Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2812/13.6TBVNG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
PENAS PECUNIÁRIAS
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RP201512162812/13.6tbvng-B.P1
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O legislador mencionou expressamente que a acta da assembleia de condóminos constitui título executivo quanto aos encargos previstos no artigo 6.º, n.º 1, do DL 268/94, em cuja letra não estão previstas as penas pecuniárias.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.º n.º 2812/13.6TBVNG
Juízo de Execução

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
Na execução acima identificada em que é exequente o Condomínio do Edifício B… sito na Rua… e Rua… e executada C…, Lda, foi proferido o seguinte despacho:
Nos presentes autos de execução, o exequente veio requerer o pagamento do valor das quotas relativas às contribuições do condómino executado, bem como uma quantia relativa à multa pelo atraso no pagamento e as despesas relativas à cobrança coerciva do crédito.
Cumpre apreciar.
O art. 6.°, n.°1, do DL n.°268/94, de 25 de Outubro, confere a força de título executivo contra o proprietário da fracção à acta da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum.
No que respeita às multas ou penalidades, cumpre evidenciar que a expressão "contribuições devidas ao condomínio" não abarca as penas pecuniárias previstas no artigo 1434.° do Código Civil que, tal como salientado recentemente pelo Tribunal da Relação de Coimbra (acórdão proferido em 21/3/2013, no proc. n.°3513/ 12.8TBVIS, publicado na base de dados da DGSI), são de natureza facultativa, pelo que, ainda que aprovadas em deliberação documentada na acta de condomínio, tal acta não constitui título executivo quanto ao montante da pena pecuniária, ao abrigo do disposto no citado artigo 6.°.
Quanto às despesas relativas à cobrança, seja judiciais, seja extrajudiciais, incluindo honorários de advogado constituído ou solicitador, a verdade é que, ainda que se considerem uma despesa comum necessária ao funcionamento do condomínio, tais montantes não se mostram vencidos e, consequentemente, exigíveis, não podendo ser cobrados tais valores antecipadamente, como encargos prováveis. Também neste sentido, invoca-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/12/2004, proferido no proc. n.°0455756, também disponível na base de dados da DGSI).
Assim, e nos termos do disposto no art. 812.°-E, n.°2, do CPC (ex vi art. 6.°,
n.°3, da Lei n.°41/2013), determino o prosseguimento da execução apenas para pagamento dos valores relativos às quotizações do condomínio. Indefiro, no mais, o requerimento executivo (6.902,97€). Custas a cargo do exequente, na proporção do decaimento.
Cite (art. 812.°-E, n.°5, do CPC, aplicável por força do art. 6.°, n.°3, da Lei n.°41/2013).”

CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO B… veio interpor recurso, concluindo:
I- O Exequente e ora Apelante não se conforma com a decisão tomada no douto, mas errado Despacho, proferido pelo Tribunal a quo em 24/4/2014 e notificado, via citius, ao Exequente pela referência 20112431.
II- Pelo que, pede que a mesma seja reexaminada pelo venerando Tribunal ad quem, decretando-se a anulação do censurado Despacho recorrido e substituindo-se por douto Acórdão que julgue admissível a execução pela totalidade do montante exequendo, por a ata de condomínio dada à execução constituir válido título executivo.
III- Vem portanto o presente recurso interposto com base nas alíneas d) e h) do n.º 2 do Art.º 644.º do CPC, em virtude de ter sido indeferido, ainda que parcialmente, o requerimento executivo (tendo sido rejeitado quanto ao valor de € 6.902,97 e por consequência reduzido o montante exequendo de € 7.967,30) bem como porque, além de não existir na tramitação executiva a Decisão Final, este é o momento oportuno para recorrer, já que doutra forma, se tornaria absolutamente inútil deixar prosseguir os termos da acção executiva.
IV- O Apelante entende que a Decisão proferida pelo Tribunal a quo, de indeferir parcialmente o requerimento executivo, se encontra viciada por erro de julgamento em matéria de Direito.
V- Pois que, como dela se verifica, o Tribunal sufraga entendimento divergente daquele que a mais recente e transcrita Jurisprudência vem sufragando, a propósito do que abarca a expressão “contribuições devidas ao condomínio”;
VI- Com efeito, o Tribunal a quo, rejeitou parcialmente o requerimento executivo pelo Apelante apresentado, porque, na sua visão, a citada expressão inserida no Art.º 6.º, n.º 1 do DL n.º 268/94, de 25/10, não abarca as penas pecuniárias previstas no Art.º 1434.º do Código Civil nem despesas de cobrança da dívida, pelo que, com base na interpretação que realiza a partir desse dispositivo legal, veio a indeferir o Requerimento executivo, defendendo que a ata da assembleia de condomínio não constitui título executivo quanto a esses montantes.
VII- Entendimento interpretativo esse de que dissende o Apelante, daí que o presente recurso se destine a ser revogada tal Decisão.
VIII- Professando-se, nesta sede recursiva, interpretação diversa da recorrida, em moldes tais, que venha a ser julgado, diversamente da interpretação acima referida, que a ata de condomínio que delibere e aplique as penas pecuniárias devidas ao incumprimento da obrigação de pagamento das contribuições condominiais e demais despesas originadas pela cobrança coerciva, constitui válido título executivo – reunindo a ata em apreço os requisitos de exequibilidade.
IX- Uma vez que, contrariamente ao decidido, a expressão “contribuições devidas ao condomínio” inserta no citado dispositivo legal, é suficientemente ampla para abranger tais penalizações e despesas pela falta de adimplemento, ou atraso no pagamento da quota-parte das despesas devidas ao condomínio, vulgarmente apelidadas de quotas de condomínio.
X- Assim, considera o Apelante, que atento o disposto nas disposições conjugadas dos Art.ºs 1434.º, n.º 1 do C.C. e 6.º, n.º 1 do DL n.º 268/94 de 25/10 e o atual Art.º 703.º, n.º 1, al. d) do CPC (à semelhança do que sucedia com o disposto na alínea d), do n.º 1, do Art.º 46.º do CPC, na sua anterior redação, vigente à data da instauração da acção executiva, que deve ser aplicado ao caso concreto) as referidas penas pecuniárias e despesas consubstanciam contribuições devidas ao condomínio, pelo que, são suscpetíveis de execução, uma vez deliberadas pela assembleia do condomínio e exigidas pelo seu administrador, posto que se encontram refletidas na ata de condomínio, a qual constitui título executivo bastante.
XI- Afigura-se indiscutível que, à data da interposição da ação executiva, vigorava o regime sobre os títulos executivos, preceituando que serviam de base à execução, determinando o seu fim e limites, os títulos definidos no art. 46.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).
XII- Nessa enumeração dos títulos executivos incluem-se “os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva” – alínea d) do n.º 1 do art. 46.º do CPC – atual Art.º 703.º do CPC.
XIII- Tendo sido nesse âmbito, que surgiu o disposto no art. 6.º do D/L n.º 268/94, de 25 de outubro, ou seja, que “a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
XIV- Por isso, defende-se que as normas jurídicas acabadas de citar, foram violadas pelo Despacho recorrido, as quais assim se indicam expressamente para conhecimento do Tribunal ad quem.
XV- Submetendo-se ao conhecimento e apreciação superior do ilustre Tribunal ad quem a questão jurídica em apreço, por se entender errada a interpretação que a partir delas o Tribunal a quo realiza e ainda porque, atendendo ao disposto no n.º 3 do Art.º 6.º da Lei 41/2013, de 26/6, deve ser aplicado ao caso concreto, o Art.º 46.º, n.º 1, al. d) do anterior CPC.
XVI- Posto que, em vez de considerar-se que nas contribuições devidas ao condomínio não se incluem as penas pecuniárias e despesas, aplicadas por força do incumprimento do condómino no pagamento das quotas exigidas pelas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e pagamento de serviços comuns, deve antes interpretar-se que tais penalizações e despesas de cobrança das dívidas ao condomínio, se incluem na expressão “contribuições devidas ao condomínio”, sendo, por conseguinte, exigíveis em sede de execução com apoio na respetiva ata, por esta as incluir e constituir título executivo.
XVII- Sendo este o sentido com que, no entender do Apelante, as normas jurídicas que constituem fundamento jurídico da Decisão, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no caso sub judice.
XVIII- Devendo, consequentemente, o venerando Tribunal da Relação do Porto, substituir o Despacho recorrido por douto Acórdão que, anule a impetrada decisão e julgue pelo deferimento da pretensão recursiva, decretando que a ata de condomínio dada à execução, deve ser considerada válido título executivo, por ser a interpretação mais adequada e as normas mencionadas deverem ser aplicadas ao caso concreto.
XIX- Deve, salvo melhor entendimento, atender o ilustre tribunal ad quem aos fundamentos que subjazem ao presente recurso, com suporte nas normas jurídicas que foram indicadas, como aquelas que se consideram violadas, e cuja interpretação e aplicação impõe a correcção do sentido interpretado a propósito delas pelo Tribunal a quo, decretando-se, em consequência, a revogação do douto Despacho recorrido, por incorrer em erro de julgamento, na forma como interpretou e aplicou as normas vindas de citar, admitindo-se, por consequência, a ata de condomínio dada à execução como suficiente título executivo para todos os efeitos peticionados pelo aqui Apelante.
Termos em que, deve o presente Recurso ser admitido julgando-se o mesmo procedente, revogando-se o douto Despacho recorrido, e consequentemente, decretando-se que a ata de condomínio constitui título executivo para obtenção do pagamento da totalidade da dívida, penas pecuniárias e demais despesas, incluídas, prosseguindo a execução os seus termos de conformidade com o peticionado, assim se fazendo JUSTIÇA.

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, a questão a resolver consiste em apurar se a acta de assembleia de condóminos em que as penalidades são fixadas, constitui título executivo quanto a estas

II – Fundamentação de facto
Para apreciação do recurso releva a factualidade que se extrai do relatório supra.

III – Fundamentação de direito
Importa notar que o requerimento executivo deu entrada em 2/4/2013.
O novo CPC, aprovado pela Lei º 41/2013, de 26 de Junho, entrou em vigor em 1 de Setembro de 2013.
No direito transitório instituído nesta lei interessa ao caso o artigo 6.º, epigrafado Acção executiva, que dispõe:
1 - O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, aplica-se, com as necessárias adaptações, a todas as execuções pendentes à data da sua entrada em vigor.
2 - Nas execuções instauradas antes de 15 de setembro de 2003 os atos que, ao abrigo do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, são da competência do agente de execução competem a oficial de justiça.
3 - O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos títulos executivos, às formas do processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor.
4 - O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa apenas se aplica aos que sejam deduzidos a partir da data de entrada em vigor da presente lei.”
Assim, estando em causa a apreciação de título executivo por força do nº 3 transcrito é aplicável o CPC de 1961.
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (artigo 45º, nº 1, do Código de Processo Civil).,
E, em face do título, a obrigação exequenda deve ser certa, exigível e líquida (artigo 802º).
O artº 46º contém a enumeração taxativa das espécies de títulos executivos, não sendo “válida qualquer estipulação que atribua força executiva a outros documentos ou retire força executiva aos documentos elencados” - Vide. J. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil (Anotado), Vol. 1º, pág. 90 -, entre eles se incluindo “os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva” - al. d).
A acta da reunião da assembleia de condóminos é um dos muitos exemplos de documentos aos quais é atribuída força executiva, por disposição especial da lei, sendo um título executivo particular por força de disposição especial da lei.
Com efeito, o DL 268/94, de 25 de Outubro, prescreve no artigoº 6, nº 1, que “…A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte…”.
Dispõe o artigo 1434.º do Código Civil que:
1. A assembleia pode estabelecer a obrigatoriedade da celebração de compromissos arbitrais para a resolução de litígios entre condóminos, ou entre condóminos e o administrador, e fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador.”
2. O montante das penas aplicáveis em cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento colectável anual da fracção do infractor.”
Esta faculdade de fixação de penas pecuniárias para a inobservância do cumprimento pontual de obrigações emergentes da lei ou de contrato enquadra-se no princípio geral de estabelecimento de cláusulas penais, consagrado no artigo 810.º do CC.
E “…o montante destas penas, e os casos em que serão aplicáveis, terá de ser deliberado, em primeira convocatória, por maioria dos votos representativos do capital investido, e, em segunda, por maioria dos votos dos condóminos presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio – n.ºs 3 e 4, do artigo 1432.º”, sendo que a expressão disposições deste código constante do n.º 1 do referido artigo 1434.º, “deve ser interpretada extensivamente de modo a abranger eventuais disposições legais posteriormente surgidas como complementares deste diploma no tocante à propriedade horizontal” - Aragão Seia, in Propriedade Horizontal, Condóminos e Condomínios, 2.ª edição revista e actualizada, Almedina, 2002, págs. 192 e 193.
A questão que coloca é a de saber se a acta de assembleia de condóminos em que tais penalidades são fixadas, constitui título executivo quanto a estas.
Sabe-se que nesta matéria existe divergência doutrinal e jurisprudencial. Enquanto uns consideram que as penalizações devem ser entendidas como integrando “contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação das áreas comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum” e, por isso, que quanto às mesmas a acta da assembleia de condóminos constitui título executivo (v.g. Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2000, a pág. 310 e Ac. desta Relação de 08-07-2007, Proc. nº 276/2007-7 in wwwdgsi.pt), outros entendem que tais penalizações extravasam os limites constantes do título executivo, bem definidos na norma do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 268/94 (v.g. Acórdão da Relação de Coimbra de 04-06-2013, Processo nº 607/12.3TBFIG-A.C1 in www.dgsi.pt.).
Adianta-se que sufragamos esta última tese.
Retira-se do citado artigo 6.º, conjugado com o referido artigo 46.º, n.º 1, do CPC, que apenas constitui título executivo a acta que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, não estando aqui referidas quaisquer penalidades.
O legislador mencionou expressamente que a acta da assembleia de credores constitui título executivo quanto aos encargos previstos no artigo 6.º, n.º 1, do DL 268/94, em cuja letra não estão previstas as penas pecuniárias.
Portanto, a especial força atribuída por lei às actas das assembleias de condóminos quanto à possibilidade de servirem de base à execução, restringe-se àquelas despesas que se encontram taxativamente previstas no referido normativo, o qual apenas se reporta às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, bem como ao pagamento de serviços comuns que não devam ser suportadas pelo condomínio. Só quanto a estas pode constituir título executivo, e não quanto a quaisquer outros montantes objecto de deliberação facultativa dos condóminos mas não previstos legalmente.
Em síntese:
I - O legislador mencionou expressamente que a acta da assembleia de condóminos constitui título executivo quanto aos encargos previstos no artigo 6.º, n.º 1, do DL 268/94, em cuja letra não estão previstas as penas pecuniárias.
Pelo exposto, delibera-se julgar a presente Apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante

Porto, 16 de Dezembro de 2015
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues
José Carvalho