Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
973/14.6T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: OBRIGAÇÃO ALIMENTAR A FAVOR DO EX-CÔNJUGE
MEDIDA
RENDIMENTO SOCIAL DE INSERÇÃO
HIERARQUIA DE OBRIGAÇÕES
Nº do Documento: RP20160125973/14.6T8GDM.P1
Data do Acordão: 01/25/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 616, FLS.2-7)
Área Temática: .
Sumário: I - A prestação do rendimento social de inserção concedida a alimentanda, em circunstâncias de total ausência de rendimentos, não deve ser computada como rendimento da alimentanda para fixação do montante da prestação alimentar, por ser previsível a cessação dessa prestação com o começo do recebimento da prestação alimentar fixada pelo tribunal.
II - Do artigo 2009º do Código Civil resulta, indiretamente, uma hierarquia, ao menos prática, que faz com que a obrigação alimentar a favor do ex-cônjuge se sobreponha à obrigação alimentar a favor dos ascendentes e dos irmãos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 973/14.6T8GDM.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 973/14.6T8GDM.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. A prestação do rendimento social de inserção concedida a alimentanda, em circunstâncias de total ausência de rendimentos, não deve ser computada como rendimento da alimentanda para fixação do montante da prestação alimentar, por ser previsível a cessação dessa prestação com o começo do recebimento da prestação alimentar fixada pelo tribunal.
2. Do artigo 2009º do Código Civil resulta, indiretamente, uma hierarquia, ao menos prática, que faz com que a obrigação alimentar a favor do ex-cônjuge se sobreponha à obrigação alimentar a favor dos ascendentes e dos irmãos.
***
*
***
Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]
Em 09 de dezembro de 2014, na Comarca do Porto, Instância Central, Segunda Secção de Família e Menores, J2, B…veio intentar ação de divórcio sem consentimento contra C….
Para tanto, e em suma, alegou que contraiu casamento com a ré, invocando factos que consubstanciam a rutura definitiva do casamento.
Realizou-se uma infrutífera tentativa de conciliação, pretendendo ambos os cônjuges divorciar-se, querendo a ré a fixação de uma pensão de alimentos a seu favor, com a qual o autor não concorda.
Proferiu-se despacho determinando a convolação do divórcio em mútuo consentimento consignando-se as questões sobre as quais existe acordo, prosseguindo os autos para fixação das consequências do divórcio relativamente à obrigação de alimentos entre cônjuges e atribuição do uso da casa de morada de família.
A ré requereu a condenação do autor numa prestação mensal de alimentos a seu favor em montante não inferior a € 600,00.
O autor deduziu oposição ao requerimento da ré para fixação de prestação alimentar, pugnando pela sua total improcedência.
Foram produzidas as provas pessoais oferecidas pelas partes, após o que foi proferida sentença[2] que terminou com o dispositivo que se reproduz na parte pertinente para o objeto do recurso:
Decreto o divórcio e a inerente dissolução do casamento celebrado entre o autor B…e a ré C…, fixando-se as seguintes consequências do divórcio:
a) O uso da casa de morada de família, sita na Travessa... em Gondomar, é atribuído à ré C…, mediante arrendamento celebrado pelo prazo de dois anos, renovável por igual período, não se estabelecendo contrapartida monetária pelo seu uso e incumbindo a esta o pagamento dos encargos relativos ao uso do imóvel (consumos domésticos e condomínio) e ao autor os encargos relativos à propriedade do imóvel (imposto municipal sobre imóveis);
b) Não existem filhos menores;
c) Os bens comuns são a casa de morada de família e respectivo recheio;
d) Fixa-se o montante de €300,00 (trezentos euros) a título de alimentos a favor da ré C….
Inconformada com a sentença, na parte em que fixou a prestação alimentar, em 30 de setembro de 2015, C… interpôs recurso de apelação terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1 – Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nestes autos, cingindo-se este na parte em que é fixada a prestação de alimentos a favor da Ré/requerente no montante de € 300,00.
2 – Tendo em consideração toda a factualidade provada deve fixar-se uma prestação de alimentos mensal a favor da Ré/requerente no montante de €600,00.
3 – Na fixação dos alimentos deve ser tido em consideração, nomeadamente o rendimento auferido pelo Autor/requerido - €4.360,00 e as despesas que suporta com a renda de casa que habita, alimentação, vestuário, transportes, saúde;
4 – Bem assim, a idade da Ré/requerente – 52 anos, o casamento ter tido uma duração de 31 anos, o facto de a Ré/requerente “não exercer há muitos anos qualquer atividade profissional, tendo o casal feito tal opção conjunta da mesma ficar a tomar conta dos filhos, a acompanhar a sua educação, bem como realizar tarefas domésticas.” e não se afigurar fácil encontrar um emprego, apesar de inscrita no centro de emprego.
5 – Não se deve considerar para a determinação da pensão de alimentos a favor da Ré/requerente, como despesas, o contributo que o Autor/requerido alega fazer voluntariamente a favor da mãe e irmã, que dispõem de razoáveis rendimentos, beneficiam de a ajuda da Misericórdia e residem em casa própria.
6 - A pensão em causa destina-se apenas a assegurar o indispensável à subsistência da Ré/requerente, que lhe permita garantir um mínimo de vida digna, e de acordo com as reais possibilidades económicas do Autor/requerido. Obrigado a prestá-los.
7 – A importância de €600 é hoje próxima do salário mínimo nacional, que não se mostra excessiva para fazer face a todas as despesas que a Ré/requerida tem de suportar, nomeadamente com a sua alimentação, vestuário, assistência médica e medicamentosa (sendo pessoa que padece de doenças crónicas), habitação [incluindo água, luz, telefone e condomínio], entre todas as demais necessárias para manter uma vida condigna.
8 – Não podendo ainda deixar de salientar a dificuldade que a Ré/requerente enfrenta e enfrentará no futuro em encontrar um emprego, que não deixar de ser atualmente também um reflexo da decisão conjunta do Autor /requerido e da Ré/requerida, quando optaram que esta não exercesse qualquer atividade profissional e se dedicasse em exclusivo à família.
9 - Por tudo o que aqui se alega e conclui, ponderando o critério legal, temos como justo e adequado às circunstâncias do caso que o Autor/requerido suporte uma pensão de alimentos mensal a favor da Ré/requerente pelo montante de € 600,00.
B… ofereceu contra-alegações pugnando pela total improcedência do recurso.
Com o acordo dos Excelentíssimos Juízes-adjuntos dispensaram-se os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
A única questão a decidir é a da medida dos alimentos à recorrente, mais precisamente, se os alimentos fixados em trezentos euros mensais, na decisão recorrida, devem ser fixados no montante de seiscentos euros mensais.
3. Fundamentos de facto exarados na sentença sob censura[3], que não foram impugnados[4], não se divisando qualquer fundamento legal para a sua alteração oficiosa
3.1 Factos provados
3.1.1
Autor e ré contraíram casamento católico no dia 02 de setembro de 1984, sem convenção antenupcial.
3.1.2
O autor e a ré declararam pretender convolar o processo de divórcio por mútuo consentimento.
3.1.3
Desse casamento nasceram dois filhos, D… e E…, já maiores de idade.
3.1.4
Os cônjuges não se encontram a coabitar desde 14 de Setembro de 2012.
3.1.5
A ré reside atualmente na casa de morada de família que é um apartamento, de tipologia T3, com 4 divisões, um lugar de estacionamento automóvel na cave, com a área bruta privativa de 100 m2 (artigo matricial n.º …., fração .. da freguesia de …, Gondomar), sito à Travessa do …, n.º .., em Gondomar, não pagando qualquer contrapartida.
3.1.6
O autor exerce as funções de … prestando serviços, como trabalhador independente, na empresa “F…”, auferindo, em média, mensalmente, a quantia de € 4.360,00.
3.1.7
O autor reside atualmente em casa arrendada pagando mensalmente o montante de € 350,00.
3.1.8
O autor contribui mensalmente para os seus filhos, para ajuda das propinas e das despesas do seu dia a dia, em média, com cerca de € 345,83.
3.1.9
O autor tem as seguintes despesas (médias mensais):
-€ 350,00 de renda, correspondente a € 4.200,00 por ano;
-€ 13,28 por mês em água, correspondente a € 159,36 por ano;
-€ 42,80 por mês em gás e eletricidade, correspondente a € 513,59 por ano;
-€ 30,31 por mês em internet e telefone, correspondente a € 363,69 por ano;
-€ 18,02 em IMI referente à casa de morada de família, correspondente a € 216,20 por ano;
-€ 67,80 em seguro obrigatório de acidentes trabalho, correspondente a € 813,60 por ano;
-€ 10,85 em seguro de acidentes pessoais, correspondente a € 130,19 por ano;
-€ 19,36 em seguro automóvel, correspondente a € 232,35 por ano;
-€ 266,03 por mês referente ao pagamento do veículo automóvel, correspondente a € 3.192,36 por ano;
-€ 1.255,33 em IRS+ IUC, correspondente a € 15.063,94 por ano;
-€ 302,56 por mês relativo a empréstimo para obras no imóvel bem comum, correspondente a € 3.630,77 por ano;
-€ 480,97 em Segurança Social e contabilidade, correspondente a € 5.771,64 por ano;
-€ 48,40 em gasolina, correspondente a € 580,75 por ano;
-€ 4,70 em portagens, correspondente a € 56,45 por ano;
-€ 60,30 em medicação, correspondente a € 723,65 por ano;
-€ 20,97 em despesas de saúde, correspondente a € 251,65 por ano;
-€ 41,27 em alimentos e higiene pessoal, correspondente a € 495,28 por ano;
-€ 38,93 euros em vestuário, correspondente a € 467,11 por ano;
-€ 379,17 em alimentação, correspondente a € 4.550,00 por ano;
-€ 5,64 em material de escritório, correspondente a € 67,67 por ano.
3.1.10
Com as despesas supra referidas o autor gasta, em média, mensalmente, o montante total de € 3.456,69.
3.1.11
O autor pagou em 2014 de I.R.S., referente ao ano de 2013, a quantia de € 15.183,18 euros.
3.1.12
Além das despesas descritas, o autor ajuda sua mãe G…, viúva, com 84 anos e sua irmã H…, solteira com 58 anos, com patologia de esquizofrenia e incapacitada para o trabalho, com cerca de € 300,00 por mês para ajuda no pagamento de despesas de saúde, medicação, alimentação e cuidados diários.
3.1.13
A sua mãe aufere uma pensão de sobrevivência, no montante de € 178,61 por mês e a sua irmã uma pensão de invalidez de € 335,57 por mês.
3.1.14
Este agregado familiar (mãe e irmã do autor) recebe ainda rendas no montante de € 165,00 por mês.
3.1.15
Este agregado familiar (mãe e irmã do autor) dispõe de um rendimento mensal de € 679,18 (€ 178,61 + € 335,57 + € 165,00).
3.1.16
O autor encontra-se a pagar ainda o valor de € 304,42 por mês, durante 24 meses, relativo a obras realizadas na casa da sua mãe, num total de € 7.306,20.
3.1.17
A ré encontra-se desempregada, auferindo € 108,15 de RSI, contando ainda com a ajuda dos seus pais com a alimentação, consultas e medicação.
3.1.18
A ré não exerce há muitos anos qualquer atividade profissional, tendo o casal feito a opção conjunta da mesma ficar em casa a tomar conta dos filhos, a acompanhar a sua educação, bem como a realizar as tarefas domésticas.
3.1.19
A ré encontra-se inscrita no Centro de Emprego.
3.1.20
A ré tem o 12º ano e um curso médio de línguas e secretariado e fez formações no Centro de Emprego.
3.1.21
A ré sofre de depressão crónica, estando a ser tratada há muitos anos, tendo igualmente problemas nos ossos e musculares.
3.1.22
Os seus problemas de saúde impedem-na de exercer uma atividade profissional que exija esforço físico, sendo certo que não lhe apareceu, até ao momento, qualquer oportunidade de emprego.
3.2 Facto não provado
3.2.1
Que o autor venha a sofrer uma alteração no escalão contributivo para a Segurança Social a partir de 2015, passando a pagar mais € 393,00.
4. Fundamentos de direito
Os alimentos à recorrente devem ser fixados no montante de seiscentos euros mensais em vez dos trezentos euros mensais arbitrados pelo tribunal a quo?
A recorrente pugna pela revogação da sentença recorrida, na parte relativa à prestação alimentar que lhe foi arbitrada, pugnando por que essa prestação seja fixada no montante de seiscentos euros por mês. Para tanto, a recorrente limita-se a alegar que alguns dos familiares auxiliados pelo recorrido têm rendimentos próprios, ao invés do que sucede com a recorrente, que os filhos do casal são economicamente independentes, sustentando, em face da factualidade provada, que a prestação alimentar a seu favor deve ser fixada em seiscentos euros.
O recorrido pronuncia-se no sentido da total improcedência do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
A decisão recorrida fundamentou a medida dos alimentos a prestar pelo recorrido à recorrente nos termos que seguem:
Para definir a medida dos alimentos, nomeadamente a necessidade daquele que houver de os receber, atenderá o tribunal ao valor dos bens e dos rendimentos do alimentado, se os tiver, às necessidades específicas da sua saúde, à sua idade e condição social.
A medida da prestação alimentar determina-se pelo binómio possibilidades do devedor e necessidades do credor, devendo aquelas possibilidades e estas necessidades serem atuais, ou seja, deverão corresponder às possibilidades do obrigado e às necessidades do alimentado no momento em que são fixados (Acórdão do STJ de 07/05/1980 in BMJ 297.º-342).
Por outro lado, a “possibilidade do obrigado deve, em princípio, ser aferida pelos seus rendimentos e não pelo valor dos seus bens, devendo atender-se às receitas e despesas do obrigado, ponderando não só os rendimentos dos bens como quaisquer outros proventos, os provenientes do trabalho ou as remunerações de carácter eventual, como gratificações, emolumentos, subsídios” (Moutinho de Almeida, “Os Alimentos no Código Civil de 1966”, Revista da Ordem dos Advogados, 1968, pág. 99).
Se, como se disse, o direito do cônjuge a uma existência, economicamente, autónoma e condigna, já não é, presentemente, uma realidade a tomar em consideração nas situações posteriores ao divórcio, há que considerar que a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade, o estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de um modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe alimentos e as possibilidades daquele que os presta, a que alude o n.º 1, do art. 2016º-A, do CC, são apenas «índices» do critério da fixação do montante dos alimentos e não a «razão de ser» da existência do direito do autor do pedido.
Vejamos o caso concreto:
Resulta da factualidade provada que:
-autor e ré estão casados desde 02/09/1984, ou seja há mais de 30 anos;
-há muitos anos que a ré não trabalha, tendo sido opção do casal a mesma ficar em casa a tomar conta dos filhos, a acompanhá-los mais de perto e a realizar as tarefas domésticas;
-a ré habita na casa de morada de família, não pagando qualquer contrapartida;
-a ré está desempregada, auferindo €108,15 de RSI, tendo o apoio dos seus pais, designadamente com a alimentação, consultas e medicação;
-a ré encontra-se inscrita no Centro de Emprego;
-a ré sofre de depressão crónica, estando a ser tratada há muitos anos, tendo igualmente problemas nos ossos e musculares;
-a ré tem o 12º ano e um curso médio de línguas e secretariado e fez formações no Centro de Emprego;
-os seus problemas de saúde impedem-na de exercer uma atividade profissional que exija esforço físico, sendo certo que não lhe apareceu, até ao momento, qualquer oportunidade de emprego;
-o autor é empresário em nome individual e aufere cerca de €4.000.00 por mês;
-o autor vive numa casa arrendada e tem um veículo automóvel;
-o autor vive em casa arrendada pela qual paga €350,00 por mês;
-o autor ajuda monetariamente os filhos, a mãe e a irmã;
-o autor tem despesas mensais que rondam os €3.456,69;
Em suma: o autor aufere um rendimento mensal de €4.360,00, enquanto a ré aufere apenas €108,15 de RSI; por seu turno, o autor suporta despesas mensais no montante de €3.456,69, às quais acrescem ajudas monetárias aos filhos, mãe e irmã, nos termos expostos, sendo a ré ajudada pelos seus pais nas suas despesas de alimentação e saúde.
Quanto à ré, é patente a sua situação deficitária. Está desempregada, sendo os seus pais quem a tem ajudado a pagar as despesas relacionadas com alimentação e saúde, sendo essas despesas pagas, muitas vezes, diretamente, pelo próprio pai.
Por outro lado, a ré não evidencia qualquer incapacidade para exercer atividade laboral, muito embora tenha alguns problemas de saúde que a limitam e tenha mais de 50 anos, para além de que não lhe foi fixada qualquer contrapartida monetária pelo uso da casa de morada de família, devendo essa circunstância ser considerada relativamente ao pedido de alimentos.
No entanto, não podemos esquecer que a ré já não trabalha há alguns anos, tendo sido opção do casal a mesma ficar em casa com os filhos e a realizar as tarefas domésticas. Deste modo, não pôde a ré, em devida altura, construir uma carreira profissional que lhe permitisse agora, com mais de 50 anos, ter alguma estabilidade e independência, tendo por exemplo algum dinheiro amealhado e experiência profissional que lhe permitisse agora, mais facilmente, arranjar uma ocupação. Por outro lado, o facto de a ré ter ficado em casa, fez com que o casal poupasse algum dinheiro na medida em que não colocaram os filhos numa creche ou numa ama e não tiveram a necessidade de contratar alguém para realizar as tarefas domésticas. Ora, tal situação tem de alguma forma de ser compensada, ainda para mais quando estamos a falar de rendimentos tão díspares (€4.360,00 e €108,15), sendo que o autor, também com mais de 50 anos, tem um emprego fixo e estável.
Já quanto ao autor ficou provado que o mesmo tem um rendimento acima dos €4.000,00, tendo despesas mensais no montante total de €3.456,69, mais a ajuda que presta aos filhos, mãe e irmã (num total de cerca de €645,83). Quanto a estas despesas diga-se que é louvável e de exultar o autor auxiliar os seus filhos e a sua progenitora e irmã. No entanto, os seus filhos já são maiores de idade (29 e 26 anos de idade), em plena idade ativa, podendo prover ao seu sustento e o agregado familiar da sua mãe e irmã dispõe de um rendimento mensal de €679,18 (€178,61 + €335,57 + €165,00).
Assim, relativamente ao autor o mesmo dispõe de um rendimento mensal considerável. É certo que tem despesas mensais elevadas, mas muitas delas não se prendem com a sua subsistência e atividade profissional, mas sim com ajudas aos filhos, mãe e irmã, que dispõem, elas próprias de rendimentos.
Deste modo, não contando com estas despesas o autor ficará com um rendimento disponível de €903,31 (menos o montante de €304,42 por mês, durante 24 meses, relativo a obras realizadas na casa da sua mãe, despesa que o autor assumiu - cfr. doc. de fls. 50 do apenso A). Também se diga que algumas despesas que o autor alega são despesas temporárias, como sejam os €304,42 das obras (durante 24 meses), a prestação do carro e o empréstimo para obras no imóvel bem comum.
Face ao exposto, é de concluir que a ré evidencia necessidades relativamente à fixação de alimentos e o autor dispõe de algumas possibilidades que lhe permitem efetuar essa prestação, sendo que, ao atribuir-se o uso da casa de morada de família à ré sem o pagamento de qualquer contrapartida monetária, esta circunstância não pode deixar de ser valorada como sendo, afinal de contas, um valor de que esta não necessita de dispor para garantir a sua habitação. Na verdade, considerando que o imóvel comum tem um valor locatício de €400,00 (valor de mercado), a ré estará a “poupar” €200,00 e o autor está “a deixar de receber” €200,00.
Deste modo, tendo em conta as considerações expendidas, será adequado fixar uma pensão de alimentos a favor da ré de €300,00, ficando a ré com um “rendimento” total de €608,15 (€200,00 de renda que não paga, €300,00 de pensão de alimentos e €108,15 de RSI).
A fundamentação da sentença recorrida, no que respeita à problemática objeto do recurso é exaustiva, mas não a subscrevemos na parte em que contabiliza como rendimento da recorrente o valor de € 108,15, a título de rendimento social de inserção. De facto, esta prestação social foi atribuída à recorrente, atendendo ao estado de total penúria económica em que se encontrava, sendo de prever, com grande segurança, que tal prestação social não se manterá logo que o recorrido comece a prestar a prestação alimentar que foi condenado a pagar à recorrente, já que é considerada rendimento, para efeitos do rendimento social de inserção (artigo 15º-G, nº 1, alínea d), da Lei nº 13/2003, de 21 de maio, na redação do decreto-lei nº 133/2012, de 27 de Junho) e a recorrente tem o dever de comunicar a sua situação patrimonial à entidade gestora do rendimento social de inserção, no prazo de dez dias (artigo 21º, nº 5, da Lei nº 13/2003, de 21 de maio, na redação do decreto-lei nº 133/2012, de 27 de Junho). Esta desconsideração da prestação recebida a título de rendimento social de inserção, faz acrescer a necessidade da recorrente de uma prestação alimentar e interfere na determinação do montante necessário.
Noutro ponto nos afastamos da sentença recorrida e que é a consideração dos auxílios prestados pelo recorrido à mãe e à irmã e aos dois filhos maiores do casal, em confronto com as necessidades alimentares da recorrente.
Na nossa perspetiva, o recorrido acha-se numa situação de colisão de deveres no cumprimento das suas obrigações alimentares, conflito que cremos vem resolvendo com um critério afectivo, privilegiando a mãe, a irmã e os filhos, em detrimento da recorrente que, com o acordo do recorrido, abdicou de uma vida profissional, para cuidar dos filhos e da lide doméstica, durante mais de três décadas.
Se este privilegiamento se pode entender, ao nível estrito dos afectos, a um nível mais abrangente e exigente, que inquira da existência de uma eventual hierarquia de deveres, já outras interrogações naturalmente surgirão.
O nº 2, do artigo 2016º-A, do Código Civil dispõe que o tribunal deve dar prevalência a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor sobre a obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge[5]. Daqui resultaria, em princípio, que a contribuição que o recorrido vem fazendo a seus filhos devesse prevalecer sobre a pretensão alimentar da recorrente.
Porém, para que esta prevalência se pudesse inequivocamente afirmar era necessário que existissem elementos que permitissem qualificar a prestação que o recorrido vem fazendo a seus filhos como uma verdadeira prestação alimentar, designadamente a necessidade de alimentos daqueles descendentes, o que manifestamente não sucede no caso em apreço, por carência total de factos que permitam essa conclusão.
No que respeita a prestação que o recorrido vem fazendo a sua mãe e a sua irmã, afigura-se-nos que deve ceder perante a obrigação a favor da recorrente pois, a nosso ver, do artigo 2009º do Código Civil resulta, indiretamente, uma hierarquia, ao menos prática, que faz com que a obrigação alimentar a favor do ex-cônjuge se sobreponha à obrigação alimentar a favor dos ascendentes e dos irmãos[6]. De facto, se o ex-cônjuge é o obrigado em primeira linha perante o outro ex-cônjuge, isso significa que o cumprimento desta obrigação pode contender com o cumprimento das obrigações para com os ascendentes e irmãos (veja-se o nº 3, do artigo 2016º, do Código Civil, donde resulta não haver um rateio entre os titulares dos créditos alimentares conflituantes, mas antes uma satisfação total ou parcial ou nula, sucessivamente e de acordo com a ordem legalmente definida).
Assim, tudo sopesado, tendo em conta o benefício em espécie que a recorrente vem recebendo por força da atribuição gratuita da casa de morada de família, pelo período de dois anos (computado em duzentos euros mensais) e que as suas necessidades alimentares, de vestuário e de saúde não vêm concretizadas, o que obriga a fazer apelo às regras da experiência comum e ao valor do salário mínimo nacional como baliza orientadora na definição do mínimo vital e tendo ainda em atenção que a justa fixação da prestação alimentar não pode convocar o montante auferido a título de rendimento social de inserção, pelas razões antes adiantadas, afigura-se-nos adequado o aumento da prestação alimentar a cargo do recorrido para o montante mensal de quatrocentos euros, mantendo-se em tudo o mais intocada a sentença recorrida.
As custas do recurso são a cargo da recorrente e do recorrido, na exacta proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza a recorrente (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por C… e, em consequência, em revogar parcialmente a sentença sob censura proferida a 07 de agosto de 2015, na parte em que fixou a prestação alimentar a favor da recorrente no montante mensal de trezentos euros, condenando-se B…a pagar à recorrente a prestação alimentar mensal de quatrocentos euros.
Custas a cargo da recorrente e do recorrido, na exacta proporção do decaimento, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a recorrente.
***
O presente acórdão compõe-se de onze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 25 de janeiro de 2016
Carlos Gil
Carlos Querido
Soares de Oliveira
_________
[1] Segue-se, com variações, o relatório da sentença recorrida.
[2] Notificada em expediente eletrónico elaborado em 13 de agosto de 2015.
[3] Expurgados das meras referências probatórias, cujo lugar próprio é a motivação da decisão da matéria de facto.
[4] No corpo das alegações, sem qualquer respaldo nas conclusões, a recorrente faz a seguinte afirmação cujo alcance não é fácil de precisar: “Não correspondendo à verdade que o Autor contribua com qualquer importância para o sustento dos filhos maiores, como ficou provado.” Se esta alegação acaso for entendida como impugnação do ponto 8 da decisão da matéria de facto, certo é que a recorrente não indica minimamente os meios de prova que impõem decisão diversa da que foi tomada pelo tribunal a quo, pelo que sempre seria de rejeitar esta putativa impugnação da decisão da matéria de facto, ex vi artigo 640º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil. O que é certo é que o ponto 8 dos fundamentos de facto da sentença recorrida corresponde a parte do que foi alegado no artigo 6º da oposição do recorrido.
[5] Embora a lei não distinga, Tomé d´Almeida Ramião in O Divórcio e Questões Conexas, 2ª edição (actualizada e aumentada), Quid Juris 2010, páginas 95 e 96, sustenta que esta prevalência respeita a filhos menores, sem indicar o procedimento hermenêutico que fundamenta tal resultado interpretativo. No momento atual, vista a nova redação do nº 2, do artigo 1905º do Código Civil, introduzida pela Lei nº 137/2015, de 07 de Setembro, afigura-se-nos que uma tal interpretação restritiva não tem suporte legal, ao menos quando estejam em causa filhos que tenham até vinte e cinco anos de idade.
[6] Essa hierarquia prática também existia relativamente aos descendentes, mas por força do nº 2, do artigo 2016º-A, do Código Civil, presentemente, a obrigação alimentar a favor dos descendentes, prevalece sobre a obrigação alimentar a favor do ex-cônjuge.