Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
69612/21.5YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DEFICIÊNCIA DA GRAVAÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
ARGUIÇÃO
Nº do Documento: RP2023041769612/21.5YIPRT.P1
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Sendo a falta ou deficiência da gravação da audiência final um vício de conhecimento não oficioso, a arguir no prazo de dez dias após a disponibilização da gravação (artigo 155º, nº 4, do CPC), essa patologia, não sendo suprida junto do tribunal de primeira instância, reflete-se negativamente sobre o direito das partes impugnarem a decisão da matéria de facto com base em prova pessoal.
II – Não tendo o Tribunal da Relação ao seu dispor todo o manancial probatório que o tribunal a quo teve para formar a sua convicção probatória, nomeadamente, quanto a depoimentos, a integralidade dos que a recorrente invocou para suportar a sua pretensão de alteração da decisão da matéria de facto, não está legalmente em condições de sindicar os juízos probatórios do tribunal recorrido formulados com base em provas sujeitas à livre apreciação do julgador, formando a sua própria e autónoma convicção probatória, inclusivamente com base em provas ou segmentos de provas a que o tribunal recorrido ou as partes não deram relevância (veja-se a alínea b), do nº 2, do artigo 640º do CPC), do que decorre o indeferimento da reapreciação da matéria de facto para que possam concorrer tais depoimentos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 69612/21.5YIPRT.P1
(Comarca de Aveiro – Juízo de Competência Genérica de Ílhavo – Juiz 2)


Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim



Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório[1]

A..., Lda.” intentou injunção, posteriormente convertida em Acção Especial Para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contrato, contra “B..., Unipessoal, Lda.” pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de 9.012,78€ (7046,00€ de capital, 1864,78€ de juros de mora vencidos e 102,00€ de taxa de justiça), acrescida de juros de mora vincendos à taxa de juros aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais.
Alegou para tal o seguinte: que, no exercício da sua actividade de execução de instalações de electricidade, águas, esgotos e fornecimento de climatização, prestou e forneceu à Ré, a pedido desta, os trabalhos e materiais discriminados nas facturas nºs 17, 18 e 19, todas emitidas em 21/8/2017 e todas com vencimento a 20/9/2017, sendo a primeira no valor de €5.450,00, a segunda no valor de €3.506,00 e a terceira no valor de €590,00; que a Ré apenas pagou a quantia de €1.500,00, por conta da primeira factura; e que a Ré, apesar de diversas vezes interpelada para proceder ao pagamento da quantia em dívida, assim não procedeu.
A Ré deduziu oposição, admitindo ter sido celebrado o contrato de prestação de fornecimento de bens e serviços invocado pela Autora mas que as facturas emitidas não reflectem o valor da adjudicação dos serviços; invocou depois a excepção do não cumprimento do contrato, para efeitos de não pagamento do preço cobrado pelos bens e serviços, dado que a ré não concluiu a instalação do ar condicionado de molde a permitir o seu normal funcionamento, e, ainda por tal motivo, invocou também o incumprimento definitivo por parte da Autora que redundou num seu prejuízo de €4.690,11, o qual, a existir algum valor que seja devido, deve ser compensado como crédito a seu favor.
A Autora foi convidada a aperfeiçoar o seu requerimento inicial injuntivo, o que fez nos termos constantes do requerimento entrado nos autos a 8 de Novembro de 2021.
A Ré, notificada de tal aperfeiçoamento, apresentou o requerimento entrado nos autos a 18/11/2021, com o qual juntou nota de crédito passada pela Autora a seu favor relativamente a aos montantes titulados pelas facturas nºs 17 e 18.
Designada data para julgamento, no início da respectiva audiência foi apresentada pela Autora resposta às excepções invocadas pela Ré.
Procedeu-se a julgamento, tendo na sua sequência sido proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos:
Face ao exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência, decide-se
- condenar a Ré B..., Unipessoal, Lda a pagar à Autora A..., LDA., a quantia de 6.090,00€ (seis mil e noventa euros), acrescida de juros de mora à taxa comercial sucessivamente em vigor, sobre o montante de capital em dívida desde a data de citação da Ré para os termos da presente acção até efectivo e integral pagamento;
- absolver a ré B..., Unipessoal, Lda do demais peticionado nesta ação pela Autora a título de juros de mora.
- julgar improcedente, por não provada, a excepção de não cumprimento do contrato invocada pela sociedade Ré.
De tal sentença veio a Ré interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1. Por sentença datada de 09 de março de 2022, decidiu o Tribunal a quo pela condenação da Réì B..., Unipessoal, Lda a pagar à Autora A..., LDA., a quantia de 6.090,00€ (seis mil e noventa euros), acrescida de juros de mora à taxa comercial sucessivamente em vigor, sobre o montante de capital em dívida desde a data de citação da Ré para os termos da presente ação até efetivo e integral pagamento;
2. absolver a Ré B..., Unipessoal, Lda do demais peticionado nesta acã̧o pela Autora a título de juros de mora, e,
3. julgar improcedente, por não provada, a excecção de não cumprimento do contrato invocada pela sociedade Ré.ì
4. A Ré, aqui recorrente não se conformando com a decisão e não concordando com a fundamentação do Tribunal a quo vem, agora, apresentar o presente recurso de apelação.
5. Autora/Recorrida e Ré/Recorrente celebraram um contrato de subempreitada segundo o qual a Recorrida fornecia e instalava, entre outros, sistema de ar condicionado na obra que havia sido adjudicada à Recorrente. Acontece que,
6. efetuada a instalação do referido ar condicionado, o mesmo apresentava defeitos no seu funcionamento, nomeadamente, não climatizando o espaço no qual foi instalado.
7. A sociedade Ré não tem, nem tinha qualquer conhecimento relacionado com a climatização de espaços e por via disso, subempreitou à A., entre outros aquelas parcelas da obra que lhe havia sido adjudicada.
8. É expectável que uma empresa especializada saiba adequar os produtos que propõe aos fins a que se destinam, dito de outra forma, e no caso dos autos,
9. era obrigação da A. aconselhar um ar condicionado que permitisse a climatização de um espaço com as dimensões da loja em causa, e com as particularidades que esta dispunha, isto é, paredes parcialmente envidraçadas (montras de grandes dimensões) e que exigiam estar bastante tempo de portas abertas. Ora,
10. Não se diga que a A. se limitou a colocar em obra o material encomendado pela R., porquanto, como infra se demonstrará, não foi isso que sucedeu mas, ainda que assim fosse, no que se não concede e apenas por dever de patrocinio se admite, caberia à A., enquanto subempreiteira, recusar a aplicação de um material que bem sabia não cumprir com a finalidade pretendida.
11. Daqueles defeitos, impossibilidade de climatização do espaço, foi imediatamente dado conhecimento por parte da Recorrente à Recorrida que, pese embora tenha, numa primeira fase tentado a sua reparação, sem sucesso, depois nunca mais respondeu às inúmeras e sucessivas comunicações que a Ré, aqui Recorrente lhe foi dirigindo. Pelo que,
12. deve considerar-se como facto provado que a sociedade Autora não concluiu a instalação do que havia sido contratado, nomeadamente do ar condicionado, que permitissem o seu normal e correto funcionamento.
13. desde logo, porque é o que resulta das diversas comunicações trocadas (Docs. 9 e 10 juntos com a oposição),
14. dos pontos 12 a 18 dos factos dados como provados, e bem assim,
15. dos testemunhos prestados pelo Técnico AA e pela cliente, legal representante da dona de obra Sra. BB - depoimentos gravados através do sistema integrado de gravação digital, no dia 09 de fevereiro de 2022.
16. deve considerar-se como provado que o material e equipamentos aplicados foram sugestão da Autora mediante a análise do pedido efetuado pela Ré, que a Ré desconhecia qual o equipamento de ar condicionado indicado para o fim devido e por tal recorreu aos conhecimentos e experiência da requerente, confiando nas sugestões propostas, bem como,
17. que Autora, enquanto empresa especializada na prestação destes serviços, não procedeu a indicação do equipamento adequado e não procedeu a sua correta instalação;
18. tamanhas factualidades resultam evidentes do orçamento e comunicação de adjudicação juntas com a oposição sob o DOC. 2,
19. da fundamentação na qual o Tribunal a quo alicerça a sua decisão, desde logo quando afirma que “Analisados os termos do caderno de encargos de fls. 30 a 32 verso, no que concerne à proposta de climatização e ventilação, constante do Ponto 12. (vide fls. 32) verificamos que tal referencia a aparelho e potência não surge indicado...” e mais uma vez,
20. dos testemunhos prestados pelo gerente da A., Sr. CC, pelo técnico AA e pela cliente, legal representante da dona de obra Sra. BB - depoimentos gravados através do sistema integrado de gravação digital, no dia 09 de fevereiro de 2022.
21. deve considerar-se como provado que após a aplicação do aparelho de ar condicionado, foi de imediato percetível a sua insuficiência e deficiente instalação, nomeadamente no que respeita ao deficiente funcionamento do ar condicionado;
22. é o que resulta, sem margem para dúvidas, das reclamações efetuadas pela cliente da Ré/Recorrente, legal representante da dona de obra Sra. BB, juntas com a oposição sob o Doc. 8,
23. dos factos constantes dos pontos 13 a 18 da factualidade dada como provada, bem como do seu testemunho e, por fim,
24. deve considerar-se como provado que a Ré suportou os custos de remoção do sistema de climatização, custos do técnico que procedeu a desmontagem, acondicionamento e transporte, atenta a impossibilidade de proceder a sua correta instalação e afinação, no valor de €4.690,11;
25. como resulta da nota de crédito junta com a oposição sob o Doc. 12,
26. do ponto 16 dos factos dados como provados e, nomeadamente, do depoimento prestado pela cliente, legal representante da dona de obra da Recorrente BB.
27. O Tribunal a quo fundamenta a sua convicção afirmando que “Cabia, pois, à sociedade réì a prova do facto exceptivo invocado, referente ao cumprimento defeituoso dos serviços de fornecimento e instalação de sistema/aparelho de ar condicionado por parte da sociedade autora.”, acrescentando que “Da análise da prova chegamos à conclusão, por acordo das partes, ter existido um problema com o funcionamento do aparelho de ar condicionado aplicado na obra contratada e referida em 10.e12.” Contudo,
28. não só a Ré/Recorrente fez prova do cumprimento defeituoso dos serviços de fornecimento e instalação de sistema/aparelho de ar condicionado por parte da Autora, como foi o próprio Tribunal a quo que o considerou provado nos pontos 13 a 18 dos factos dados como provados. Ou seja,
29. por um lado, o Tribunal a quo dá como provado que “Após a instalação, a réì começou a receber reclamações por parte da sua cliente no que respeita aos serviços contratados pela autora.” E, por outro lado,
30. dá como não provado que “A sociedade Autora não concluiu a instalação do que havia sido contratado, nomeadamente do ar condicionado, que permitissem o seu normal e correcto funcionamento.
31. o Tribunal a quo dá como provado que “Após a instalação, a réì começou a receber reclamações por parte da sua cliente no que respeita aos serviços contratados pela autora.”, no entanto,
32. dá como não provado que “Após a aplicação do aparelho de ar condicionado, foi de imediato perceptível a sua insuficiência e deficiente instalação, nomeadamente no que respeita ao deficiente funcionamento do ar condicionado, condensados a verter pela tubagem de insuflação e danificação de tectos falsos.
33. Argumenta o Tribunal a quo que o legal representante da Ré/Recorrente não esclareceu qual a causa do não funcionamento do sistema do ar condicionado.
34. Não esclareceu, nem podia esclarecer, porquanto afirmou não ter conhecimentos técnicos e que por essa razão contratou uma empresa especializada, a Autora. Aliás,
35. consta do ponto 18 dos factos dados como provados, pese embora a Ré/Recorrente tivesse dirigido à Autora diversas comunicações no sentido da resolução da situação “A autora não respondeu, nem procedeu a qualquer intervenção no sentido da resolução das situações comunicadas.” (sublinhado nosso). Não obstante,
36. a Autora apresenta-se em Audiência de Discussão e Julgamento com o argumento de que a causa do defeituoso funcionamento se deve à potência da máquina orçamentada e instalada.
37. Alega o legal representante da Autora, ter sido a Ré/Recorrente quem indicou o aparelho e características para a instalação, contudo não logrou apresentar tal documento, nem podia, porque na realidade não existe.
38. Como se disse, a Ré/Recorrente não dominando o serviço que lhe havia sido contratado (entenda-se de climatização), não procedeu à indicação de qualquer característica técnica do equipamento a fornecer e instalar.
39. A Ré/Recorrente recorreu aos serviços da Autora, precisamente por se tratar de uma empresa especializada, caso contrário, não teria necessidade de o fazer. Contudo.
40. mesmo que a Ré/Recorrente tivesse tido influência na escolha das características do aparelho, sempre a Autora, enquanto empresa especializada, estaria obrigada a alertar a Ré e até mesmo a recusar-se a proceder à instalação. Aliás.
41. é este o entendimento da nossa mais avisada jurisprudência, nomeadamente, no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 90941/18.0YPRT.L1-7, consultado no respetivo sitio da internet:
http://www.gde.mj.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eecz/7a400925974c275a802586d10049f2ca?OpenDocument, bem como,
42. do Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º2710/18.7T8PRT.P1, consultado no respetivo sitio da internet:
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/b35b8fd0fa45c0d98025857a004750ed?OpenDocument&Highlight=0,presta%C3%A7%C3%A3o,de,servi%C3%A7os,fornecimento,de,bens,cumprimento,defeituoso,responsabilidade.
43. É assim patente, conforme até o Tribunal a quo concluiu, de que o sistema de ar condicionado instalado não cumpria a sua função. (sublinhado nosso)
44. Era a Autora a empresa especializada em climatização e não a Ré/Recorrente, pelo que, era aquela e não a esta que cabia fazer prova de que tamanha circunstância não dependia de culpa sua, o que, como se disse, não fez. Aliás,
45. foram inúmeras as reclamações dirigidas pela Ré à Autora, sem que esta alguma vez tivesse respondido, consubstanciando esta ausência de resposta tendente à regularização do cumprimento defeituoso, desde logo a evidência que ab initio tomou consciência do problema e procurou arrasta-lo.
46. Vem agora a Autora dizer que alertou a Ré, antes da instalação, que a potência da máquina a instalar não era adequada ao local e/ou às condições do local, pois, a ser assim,
47. perante as reclamações, de imediato, se teria desresponsabilizado.
48. A verdade é que a Autora de forma sorrateira só agora em sede de Julgamento vem alegar tais factos, bem sabendo, que estava obrigada a aconselhar e instalar material adequado ao fim a que se destinava, numa atitude que consubstancia um verdadeiro venire contra factum proprium.
49. Também por aqui resulta claro o cumprimento defeituoso por parte da Autora que inviabilizaria, desde logo, o recebimento do preço do serviço deficientemente prestado.
50. Como resultou provado, a Ré foi forçada a proceder a um crédito a favor do dono de obra, no valor de €4.690,11, aliás,
51. considerou o Tribunal a quo provado (16. dos factos provados) a existência de um prejuízo por parte da Ré, no entanto apesar do DOC. 12 junto com a oposição, não impugnado pela Autora, e bem assim dos depoimentos, designadamente, do legal representante da Ré e da legal representante da dona de obra BB, que confirmam a nota de crédito e a razão da sua emissão, certo é que,
52. em evidente contradição, o Tribunal a quo dá como provado em 16. dos factos provados – “A Ré contratou um técnico para retirar o aparelho de ar condicionado, arcar com os custos e creditar a cliente o valor despendido.”;
53. para depois, dar como não provado na alínea g) dos factos não provados que – “A Ré suportou os custos de remoção do sistema de climatização, custos do técnico que procedeu a desmontagem, acondicionamento e transporte, atenta a impossibilidade de proceder a sua correcta instalação e afinação, no valor de €4.690,11.
54. Até seria aceitável ao Tribunal a quo entender que o valor do prejuízo sofrido pela Ré e vertido na nota de crédito junta com a oposição sob o DOC. 12 e não impugnado, seria diferente, mas nem isso se encontra contemplado na Sentença em crise. Ora,
55. considerando que existiu um prejuízo (16. Dos factos provados) e constando dos autos documento a titular esse prejuízo (DOC. 12 junto com a oposição) tal realidade deverá ser refletida na Douta decisão a proferir por esse Venerando Tribunal, impondo-se que a alínea g) dos factos não provados e já transcrita passe a constar do elenco dos factos provados.
Acresce que,
56. O contrato sub judice, DOC. 3 junto com a oposição, configura um contrato de subempreitada entre Autora e Ré, nos termos do qual a Autora enquanto subempreiteira se obriga a executar um conjunto de trabalhos descriminados conforme proposta ou orçamento, encontrando-se este junto aos autos com a oposição sob o DOC. 2.
57. Contrato que o Tribunal a quo ignorou por completo, contudo,
58. nos termos do plasmado nos Doutos Acórdãos já supra citados, o empreiteiro, neste caso a Autora, assume um resultado, impondo-se que adeque os materiais colocados à concretização desse resultado, o que no caso dos autos não aconteceu.
59. Verifica-se assim, o incumprimento do contrato de subempreitada por parte da Autora, circunstância que a impede de receber o preço, impondo-se a revogação da Decisão em crise por uma outra que dando cabal cumprimento às disposições legais aplicáveis, nomeadamente, artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei 67/2003, de 8 de abril, bem como, os artigos 799.º, 1208.º e 1218.º do Código Civil, absolva a Ré do pedido, assim se fazendo a tão costumada Justiça.”

A Autora apresentou contra-alegações, em sede das quais pugna pela manutenção da factualidade provada e não provada constante da sentença recorrida e pela manutenção do decidido nesta.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), tendo em conta a lógica e necessária precedência das questões de facto relativamente às questões de direito, são as seguintes as questões a tratar:
a) – apurar das alterações à decisão da matéria de facto da sentença recorrida propugnadas pela recorrente;
b) – apurar da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso.

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II – Fundamentação

Vamos à questão enunciada sob a alínea a).
A recorrente, embora não os especificando pelas alíneas pelas quais constam referidos na sentença sob recurso, pretende a alteração do julgamento da matéria de facto efectuado pelo tribunal recorrido relativamente às alíneas b), c), d), e), f) e g) dos factos não provados, deduzindo as seguintes pretensões:
I) – que a matéria da alínea b) [com o conteúdo “A sociedade Autora não concluiu a instalação do que havia sido contratado, nomeadamente do ar condicionado, que permitisse o seu normal e correcto funcionamento”], passe a figurar como provada, com base nos docs. 9 e 10 juntos com a oposição, nos depoimentos das testemunhas AA e BB, cujos excertos que considera pertinentes indica por referência aos minutos da respectiva gravação e também transcreve, e no que resulta dos pontos 12 a 18 dos factos dados como provados [conclusões 12 a 15;]
II) – que a matéria das alíneas c), d) e f) [cujo conteúdo, respectivamente, é: “c) O material e equipamentos aplicados foram sugestão da Autora mediante a análise do pedido efectuado pela Ré”, “d) A Ré desconhecia qual o equipamento de ar condicionado indicado para o fim devido e por tal recorreu aos conhecimentos e experiência da requerente, confiando nas sugestões propostas”, “f) A Autora, enquanto empresa especializada na prestação destes serviços, não procedeu a indicação do equipamento adequado e não procedeu a sua correcta instalação”] passe a figurar como provada, com base no orçamento e comunicação de adjudicação juntas com a oposição sob o doc. 2 e nos depoimentos do legal representante da Autora, CC, e das testemunhas AA e BB, cujos excertos também indica e transcreve nos termos referidos no item anterior [conclusões 16 a 20];
III) – que a matéria da alínea e) [cujo conteúdo é “Após a aplicação do aparelho de ar condicionado, foi de imediato perceptível a sua insuficiência e deficiente instalação, nomeadamente no que respeita ao deficiente funcionamento do ar condicionado, condensados a verter pela tubagem de insuflação e danificação de tectos falsos”] passe a figurar como provada com o conteúdoApós a aplicação do aparelho de ar condicionado, foi de imediato percetível a sua insuficiência e deficiente instalação, nomeadamente no que respeita ao deficiente funcionamento do ar condicionado”, com base nas reclamações efetuadas pela cliente da Ré/Recorrente juntas com a oposição sob o Doc. 8, no depoimento da testemunha BB, legal representante daquela cliente, e nos pontos 13 a 18 dos factos provados [conclusões 21 a 23];
IV) – que a matéria da alínea g) [cujo conteúdo é “A Ré suportou os custos de remoção do sistema de climatização, custos do técnico que procedeu a desmontagem, acondicionamento e transporte, atenta a impossibilidade de proceder a sua correcta instalação e afinação, no valor de € 4.690,11”] passe a figurar como provada, com base na nota de crédito junta com a oposição sob o Doc. 12, no que consta do ponto 16 dos factos dados como provados e no depoimento da testemunha BB, legal representante da dona da obra a cargo da Recorrente.
Cumpre referir que, nos termos do art. 607º nº5 do CPC, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (essa livre apreciação só não abrange as situações referidas na segunda parte de tal preceito).
Por outro lado, a prova deve ser apreciada globalmente, sendo corolário de tal comando em sede de recurso o disposto no art. 662º nº1 e 2, alíneas a) e b), do CPC, quando dali com evidência se conclui que a Relação “tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” (como refere António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, 2018, pág. 287).
O tribunal recorrido, na parte que importa ao conhecimento das questões de facto referidas, motivou a decisão da matéria de facto da forma que segue:
Cabia, pois, à sociedade ré a prova do facto exceptivo invocado, referente ao cumprimento defeituoso dos serviços de fornecimento e instalação de sistema/aparelho de ar condicionado por parte da sociedade autora.
Para tal demonstração apreciou este Tribunal as declarações prestadas pelas testemunhas oferecidas pelas partes e concatenadas com o declarado pelos legais representantes das sociedades Autora e Ré, mais cotejadas com o teor das missivas e comunicações trocadas entre as partes.
Da análise da prova chegamos à conclusão, por acordo das partes, ter existido um problema com o funcionamento do aparelho de ar condicionado aplicado na obra contratada e referida em 10. e 12.
Neste particular, as declarações de parte do legal representante da Ré, DD, não foram de molde a obter esclarecimento cabal sobre a génese e responsabilidade de tal problema. Referiu o mesmo que o aparelho de ar condicionado instalado pela Autora não funcionava devidamente, existindo reclamações comunicadas por parte da sua cliente. Tais reclamações e teor das mesmas surgem atestadas com o teor das comunicações via e-mail trocadas entre a sociedade autora e a cliente, BB, comunicações estas juntas aos autos e que pela mesma foram confirmadas, uma vez ouvida na qualidade de testemunha, de forma que mereceu credibilidade. Neste sentido o facto dado como provado em 13).
Ora, o legal representante da sociedade ré não logrou esclarecer qual a causa do não cabal funcionamento do sistema de ar condicionado – facto este que se afigura como o facto cujo apuramento se revela essencial atenta a matéria em discussão nos autos - remetendo tais esclarecimentos para o seu colaborador, à data, que acompanhou a obra, EE, na qualidade de engenheiro.
Acresce que igualmente não logrou esclarecer, de forma segura e irrefutável, se a potência do sistema/máquina de ar condicionado instalados foi indicada e proposta pela sociedade ré ou constava já dos termos do contrato de franchising da loja, ou sequer se a máquina com a potência orçamentada foi efectivamente a instalada em obra. Analisados os termos do caderno de encargos de fls. 30 a 32 verso, no que concerne à proposta de climatização e ventilação, constante do Ponto 12. (vide fls. 32) verificamos que tal referência a aparelho e potência não surge indicado, mas não logrou este Tribunal perceber se o mesmo já estaria previsto nos “pormenores de projecto” aí referidos e não apresentado à analise deste Tribunal.
Mais referiu que efectivamente ocorreu uma alteração da marca do aparelho de ar condicionado inicialmente indicado ( de Tango para LG) mas desconhece a razão de tal alteração ou quem a propôs ou exigiu; que ocorreu uma intervenção em obra após a instalação inicial mas não sabe em que termos e que, a certa altura, não indicando qual, a autora deixou de responder às suas missivas e comunicações.
Esclarece que a loja encerrou no ano de 2021 e levantaram o equipamento de ar condicionado e seus elementos, tendo emitido nota de crédito à cliente, no valor constante de fls. 35.
Analisadas as suas declarações, verificamos que o mesmo expôs a este Tribunal mais dúvidas que certezas, demonstrando não ter acompanhado efectivamente as vicissitudes da obra de instalação de ar condicionado, facto que condicionou e debilitou a apreciação das suas declarações.
Remetendo os esclarecimentos para o engenheiro em obra, EE, verificou este Tribunal que, mercê da passagem do tempo ( tendo apenas trabalhado para a Ré entre Junho de 2017 e Junho de 2018) tal testemunha detinha uma memória pouco vívida da situação em discussão, apenas logrando avivar a mesma com recurso à análise das comunicações enviadas e cujo teor confirmou ter redigido, nos termos constantes de fls. 17 a 21. Acresce ter referido ter intervindo já quando a obra se encontrava em curso, nada tendo acompanhado quanto aos termos de negociação do fornecimento de bens e serviços. Referiu, no entanto, a inadequação da potencia do sistema de ar condicionado instalado e as consequências da mesma, sendo da habitualidade a indicação de tal sistema por parte da empresa de climatização mas desconhecendo a negociação ocorrida no caso concreto.
Mais explicou as diligências efectuadas junto da Autora no sentido da resolução da situação, nos termos expostos nas comunicações e as demais tentativas junto de técnico da LG e outra empresa, no sentido de obtenção de mais uma opinião técnica. Neste sentido, e por ter deposto de forma credível, os factos dados como provados em em 14. a 18.
Por seu turno, o legal representante da sociedade autora referiu que o não regular funcionamento do aparelho instalado decorria da inadequação da potência do mesmo ao local, facto que refere não ser da sua responsabilidade, mas apenas a instalação, dado que apenas instalou o equipamento pedido e indicado pela ré, tendo informado esta de tal limitação, em momento anterior ao da instalação, mas que foi mantido o propósito de instalar o aparelho orçamentado. Mais referiu que no pedido de orçamento que lhe foi feito (mas do qual não existe prova documental) já constava as características do ar condicionado a instalar, mormente a marca e potencia do mesmo, mais esclarecendo que a alteração da marca ocorreu por sua proposta, por se tratar de aparelho equivalente.
A testemunha AA, técnico de refrigeração, não obstante já ter prestado serviços para a autora, mormente o realizado na obra discutida nos autos, depôs de forma entendida como seria e isenta não demonstrando comprometimento com a versão aos autos por este apresentada. De forma espontânea, referiu que quando efectuou trabalho em obra, de ligação de sistema de ar condicionado, a máquina já se encontrava instalada e percebeu, de imediato, que a mesma não teria a potência adequada para o espaço, de modo a cumprir a sua função, facto que comunicou ao legal representante da Autora, tendo obtido como resposta que “tinha sido aquela a máquina que o mandaram instalar”. Não merecendo este depoimento reservas de credibilidade e isenção, entende este Tribunal sustentar o mesmo a versão aos autos trazida pela Autora, de que a indicação da máquina a instalar foi indicada pela Ré.
O depoimento da testemunha FF, serralheiro, e que interveio na obra em sede de instalação de tubagens e condutas e aplicação de chapas, por conta da Autora, não foi de molde a esclarecer qualquer facto relevante para a prova em análise.
Por seu turno, a testemunha BB, proprietária da loja referida em 10., explicou as vicissitudes de funcionamento do ar condicionado e as intervenções realizadas, referindo que o projecto da loja veio “de Espanha”, tratando-se de um franchising e desconhecendo se tal projecto contemplava a indicação precisa do sistema de ar condicionado a instalar. Ao invés do declarado por qualquer das demais testemunhas e partes ouvidas, referiu que lhe foi transmitido por um técnico da LG que a aparelho instalado não comportava condutas e estava instalado em local errado, nada lhe referindo sobre a (in)adequação da potência do mesmo.
Confirmou a nota de crédito emitida a seu favor pela sociedade ré, nos termos de fls. 35.
Aqui chegados, verificamos ter chegado à conclusão que o sistema de ar condicionado instalado não cumpria a sua função de refrigeração.
A questão prende-se com o apuramento da responsabilidade de tal disfunção.
Temos por relevante as declarações prestadas pela testemunha AA, sem interesse no desfecho dos autos, técnico na área, que atribui a questão à inadequação da potência da máquina instalada, por a ter observado no local da sua colocação, e refere, de forma espontânea a conversa mantida com o legal representante da autora quanto a quem decidiu os termos do sistema a instalar.
Ora, neste particular, entendemos não ser o teor do orçamento e das comunicações trocadas a pedra de toque essencial para contrariar a convicção formulada em face da prova testemunhal produzida (com enfoque na testemunha referida), quanto a quem indicou o tipo de sistema de ar condicionado e sobretudo sobre o motivo do seu não funcionamento cabal, no sentido da existência de inadequação do sistema instalado indicado e pedido pela Ré.
Ainda que surja estranho que sendo a Autora uma empresa especializada em sistema de refrigeração não lhe fosse pedido o apoio técnico na indicação do sistema adequado, atento o exposto pela testemunha AA, que mereceu credibilidade, não surge desconforme às regras da normalidade a possibilidade de tal sistema e características do mesmo já estarem previstos no projeto de franchising referido pela cliente BB. Acresce que não teve este Tribunal acesso a pedido escrito de orçamento efetuado pela Ré nem, igualmente, ao referido projeto indicado no caderno de encargos apresentado pela sociedade ré, quedando-se com o cotejo das declarações de parte, as do Réu menos seguras e as do Autor corroboradas pela testemunha AA.
Assim sendo, formou este Tribunal convencimento no sentido do fornecimento de aparelho por indicação e pedido da Ré, e concomitamente não tendo a ré feito prova segura e bastante de que a instalação deficitária, desadequada e insuficiente foi responsabilidade da autora.
Nem mesmo o facto de a Autora ter deixado de responder às missivas e comunicações da ré, nos termos dados como provados, é de molde a retirar conclusão pela sua responsabilidade ou procura de se eximir da mesma.
Entrando na análise das pretensões deduzidas pela recorrente e supra identificadas, comecemos pelas referidas sob os pontos I), II) e III).
Ouviu-se toda a prova pessoal produzida e gravada na audiência final, prova que o recorrente indicou para sustentar a reapreciação da decisão da matéria de facto transcrevendo os segmentos dos depoimentos que reputa relevantes para tal efeito.
Sucede porém que, relativamente à gravação de tal prova, verifica-se o seguinte: a gravação do depoimento do legal representante da Ré é claramente deficiente, pois não se ouve praticamente nada do que tal depoente diz; a gravação do depoimento do legal representante da Autora permite ouvir com um mínimo de clareza apenas algumas partes do depoimento, não se conseguindo por isso apreender tudo o que é dito; a gravação dos depoimentos de cada uma das testemunhas AA, EE e BB permite que nalguns segmentos dos mesmos, ainda que com algum esforço, se perceba o que se diz, mas noutros já não se conseguem ouvir de todo ou pelo menos com um mínimo de clareza.
Tais depoimentos foram relevados para motivar a matéria de facto cuja reapreciação é requerida.
Tendo ocorrido gravação da prova (como previsto nos arts. 17º nº1 e 3º nº3 do regime da Acção Especial para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contratos e Injunção, anexo e parte integrante do Decreto-Lei nº269/98, de 1/9) e sendo a falta ou deficiência da gravação da audiência final um vício de conhecimento não oficioso, a arguir no prazo de dez dias após a disponibilização da gravação (artigo 155º, nº 4, do CPC), essa patologia, não sendo suprida junto do tribunal de primeira instância, reflete-se negativamente sobre o direito das partes impugnarem a decisão da matéria de facto com base em prova pessoal.
No caso, a audiência de julgamento teve lugar a 9/2/2022 e, tanto quanto se vê dos autos, não foi arguida a nulidade processual decorrente da deficiência de gravação.
A fim de que este Tribunal da Relação possa formar uma autónoma convicção tem que ter acesso a toda a prova que foi produzida perante o tribunal recorrido, como resulta inequívoco do disposto no nº 1 do art. 662º do CPC.
Neste circunstancialismo, porque esta instância não tem ao seu dispor todo o manancial probatório que o tribunal a quo teve para formar a sua convicção probatória, nomeadamente, quanto a depoimentos, a integralidade dos que a recorrente invocou para suportar a sua pretensão de alteração da decisão da matéria de facto, não se está legalmente em condições de sindicar os juízos probatórios do tribunal recorrido formulados com base em provas sujeitas à livre apreciação do julgador, formando a sua própria e autónoma convicção probatória, inclusivamente com base em provas ou segmentos de provas a que o tribunal recorrido ou as partes não deram relevância (veja-se a alínea b), do nº 2, do artigo 640º do CPC), do que decorre o indeferimento da reapreciação da matéria de facto para que possam concorrer tais depoimentos.
Por isso, em virtude deste tribunal não ter acesso a todos os elementos probatórios que foram produzidos perante o tribunal recorrido, indefere-se a reapreciação dos factos dados como não provados sob as alíneas b), c), d), e) e f)[2].
Passemos agora à pretensão referida sob o ponto IV).
Ainda que quanto a ela a recorrente indique também o depoimento da testemunha BB e o mesmo, como se referiu, porque não audível em algumas partes, não possa ser valorado, a matéria em causa – a da alínea g) dos factos não provados – contende com matéria já dada como provada sob o nº16 dos factos provados e não questionada (onde se diz “A Ré contratou um técnico para retirar o aparelho de ar condicionado, arcar com os custos e creditar a cliente o valor despendido”) e com a nota de crédito junta aos autos a fls. 35, emitida pela Ré a favor da sociedade unipessoal referida sob o nº12 dos factos provados no montante de €4.690,11, relativamente à qual a Sra. Juíza da primeira instância disse expressamente na sua motivação que foi confirmada a sua emissão a favor daquela sociedade pela testemunha BB, legal representante da mesma.
Assim, há que, na sequência do já dado como provado sob o nº16, referir sob este ponto aquela quantia de €4.690,11 e eliminar, por versar sobre a mesma matéria fáctica, a alínea g) dos factos não provados.
Deste modo:
- altera-se o nº16 dos factos provados para a seguinte redação: “A Ré contratou um técnico para retirar o aparelho de ar condicionado, arcar com os custos e creditar a cliente o valor despendido, no montante de € 4.690,11”;
- elimina-se a alínea g) dos factos não provados.

Passemos agora à segunda questão enunciada.
Considerando-se o decidido anteriormente, é a seguinte a matéria de facto a ter em conta:
Factos provados
1. A Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica, entre outras actividade, a execução de redes de electricidade, águas, esgotos e fornecimento de climatização.
2. A Ré é uma sociedade por quotas que e dedica, entre outras actividades, a construção civil.
3. No exercício da referida actividade, a Autora acordou com a Ré o fornecimento de materiais e execução de trabalhos a que se refere o orçamento n.º ...17 de 22 de fevereiro de 2017, referente a realização de instalação eléctrica (cabos, tubos, quadros, aparelhagens e luzes), execução de rede de águas, rede de esgotos, execução de ventilação na cozinha com ventilador S&P Silent 100mm, ligações de máquinas com passadores de esquadria e torneira electrónica tempomatic com 4 pilhas de 6V, instalação de ar condicionado tango 18000 BU´s unidade interna/externa com inslufação e extracção de ar e tubagem em spiro e grelhas 2,5m em cinza, no valor acordado e aceite de €7.000,00.
4. Mais acordaram o fornecimento de materiais e execução de trabalhos a que se refere o orçamento n.º ...17 de 22 de fevereiro de 2017, para instalação de uma caixa portinhola, um quadro contador com disjuntores trifásicos diferenciais, uma caixa terra, negativo para ramal, vistoria e respectiva mão-de-obra, no valor acordado e aceite de 590,00.
5. A sociedade autora emitiu as Facturas n.º 17 e 18 de 21 de Agosto de 2017, nos valores respetivos de €5.450,00 e 2.506,00, com vencimento em 20 de Setembro de 2017.
6. Por conta da diferença de valores acordados e facturados referidos em 3. a 5., a sociedade autora emitiu nota de crédito a favor da Ré no valor de €976,00.
7. Mais emitiu a Factura n.º 19 de 21 de Agosto de 2017, no valor de 590,00, com vencimento em 20 de Setembro de 2017.
8. Por conta dos trabalhos descritos em 3., a sociedade Ré efectuou o pagamento de €1.500,00, em 30 de Setembro de 2017.
9. O ar condicionado de marca Tango referido em 3. foi posteriormente substituído por um de marca LG.
10. Os matérias e mão de obra foram fornecidos e incorporados na obra designada de loja “C...”, sita na Rua ..., em Aveiro.
11. A Ré foi diversas vezes instada pela Autora no sentido de proceder ao pagamento do seu débito.
12. A sociedade ré, no exercício da sua actividade, foi contactada por BB, na qualidade de legal representante da sociedade “D..., Unipessoal, Lda.” no sentido de efectuar a reformulação do interior da loja referida em 10.
13. Após a instalação, a ré começou a receber reclamações por parte da sua cliente no que respeita aos serviços contratados pela autora.
14. Na sequência de tais reclamações que a Ré dirigiu a autora várias comunicações/reclamações, verbalmente e por escrito, no sentido da rápida resolução dessa situação.
15. A Ré procurou obter uma solução definitiva para a situação do ar condicionado junto de técnicos da LG.
16. A Ré contratou um técnico para retirar o aparelho de ar condicionado, arcar com os custos e creditar a cliente o valor despendido, no montante de € 4.690,11.
17. A 12 de Dezembro de 2017, a Ré remeteu comunicação a Autora dando conhecimento da situação e informado dos prejuízos, alertando que os valores em débito poderiam não ser suficientes para suportar todos os custos inerentes aos trabalhos e equipamentos necessários para assegurar o correcto funcionamento do sistema de climatização.
18. A autora não respondeu, nem procedeu a qualquer intervenção no sentido da resolução das situações comunicadas.
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Factos não provados
a) Foi acordado que o prazo de pagamento dos matérias e serviços seria de 30 dias sobre a data de emissão aposta em cada uma das facturas.
b) A sociedade Autora não concluiu a instalação do que havia sido contratado, nomeadamente do ar condicionado, que permitissem o seu normal e correcto funcionamento.
c) O material e equipamentos aplicados foram sugestão da Autora mediante a análise do pedido efectuado pela Ré.
d) A Ré desconhecia qual o equipamento de ar condicionado indicado para o fim devido e por tal recorreu aos conhecimentos e experiência da requerente, confiando nas sugestões propostas.
e) Após a aplicação do aparelho de ar condicionado, foi de imediato perceptível a sua insuficiência e deficiente instalação, nomeadamente no que respeita ao deficiente funcionamento do ar condicionado, condensados a verter pela tubagem de insuflação e danificação de tectos falsos.
f) A Autora, enquanto empresa especializada na prestação destes serviços, não procedeu a indicação do equipamento adequado e não procedeu à sua correcta instalação.
g) - Eliminado
h) A ré colocou à disposição da Autora o material retirado.
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Decorre da factualidade provada sob os nºs 2, 3, 4, 9, 10 e 12 que entre a Ré e a Autora, quanto à aplicação do sistema de ar condicionado discutido nos autos, foi celebrado um contrato de subempreitada, pois a primeira, como empreiteira de obra de uma sua cliente, contratou a Autora para realizar parte dela (art. 1213º nº1 do C. Civil).
O regime da subempreitada, como subcontrato da empreitada, é o deste mesmo contrato, como decorre do funcionamento geral de tal figura e do próprio nº1 do art. 1213º[3].
Neste conspecto, em vista do cumprimento defeituoso que imputou à Autora, a Ré, ainda que não tendo que provar a respectiva causa, tinha, face ao disposto no art.342º nº1 do C. Civil, o ónus da prova da existência de defeitos na prestação a que aquela estava obrigada[4].
Como resulta do decidido na primeira questão enunciada, mantêm-se como não provados os factos referidos sob as alíneas b), c), d), e) e f), do que decorre que não se fez prova de que o “problema com o funcionamento do ar condicionado” (assim referido na motivação da decisão recorrida), perceptível pela matéria de facto provada sob os nºs 13 a 18, seja imputável à Autora.
Note-se a este propósito, e ao contrário do defendido pela recorrente (conclusão 28 do recurso), que daqueles nºs 13 a 18 não resulta, só por si, qualquer imputação à Autora quanto ao conclusivamente alegado pela Ré/recorrente deficiente funcionamento do ar condicionado, pois uma coisa são as reclamações da cliente da Ré ali referidas e outra é factualidade provada da qual decorra uma actuação da Autora causal da deficiente instalação e/ou funcionamento daquele.
Face àquela não prova, quer a pretensão de recusa de pagamento do preço por parte da Ré quer a pretensão desta de lhe ser reconhecido sobre a Autora um contra-crédito no montante de €4.690,11, decorrente do dado como provado sob o nº16 (considerando a alteração deste já por nós decidida), não têm qualquer base que as suporte, pois qualquer delas, independentemente do caminho jurídico que se tenha por pertinente para a sua conformação, dependia da prova de cumprimento defeituoso imputável à Autora.
Assim sendo, é de concluir pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.

As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente, que decaiu (art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC).
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão

Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.
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Porto, 17/4/2023.
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
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[1] Segue-se, com algumas alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] No sentido do ora decidido, vide, entre outros e relativamente a acórdãos disponíveis em www.dgsi.pt, o Acórdão desta mesma Relação de 8/6/2022 (proc. nº2638/19.3T8OAZ.P1), relatado pelo Sr. Desembargador Carlos Gil e subscrito pelo ora relator como adjunto, os Acórdãos da Relação de Guimarães de 11/9/2014 (proc. nº4464/12.1TBGMR.G1; rel. Heitor Gonçalves), de 12/3/2015 (proc. nº421210/10.1YIPRT.G1; rel. Helena Melo) e de 16/5/2019 (proc. nº57308/18.0YIPRT.G1; rel. Alcides Rodrigues), e o Acórdão da Relação de Évora de 24/10/2019 (proc. nº2243/18.1T8STR.E1; rel. Ana Margarida Leite).
[3] Neste sentido, João Serras de Sousa, in “Código Civil Anotado”, coord. de Ana Prata, vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 1557, em anotação ao art. 1213º
[4] Neste sentido, vide Pedro Romano Martinez, “Cumprimento Defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada”, Almedina, 1994, onde a págs. 356 e 357 se refere àquele ónus da prova e a págs. 360 e 361 se refere, por contraposição àquele, ao ónus da prova do empreiteiro quanto a factos impeditivos da sua responsabilidade.