Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3230/16.0T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA CECÍLIA AGANTE
Descritores: CLAÚSULAS CONTRATUAIS GERAIS
ACÇÃO INIBITÓRIA
DIVULGAÇÃO DA SENTENÇA
Nº do Documento: RP201705163230/16.0T8MAI.P1
Data do Acordão: 05/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 768, FLS 95-105)
Área Temática: .
Sumário: I - Na ação inibitória, prevista no regime das cláusulas contratuais gerais, o que está em causa não é um controlo concreto de uma certa cláusula de um determinado contrato, mas um controlo abstrato sobre a cláusula para acautelar o risco de uma multiplicação não contrariada de cláusulas inválidas.
II - Donde a adequação e a necessidade da expansão do resultado da ação inibitória, exclusivamente direcionada para a proteção dos interesses difusos da generalidade dos consumidores/aderentes, que, por essa via, ficam a conhecer o resultado final da causa e o conteúdo dos seus direitos.
III - Aceitar a dispensa da divulgação da sentença no site da ré quando esse é um mecanismo de forte divulgação dos produtos, suas promoções e venda, traduzir-se-ia em perverter a finalidade da norma e eximir a infratora dos deveres de difusão do efetivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais abusivas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3230/16.0T8MAI.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Maia, instância local, secção cível - J1

Acórdão
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


1. Relatório
1.1. O Ministério Público demanda, nesta ação declarativa sob a forma de processo comum, a B..., S.A., com sede na ..., .., ..., ..., Maia, pedindo a declaração de nulidade de:
i. - a cláusula correspondente ao parágrafo segundo da cláusula 2., sob a epígrafe “Objecto e âmbito de aplicação”;
ii. - a cláusula correspondente ao parágrafo quarto da cláusula 3., sob a epígrafe “Condições de Segurança”;
iii. - a cláusula correspondente ao parágrafo segundo da cláusula 5., sob a epígrafe “Produtos e Preços”;
iv. - a cláusula correspondente ao parágrafo terceiro da cláusula 5., sob a epígrafe “Produtos e Preços”;
v. - a cláusula correspondente ao parágrafo quinto da cláusula 5., sob a epígrafe “Produtos e Preços”;
vi. - a cláusula correspondente ao parágrafo sétimo da cláusula 7., sob a epígrafe “Entrega de encomenda”;
vii. - as cláusulas correspondentes aos parágrafos primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto da cláusula 13., sob a epígrafe “Danos durante o transporte” e sub-epígrafe “Artigos de pequeno porte (até 20kg), normalmente entregues por estafeta (C...)”;
viii. - as cláusulas correspondentes aos parágrafos primeiro, segundo e terceiro da cláusula 13., sob a epígrafe “Danos durante o transporte” e sub-epígrafe “Artigos de grande porte (> 20kg), normalmente entregues por transitários”;
ix. - a cláusula correspondente ao parágrafo quinto da cláusula 14., sob a epígrafe “Resolução do contrato” e sub-epígrafe “A devolução e a troca de artigos deverá respeitar as seguintes condições:”;
x. - a cláusula correspondente ao parágrafo primeiro da cláusula 16., sob a epígrafe “Disposições finais”; todas do clausulado “Termos e Condições”, junto como Documento 7, condenando a ré a abster-se de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar, especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição - art.º 30.º, n.º 1, do RJCCG, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10, na redação introduzida pelos Decretos-Lei n.º 220/95, de 31-08, n.º 224- A/96, de 26-11, n.º 249/99, de 07-07, e n.º 323/2001, de 17-12, e art.º 11.º, n.º 2, da Lei n.º 24/96, de 31-07, na redação introduzida pela Lei n.º 47/2014, de 28-07, e a dar publicidade a tal proibição e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, pedindo-se que a mesma seja efetuada em anúncio a publicar em dois jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante dois dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ da página, bem como em anúncio a publicar na página de internet da ré – www.B1....pt , durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ da página, por forma a ser visualizado por todos os utilizadores da internet que acedam à referida página - art.º 30.º, n.º 2, do RJCCG, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10, na redação introduzida pelos Decretos-Lei n.º 220/95, de 31-08, n.º 224-A/96, de 26-11, n.º 249/99, de 07-07, e n.º 323/2001, de 17-12; e ainda a dar cumprimento ao disposto no art.º 34.º do RJCCG, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10, na redação introduzida pelos Decretos-Lei n.º 220/95, de 31-08, n.º 224-A/96, de 26-11, n.º 249/99, de 07-07, e n.º 323/2001, de 17-12, determinando a extração e remessa de certidão da sentença proferida à Direcção-Geral da Política de Justiça – Ministério da Justiça, para os efeitos previstos na Portaria n.º 1093/95, de 06-09.
Filia a causa de pedir no uso pela ré de diversas cláusulas contratuais que violam d regime legal das cláusulas contratuais gerais e que, por isso, são nulas. Tal facto transporta a declaração judicial de nulidade com as legais consequências, nomeadamente a proibição do seu uso e a correspondente publicitação.
Junta documentos.

1.2. Contestando, a ré aduz, em síntese, que respeita escrupulosamente os princípios e regras de direito nas relações comerciais com os seus clientes e a alegação do autor descontextualiza as cláusulas invocadas, fazendo interpretações e extrapolações desajustadas. Todas as condições previstas no clausulado vigoram apenas desde a data da sua entrada em vigor, estando legitimada a alterar as condições contratuais desde que não afete as encomendas já contratadas. E quando, excecionalmente, é necessário alterar as condições contratadas, os clientes são sempre contactados com oferta de diversas opções alternativas. Quanto ao transporte de encomendas, é sempre dada ao cliente a informação sobre a sua entrega e posterior levantamento se não for feita a receção no ato. A fixação prévia do valor do prejuízo caso a encomenda não seja rececionada no ato visa obstar à surpresa do cliente quanto à cobrança do valor correspondente. Todas as mensagens eletrónicas trocadas com os clientes visam defendê-los nos seus interesses e constituem verdadeiras declarações contratuais. E, por isso, quando oferece ao cliente qualquer desconto ou compensação, a ele fica vinculada. Aliás, o texto do documento impugnado é muito semelhantes ao utilizado por empresas concorrentes, não havendo fundamento para a pretensão deduzida, concluindo pela improcedência da ação.
Junta documentos.

1.3. Dispensada a realização da audiência prévia, é fixado o objeto do litígio e são enunciados os temas da prova.
Realizada a audiência final, é pronunciada sentença com o seguinte dispositivo: «Julga-se a acção parcialmente procedente e consequentemente:
1) Do clausulado “Termos e Condições”, junto como Documento 7 à petição inicial, declaram-se nulas as cláusulas abaixo discriminadas, condenando-se a ré B..., S.A., a abster-se de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar:
i. - A cláusula correspondente ao parágrafo quarto da cláusula 3., sob a epígrafe “Condições de Segurança” cuja redacção é a seguinte:
“A B..., S.A. repudia expressamente qualquer responsabilidade por perda ou atrasos na transmissão de dados via Internet realizada entre o Cliente e a loja online B.... A responsabilidade da B..., S.A. por perdas e/ou danos é limitada ao valor dos produtos encomendados.”
ii. - A cláusula correspondente ao parágrafo terceiro da cláusula 5., sob a epígrafe “Produtos e Preços” cuja redacção é a seguinte:
“Caso exista um erro informático, manual, técnico, ou de outra origem, que origine uma alteração substancial não prevista pela B..., S.A. no preço de venda ao público, de forma que este seja manifestamente alto ou baixo, o pedido de compra será considerado sempre inválido e será anulado.”
iii. - A cláusula correspondente ao parágrafo quinto da cláusula 5., sob a epígrafe “Produtos e Preços” cuja redacção é a seguinte:
“A B..., S.A. faz todos os esforços para que a informação apresentada esteja isenta de erros tipográficos e, sempre que estes ocorram e sejam detetados, procederá, logo que possível, à sua correcção, não podendo, no entanto ser responsabilizada no caso de se verificarem erros nas descrições, características, valores e/ou imagens/fotografias dos produtos, quando estes decorrem de problemas técnicos alheios à sua vontade.”
iv. - A cláusula correspondente ao parágrafo sétimo da cláusula 7., sob a epígrafe “Entrega de encomenda” cuja redacção é a seguinte:
“No caso de não ser feita a entrega por não haver quem a receba, o comprador terá de indemnizar a B..., S.A. em 10% do valor da encomenda”.
v. - As cláusulas correspondentes aos parágrafos primeiro, segundo, terceiro e quarto da cláusula 13., sob a epígrafe “Danos durante o transporte” e subepígrafe “Artigos de pequeno porte (até 20kg), normalmente entregues por estafeta (C...)”:
Artigos de pequeno porte” (até 20kg), normalmente entregues por estafeta (C...):
No ato de entrega, verifique o estado da embalagem. Se esta apresentar alguma anomalia (caixa danificada, molhada, rasgada,…) poderá recusar a encomenda (neste caso, sem a abrir).
Se preferir, poderá aceitar a encomenda, e deve solicitar a folha de entregas ao estafeta e colocar o que verifica visualmente na embalagem e em acréscimo escrever também “reservas no ato de entrega, sujeito a conferência”.
Se, quando abrir, estando ou não a embalagem danificada, verificar alguma anomalia causada pelo transporte, tem 24 horas desde a data da entrega para efectuar a reclamação por danos causados pelo transporte.
Passado este período de tempo, a B... não se responsabilizará por qualquer dano físico ou furto do(s) artigo(s) que possa ter ocorrido no transporte.”
vi. - As cláusulas correspondentes aos parágrafos primeiro, segundo e terceiro da cláusula 13., sob a epígrafe “Danos durante o transporte” e subepígrafe “Artigos de grande porte (> 20kg), normalmente entregues por transitários:
“Artigos de grande porte (> 20kg), normalmente entregues por transitários:
“Solicite o desembalamento do(s) artigo(s). Verifique se o(s) artigo(s) possui algum dano visível. Caso tenha, NÃO o(s) aceite. Após assinar a guia de transporte, a B... não se responsabilizará por qualquer dano físico do(s) artigo(s).”.
vii. - A cláusula correspondente ao parágrafo quinto da cláusula 14., sob a epígrafe “Resolução do contrato” e subepígrafe “A devolução e a troca de artigos deverá respeitar as seguintes condições:” cuja redacção é a seguinte:
(...) “Grandes domésticos (frigoríficos, máquinas de lavar roupa, máquinas de lavar louça, placas,...), não podem ter sido ligados e/ou utilizados;
- Televisões de grandes dimensões (com écrans de diagonal igual ou superior a 121cm (48”), em embalagem original selada, salvo falta de conformidade;”
viii. - A cláusula correspondente ao parágrafo primeiro da cláusula 16., sob a epígrafe “Disposições finais” cuja redacção é a seguinte:
“Todas as mensagens electrónicas enviadas durante o acesso à loja online da B..., incluindo e-mails e mensagens através de um browser Internet, serão consideradas, para efeitos da lei aplicável, como declarações contratuais.”.
2) O âmbito da proibição da cláusula 14ª abarca unicamente os contratos celebrados pela ré com as pessoas referidas no artigo 20º do DL 446/85, de 25/10, ou seja consumidores e pessoas não m pelo artigo 17º.
3) O âmbito da proibição das demais cláusulas, para além das pessoas acima mencionadas, inclui empresários e profissionais liberais, singulares e colectivos, mesmo que contratem nessa qualidade e no âmbito da sua actividade específica.
4) Condena-se a ré a dar publicidade a esta proibição e a comprovar nos autos essa publicidade, no prazo de trinta dias, devendo a mesma ser efectuada em anúncio a publicar em dois jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante dois dias consecutivos, de tamanho não inferior a um quarto da página, bem como em anúncio a publicar na página de internet da ré – www.B1....pt -, durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a um quarto da página, por forma a ser visualizado por todos os utilizadores da internet que acedam à referida página.
5) Determina-se a extracção e remessa de certidão da sentença proferida à Direcção- Geral da Política de Justiça – Ministério da Justiça, para os efeitos previstos na Portaria n.º 1093/95, de 06-09.
Do mais pedido, absolve-se a ré

1.4. Irresignada, a ré recorre e apresenta as seguintes conclusões alegatórias:
«1) Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo tribunal a quo que condenou a Ré a “dar publicidade (…) em anúncio a publicar em dois jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante dois dias consecutivos, de tamanho não inferior a um quarto da página, bem como em anúncio a publicar na página da internet da ré (…) durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a um quarto da página…”
2) Esta decisão não só representa um prejuízo desproporcionado para a Ré – face ao benefício que se pretende obter – como é totalmente inócua, e de efeito prático quase irrelevante, para o objetivo que, com a mesma, se pretende alcançar.
3) A atividade da Ré centra-se no comércio a retalho de artigos elétricos e eletrodomésticos, onde a concorrência dos seus rivais diretos é imensa, feroz, e tal rivalidade apenas tem como arma a publicidade e o bom nome das marcas.
4) A publicidade da sentença, mormente nos termos definidos, em jornais e site da internet, seria vista pelo consumidor como um juízo de desvalor mais grave do que é.
5) É do senso comum que o consumidor não lê com a devida atenção os anúncios publicados mas apenas os identifica como uma sanção para a marca e, independentemente do conteúdo do anúncio, o consumidor limita-se a associar esse desvalor à marca.
6) A declaração de nulidade de certas cláusulas contratuais gerais (CCG) não significa que a existência, até à data, de tais cláusulas, tenham comportado para os consumidores qualquer prejuízo efetivo.
7) O intuito da ação inibitória é prevenir para o futuro a continuidade da vigência de cláusulas nulas, mas não reparar prejuízos passados para clientes da Ré, ou punir esta por eventuais prejuízos causados a clientes.
8) O prejuízo que a sentença, na parte recorrida, comporta para a Recorrente é considerável, principalmente no setor concorrencial onde esta atua em que qualquer desvalor associado a uma marca comporta um prejuízo considerável, imediato e duradouro.
9) Estamos a falar de um mercado não regulado, que atua em pleno no regime da livre concorrência e que permitirá, por exemplo, que as marcas concorrentes façam também nos seus sites alusão a esta condenação, como forma de atrair milhares de consumidores (sem informar, contudo, se também utiliza nos seus contratos as mesmas cláusulas – como já se viu que si.).
10) Não existindo um verdadeiro “benefício” direito para o consumidor com tal publicação, a desproporção entre o prejuízo para a Ré e o eventual benefício que se pretende alcançar, tornam injusta esta decisão.
11) O benefício resultante da sentença proferida está, essencialmente, na anulação das CCG em causa que, doravante deixarão de produzir efeitos na relação comercial da R. com os clientes.
12) O que importará assegurar é que, daqui em diante, qualquer consumidor que venha a exigir o exercício de um direito ou garantia que antes estava limitado ou excluído por uma CCG entretanto retirada dos contratos da R., possa fazer valer esse direito.
13) O consumidor médio, ao ler num jornal um anúncio de publicidade de uma sentença contra uma empresa/marca, limita-se a anotar mentalmente um juízo de desvalor sem, em concreto, ler de forma crítica o anúncio e analisar as cláusulas em causa.
14) O que o legislador considerou como relevante, em termos de garantia do cumprimento da sentença, foi impor a criação de um serviço que ficasse incumbido de organizar e manter atualizado o registo das cláusulas contratuais abusivas – Cfr. art. 35º do RGCCG.
15) Em termos de publicidade, o legislador impôs aos tribunais a obrigação de remeter, no prazo de 30 dias, ao serviço referido, uma cópia das decisões transitadas em julgado que, por aplicação dos princípios e das normas constantes do presente diploma, tenham proibido o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais ou a declaração de nulidade de cláusulas inseridas em contratos singulares.
16) Este ato de publicidade da sentença, para além do legalmente previsto no que diz respeito à comunicação a fazer pelo tribunal, ao serviço incumbido de manter um registo atualizado das CCG declaradas nulas, sempre seria altamente penalizador para a Ré. Mais dar publicidade, em simultâneo, em jornais nacionais e no próprio site, é totalmente desmedido, irrazoável e demonstrador de um total alheamento do tribunal a quo ao setor de atividade em causa.
17) O site da internet da Ré, pago e gerido por esta, é sua principal ferramenta de promoção da marca, de divulgação de promoções, captação de clientes e plataforma de venda.
18) Tudo, nesta parte da sentença, se mostra desproporcionado – atentas as características específicas quer do processo em crise, quer do setor concorrencial em que a R. se insere.
19) A sentença não se limita a ordenar a publicitação num dos meios (jornais ou site da internet), nem se limita a 1 dia (mas sim 2 ou 3 – como se mais um dia fizesse alguma diferença para o consumidor) nem mesmo a 1/6 da página (como era costume na jurisprudência).
20) Sem prejuízo de sempre se considerar ilegal (por desproporcional e excessiva) qualquer condenação da Ré em publicar a sentença por qualquer meio, a condenação em 2 meios em simultâneo, por mais que um dia, e a ocupar ¼ de página é injustificável a todos os níveis.
21) Leia-se, a título de exemplo, o Ac. da Relação do Porto de 07/04/2016, proferido no âmbito do processo nº 13737/15.0T8PRT: “V - A publicitação da decisão condenatória (prevista no n.º 2 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 446/85) deve ser proporcional (justificando a não inclusão da mesma na página online do réu, por se revelar excessiva) … – negrito e sublinhado nosso – in www.dgsi.pt
22) No caso em apreço, é por demais notório que mesmo a condenação em publicitar apenas num jornal diário já seria exagerado… mas publicitar também no próprio site é revelador do total alheamento do tribunal as características específicas do processo, e de um excesso de zelo na preocupação com o consumidor.
23) A sentença em crise fez errada aplicação das normas constantes dos artigos 34º e 35º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro e, mais do que isso, viola os princípios da proporcionalidade e equidade que devem sempre estar presentes em todas as sentenças.
24) Impõe-se e revogação da sentença na parte que impôs à R. o dever de publicitar a sentença em dois jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante dois dias consecutivos, de tamanho não inferior a um quarto da página, bem como em anúncio a publicar na página da internet da R. durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a um quarto da página.
25) Se assim se não entender, mesmo atendendo a todas as razões supra, designadamente as concretas especificidades do setor concorrencial onde atua a R., deverá, pelo menos, revogar-se a obrigação de publicitação da sentença no site da internet da Ré e reduzir para o mínimo a publicidade na imprensa (limitada a 1 dia, num jornal de grande tiragem e a ocupar 1/6 da página).»

1.5. Em resposta, o Ministério Público remata assim a sua alegação:
«1- O recurso da sentença de fls.347 a 370 restringe-se à condenação da Ré, “B..., SA”, a dar publicidade à decisão que determina a proibição do uso das cláusulas contratuais declaradas nulas e a comprovar nos autos essa publicidade, devendo a mesma ser efetuada em anúncio a publicar em dois jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e Porto, durante dois dias consecutivos, de tamanho não inferior a um quarto de página, bem como em anúncio a publicar na página de internet da ré - www.B1....pt – durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a um quarto de página, por forma a ser visualizado por todos os utilizadores da internet que acedam à referida página.
2- Segundo a recorrente a publicidade da decisão em que foi condenada representa um prejuízo desproporcionado, não existindo um verdadeiro benefício para o consumidor, mostrando-se a publicidade desnecessária por existir um registo no serviço próprio que já acautela o interesse público subjacente à publicitação.
3- Estende ainda a recorrente como excessiva e desproporcional a publicidade em dois jornais diários, durante dois dias consecutivos, e muito mais no seu site da internet, por se tratar da sua principal ferramenta de promoção da marca, divulgação das promoções, captação de clientes e plataforma de venda.
4- O Ministério Público, na qualidade de Autor, requereu na petição inicial a condenação da Ré, ora recorrente, a dar publicidade à decisão que vier a declarar proibidas as cláusulas utilizadas pela ré nas condições de utilização do seu site de vendas da internet.
5- Na sentença sob recurso, o Tribunal condenou a Ré no pedido de publicidade da proibição das cláusulas contratuais declaradas nulas nos exatos termos em que havia sido formulado pelo Ministério Público, por entender que tal condenação é proporcional à dimensão da empresa e ao elevado número de clientes, potenciais partes em contratos onde se utilizam as cláusulas em crise.
6- Resulta da lei, nomeadamente do Decreto-Lei nº446/85, de 25 de outubro e Lei nº24/96, de 31 de julho, a preocupação do legislador em dar a maior publicidade possível às decisões que declarem a nulidade ou proíbam o uso de cláusulas contratuais gerais abusivas.
7- A publicidade destina-se a assegurar o conhecimento efetivo das decisões que proíbam o uso ou declarem a nulidade de cláusulas contratuais gerais, a fim de dotar o sistema de maior eficácia, atendendo à natureza do tipo de processos em causa, pois que a decisão neles proferida possui eficácia quanto a terceiros, nos termos do artigo 32º, nº2, do RGCCG, utilizando-se sobretudo dois mecanismos, o registo e a publicidade.
8- A importância da publicidade é tal que existe mesmo quem sustente que, atualmente, para o Tribunal condenar a Ré na publicidade da sentença não é necessário esse pedido ser formulado na petição inicial pelo Autor, chegando mesmo a sustentar-se que a publicidade neste tipo de ações é obrigatória.
9- Face à dimensão da Ré, ao facto de ter sido pedido pelo Ministério Público na petição inicial, ao elevado número de potenciais clientes abrangidos pelas cláusulas declaradas nulas, à função dissuasora e pedagógica da condenação, ao fim de ordem pública de proteção e defesa dos consumidores, julgamos que se justifica a publicidade da sentença em que a Ré foi condenada, nos moldes em que o foi.
10- A pretensão da Ré, ora recorrente, de que seja, pelo menos, revogada a publicitação da sentença no seu site da internet não tem qualquer razão de ser, tanto mais quando as cláusulas declaradas nulas dizem respeito às condições de utilização do seu site de vendas na internet, razão pela qual a publicidade efetuada por essa via é aquela que melhor protege o interesse dos consumidores, habituais utilizadores desse site, eventuais lesados pela utilização das referidas cláusulas.»

2. Delimitação do objeto do recurso
Admitido o recurso como apelação e com efeito suspensivo e nada havendo que obste ao conhecimento do mérito do recurso, à luz do preceituado nos artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil (CPC), cumpre apreciar se a publicação da sentença se reveste de adequação e necessidade.

3. Fundamentação de facto
3.1 - A ré é uma sociedade anónima, inscrita na Conservatória do Registo Comercial da Maia com o n.º ..........
3.2 - A ré tem por objeto social: “Comércio de artigos elétricos e eletrodomésticos, importações e exportações.”
3.3 - No exercício da sua atividade, a ré, sob a denominação comercial “B...” e no site www.B1....pt, divulga a sua marca e expõe para venda os seus produtos, que podem ser adquiridos diretamente pelo utilizador que, de qualquer ponto de Portugal, aceda ao site.
3.4 - O utilizador do site da ré pode efetuar através do mesmo uma encomenda online, procedendo, em seguida, ao pagamento, diretamente à ré, do valor devido, através de transferência bancária, referência Multibanco, MBNet ou cartão de crédito.
3.5 - Os bens são vendidos e adquiridos mediante a apresentação pela ré, no respetivo website, aos utilizadores que com a mesma pretendam contratar, de um clausulado previamente elaborado, com os termos e condições gerais de contratação – Documento 7.
3.6 - A utilização do site da ré, bem como a aquisição por parte de qualquer utilizador dos bens e serviços propostos pela ré, implica a aceitação obrigatória do teor do conteúdo daquele documento, que se denominará “Termos e Condições”.
3.7 - O referido documento não contém quaisquer espaços em branco para serem preenchidos pelos contratantes que, em concreto, acedam ao website “B...” e que pretendam adquirir um produto ali anunciado para compra, efetivando-se a ordem de compra com a aceitação das condições constantes deste documento.
3.8 - As condições de utilização constantes naquele clausulado encontram-se disponíveis em página da internet e podem ser acedidas, impressas ou guardadas – Documento 7.
3.9 - Consta do parágrafo segundo da cláusula 2., sob a epígrafe “Objeto e âmbito de aplicação”, do clausulado “Termos e Condições” – Documento 7 -, que: “A B..., S.A. reserva-se no direito de alterar estes termos e condições gerais de contratação e utilização sem aviso prévio, sendo quaisquer alterações publicadas no site www.B1....pt.”.
3.10 - Consta do parágrafo quarto da cláusula 3., sob a epígrafe “Condições de Segurança”, do clausulado “Termos e Condições” – Documento 7 -, que:
“A B..., S.A. repudia expressamente qualquer responsabilidade por perda ou atrasos na transmissão de dados via Internet realizada entre o Cliente e a loja online B.... A responsabilidade da B..., S.A. por perdas e/ou danos é limitada ao valor dos produtos encomendados.”.
3.11 - Consta do parágrafo segundo da cláusula 5., sob a epígrafe “Produtos e Preços”, do clausulado “Termos e Condições” – Documento 7 -, que:
“A B..., S.A. reserva-se o direito de, a qualquer momento e sem notificação prévia, substituir ou modificar os produtos disponíveis, os respetivos preços e as condições apresentadas.”.
3.12 - Consta do parágrafo terceiro da cláusula 5., sob a epígrafe “Produtos e Preços”, do clausulado “Termos e Condições” – Documento 7 -, que:
“Caso exista um erro informático, manual, técnico, ou de outra origem, que origine uma alteração substancial não prevista pela B..., S.A. no preço de venda ao público, de forma que este seja manifestamente alto ou baixo, o pedido de compra será considerado sempre inválido e será anulado.”.
3.13 - Consta do parágrafo quinto da cláusula 5., sob a epígrafe “Produtos e Preços”, do clausulado “Termos e Condições” – Documento 7 -, que:
“A B..., S.A. faz todos os esforços para que a informação apresentada esteja isenta de erros tipográficos e, sempre que estes ocorram e sejam detetados, procederá, logo que possível, à sua correção, não podendo, no entanto ser responsabilizada no caso de se verificarem erros nas descrições, características, valores e/ou imagens/fotografias dos produtos, quando estes decorrem de problemas técnicos alheios à sua vontade.”
3.14 - Consta do parágrafo sétimo da cláusula 7., sob a epígrafe “Entrega de encomenda”, do clausulado “Termos e Condições” – Documento 7 -, que:
“No caso de não ser feita a entrega por não haver quem a receba, o comprador terá de indemnizar a B..., S.A. em 10% do valor da encomenda.”.
3.15 - Consta dos parágrafos primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto, da cláusula 13., sob a epígrafe “Danos durante o transporte” e sub-epígrafe “Artigos de pequeno porte (até 20kg), normalmente entregues por estafeta (C...)”, do clausulado “Termos e Condições” – Documento 7 -, que:
“No ato de entrega, verifique o estado da embalagem. Se esta apresentar alguma anomalia (caixa danificada, molhada, rasgada,…) poderá recusar a encomenda (neste caso, sem a abrir).
Se preferir, poderá aceitar a encomenda, e deve solicitar a folha de entregas ao estafeta e colocar o que verifica visualmente na embalagem e em acréscimo escrever também “reservas no ato de entrega, sujeito a conferência”.
Se, quando abrir, estando ou não a embalagem danificada, verificar alguma anomalia causada pelo transporte, tem 24 horas desde a data da entrega para efetuar a reclamação por danos causados pelo transporte.
Passado este período de tempo, a B... não se responsabilizará por qualquer dano físico ou furto do(s) artigo(s) que possa ter ocorrido no transporte.”.
3.16 - Consta dos parágrafos primeiro, segundo e terceiro, da cláusula 13., sob a epígrafe “Danos durante o transporte” e subepígrafe “Artigos de grande porte (> 20kg), normalmente entregues por transitários”, do clausulado “Termos e Condições” – Documento 7 - que:
“Solicite o desembalamento do(s) artigo(s).
Verifique se o(s) artigo(s) possui algum dano visível. Caso tenha, NÃO o(s) aceite.
Após assinar a guia de transporte, a B... não se responsabilizará por qualquer dano físico do(s) artigo(s).”.
3.17 - Consta do parágrafo quinto, da cláusula 14., sob a epígrafe “Resolução do contrato” e subepígrafe “A devolução e a troca de artigos deverá respeitar as seguintes condições:”, do clausulado “Termos e Condições” – Documento 7 -, que:
“- Grandes domésticos (frigoríficos, máquinas de lavar roupa, máquinas de lavar louça, placas,...), não podem ter sido ligados e/ou utilizados;
- Televisões de grandes dimensões (com écrans de diagonal igual ou superior a 121cm (48”), em embalagem original selada, salvo falta de conformidade; (...)”.
3.18 - Consta do parágrafo primeiro da cláusula 16., sob a epígrafe “Disposições finais”, do clausulado “Termos e Condições” – Documento 7 -, que:
“Todas as mensagens eletrónicas enviadas durante o acesso à loja online da B..., incluindo e-mails e mensagens através de um browser Internet, serão consideradas, para efeitos da lei aplicável, como declarações contratuais.”.
Da contestação
3.19 - O documento “termos e condições” estipula a data da sua entrada em vigor.
3.20 - Quando exista uma quebra de acesso à internet, quer por parte do cliente/utilizador ou por quebra de acesso aos nossos servidores ou dos provedores de pagamentos, existem perda de dados pelo que a encomenda não se consegue realizar.
3.21 - Quando a Ré verifica a existência de uma manifestação de encomenda não concretizada, tenta recuperar os dados em causa ou, caso isso não seja possível, entra em contacto com o cliente para concretizar tal encomenda.
3.22 - Acontece, por vezes, que feito um registo é necessária a sua ativação ao email enviado pela Ré para o cliente confirmar o registo, este poderá deixar de ter acesso à internet, ou o mesmo ir para a caixa de spam, o que determina que o cliente não conseguirá fazer essa confirmação e efetivar a encomenda.
3.23 - No caso dos produtos de grande porte (>20 Kg) é sempre agendada a entrega com o cliente, acordando-se a data e período adequado ao cliente.
3.24 - No caso de encomenda de pequeno porte (<20 kg), normalmente as enviadas via C..., o cliente é informado antecipadamente da data em que a encomenda irá sair dos nossos armazéns, de quem é o expedidor, bem como do número do seguimento (traking) da encomenda, no site dos C..., de modo a que o cliente possa ver e seguir o estado da entrega da sua encomenda.
3.25 - A aqui Ré recorre a empresas transportadoras ou aos C....
3.26 - Os equipamentos de grande porte referidos no §5º da cláusula 14ª das condições publicitadas pela Ré, não são ligados/experimentados em estabelecimento comercial. O que ocorre é que nas lojas físicas, pontualmente, podem ser verificadas máquinas que estão disponibilizadas para essa experimentação, mas tais aparelhos não são posteriormente vendidos ao público, são aparelhos facultados pelas marcas unicamente para efeito de demonstração.
3.27 - Após a utilização dos aparelhos em causa, estes ganham cheiros – os frigoríficos, máquinas de lavar louça e roupa - e marcas – as placas -, sendo que os fogões/placas após serem ligadas ficam imediatamente marcadas.

4. Fundamentação de direito
Declaradas nulas as cláusulas contratuais gerais usada pela ré nas relações comerciais com os seus clientes, a demandada recorrente restringe o recurso à ordenada condenação a dar publicidade à sentença e, por isso, pede a sua revogação na parte correspondente e, subsidiariamente, a revogação da obrigação de publicitação da sentença no seu site da internet e reduzir para o mínimo a publicidade na imprensa (limitada a 1 dia, num jornal de grande tiragem e a ocupar 1/6 da página).
É apodítico que a massificação do comércio jurídico levou à criação de modelos negociais mais expeditos, fornecendo aos clientes produtos em condições de venda pré-determinadas, às quais basta aderir ou não. Evidentemente que estes modelos de negociação são facilitados pelo uso de cláusulas que salvaguardam a responsabilidade das empresas que oferecem os produtos e, por vezes, introduzem cláusulas abusivas, que reduzem ou eliminam as suas obrigações e encargos e atenuam os direitos dos aderentes[1].
Donde a intervenção do legislador para impor as necessárias correções, decorrentes do Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais[2].
O decurso de mais de 30 anos de vigência deste regime generalizou o recurso a cláusulas desta natureza e a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem realçado os requisitos do conceito, convocando o regime das cláusulas contratuais gerais a todo o clausulado inserido no corpo contratual individualizado cujo conteúdo, previamente elaborado, o destinatário não pode influenciar[3].
O legislador acautelou os direitos dos consumidores consagrando dois caminhos de tutela: a declaração judicial de nulidade das cláusulas contratuais gerais integradas em contratos singulares (artigos 4º e 12º do RCCG) e a inibição judicial das cláusulas contratuais gerais elaboradas para utilização futura (artigo 24º e 25º do RCCG). Este último mecanismo de tutela, correspondente às chamadas ações inibitórias, como aquela que nos ocupa, tem em vista a tutela dos interesses difusos dos consumidores. Trata-se de uma ação de condenação em prestação de facto negativo, consubstanciada na não utilização de cláusulas contratuais gerais proibidas[4].
Esta ação inibitória dirige-se às condições comerciais exaradas em documentos que se apresentam como vinculantes para os clientes e que estes se limitam a aceitar, reconduzindo-se a um contrato de adesão, definido como aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respetivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado[5]. De facto o RCCG conceitualiza como cláusulas contratuais gerais as cláusulas que são «elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam, respetivamente, a subscrever ou aceitar» (artigo 1º). Estas cláusulas «a) são pré-elaboradas, existindo mesmo antes de surgir a declaração negocial; b) são rígidas, independentemente de poderem ir a obter ou não a aceitação das partes e não admitem qualquer possibilidade de alteração; c) podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas, quer como proponentes, quer como destinatários»[6].
As cláusulas contratuais gerais surgem, portanto, como estipulações predispostas em vista de uma pluralidade de contratos ou de uma generalidade de pessoas, para serem aceites em bloco, sem prévia negociação individualizada ou possibilidade de alterações singulares, cujas características se resumem em pré-formação, generalidade e imodificabilidade[7]. Assim, apenas «merecem a qualificação de cláusulas contratuais gerais as cláusulas que, não tendo em vista uma contraparte determinada, nem apresentando uma conformação moldada por uma concreta relação contratual, revestem caráter geral e abstrato»[8].
Como avançámos, não questiona a recorrente a natureza das cláusulas inseridas nas condições comerciais oferecidas aos seus clientes nem o seu carácter proibido, mas apenas o ónus da publicitação da sentença.
As exigências especiais da promoção do efetivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e, em concreto, das que têm um conteúdo proibido, conduziram o legislador a regular a publicitação da parte decisória da sentença, estabelecendo que a decisão que proíba as cláusulas contratuais gerais especificará o âmbito da proibição, designadamente através da referência concreta do seu teor e da indicação do tipo de contratos a que a proibição se reporta e, a pedido do autor, pode o vencido ser condenado a dar publicidade à proibição, pelo modo e durante o tempo que o tribunal determine (artigo 30º do RCCG). E, com vista à difusão do conhecimento das decisões desta índole, como um dos suportes de eficácia do sistema[9], o artigo 35º do RCCG previu a designação, por portaria, do serviço que ficaria incumbido de organizar e manter atualizado o registo das cláusulas contratuais abusivas que lhe sejam comunicadas. Portaria que veio a ser publicada em 06 de setembro de 1995 com n.º 1093/95, que deferiu essa tarefa de organização e registo das cláusulas contratuais gerais abusivas ao Gabinete de Direito Europeu. Registo que se destina a «“assegurar um conhecimento fidedigno e acessível das cláusulas proibidas, sendo que a publicidade assim conseguida contribuirá decisivamente para a erradicação, no interior do mundo dos negócios, de condições gerais iníquas e desrazoáveis»[10]. Entende-se que, por essa via, se cria “o efeito de precedente”, que permite conceder a cada decisão inibidora do uso de cláusulas abusivas uma visibilidade que se refletirá no mercado. Vale por dizer que a publicitação das decisões garante a futura conformação do mercado independentemente do controlo e fiscalização judiciais, pois o seu conhecimento gerará o receio da negatividade de a publicitação das decisões condenatórias e convidará as empresas a corrigir e a adequar as condições gerais que incluem nos contratos que apresentam aos seus clientes. Por isso, à ação inibitória subjazem interesses públicos que convocam a publicitação da sentença condenatória para proibir a empresa condenada a incluir em futuros contratos as cláusulas proibidas, mas que também protegem o consumidor/aderente que, pela via da publicação da decisão judicial, fica informado e em condições de recusar adesão a condições gerais que insiram cláusulas dessa natureza. Por isso se vem afirmando que «[A] publicitação da decisão judicial é um instrumento que pode ter grande impacte no mercado, quer na sua função dissuasora da utilização de cláusulas nulas, quer na vertente pedagógica e de informação dos sujeitos que recorrem a empresas para satisfação de necessidades»[11]. Dito doutro modo, «a acção inibitória insere-se numa das plúrimas facetas do intervencionismo estatal constituindo de certa forma um precipitado do princípio da publicização do direito privado»[12].
Acolhemos, como aduz a recorrente, a influência que estas informações geram no mercado e o impacto negativo que pode gerar nas vendas do infrator visado e, por, isso, a compreensibilidade do seu esforço em evitar a publicidade de uma decisão que lhe é desfavorável. Porém, como acentuámos, nestas ações inibitórias está em causa o controlo abstrato das cláusulas para acautelar o risco de uma multiplicação não contrariada de cláusulas inválidas. E esse risco só pode prevenir-se com a publicidade das sentenças, que cumpre a função informativa dos consumidores, para que os mesmos protejam os seus direitos e atuem em conformidade.
E, ao contrário do que alega a recorrente, a divulgação pública das decisões judiciais não tem qualquer carácter sancionatório, porque não visa penalizar a imagem pública da empresa sentenciada, mas apenas, como dissemos, difundir pela generalidade dos consumidores o resultado da ação. Donde a adequação e a necessidade da expansão do resultado da ação inibitória, exclusivamente direcionada para a proteção dos interesses difusos da generalidade dos consumidores/aderentes, que, por essa via, ficam a conhecer o resultado final da causa, mas a vertente mais relevante é o conhecimento dos seus direitos[13]. Nesta ótica, não antevemos qualquer excecionalidade nem válido fundamento para revogar a sentença de primeira instância quanto à publicitação da sentença.
Quanto à contestada forma de publicitação decretada pela sentença recorrida, não podemos ignorar que o seu objetivo é atingir o público-alvo, quer aquele com quem a empresa condenada contratou quer aquele com quem potencialmente poderá contratar, e esta é a essencialidade da divulgação, para atuar na referenciada vertente preventivo-pedagógica. Cremos, no entanto, que a publicitação da decisão condenatória deve ser proporcional e eficaz na finalidade visada, mas não deve pecar por excessividade[14]. Logo, tudo está em saber se a forma de publicitação imposta pela sentença é proporcional, pertinente e avisada.
A sentença sindicada determinou a publicação em dois jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante dois dias consecutivos, de tamanho não inferior a um quarto da página e em anúncio na página de internet da ré – www.B1....pt -, durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a um quarto da página. A ré é uma grande empresa, com implantação nacional e, por isso, é necessária, para servir as finalidades da lei, a divulgação em jornais de implantação nacional, por serem os de maior tiragem editados em Lisboa e Porto, para, assim, permitir o conhecimento do conteúdo da decisão aos potenciais interessados e abarcando todos os eventuais consumidores nacionais. Parece-nos adequada a divulgação durante dois dias consecutivos em anúncios que ocupem ¼ de página, não obstante a ré pugnar pela redução para 1/6 de página.
Vista a jurisprudência publicada sobre a matéria, as decisões cingem-se à divulgação em dois jornais diários e balanceiam entre um e três dias consecutivos e tamanho não inferior a 1/8 e metade de uma página[15]. Neste quadro de conformidade com as decisões jurisprudenciais e atendendo ao lato número de consumidores que, num setor de atividade como o da ré – comércio de artigos elétricos e eletrodomésticos , recorrem a este tipo de contratualização, consideramos adequada e proporcional a decisão tomada.
Pretende a recorrente repelir a publicação da decisão condenatória na sua página da internet, por considerar que o consumidor médio, ao ler num jornal um anúncio de publicidade de uma sentença contra uma empresa/marca, limita-se a anotar mentalmente um juízo de desvalor sem, em concreto, ler de forma crítica o anúncio e analisar as cláusulas em causa. Ao invés, o site da internet é sua principal ferramenta de promoção da marca, de divulgação de promoções, captação de clientes e plataforma de venda, pelo que o consumidor nem sequer lerá o conteúdo do anúncio, antes optando por comprar o produto, de imediato, no site da concorrência, porque a diferença de preços é quase sempre nula ou mínima.
Percebemos as razões aduzidas pela recorrente, por constituir um facto notório o relevantíssimo papel que a internet desenvolve na divulgação das marcas, dos produtos, das promoções e até na angariação de clientela. Contudo, excluir esse mecanismo de difusão da sentença corresponderia a cercear a eficaz tutela dos interesses públicos protegidos pela norma. Aliás, não basta a notoriedade da amplitude dos consumidores que acedem à internet para esse efeito, porque está demonstrado que, no seu site, a demandada divulga a sua marca e expõe para venda os seus produtos, que podem ser adquiridos diretamente pelo utilizador que, de qualquer ponto de Portugal, aceda ao site, através do qual pode efetuar encomendas e proceder ao pagamento, diretamente à ré, do valor devido, através de transferência bancária, referência Multibanco, MBNet ou cartão de crédito. E é no site que os produtos são apresentados e caracterizados, assim facultando aos interessados a sua aquisição (n.ºs 3 a 5 dos factos provados).
Opõe a ré que a publicação no seu site representa um prejuízo desproporcionado e que é totalmente inócua e de efeito prático quase irrelevante. Quanto à primeira objeção, calculamos que alguns prejuízos poderá causar se houver alguma quebra em vendas dessa natureza, mas não está demonstrado que esses prejuízos sejam excessivos e desproporcionais ao volume de vendas que atinge através desse instrumento eletrónico. A imagem da ré atingiu já uma implantação nacional de tal extensão que intuímos que a publicitação não gerará uma expressiva diminuição da sua atividade comercial.
Todavia, aceitar a dispensa desse meio de divulgação da sentença traduzir-se-ia em eximir a predisponente dos deveres que a oneram e conceder-lhe uma completa passividade na promoção do efetivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais abusivas, assim gerando uma inversão não consentida da hierarquia legalmente estatuída entre os deveres do predisponente e do aderente[16].
Concebemos que a publicidade da sentença na internet comporte um juízo de desvalor mais grave do que o do senso comum dos consumidores, mas a ausência de publicitação através do instrumento que mais vendas potencia perverteria o fim da norma: a tutela exercida através da ação inibitória não é o cliente singular do utilizador, mas o tráfico jurídico em si próprio, que se pretende ver expurgado de cláusulas tidas por iníquas[17].
Em abono da sua tese apela a recorrente ao acórdão deste Tribunal da da Relação do Porto proferido, em 07-04-2016, no processo nº 13737/15.0T8PRT, que justificou a não inclusão do anúncio na página online do infrator, por se revelar excessiva e desproporcional. Estava em causa o exercício de atividade bancária, que atrai uma clientela mais avisada e que, por regra, supõe especiais cuidados e atenção ao clausulado da parte dos utilizadores, que ainda preferem o contacto direto com as instituições bancárias.
Em todo o caso, salvaguardando o muito respeito devido por diversa opinião, entendemos que a situação factual delineada legitima a divulgação da sentença no site da ré, o que, afinal, corresponde ao regime de base da defesa dos consumidores, pois a lei n.º 24/96, de 31 de julho, que também assegura o direito de ação inibitória destinada a prevenir, corrigir ou fazer cessar práticas lesivas dos direitos do consumidor, determina, sem exceções, a publicitação da decisão condenatória (artigos 10.º e 11.º). Daí que seja generalizado o entendimento de que as decisões inibitórias do uso de cláusulas contratuais gerais devem ser amplamente publicitadas, não vislumbrando razões para a inflexão desta orientação[18].
Também não vislumbramos excesso na concretização da ordenada publicitação, que se limita a três dias consecutivos e mediante anúncio em tamanho não inferior a ¼ de página, por nos parecer adequado à cabal visualização dos potenciais consumidores que acedam à página.
Os considerandos expostos determinam a confirmação da sentença.

Decaindo na apelação, cabe à ré suportar as custas correspondentes (artigo 527º/1 do CPC).

5. Dispositivo
Ante o expendido, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, por conseguinte, em confirmar a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo da recorrente.
*
Porto, 16 de maio de 2017.
Maria Cecília Agante
José Carvalho
Rodrigues Pires
______________
[1] In www.dgsi.pt: Ac. RL de 18-10-2012, processo 8186/11.2TBOER.L1-2.
[2] Alterado pelos decretos-lei n.º 220/95, de 31 de agosto, n.º 249/99, de 07 de julho, e n.º 323/2001, de 17 de dezembro, doravante denominado por “RCCG”.
[3] In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 13-09-2016, processo 1262/14.1T8VCT-B.G1.S1.
[4] In www.dgsi.pt: Acs. do STJ de 14-03-2017, processo 7599/14.2T8LSB.L1.S1; 14-12-2016, processo 20054/10.0T2SNT.L2.S1.
[5] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 7ª ed., pág. 262.
[6] Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, 1990, pág. 17.
[7] Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, Almedina, 2,ª ed. revista e aumentada, pág. 212.
[8] Joaquim de Sousa Ribeiro, O Problema Do Contrato – As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, Almedina, 1999, pág. 447.
[9] Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, ibidem, pág. 61.
[10] Almeno de Sá, ibidem, pág. 119.
[11] Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, 2010, pág. 627; in www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 09-12-2014, processo 1004/12.6TJLSB.L1.S1.
[12] In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 06-10-2016, processo 1946/09.6TJLSB.L1.S1.
[13] In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 16-10-2014, processo 2476/10.9YXLSB.L1.S1.
[14] In www.dgsi.pt: Ac. da RP de 07-04-2016, processo 13737/15.0T8PRT.P1.
[15] In www.dgsi.pt: Acs. do STJ de 26-09-2013, processo 15/10.7TJLSB.L1.S1; 14-12-2016, processo 20054/10.0T2SNT.L2.S1; 06-10-2016, processo 1946/09.6TJLSB.L1.S1; RL de 18-10-2102, processo 8186/11.2TBOER.L1-2; 8-02-2013, processo 2966/08.3TJLSB.L2-2; 26-02-2013, processo 122/09.2TJLSB.L1-7.
[16] In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 13-09-2016, processo 1262/14.1T8VCT-B.G1.S1.
[17] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, volume I, Tomo I, Almedina, 3ª ed., página 639; Almeno de Sá, ibidem, pág.40.
[18] In www.dgsi.pt: Ac. da RL de 18-10-2102, processo 8186/11.2TBOER.L1-2.