Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
109/19.7TELSB-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LILIANA DE PÁRIS DIAS
Descritores: CRIME
BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
SUSPENSÃO TEMPORÁRIA
EXECUÇÃO
OPERAÇÕES A DÉBITO
CONTAS BANCÁRIAS
FINALIDADES
PORROGAÇÃO DA MEDIDA
CARTA ROGATÓRIA
PRAZO LIMITE
LEIS DO ESTADO DE EMERGÊNCIA
CAUSA DE SUSPENSÃO
Nº do Documento: RP20210127109/19.7TELSN-B.P1
Data do Acordão: 01/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo e transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a Diretiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro e das atividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, bem como a Diretiva 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de dezembro de 2016, que altera a Diretiva 2011/16/UE, no que respeita ao acesso às informações antibranqueamento de capitais por parte das autoridades fiscais.
II – A medida de suspensão temporária da execução de operações a débito das contas bancárias é uma medida de natureza preventiva e repressiva, nomeadamente de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita, o que só pode ser alcançado de forma eficaz com medidas próprias, de forma a evitar que o agente faça desaparecer os valores detectados, nomeadamente através de transferências internacionais facilmente exequíveis, em particular quando podem estar em causa agentes experientes em actividades económico-financeiras internacionais.
III - Não é uma medida de coacção, inscrevendo-se no naipe de medidas com que se visa evitar prejuízos na prevenção ou na investigação da actividade criminosa, revestindo similitudes com as apreensões de objectos e produtos do crime (sem o ser).
IV - Ditada por preocupações de prevenção da prática de crime de branqueamento de capitais, apresenta uma natureza cautelar reforçada que se não autonomiza face à sua principal finalidade de meio de obtenção de prova.
V – A medida de suspensão de operações bancárias a débito pode ser prorrogada por períodos não superiores a três meses (segundo o princípio rebus sic stantibus), tendo como limite de vigência o correspondente ao prazo do inquérito, sendo certo que o prazo máximo do inquérito não pode ser ultrapassado, sob pena de extinção da medida de suspensão temporária de operações financeiras, por caducidade.
VI - Em caso de expedição de carta rogatória, o decurso dos prazos de duração máxima do inquérito suspende-se até à respectiva devolução, não podendo o período total de suspensão, em cada processo, ser superior a metade do prazo máximo que corresponder ao inquérito.
VII - O art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6/4, consagrou um conceito amplo de acto processual, abrangendo tanto os praticados no processo como os realizados fora dele, incluindo prazos substantivos, por forma a contemplar todas as situações possíveis.
VIII - As referidas normas excepcionais e transitórias introduziram uma causa de suspensão na duração máxima do inquérito que acresce à que se encontra prevista no art.º 276.º, n.º 5, do CPP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 109/19.7TELSB-B.P1

Recurso Penal
Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 5
Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
I. Relatório
No âmbito do processo de inquérito que, sob o nº 109/19.7TELSB-B, corre termos pelo DIAP – 6.ª secção do Porto, foi proferido despacho pelo Juízo de Instrução Criminal do Porto, datado de 14/4/2020, tendente à renovação da medida de suspensão provisória de operações a débito pelo período de três meses, previamente determinada.
Inconformada com a decisão, dela interpôs recurso a visada B… para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respectiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões” (…)
Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exas. se dignem declarar o presente recurso procedente, por provado, ordenando, em consequência:
a) a caducidade da Ordem de Suspensão, nos termos acima melhor descritos;
b) a revogação do despacho recorrido e o levantamento da medida de suspensão temporária de operações a débito na conta da B… n.º ……. Junto do Banco C….”.
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O recurso foi admitido para subir de imediato, em separado dos autos principais e com efeito devolutivo.
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O Ministério Público, em primeira instância, apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida, nos termos e com os fundamentos invocados no articulado junto aos autos (…)
Assim, em CONCLUSÃO:
Deve considerar-se que os despachos recorridos não incorreram em erro de facto ou de direito, nem violaram qualquer disposição legal, devendo, a final, ser integralmente confirmados, com a improcedência do recurso.”.
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A Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta, neste Tribunal, emitiu parecer, no qual se pronunciou pela improcedência do recurso, aderindo aos fundamentos da resposta apresentada pelo MP junto da primeira instância (nos termos nele constantes e cujo teor aqui se dá por reproduzido).
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Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, foi apresentada resposta ao parecer pela recorrente (nos termos do articulado constante dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido), reiterando as conclusões do recurso e aduzindo, de novo, em suma, os seguintes fundamentos:
- a norma contida no art.º 276.º, n.º 5 do CPP, tratando-se de norma de natureza excepcional, não comporta uma aplicação extensiva, tendente a considerar que outros instrumentos de cooperação judiciária internacional (como a DEI), para além da carta rogatória nela expressamente prevista, poderão constituir causas de suspensão do prazo de duração máxima do inquérito;
- a fundamentação por remissão de decisões judiciais não obedece às exigências legais.
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Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II - Fundamentação
É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art.º 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, em prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o artº. 410.º, n.º 2 ou o art.º 379.º, n.º 1, do CPP (cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt).
Podemos, assim, equacionar como questões colocadas à apreciação deste tribunal, as seguintes:
1) Caducidade da ordem de suspensão de operações bancárias por decurso do prazo do inquérito;
2) Nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação;
3) Ausência de matéria indiciária que permita fundar a manutenção da ordem de suspensão;
4) Desproporcionalidade da manutenção da ordem de suspensão e inerente inconstitucionalidade por violação do direito à propriedade e iniciativa privada, do princípio da presunção de inocência e do direito da recorrente de obtenção de uma decisão em prazo razoável.
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Delimitado o thema decidendum, importa conhecer o teor da decisão recorrida e descrever a sequência dos elementos processuais relevantes para a decisão do presente recurso.
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1. Por despacho proferido pelo Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, datado de 28/2/2019 (e posteriormente corrigido, por meio do despacho datado de 28/3/2019), foi confirmada a suspensão provisória decretada pelo Ministério Público (a 26/2/2019), pelo período de três meses, de “quaisquer operações de débito da conta n.º ……., titulada pela B… no Banco C…, a favor de D… ou de E…, designadamente da de $530.000,00 ordenada por F… (representante da B…) para a conta n.º ……………………., titulada por D… no G….”, nos termos previstos nos artigos 49.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 43/2017, de 18 de Agosto e 4.º, n.º 4, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro.
2. O âmbito desta decisão foi subsequentemente alargado, por decisão judicial datada de 17/5/2019, de forma a abranger qualquer operação proveniente da referida conta ……., titulada pela B… no Banco C…, a favor da mesma B… ou de qualquer terceiro com conta domiciliada no H…, em Santa Lúcia.
3. Após sucessivas renovações por períodos de três meses da medida de suspensão provisória decretada (nomeadamente por meio do despacho judicial datado de 24/1/2020, constante de fls. 892, do qual veio a ser interposto recurso para este TRP e, do acórdão por este proferido, para o TC), e na sequência do despacho/promoção do MP (datado de 8/4/2020 e constante de fls. 1422 e seguintes), foi proferido pelo Juízo de Instrução Criminal do Porto, em 14/4/2020, o despacho constante de fls. 1436 e seguintes (e posteriormente rectificado por correcção determinada a fls.1460), com o seguinte teor:
“Por despachos judiciais de fls.84, 195-196, 562, 574, 723 foi decretada a suspensão pelo período de 3 meses de todas as operações a débito sobre a conta n°………. domiciliada no Banco C… e titulada pela B… a favor de D… e/ou E… bem como a favor de contas tituladas pela própria B… ou por terceiros no H… de Santa Lúcia.
Encontram-se ainda em curso diligências que se afiguram essenciais para a prova dos factos e descoberta da verdade material.
Assim, por se afigurar que se mantém necessária, proporcional e adequada para acautelar os fundamentos de facto e de direito que presidiram ao seu decretamento e ao abrigo do disposto no art° 49° n° 1 e 2 da Lei 83/2017 de 18 de Agosto e 4º n°4 da Lei 5/2002 de 11/1, renova-se a medida de suspensão provisória de operações a débito a favor de D… e/ou E… bem como a favor das contas tituladas pela própria B… ou por terceiros no H…, Ld de Santa Lúcia.”.
4. Foi do despacho judicial proferido em 14/4/2020, pelo TIC do Porto, atrás transcrito, que foi interposto o recurso agora em apreciação.
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Apreciando os fundamentos do recurso.
4) Caducidade da ordem de suspensão de operações bancárias por decurso do prazo do inquérito.

Sustenta a recorrente que, sendo o prazo máximo do presente inquérito de 14 meses, tal prazo esgotou-se em 26/4/2020 (ou, no limite, em 28/4/2020), determinando a caducidade, na mesma data, da ordem de suspensão de movimentos bancários a débito decretada, não podendo, por isso, tal medida manter-se em vigor.
Defende, por seu turno, o Ministério Público que à data da prolação do despacho recorrido o prazo regular do inquérito encontrava-se longe de estar esgotado, dado que a expedição de cartas rogatórias e decisões europeias de investigação determinou a suspensão do prazo do inquérito em curso, como previsto no art.º 276.º, n.º 5, do Código do Processo Penal.
A presente questão não foi colocada à consideração do tribunal de primeira instância [1], afigurando-se superveniente a eventual caducidade da medida de suspensão relativamente à data da prolação do despacho recorrido, como a própria recorrente admite, apontando como prazo limite do inquérito o dia 26 ou 28 de Abril de 2020.
Em todo o caso, e uma vez que o tribunal a quo acabou por tomar posição, a propósito da atribuição de natureza urgente ao processo, sobre questões que contendem com a vigência temporal da medida de suspensão de operações bancárias decretada – como resulta da leitura do despacho proferido a 14/4/2020, no trecho que precede o segmento sobre o qual foi interposto recurso - importa sobre esta matéria tecer algumas considerações.
A Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo e transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a Diretiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro e das atividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, bem como a Diretiva 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de dezembro de 2016, que altera a Diretiva 2011/16/UE, no que respeita ao acesso às informações antibranqueamento de capitais por parte das autoridades fiscais.
Como é salientado no acórdão do TRL de 6/10/2020 (relatado por Paulo Barreto e disponível em www.dgsi.pt), a medida de suspensão temporária da execução de operações a débito das contas bancárias é uma medida de natureza preventiva e repressiva, nomeadamente de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita, o que só pode ser alcançado de forma eficaz com medidas próprias, como a decretada, de forma a evitar que o agente faça desaparecer os valores detectados, nomeadamente através de transferências internacionais facilmente exequíveis, em particular quando podem estar em causa agentes experientes em actividades económico-financeiras internacionais.
A medida de suspensão temporária de movimentos e operações em conta bancária não é uma medida de coacção, inscrevendo-se no naipe de medidas com que se visa evitar prejuízos na prevenção ou na investigação da actividade criminosa, revestindo similitudes com as apreensões de objectos e produtos do crime (sem o ser) [2].
Ditada por preocupações de prevenção da prática de crime de branqueamento de capitais, apresenta uma natureza cautelar reforçada que se não autonomiza face à sua principal finalidade de meio de obtenção de prova.
Quanto à sua vigência temporal importa assinalar que, efectivamente, a medida de suspensão de operações bancárias a débito imposta à recorrente B…, podendo ser prorrogada por períodos não superiores a três meses (segundo o princípio rebus sic stantibus), tem como limite de vigência o correspondente ao prazo do inquérito, como resulta da leitura conjugada do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 49.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto (LBCFT) [3]. O prazo máximo do inquérito não pode ser ultrapassado, sob pena de extinção da medida de suspensão temporária de operações financeiras, por caducidade, nos termos do art.º 49.º, n.º 2 da Lei n.º 83/2017.
Contudo, e como justamente salienta a magistrada do Ministério Público na resposta ao recurso, decorre do nº 5 do art.º 276.º do CPP que, em caso de expedição de carta rogatória, o decurso dos prazos de duração máxima do inquérito previstos nos n.ºs 1 a 3 suspende-se até à respectiva devolução, não podendo o período total de suspensão, em cada processo, ser superior a metade do prazo máximo que corresponder ao inquérito.
Importa ainda ter presente nesta matéria que o art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6/4 [4], consagrou um conceito amplo de acto processual, abrangendo tanto os praticados no processo como os realizados fora dele, incluindo prazos substantivos, por forma a contemplar todas as situações possíveis [6].
Concluímos, assim, que as referidas normas excepcionais e transitórias introduziram uma causa de suspensão na duração máxima do inquérito que acresce à que se encontra prevista no art.º 276.º, n.º 5, do CPP [6].
Deste modo, e não se revestindo de natureza urgente, deve considerar-se que o prazo do presente inquérito ficou suspenso a partir de 9 de Março, voltando a correr no quinto dia seguinte ao da publicação da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, ou seja, a partir do dia 3 de Junho de 2020 [7] [8].
Como decorre do art.º 6.º da Lei 16/2020, de 29/5, “Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.”.
Á suspensão do prazo do inquérito determinada pelas referidas normas excepcionais e transitórias, acresce, pelo menos, a que ocorreu por força da expedição de carta rogatória no dia 29/06/2020, suspensão que se manteve até à sua devolução [9] ou, no máximo, até 29/1/2021.
Deste modo, considerando que o prazo deste inquérito é de 14 meses - porquanto se investiga a prática de um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368.º-A do Código Penal (cfr. os artigos 276.º, n.º 3, a) e 215.º, n.º 2, e), do CPP) – e mesmo que não se leve em linha de conta a decisão europeia de investigação (expedida para Espanha e devolvida em 12/3/2020, após cumprimento) [10] -, afigura-se-nos que, por força das duas causas de suspensão atrás enunciadas, e apesar de não dispormos da totalidade da informação relevante para a apreciação desta questão, tudo aponta para que o prazo máximo do inquérito não se mostre ultrapassado [11], inexistindo assim motivo para concluir pela caducidade da medida de suspensão de operações bancárias imposta à recorrente.
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5) Nulidade do despacho por falta de fundamentação. (…)
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6) Ausência de matéria indiciária que permita fundar a manutenção da ordem de suspensão. (…)
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7) Desproporcionalidade da manutenção da ordem de suspensão e inerente inconstitucionalidade por violação do direito à propriedade e iniciativa privada, do princípio da presunção de inocência e do direito da recorrente de obtenção de uma decisão em prazo razoável. (…)
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III – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pela visada B…, mantendo-se integralmente o despacho recorrido, por via do qual o Juízo de Instrução Criminal do Porto decidiu, em 14/4/2020, prorrogar a medida de suspensão provisória de operações a débito anteriormente decretada.
Custas pela recorrente, com 3 UC de taxa de justiça.
Notifique.
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(Elaborado e revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente)
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Porto, 27 de Janeiro de 2021.
Liliana Páris Dias
Cláudia Maia Rodrigues
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[1] Como é salientado no acórdão do TRL, de 15/4/2020 (relatado por Vasco Freitas e disponível para consulta em www.dgsi.pt), “Os recursos não se destinam apreciar matéria ou questões novas que não tenham sido previamente postas à consideração do Tribunal de 1ª instância. Ou seja, visando os recursos modificar as decisões impugnadas e não criar decisões sobre matéria nova, não é lícito alegar ou invocar questões que não tenham sido objecto das decisões recorridas.”.
[2] Expressamente neste sentido, cfr. o acórdão proferido por este TRP em 14/7/2020 (Nuno Pires Salpico, in www.dgsi.pt), no âmbito do recurso interposto de outro despacho de manutenção da medida de suspensão das operações bancárias em causa no presente processo.
Na expressão do acórdão do TRL de 10/1/2012 (Neto de Moura, in www.dgsi.pt), “sendo certo que não se trata de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, mas essencialmente de um meio de recolha de prova na investigação do branqueamento, não se lhe pode negar uma certa função cautelar (“prevenir a prática de crime de branqueamento de capitais”).”.
[3] Os n.ºs 1 e 2 do art.º 49.º da LBCFT têm a seguinte redacção:
1 - A decisão de suspensão temporária prevista no artigo anterior caduca se não for judicialmente confirmada, em sede de inquérito criminal, no prazo de dois dias úteis após a sua prolação.
2 - Compete ao juiz de instrução confirmar a suspensão temporária decretada por período não superior a três meses, renovável dentro do prazo do inquérito, bem como especificar os elementos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo anterior.
[4] 1 – O n.º 1 do art.º 7º tem a seguinte redacção: “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.”.
Já do n.º 7 do mesmo art.º 7.º resulta que “Os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências […].”
[5] Como justamente é salientado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11/11/2020 (relatado por Jorge Jacob e disponível em www.dgsi.pt).
[6] Já que, tratando-se de lei especial, a sua aplicação sobrepõe-se à da lei geral, não havendo nenhuma razão para excluir do seu âmbito de aplicação os actos praticados no inquérito e os prazos máximos da respectiva duração – sendo inadequada a comparação com o regime das medidas de coação, estabelecida pela recorrente na motivação do recurso, já que inexiste tal paralelismo, face à lei, como atrás fizemos notar.
De resto, terá sido este também o entendimento do Mmo. JIC, como se depreende do trecho do despacho que antecede o despacho recorrido, quando afirma o seguinte: “Para além do mais, a atribuição de natureza urgente aos presentes autos iria ter a consequência de obstar à suspensão do prazo do inquérito nos termos do art.º 7.º n.º 7 da Lei 1-A/2020, de 19/3/2020, na redação que lhe foi dada pela Lei 4-A/2020 de 6/4/2020, o que contenderia com o prazo máximo da ordem de suspensão.
O prazo do inquérito terá necessariamente de se suspender, porquanto a actividade da Polícia Judiciária, face ao actual estado de emergência está confinada ao mínimo, sendo consequentemente impossível proceder com as diligências de investigação”.
No despacho/promoção do MP, datado de 8/4/2020 (constante de fls. 1422/1426 dos autos) e que antecedeu o despacho do JIC atrás transcrito, salientou-se que “O prazo do inquérito tem necessariamente de se suspender, porquanto, face ao actual estado de emergência, a actividade da polícia judiciária está circunscrita aos mínimos essenciais, e os efeitos da pandemia a nível europeu impedem também a concretização de quaisquer pedidos de cooperação judiciária internaciona. Enfim, o prazo do inquérito tem de se suspender porque, na prática, é impossível proceder a quaisquer incursões investigatórias”.
[7] Cfr., neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 19/11/2020 (relatado por Albertina Pedroso e igualmente disponível em www.dgsi.pt), onde se assinala que “[…] apesar da continuação da situação excepcional de mitigação da pandemia e tratamento da doença, e consequentemente de não poder ser por via legal declarado o fim da infecção epidemiológica, com a Lei n.º 16/2020, de 29 Maio, o legislador optou por revogar o artigo 7.º da Lei 1-A/2020, posição que se interpreta como determinando o levantamento da suspensão dos prazos sem necessidade de ser emitido o anunciado decreto-lei, voltando os prazos a correr no quinto dia seguinte ao da sua publicação, por via do preceituado no artigo 10.º da Lei 16/2020, de 29 de Maio, ou seja, a partir do dia 3 de Junho de 2020, inclusive.”.
[8] No período total de 86 dias.
[9] O que, até à data da apresentação da resposta ao recurso pelo MP (24/9/2020), ainda não tinha ocorrido, não nos sendo possível certificar, mesmo por consulta do processo digital através do sistema citius, se a carta rogatória expedida às autoridades Suíças foi, entretanto, devolvida.
[10] A Decisão Europeia de Investigação em matéria penal (DEI) trata-se de um instrumento para obtenção de prova em contexto transnacional, sendo o seu principal objectivo facilitar e acelerar a obtenção e transferência dos meios de prova entre os Estados Membros da UE e harmonizar os procedimentos processuais existentes nos mesmos Estados, como assinala a Diretiva 2014/41/UE.
Nas palavras de Luís de Lemos Triunfante (in “Admissibilidade e validade da prova na Decisão Europeia de Investigação”, Revista Julgar Online, abril 2018), “A Diretiva DEI e a sua transposição para Portugal com a Lei n.º 88/2017, de 21 de agosto, constitui um grande avanço na cooperação judiciária em matéria penal, pois passa a existir apenas um instrumento jurídico para a obtenção de provas na UE, conseguindo assim, e sendo esse o seu desiderato principal, ultrapassar a lentidão e ineficiência do sistema baseado na emissão de cartas rogatórias transmitidas de acordo com as convenções internacionais, bem como com o pouco eficiente mandado europeu de obtenção de provas.”.
Embora se assemelhe a uma carta rogatória, partilhando das mesmas finalidades e características, a DEI não se encontra expressamente prevista, a par daquela, como causa de suspensão do prazo do inquérito (cfr. o art.º 276.º, n.º 5 do CPP), afigurando-se duvidosa a possibilidade de uma interpretação extensiva deste preceito legal por forma a considerá-la abrangida, dada a natureza excepcional da norma em causa.
[11] O que manifestamente não se verificava no momento em que foi proferido o despacho recorrido, dado que o prazo de 14 meses apenas se completaria em 26/4/2020, à data da interposição do presente recurso e, nem sequer, ao termo da duração máxima da medida por força do despacho recorrido (ou seja, em 26/7/2020).