Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2026/19.1T8STS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: FIANÇA
SUB-ROGAÇÃO
TRANSMISSÃO DAS GARANTIAS PARA O FIADOR
Nº do Documento: RP202009082026/19.1T8STS-A.P1
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Através da fiança, o terceiro fica pessoalmente obrigado perante o credor, sendo a sua obrigação acessória da que recai sobre o devedor principal, como decorre do artigo 627º do Código Civil.
II - A sub-rogação constitui uma modalidade da transmissão de créditos, podendo ser voluntária se ocorre por vontade do credor ou do devedor, ou legal, se exclusivamente fundada na lei e consiste na substituição do credor na titularidade do crédito pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor.
III - O fiador que paga a dívida ao credor, sub-roga-se nos direitos deste perante o afiançado (art. 644º do C.Civil), bastando para tal provar que pagou a dívida, podendo tal pagamento ocorrer por via voluntária ou coerciva, já que o terceiro, quer numa posição quer na outra, merece a proteção concedida pelo instituto legal da sub-rogação, não distinguindo a lei entre pagamento voluntário e pagamento coercivo e inexistindo razões para que ocorra tal distinção.
IV - O crédito sub-rogado, por sua vez, é transmitido com as garantias e outros acessórios do crédito do afiançado, nos termos do que dispõe os arts. 594º e 582º do C.Civil, devendo por conseguinte, na sentença de graduação de créditos, ser graduado com as mesmas garantias do crédito do credor principal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2026/19.1T8STS-A.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 5

SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:
Foi proferida sentença em 24/06/2019, já transitada em julgado, que declarou a insolvência de B….
Nessa sentença foi fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.
O Sr. Administrador da Insolvência juntou aos autos a lista dos créditos reconhecidos, nos termos do disposto no art. 129.º do CIRE, não reconhecendo uma parte dos créditos reclamados pelos credores C… e D…, não reconhecendo o valor de € 54.587,87 e apenas reconhecendo o valor de € 3.460,02 como crédito de natureza comum, e sob condição nos termos do art.º 50.º do CIRE (vd. crédito n.º 3).
Foi dispensada a produção de prova, vindo a ser proferida sentença, na qual, relativamente ao crédito reclamado por C… e mulher D… foi decidido o seguinte:
“Em síntese, quanto ao crédito dos impugnantes (crédito n.º 3), determino que seja reconhecido como de natureza comum, sem condição, o montante dos valores penhorados aos fiadores na ação executiva, no valor total de € 3.149,83 (três mil, cento e quarenta e nove euros e oitenta e três cêntimos – crédito dos impugnantes sobre a insolvente de natureza comum a título de direito de regresso), e que seja reconhecido o remanescente de € 54.898,06, crédito de natureza comum, mas sob condição de ser liquidado pelos impugnantes na ação executiva pendente, improcedendo a sua qualificação como crédito garantido.
Pelo exposto, defiro parcialmente a impugnação apresentada pelos reclamantes C… e mulher D… e em consequência ordeno a alteração da Lista de créditos reconhecidos pelo Sr. AI (referência 34371791), em conformidade.
Notifique.”
A sentença proferida procedeu ainda á graduação dos créditos da seguinte forma:
Tendo em consideração que foi apreendida para a massa insolvente a meação sobre o imóvel (verba única do auto de apreensão de bem imóvel do apenso B – referência 35013537), procede-se ao pagamento dos créditos, na sequência da liquidação, pela seguinte ordem:
- As dívidas da massa insolvente a que se reporta o art.º 51.º, nº 1 do CIRE serão pagas com prioridade em relação a todos os créditos reclamados, como resulta do art.º 46.º, n.º 1, do CIRE.
- Graduar os créditos reconhecidos da seguinte forma:
B) Pelo Imóvel (verba n.º 1):
1.º Do remanescente dar-se-á pagamento, ao crédito garantido reclamado pelo E…, SA (crédito n.º 5).
2.º Do remanescente, e rateadamente, aos restantes créditos comuns enumerados na lista dos credores reconhecidos.
3.º Do remanescente, ao restante crédito sob condição enumerado na lista dos credores reconhecidos (crédito n.º 3).
Pelas quantias que possam vir a ser cedidas no âmbito da exoneração do passivo restante, determino que os pagamentos aos credores, a que alude o art.º 241º, n. 1, alínea d) do CIRE, sejam feitos rateadamente, na proporção dos seus créditos (art.º 604º do Código Civil e arts. 176.º e 232.º, n. 3 do CIRE) do remanescente que sobrar e se sobrar do produto da cessão do rendimento disponível, após os pagamentos a que aludem as alíneas a), b) e c) do referido art. 241º.
As custas mostram-se abrangidas pela tributação do processo principal de insolvência, atendendo a que a sua responsabilidade competiria à massa insolvente – arts. 303.º e 304.º do CIRE.”
Inconformados, os credores C… e mulher vieram interpor o presente recurso de Apelação da sentença no segmento decisório que julgou parcialmente procedente a impugnação da lista de credores não reconhecidos, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“A) Entendeu o Tribunal a quo que os Recorrente, não obstante terem a na qualidade de fiadores e pago parte da dívida, não podem sub-rogar-se no lugar do credor pelas seguintes razões:
(1) não são terceiros, ou seja, são devedores solidários, (2) não pagaram previamente, mas sim no âmbito de uma execução, (3) não existiu cumprimento perante o credor, (4) só tem direito a sub-rogar-se o fiador que cumpre para evitar a execução da garantia que prestou.
B) Por essas razões entende-se na Douta Sentença em recurso que não estão verificados os pressupostos da sub-rogação.
C) Ora, este entendimento viola o conceito de fiança, mais concretamente, o carater acessório em relação á obrigação principal previsto no artigo 627º/2 do Código Civil, bem como o 644º do mesmo diploma que estabelece o direito de sub-rogação ao fiador que cumpre a obrigação.
D) A responsabilidade fidejussória é sempre uma responsabilidade acessória, sendo esta a caraterística fundamental da fiança.
E) A subsidiariedade da fiança não é uma característica que lhe seja essencial, uma vez que o fiador pode renunciar a ela conforme resulta da al a) do art 640 º CC.
F) A acessoriedade está prevista no artigo 627º/2 do Código Civil que refere que «a obrigação do fiador é acessória da que recaia sobre o principal devedor».
G) É o carácter acessório da fiança relativamente à obrigação principal que exige o acautelamento e a garantia do direito do fiador se sub-rogar nos direitos do credor e não o caracter subsidiário ou não da fiança.
H) A fiança comporta uma absoluta identidade entre a prestação do devedor principal e a do fiador.
I) O fiador não é um co-devedor solidário, tal como considerou a Decisão em recurso.
J) O cumprimento da obrigação pelo fiador não pode equiparado ao cumprimento pelo devedor solidário, na medida em que o mesmo não lhe confere um direito de regresso, antes implica por via de sub-rogação legal uma transmissão legal do crédito para o fiador com todos os seus acessórios e garantias.
K) Um dos casos em que a sub-rogação opera por determinação da lei e independentemente da vontade do credor é, precisamente, o da fiança, pois, o fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos. Vide artigo 644º do CC.
L) Os recorrentes na qualidade de fiadores que pagaram parte da dívida dos devedores insolventes, têm, pois, direito a sub-rogarem-se no lugar do credor E… – artigo 644º do C.C.
M) Tendo o banco reclamado a totalidade do crédito com garantia real, não faz qualquer sentido que receba duas vezes, tendo os Recorrentes de propor nova ação para exigir do Credor o valor que a mais.
N) Acresce que, “verificada a sub-rogação, voluntária ou legal, o interveniente, adquirida a posição de credor, fica com as garantias e acessórios do seu direito, tal como se não houvesse cessão de créditos (cfr. Art.582.º)”.
O) Negando-se a possibilidade de sub-rogação aos fiadores já não poderão beneficiar das garantias do crédito do E… e ainda terão de propor nova ação para acerto de contas.
P) Os Recorrentes na qualidade de fiadores que renunciaram ao benefício de excussão prévia tem direito de se sub-rogar no lugar do credor E… uma vez que pagaram parte do valor da dívida.
Q) Não estando em causa uma situação de direito de regresso.
R) A Sentença em recurso violou assim o disposto nos artigos nº 356º do C.P.C. e os artigos 643º, 627º, 644º, 589 e seguintes do Código Civil, devendo, pois, ser revogada e substituída por Decisão que declare o direito de sub-rogação dos recorrentes, reconhecendo-lhe um crédito de natureza garantia pelo imóvel apreendido nos presentes autos.”
E…, S.A., Recorrido apresentou as suas CONTRA- ALEGAÇÕES, pugnando pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso, cumpre apreciar e decidir.

II-OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se na questão de saber se os Apelantes, (enquanto fiadores) ficam sub-rogados no lugar do credor, na parte em que pagaram parcialmente a dívida, beneficiando assim de um crédito com as garantias do crédito do E…, isto é garantido pelo imóvel apreendido.

III-FUNDAMENTAÇÃO:
O Tribunal julgou provados os seguintes factos:
1) Em 11 de abril de 2001, por escritura pública de mútuo com hipoteca, o Banco F… (hoje E…, S.A.) mutuou a G… e mulher, a ora insolvente B…, a quantia de 10.000.000$00 (€ 49.879,79).
2) A Insolvente e marido obrigaram-se a reembolsar a referida quantia ao E…, S.A., com os respetivos juros, calculados à taxa variável indexada nos termos definidos pelas partes, em prestações mensais sucessivas e iguais e em consonância com o plano estabelecido na escritura.
3) Para garantia do capital mutuado, dos juros contratuais acrescidos da sobretaxa de 3% em caso de mora e das despesas judiciais e extrajudiciais em caso de incumprimento e que as partes fixaram como cláusula penal, foi constituída hipoteca a favor do E…, S.A.
4) A hipoteca incidiu sobre o seguinte imóvel: fração autónoma designada pelas letras “AK correspondente ao 3º andar direito e na cave o aparcamento nº3 e o arrumos nº5, destinada a habitação, do prédio urbano sito na Avenida …, da freguesia …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o nº 636 e inscrita na matriz respetiva sob o nº2228.
5) A hipoteca está definitivamente registada pela AP. 2362 de 2009/02/02.
6) Os impugnantes C… e D…, constituíram-se fiadores e principais pagadores das obrigações assumidas pelos mutuários, renunciando expressamente ao benefício da excussão.
7) Os mutuários foram declarados insolventes, sendo que o Sr. G… foi declarado insolvente no processo n.º 4101/17.8T8STS, que corre seus termos pelo Tribunal judicial da Comarca do Porto, no Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 4 e a mutuária B… nos presentes autos.
8) Como os mutuários não pagaram as prestações que se venceram desde julho de 2012 o E…, S.A., em 12.06.2017 instaurou execução para pagamento de quantia certa contra os mutuários e os fiadores, ora impugnantes.
9) A execução corre seus termos pelo tribunal judicial da comarca do Porto, Juízo de Execução da Maia, juiz 1, sob o nº 3364/17.3T8MAI.
10) No âmbito do processo executivo está a ser penhorado 1/3 do salário dos Reclamantes.
11) Bem como foi penhorado o entregue ao Agente de Execução o reembolso do IRS dos anos de 2017 e 2018.
12) Mensalmente é retido e entregue ao Agente de Execução a quantia correspondente a 1/3 dos salários que os Reclamantes auferem.
13) Até à data de 01.08.2019, foi entregue ao Agente de Execução a quantia de € 3.149,83 (três mil, cento e quarenta e nove euros e oitenta e três cêntimos).
14) A quantia penhorada, destina-se a ser entregue ao E…, tendo levado a entrega ao exequente E…, até à data de 01.08.2019 do valor de € 2.299,60 por parte do Agente de Execução.

IV-APLICAÇÃO DO DIREITO:
Resulta da matéria de facto provada, com interesse para a decisão a proferir que, os aqui Apelantes constituíram-se fiadores e principais pagadores das obrigações assumidas pelos mutuários, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia. Os mutuários foram entretanto declarados insolventes e como aqueles não pagaram as prestações que se venceram desde julho de 2012 o mutuante e credor E…, S.A., em 12.06.2017 instaurou execução para pagamento de quantia certa contra os mutuários e contra os fiadores, ora Apelantes, execução essa que corre seus termos pelo tribunal judicial da comarca do Porto, Juízo de Execução da Maia, juiz 1, sob o nº 3364/17.3T8MAI. No âmbito do processo executivo está a ser penhorado 1/3 do salário dos ora Apelantes, assim como foi penhorado o entregue ao Agente de Execução o reembolso do IRS dos anos de 2017 e 2018, sendo que até à data de 01.08.2019, foi entregue ao Agente de Execução a quantia de € 3.149,83 (três mil, cento e quarenta e nove euros e oitenta e três cêntimos).
O Tribunal a quo graduou este crédito dos fiadores de € 3.149,83 euros, como crédito comum, por entender que “tal pagamento confere o direito de regresso perante a insolvente, que a reclamação apresentada poderá constituir, não se mostrando, outrossim, verificados os pressupostos do instituto da sub-rogação pelo que nunca os impugnantes se poderiam sub-rogar nos direitos do credor E….
Com efeito, só fica sub-rogado nos direitos do credor, o terceiro que cumpra a obrigação alheia quando tiver garantido (previamente) o cumprimento, isto é, quando o cumprimento tenha em vista evitar a execução de garantia que prestou.
Ora, conforme resulta dos factos provados 8 a 12, contata-se que o pagamento efetuado pelos fiadores se concretizou através da efetivação da penhora de vencimento, o que configura situação bem diferente daquela outra prevista no n.° 1 do art. 592.° do Código Civil, não se enquadrando, assim, ao seu âmbito de aplicação.(…)”
“(…)Acresce que os impugnantes não se poderão arrogar credores com garantia real, na medida em que sobre a fração autónoma designada pelas letras AK, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o nº 636 e inscrita matriz sobre o nº 2228, apenas incidem hipotecas voluntárias registadas a favor do Credor E…, sendo deste o único crédito garantido (vd. crédito n.º 5 da Lista de créditos reconhecidos).”
Os Recorrentes discordam da sentença nesta parte, defendendo que o entendimento aí vertido viola o conceito de fiança, mais concretamente, o carater acessório em relação á obrigação principal previsto no artigo 627º nº do Código Civil, bem como o 644º do mesmo diploma que estabelece o direito de sub-rogação ao fiador que cumpre a obrigação.
Vejamos.
Usando as palavras de Galvão Teles [1] para caracterizar a fiança, esta é “a garantia contratual pela qual alguém - o fiador - se obriga a cumprir uma obrigação alheia, no caso de o devedor respetivo - o afiançado - a não satisfazer (art. 627º nº 1 do C.C.).”
“O fiador não está apenas sujeito à responsabilidade do seu património, acha-se pessoalmente obrigado perante o credor (art. 627º nº 1 do C.C.), consistindo, todavia, esta sua obrigação em cumprir a do afiançado.”
Através da fiança, o terceiro fica pessoalmente obrigado perante o credor, sendo a sua obrigação acessória da que recai sobre o devedor principal, conforme artigo 627º do Código Civil.
O terceiro assume pois uma obrigação perante o credor que se encontra numa relação de dependência ou de subordinação em relação à obrigação do devedor, depende dela geneticamente - a invalidade do negócio principal acarreta a invalidade da fiança - depende funcionalmente - o fiador pode opor ao credor os meios de defesa que competem ao devedor e por último revela também uma dependência extintiva, já que extinta a obrigação principal extinta fica a fiança. [2]
A fiança é um contrato normalmente celebrado entre o fiador e o credor com ou sem o acordo do afiançado, embora, tradicionalmente, se tenha vindo a discutir se a fiança se constitui por contrato ou se também se pode estabelecer mediante negócio jurídico unilateral. O facto da fiança poder ser constituída sem o consentimento do afiançado (artigo 628.°, n.º 2, do Código Civil) não lhe retira a sua natureza contratual, e o seu estabelecimento depende do encontro de vontades entre o fiador e o credor, podendo a declaração de vontade deste último ser tácita. Acresce que, quanto aos negócios unilaterais, por força do disposto no artigo 457.° do Código Civil, vigora um princípio de especialidade, que não confere valor às situações sem previsão legal.[3]
Temos assim que a fiança é o contrato pelo qual uma pessoa — o fiador — garante face a outra — o credor — a satisfação do seu direito de crédito sobre outra — o devedor principal — artigo 627º, n.º 1, do Código Civil.
São duas as características da fiança, como escrevem Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte [4]:
A acessoriedade (art. 627º do C.C.), que quer dizer que a fiança se apresenta como acessória da divida principal, característica que faz parte da própria natureza da fiança pelo que não pode ser afastada pela vontade das partes e a subsidiariedade, referida na lei, através do beneficio da excussão (art. 638º do CC.), nos termos da qual o fiador só responde pelo pagamento da obrigação se e quando se provar que o património do devedor é insuficiente para saldar a obrigação por este contraída, característica que pode ser afastada pela vontade das partes e não existe nas obrigações mercantis (art. 101º do C. Comercial).
Esta última característica não é essencial, podendo ser afastada por vontade das partes, tal como ocorreu no caso em apreço.
Ao contrário do que sucede com o terceiro que constitui uma hipoteca ou um penhor sobre os seus bens a favor do credor, o fiador é verdadeiro devedor do credor. A obrigação que ele assume é a obrigação do devedor[5], que assim escreve: “após a constituição da fiança passa assim a haver uma obrigação principal, a que vincula o (principal) devedor, por cima dela, a cobri-la, tutelando o seu cumprimento, uma obrigação acessória, a que o fiador fica adstrito”.
Ao contrário do penhor ou da hipoteca constituídos por terceiros, este não se torna devedor do credor garantido. Os bens hipotecados ou empenhados é que respondem pelo cumprimento, garantindo a obrigação, seja quem for o seu titular.
Dispõe o art.644.º do Código Civil, aplicável ás relações entre o devedor e o fiador, que o fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos.
A figura da sub-rogação encontra-se, por sua vez, regulada no capítulo da “transmissão de créditos e de dívidas” (cfr. arts. 589º e ss do Código Civil).
Trata-se de uma modalidade de transmissão de créditos, que não se confunde desde logo com a cessão de créditos, que tem por base um contrato celebrado entre o transmitente e o adquirente do crédito, tratando-se de uma modalidade de transmissão de créditos que assenta no cumprimento da dívida.
Assim sendo, os direitos do sub-rogado medem-se sempre em função do cumprimento (art. 593º nº 1 do C.C.), enquanto que o direito do cessionário define-se nos termos da convenção negocial. E enquanto a cessão visa o interesse da circulação do crédito, a sub-rogação visa apenas compensar o sacrifício que o terceiro chamou a si com o cumprimento de obrigação alheia. [6]
E como refere, mais á frente, [7] “A sub-rogação tem a sua utilidade prática, que lhe garante um lugar ao sol entre as modificações subjetivas da relação obrigacional. O terceiro é favorecido, adquirindo com o cumprimento da obrigação os direitos do credor e realizando as mais das vezes um interesse próprio; o credor também é beneficiado, mediante a satisfação do crédito por terceiro; e não deixa de o ser o devedor, libertando-se da obrigação de cumprir (recaindo em mora em caso de o não fazer), num momento que pode não ser oportuno para ele.”
Desde já importa dizer que o instituto da sub-rogação legal [8] previsto no nº 1 do art. 592º do Cód. Civil preenche-se com o pagamento por terceiro que haja garantido a dívida em causa, mesmo que esse pagamento seja efetuado coercivamente por execução da garantia referida.
Como se pode ler no acórdão do STJ de 24-03-2017, [9] “Com efeito, sendo o instituto da sub-rogação um meio de proteção do terceiro que efetua um pagamento alheio concedido quando esse terceiro tem interesse direto no pagamento por haver garantido esse pagamento, não descortinamos a diferença entre o interesse relevante do terceiro que efetua o pagamento voluntariamente em relação ao interesse do terceiro que o efetua coercivamente.
Pensamos que quer o terceiro numa posição quer na outra merecem a proteção concedida pelo instituto legal da sub-rogação.
O texto da lei não distingue entre pagamento voluntário e pagamento coercivo e, por isso, não vemos razão para distinguir as situações.”
Também no Ac. do STJ de 14.03.2017 [10] se pode ler: “O instituto da sub-rogação legal previsto no nº 1 do art. 592º do Cód. Civil preenche-se com o pagamento por terceiro que haja garantido a dívida em causa, mesmo que esse pagamento seja efetuado coercivamente por execução da garantia referida.”
Assim sendo e ao contrário do entendimento acolhido na sentença sob recurso, entendemos que, para efeitos da sub-rogação nos direitos do credor, importa que tenha ocorrido pagamento da dívida (mesmo parcial, ocorrendo sub-rogação nessa parte), independentemente de o pagamento ter ocorrido de forma voluntária ou coerciva.
O artigo 644º do C.Civil dispõe que: “O fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos.”
Trata-se de um caso de sub-rogação legal, isto é fundada na lei, em que independentemente da vontade dos sujeitos da obrigação a lei sub-roga nos direitos do credor o terceiro que haja cumprido em lugar do devedor.
Relativamente á sub-rogação legal, dispõe o artigo 592.º do Código Civil o seguinte:
“1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver diretamente interessado na satisfação do crédito.
2. Ao cumprimento é equiparada a dação em cumprimento, a consignação em depósito, a compensação ou outra causa de satisfação do crédito compatível com a sub-rogação.”
É este aliás o beneficio tradicional e reconhecidamente concedido ao fiador que paga em vez do obrigado (art. 592º nº 1 do C.C.).
Ora, na sentença sob recurso o tribunal a quo, em face do pagamento coercivo parcial da quantia afiançada não reconheceu este direito de sub-rogação aos fiadores, dizendo antes, a este respeito, que ocorrerá com o pagamento “direito de regresso” daqueles que poderão exercer através dos meios comuns.
“Sub-rogação” e “direito de regresso” constituem porém, figuras distintas.
Como refere Antunes Varela, [11] “A sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito, (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo. O direito de regresso é um direito nascido ex-novo na titularidade daquele que extingui (no todo ou em parte) a relação creitória anterior ou daquele á custa de quem a relação foi considerada extinta.
A sub-rogação envolve um beneficio concedido (umas vezes por uma ou outra das partes; outras pela lei) a quem, sendo terceiro cumpre, por ter interesse na satisfação do direito do credor. O direito de regresso em caso de solidariedade passiva, é uma espécie de direito de reintegração (ou de direito á restituição) concedido por lei, a quem, sendo devedor perante o accipiens da prestação, cumpre, todavia, para além do que lhe competia no plano das relações internas”.
Do exposto decorre, que tal como defendem os Apelantes, o tribunal a quo, não podia deixar de aplicar o art. 644º do C.C. e por força do disposto no art. 594ºdo mesmo código, aplicar a doutrina válida para a cessão de créditos, que aquela norma torna extensível, isto é de reconhecer que, com o pagamento da quantia paga pelos fiadores ao E…, no âmbito da execução que aqueles lhes moveu, juntamente com o direito á prestação, se transmitiram para o sub-rogado, quer as garantias (pessoais ou reais), quer os acessórios do crédito, que não sejam inseparáveis da pessoa do primitivo credor (E…). Significa isto que relativamente á quantia que se mostra paga pelos fiadores de € 3.149,83 (três mil, cento e quarenta e nove euros e oitenta e três cêntimos), que se mostra paga pelos fiadores (sendo indiferente á aplicação o instituto que o pagamento tenha ocorrido por via coerciva), ocorre sub-rogação do fiador nos direitos do credor, por força do disposto no art. 644º do Código Civil e o crédito sub-rogado beneficia das mesmas garantias do crédito do E…, por efeito de tal sub-rogação (arts. 594º e 582º do C.Civil), pelo que este beneficia das mesmas garantias que aquele, devendo ser consequentemente graduado ao seu lado.

V-DECISÃO:
Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõe este Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso e em consequência, revoga-se a sentença na parte em que, relativamente ao crédito no valor total de € 3.149,83 (três mil, cento e quarenta e nove euros e oitenta e três cêntimos – crédito dos impugnantes sobre a insolvente, o considerou comum, encontrando-se o mesmo garantido nos mesmos moldes que o crédito afiançado, devendo por conseguinte ser graduado a par do crédito do E…, SA e com a mesma garantia que este beneficia.
Custas pelo Apelado.

Porto, 8 de Setembro de 2020
Alexandra Pelayo
Vieira e Cunha
Maria Eiró
____________
[1] in Garantia Bancária Autónoma, pg. 14
[2] ver Calvão da Silva in Estudos de Direito Comercial, Coimbra 1996, pg 334.
[3] cf. Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, in Garantias de Cumprimento, Almedina, 4ª edição, pgs 86, 89 e 90, e, dos mesmos autores, no Estudo Teórico-prático do mesmo tema, Almedina, pág. 32, e ainda António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, edição da AAFDL, 1980, 2º Vol., pgs 510 e 511.
[4] Ob cit pg. 29.
[5] Ver Antunes Varela, in das Obrigações em Geral II, 4º ed, pg 467
[6] ver Antunes Varela, loc. cit. pg.324.
[7] Pg.325.
[8] Que não se confunde com a sub-rogação voluntária.
[9] Relator João Camilo, encontrando-se disponível in www.dgsi.pt.
[10] Disponível no mesmo local.
[11] Ob cit, pg 334