atente-se no disposto no artº 147º-E, nºs 1 e 2, da OTM. No primeiro daqueles preceitos, determina-se que se observe o contraditório em relação a informações, relatórios, exames e pareceres constantes do processo, para que as partes, depois de conhecerem esses elementos, possam pedir esclarecimentos, etc.
No segundo, determina-se que o juiz indefira, por despacho irrecorrível, os requerimentos que se mostrem inúteis.
É isto que se pode e deve qualificar de superiores interesses do menor, que postulam, em certos casos, precedência ou primazia sobre o rigor do contraditório que, em princípio, é de observar[10].
O DL 70/10, de 16.06, veio introduzir regras e critérios mais apertados para a concessão e/ou renovação da sub-rogação do FGADM.
Com a alteração introduzida no nº 3 do artº 3º do DL 164/99, de 13.05, pelo DL 70/10, foram alterados os requisitos da atribuição da prestação de alimentos pelo FGADM, pelo recurso ao conceito de agregado familiar, e ao que mais aquele mesmo diploma estabelece sobre os rendimentos a considerar e a capitação de rendimentos, não sendo despiciendo aqui afirmar que, conforme dispõe o nº 3 do artº 3º do mesmo DL, “sempre que as instituições gestoras das prestações e dos apoios sociais disponham de rendimentos actualizados mais recentes, esses rendimentos podem ser tidos em conta para a determinação da condição de recursos”, o que pressupõe o conhecimento, não só de que está em curso a recolha de provas, mas das próprias provas.
E do artº 415º, nºs 1 e 2, do CPC, extrai-se, além do mais, que, salvo disposição em contrário, as provas não serão admitidas nem produzidas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas, devendo, quanto às provas pré-constituídas, facultar-se à parte a sua impugnação, tanto da respectiva admissão como da sua força probatória.
Quer isto significar que acaso tenham sido reunidas provas – como devem ser – destinadas à atribuição ou à revisão das condições da atribuição da prestação de alimentos pelo FGADM, no mínimo, devem ser comunicadas àquele Fundo para que possa exercer o seu direito ao contraditório, podendo juntar novos elementos probatórios e pronunciar-se sobre o mérito do incidente antes da decisão final, pela qual não pode ser surpreendido, eventualmente, por condenação, restando-lhe apenas o recurso[11].

Mas, como dissemos, a violação do princípio do contraditório só produz nulidade se tiver influído no exame ou decisão da causa.
Ora, o apelante FGADM limita-se a invocar a violação do princípio, em termos genéricos, dizendo que “nenhuma questão de direito ou de facto pode ser decidida sem que tenha tido possibilidade de sobre ela se pronunciar, nem admitida ou produzida prova sem que tal ocorra”.
Não retira o FGDAM quaisquer consequências daquela violação (no caso, traduzido na falta de notificação das diligências efectuadas e na falta de audição anteriormente à decisão), não pondo em causa, nem sequer em sede de recurso, as informações prestadas pela Segurança Social, nem o relatório social elaborado pelos respectivos serviços.
Não explica, pois, o FGADM em que medida é que as omissões daqueles actos pelo Tribunal recorrido o prejudicaram, ou seja, em que medida tiveram influência no exame e na decisão da causa.
E não estando demonstrada tal influência, não se pode concluir que a violação do princípio do contraditório produza nulidade, in casu, face ao disposto no citado artº 195º, nº 1 do CPC[12].

Improcede, assim, também esta questão.

3. Rendimento per capita do agregado familiar do menor
Diz o artº 1º da Lei 75/98, de 19.11, que, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189° do DL 314/78, de 27.10, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.
As prestações atribuídas nos termos daquela Lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UCs, para determinação do qual o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor (artº 2º, nºs 1 e 2).
Segundo o artº 3º, nº 1 da mesma Lei, compete ao Mº Pº ou àqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue requerer nos respectivos autos de incumprimento que o tribunal fixe o montante que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar.
O DL 164/99, regulando a garantia de alimentos devidos a menores prevista na Lei 75/98 (cfr. artº 1º do DL), constituiu, no âmbito do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, gerido em conta especial pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (artº 2º, nº 1 do DL).
E estipulou nos nºs 2 e 3 do seu artº 2º que compete ao Fundo assegurar o pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores residentes em território nacional, nos termos dos artigos 1° e 2° da citada Lei, sendo o pagamento das prestações efectuado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo, por ordem do tribunal competente, através dos centros regionais de segurança social da área de residência do alimentado.
Os pressupostos e requisitos de atribuição das prestações de alimentos estão definidos no artº 3º.
O nº 1 daquele preceito estabelece que o Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando: a) a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189° do DL 314/78, de 27.10; e b) o menor não tenha rendimento líquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
Segundo o nº 5 do mesmo artº 3º, as prestações a que se refere o nº 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, devendo aquele atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.
A aplicação do regime prescrito naqueles artºs 1º da Lei 75/98 e 3º do DL 164/99, exige ainda que se conheçam e operem os conceitos de agregado familiar e de capitação do rendimento do agregado familiar, constantes dos artºs 4º e 5º da Lei 70/10, de 16/06:
Segundo o artº 4º, nº 1 daquela Lei, para além do requerente, integram o respectivo agregado familiar as seguintes pessoas que com ele vivam em economia comum, sem prejuízo do disposto nos números seguintes: a) Cônjuge ou pessoa em união de facto há mais de dois anos; b) Parentes e afins maiores, em linha recta e em linha colateral, até ao 3.º grau; c) Parentes e afins menores em linha recta e em linha colateral; d) Adoptantes, tutores e pessoas a quem o requerente esteja confiado por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito; e) Adoptados e tutelados pelo requerente ou qualquer dos elementos do agregado familiar e crianças e jovens confiados por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito ao requerente ou a qualquer dos elementos do agregado familiar.
Nos termos do nº 2 do mesmo preceito, consideram-se em economia comum as pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação e tenham estabelecido entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos, sem prejuízo do disposto no nº 3, que diz que a condição de vivência em comunhão de mesa e habitação pode ser dispensada por ausência temporária de um ou mais elementos do agregado familiar, por razões laborais, escolares, formação profissional ou por motivos de saúde.
De acordo como artº 5º da citada Lei 70/10, no apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, a ponderação de cada elemento é efectuada de acordo com a escala de equivalência seguinte: requerente - 1; por cada indivíduo maior - 0,7; por cada indivíduo menor - 0,5.
O indexante dos apoios sociais (IAS), instituído pela Lei 53-B/06, de 29.12 (que fixa as regras de actualização das pensões e de outras prestações atribuídas pelo sistema de segurança social) para 2014 continua a ser no valor de € 419,22, fixado pelo artº 3º do DL 323/09, de 24.12, conforme estabelecido na Lei 83-C/13, de 31.12 (Lei do Orçamento de Estado para 2014).

Na decisão recorrida, escreveu-se que o menor não beneficia de rendimentos do progenitor e da avó paterna superiores ao salário mínimo nacional, sendo certo que, por força do disposto na citada al. b) do nº 1 do artº 3º do DL 164/99, o rendimento do agregado familiar do menor a considerar para efeitos de fixação da prestação a favor do FGADM deve ter como referência o indexante dos apoios sociais (IAS).
Sucede que está provado que menor vive com o progenitor e a avó a paterna, que assim compõem o seu agregado familiar, face ao disposto no artº 4º da Lei 70/10.
Temos, então, dois adultos (sendo um deles o requerente) e uma criança, o que, nos termos do nº 4 do artº 3º do DL 164/99 e do artº 5º da Lei 70/10, leva à aplicação de um coeficiente de capitação de 2,2 (1+0,7+0,5).
No que respeita aos rendimentos deste agregado, conceito este a preencher segundo o prescrito pelo artº 3º da Lei 70/10 já referida, devem contabilizar-se em € 631,3.
Dividindo aquele valor pelo coeficiente de capitação, obtemos o resultado de € 286,95 (tal como refere o Magistrado do MºPº nas suas contra-alegações).
Ou seja, o rendimento per capita do agregado familiar é inferior ao valor de € 419,22 fixado para o indexante dos apoios sociais.
De onde se conclui que o lapso cometido na sentença, ao referir-se o salário mínimo nacional, não tem qualquer interferência na decisão da causa, pois que, mesmo por referência ao valor do indexante dos apoios sociais, o menor preenche o requisito previsto na al. b) do nº 1 do artº 3º do DL 164/99.

Improcede, pois, também esta conclusão de recurso.

4. Montante da prestação
Como é sabido, a questão da delimitação da obrigação do FGADM em relação à obrigação judicialmente fixada ao devedor incumpridor de prestação de alimentos é controvertida, tendo dado origem a duas correntes jurisprudenciais:
- Uma que defende que a obrigação do FGADM nunca pode exceder a obrigação incumprida[13];
- Outra que defende que a obrigação do FGDAM pode exceder o valor das prestações incumpridas, até ao limite previsto no artº 3º, nº 5 do DL 164/99[14].

Este colectivo perfilha a primeira daquelas orientações, pelos motivos que já tivemos oportunidade de expor nos Acs. de 08.05.14 e de 11.09.14, citados na nota 2., cuja fundamentação passamos a reproduzir:

Repetimos que diz o artº 1º da Lei 75/98, de 19.11, que, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189° do DL 314/78, de 27.10, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.
As prestações atribuídas nos termos daquela Lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UCs, para determinação do qual o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor (artº 2º, nºs 1 e 2).
Segundo o artº 3º, nº 1 da mesma Lei, compete ao Mº Pº ou àqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue requerer nos respectivos autos de incumprimento que o tribunal fixe o montante que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar.
O DL 164/99, regulando a garantia de alimentos devidos a menores prevista na Lei 75/98 (cfr. artº 1º do DL), constituiu, no âmbito do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, gerido em conta especial pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (artº 2º, nº 1 do DL).
E estipulou nos nºs 2 e 3 do seu artº 2º que compete ao Fundo assegurar o pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores residentes em território nacional, nos termos dos artigos 1° e 2° da citada Lei, sendo o pagamento das prestações efectuado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo, por ordem do tribunal competente, através dos centros regionais de segurança social da área de residência do alimentado.
Os pressupostos e requisitos de atribuição das prestações de alimentos estão definidos no artº 3º.
O nº 1 daquele preceito estabelece que o Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando: a) a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189° do DL 314/78, de 27.10; e b) o menor não tenha rendimento líquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
Segundo o nº 5 do mesmo artº 3º, as prestações a que se refere o nº 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, devendo aquele atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.
Por seu turno, o artº 189º, nº 1 da OTM estabelece os meios de tornar efectiva a prestação de alimentos quando a pessoa judicialmente obrigada a prestá-los não satisfizer as quantias em dívida.

A referência a “pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos” surge no artº 1º da Lei 75/98, nos artºs 2º, nº 2 (por remissão para o artº 1º da Lei), e artº 3º, nº 1, al. a) do DL 164/99 e no artº 189º, nº 1 da OTM.
Como se escreve no Ac. desta Relação de 23.06.05[15], ao falar de pessoas judicialmente obrigadas, as normas atrás transcritas não as confundem com as pessoas legalmente obrigadas, antes acentuam a diferenciação entre essas duas categorias.
O artº 2009º do CC define quem são os obrigados a alimentos, isto é, aqueles que os devem prestar ou a quem podem ser exigidos. Os alimentos de quem estiver necessitado deles são deferidos pelo tribunal nos termos daquele artº 2009º, a pedido de alguma das pessoas mencionadas no artº 186º, nº 1 da OTM.
Assim, só existe obrigação judicial desde que o tribunal defina o devedor de alimentos, condenando a pessoa legalmente obrigada a pagar determinada prestação alimentar.
Os artºs 1º, nº 1 e 3º, nº 1 da Lei 75/98 e nos artºs 2º, nº 1 (por força da remissão para a Lei) e 3º, nº 1, al. a) do DL 164/98 mencionam ainda o incumprimento da pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos, a impossibilidade de a forçar através dos meios previstos no artº 189º, nº 1 da OTM - dedução das quantias em dívida no vencimento, ordenado ou salário ou noutras prestações - e a fixação da prestação a cargo do Fundo nos autos do incidente de incumprimento.
Ora, só há incidente de incumprimento com recurso à utilização de meios coercivos se a pessoa legalmente obrigada a prestar alimentos tiver sido efectivamente condenada a prestá-los pelo tribunal.

Daqui decorre que a obrigação de prestação de alimentos por parte do progenitor – a obrigação tal como previamente fixada pelo tribunal – se mantêm a par da obrigação da prestação que vier a ser determinada para ser suportada pelo FGADM, mantendo-se esta enquanto durar aquela obrigação principal, de que ela é dependente.

Há que referir ainda a sub-rogação do FGADM nos direitos do menor.
De acordo com o artigo 6º, nº3 da Lei 75/98, o FGADM fica sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso.
Repete o artº 5º, nº 1 do DL 164/98 que o FGADM fica subrogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso.
A sub-rogação, sendo uma forma de transmissão de obrigações (artºs 589º e seguintes do CC), que coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito que pertencia ao credor primitivo, implica, obviamente, que haja um credor primitivo.
Isto é, o Estado, através do FGADM “não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos, apenas assegura o pagamento efectivo duma prestação, desde que o menor deles careça e enquanto o devedor não inicie o seu pagamento ou não cesse essa obrigação, ficando este onerado com o reembolso dessa prestação” [16].
Sendo assim, os direitos do menor em que o FGADM fica sub rogado têm como referência e limite precisamente o direito de crédito que o menor tinha em relação ao progenitor obrigado nos termos previamente estabelecidos pelo tribunal no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Dito de outro modo, a prestação do FGADM, podendo ser fixada – tendo sempre em conta o disposto no artigo 2º da Lei 75/98 e os parâmetros nele estabelecidos – pelo tribunal em montante não coincidente com o que foi fixado para o progenitor obrigado, terá sempre como referência e limite máximo (para além do limite de 4 UC previsto na parte final do nº 1 do artigo 2º da Lei 75/98), o montante da prestação de alimentos incumprida pelo obrigado originário.
È nesse sentido que aponta a vontade do legislador ao criar um mecanismo de garantia de prestação de alimentos a menores, desde que a pessoa judicialmente obrigada a prestá-los os não satisfaça. Com mediana clareza se extrai do artigo 1º da Lei 75/98, que o FGADM só intervêm para garantir os alimentos devidos a menor quando tenha sido previamente fixada pelo tribunal uma concreta – e incumprida – obrigação de prestação de alimentos a favor de determinado menor[17].
Segundo o artº 9º, nº 1 do CC, a interpretação da lei não deve cingir-se à sua letra, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2 do mesmo preceito).
Assim, embora visando alcançar o espírito da lei através da sua letra, a interpretação tem sempre esta como limite[18].
Coerentemente não pode o intérprete abstrair do elemento literal na interpretação da norma do artº 2º da Lei 75/98.
Neste contexto, o que aquele preceito estabelece são critérios de determinação do montante dos alimentos a suportar pelo FGADM, tendo como limite o valor da obrigação que o progenitor do menor não cumpriu[19].
Portanto, estando em causa o incumprimento das responsabilidades parentais na vertente da obrigação de prestação de alimentos e, concluindo-se que estão reunidas as condições para a intervenção do FGADM, não pode, ao abrigo da Lei 75/98, determinar-se que o valor da prestação a suportar por este seja superior ao que está prévia e judicialmente definido para o obrigado.
Como se escreveu no Ac. da RC de 19.02.13[20], se a prestação a suportar pelo FGADM pudesse ser superior à prestação do devedor dos alimentos, então a lei devia prever a hipótese, mas não prevê, que, tendo o devedor retomando o pagamento da prestação de alimentos, se porventura esta prestação fosse inferior à que vinha sendo paga pelo Fundo, esta entidade continuaria vinculada a pagar alimentos ao menor, agora no montante equivalente à diferença entre a prestação que o Fundo estava a pagar e aquela que o devedor recomeçou a pagar, ao invés de prever simplesmente, nesta hipótese, a cessação da obrigação a cargo do FGADM.
No sentido da posição que defendemos, transcrevemos ainda o voto de vencido formulado no Ac. desta Relação e Secção de 28.11.13[21]:
Como o próprio nome do FGADM indica, trata-se de um fundo para garantia dos alimentos devidos. Criou-se assim um fundo para garantir uma prestação, não se criou uma nova prestação social administrativa independente daquela, fixável pelos tribunais judiciais e não reembolsável, que é o resultado a que chega a tese contrária.
Todo o regime jurídico desta garantia tem como pano de fundo aquele fim: daí a sub-rogação, daí os reembolsos, daí a cessação da prestação a cargo do FGADM a partir do momento em que o obrigado a alimentos comece o pagamento das prestações.
A imposição de realização de diligências probatórias para averiguar das efectivas necessidades dos menores quando o FGADM é accionado, que é o principal argumento da tese contrária (como se pode ver na 2ª edição do estudo de Remédio Marques, pp 237-239), justifica-se de forma muito diversa da avançada por essa tese, ou seja, visa-se com ela prevenir as múltiplas hipóteses de conluio entre os progenitores, em prejuízo dos dinheiros públicos, com fixação de prestações alimentares que ultrapassem os montantes necessários. Por isso, quando os fundos públicos são chamados a pagar a prestação, tem que se averiguar, com novas diligências de prova, se as necessidades dos menores correspondem de facto à prestação fixada (fixada… por acordo ou com base em prova testemunhal oferecida pelas partes).
E é também isto que justifica o facto de a prestação fixada aos obrigados não ser o único factor a ter em conta na fixação da prestação a suportar pelo FGADM.
Aliás, se o fim visado com esta prestação fosse de facto a satisfação das necessidades dos menores, com base nestas necessidades, não se justificaria que ela fosse restrita aos menores a quem não está a ser paga a prestação pelos devedores originários. Deveria ser prestada a todos os menores necessitados. Mas é evidente que o regime jurídico desta específica prestação não tem este fim (independentemente de se aceitar que alguma outra prestação o devia ter... isto é, alimentar todos os menores necessitados e não só aqueles a quem esteja fixada alguma prestação alimentar).”.

É certo que no preâmbulo do DL 164/99 se referem os artºs 69º e 24º da CRP que consagram, respectivamente, o direito das crianças à protecção pelo sociedade e pelo Estado e o direito à vida de que decorre o direito a alimentos e se diz que este se traduz “…no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna”.
Mas no próprio preâmbulo se continua a falar em “…incumprimento de decisões judiciais,…” e se reitera que ao Fundo “…cabe assegurar o pagamento das prestações de alimentos em caso de incumprimento da obrigação pelo respectivo devedor,…”.
O que nos permite concluir que, com a instituição da garantia dos alimentos devidos a menores, o legislador pretendeu criar um mecanismo de protecção à criança, mas que abrange apenas as situações em que as crianças são titulares de um crédito alimentício judicialmente reconhecido e incobrável.
Para as demais situações estão criados (e, se não estiverem, terão de ser criados) outros mecanismos para dar efectividade aos direitos que emanam do artº 69º da CRP.
Sendo assim, a interpretação que fizemos do quadro gerado pelas normas dos Diplomas citados, não é contrária àquele preceito constitucional. Nem ao princípio da igualdade previsto no artº 13º da CRP porque está em causa um tratamento diferente para situações diferentes: a situação em que existe uma obrigação alimentar fixada por decisão judicial e a situação em que tal obrigação não existe[22].

Por todas as razões expostas, no caso dos autos, o valor da prestação mensal a pagar pelo FGADM ao menor C… não pode ser superior ao valor da prestação de alimentos que a sua mãe havia sido condenado a pagar-lhe - € 30,00.

Procede, pois, a pretensão do FGADM, nesta parte.
*
IV.
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente a procedente a apelação, alterando-se a decisão recorrida e, em consequência:
- Fixa-se em € 30,00 (trinta euros) mensais a prestação de alimentos a cargo do FGDAM, correspondente ao montante que deveria ser suportado pela progenitora do menor;
- Mantém-se o mais que foi decidido.
Sem custas.
***
Porto, 09 de Outubro de 2014
Deolinda Varão
Freitas Vieira
Madeira Pinto
___________
[1] Abílio Neto, CPC Anotado, 22ª ed., pág. 948.
[2] Alberto dos Reis, CPC Anotado, V, 1981, pág. 140.
[3] Cfr. Alberto dos Reis, obra citada, págs. 140 e 141.
[4] Neste sentido, Alberto dos Reis, obra citada, pág. 424 e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 182.
[5] Obra citada, pág. 377.
[6] Introdução ao Processo Civil, pág. 96.
[7] Obra citada, pág. 103.
[8] CPC Anotado, 22ª ed., pág. 60.
[9] Ac. desta Relação de 22.03.01, www.dgsi.pt.
[10] Ac. da RE de 10.07.03, www.dgsi.pt.
[11] No sentido da necessidade do cumprimento do contraditório relativamente ao FGADM, também já se decidiu no Ac. desta Relação de 27.09.12, inédito, proferido no processo 628.C/1998.P1, relatado pela relatora deste e subscrito pelo ora 1º-Adjunto; é também este o entendimento do 2º-Adjunto, expresso na sua obra Direito das Crianças e dos Jovens, 2010, pág. 92.
[12] Cfr. os arestos citados na nota anterior.
[13] Neste sentido, os Acs. do STJ de 29.05.14, www.dgsi.pt, desta Relação de 16.01.14, inédito, proferido no proc. 5199/10.5TBVFR-A.P1, de 13.03.14, relatado pelo 2º-Adjunto do presente, também inédito, proferido no proc. 621/07.0TBVLC-C.P1, de 18.02.14, este em www.dgsi.pt, de 08.05.14 e de 11.09.14, proferidos pelo mesmo colectivo do presente, nos procs. 1917/03.6TBPN-G.P1 e 1623/11.8TMPRT.A.P1, ambos inéditos; da RC de 06.06.06 e 19.02.13, www.dgsi.pt; e da RL de 31.01.08, 06.03.08 e 08.11.12, todos em www.dgsi.pt.
[14] Neste sentido, os Acs. do STJ de 04.06.09; desta Relação de 24.02.05, 27.06.06, 18.06.07, 02.12.08, 17.02.09 e 08.09.11, 15.10.13, 28.11.13, 03.12.13 e 13.02.14 e 11.03.14; da RC de 09.10.01, 05.03.02, 02.12.03 e 24.06.08; da RE de 17.04.08; e da RL de 11.07.13; todos em www.dgsi.pt.
[15] www.dgsi.pt.
[16] Tomé d’Almeida Ramião, Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada – Jurisprudência e Legislação Conexa, 10ª ed., pág. 200.
[17] Ac. da RL de 08.11.12, citado na nota 2, que seguimos de perto neste parágrafo e nos dois parágrafos anteriores.
[18] Cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 175 e segs.
[19] Citado Ac. da RL de 08.11.12.
[20] Também citado na nota 2.
[21] Citado na nota 3.
[22] Ac. deste mesmo colectivo de 22.11.07, inédito, proferido no proc. nº 5194/07; no mesmo sentido, o Ac. de 13.03.14, relatado pelo 2º Adjunto do presente, já citado na nota 2.