Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
349/16.0TXPRT-I.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: PRESSUPOSTOS DA LIBERDADE CONDICIONAL
ARREPENDIMENTO
PERIGO DE CONTINUAÇÃO DE ATIVIDADE CRIMINOSA
PERIGOSIDADE
Nº do Documento: RP20190131349/16.0TXPRT-I.P1
Data do Acordão: 01/31/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO CONDENADO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 4/2019, FLS 31-37)
Área Temática: .
Sumário: I – Do artigo 61º, nº 2, al. a, do CP não decorre que o arrependimento seja, por si, condição da concessão da liberdade condicional.
II – Para que considera afastado o perigo de continuação da actividade criminosa impõe-se a existência de indícios seguros de que o conflito que esteve na base da prática do crime não se reacenderá e o recluso mudou completamente a sua atitude para com a vítima, que outro conflito análogo com outra pessoa não surgirá e que ele não reagirá da mesma forma em situações de tensão.
III – Assim sendo, se o recluso não demonstra de forma cabal que mudou completamente a sua atitude para com a vítima, não pode ser formulado quanto ao mesmo o juízo de prognose favorável aqui exigível para que pudesse beneficiar, nesta altura, da liberdade condicional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 349/16.0TXPRT.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – B... vem interpor recurso da douta decisão do 1º Juízo do Tribunal de Execução das Penas do Porto que não lhe concedeu o regime de liberdade condicional.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões:
«1 - O Recorrente foi notificado do Douto Despacho que NÃO lhe concedeu a liberdade condicional.
2 - O arguido, cumpre pena de 06 anos de prisão, que lhe foi aplicada, no âmbito do processo nº562/12.0PCMTS da 2ª Secção (Vila do Conde) da Instância Central Criminal da Comarca do Porto, pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada.
3 - Está detido desde o dia 08/07/2012 (prisão preventiva), cumpriu dois anos, depois foi restituído à liberdade (em 08/07/2014) e assim permaneceu durante 19 meses, tendo posteriormente reiniciado o cumprimento da pena de prisão em 02/03/2016
4 - O meio da pena foi atingido em 2/03/2017, os seus dois terços foram atingidos em 2/03/2018 e o seu termo final será em 2/03/2020.
5 - Já cumpriu 56 meses de prisão, faltam-lhe apenas 16 meses para terminar a pena.
Nos termos do artigo 61.º nº 2 do Código Penal:
“O Tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes” e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.”
6 - Como decorre da norma acima transcrita, os requisitos de que depende a concessão da liberdade condicional são os seguintes:
- cumprimento de metade da pena e no mínimo seis meses; - Requisito que se verifica
- juízo de prognose favorável – Requisito que se vai discutir
- compatibilidade da liberdade condicional com a defesa da ordem e da paz social – requisito que se verifica
7 - A decisão recorrida justificou a recusa da concessão da liberdade condicional, fundamentalmente com a não verificação do SEGUNDO e TERCEIRO dos requisitos apontados, sublinhando que: - (e passamos a transcrever)
- “… é notório um retrocesso no percurso prisional do recluso, o qual ainda recentemente, incorreu na pratica de uma infracção disciplinar e viu o regime aberto no interior e as medidas de flexibilização da pena, que vinha gozando serem suspensas, num quadro regressivo que voltou a suscitar dúvidas acerca da sua capacidade de manter um comportamento normativo em meio livre, o que carece agora, e de novo, de ser testado em termos regulares e consistentes”
- …. “, Por outro lado, se é certo que o recluso assume o crime, e apesar das dificuldades de que padece a nível cognitivo, é capaz de formular um juízo de censura sobre o seu comportamento, a verdade é que a sua percepção do impacto dos actos praticados na vitima, não é a mais adequada, conforme referido pelos serviços prisionais, e com o valor da imediação em sede de declarações prestadas perante o tribunal, foi possível constatar presencialmente, dado que, mesmo declarando estar arrependido do crime cometido, pois não devia ter feito mal à vitima, ficou patente o sentimento ainda difuso e abstrato com que fala da ultima.”
….” O que é revelador da necessidade de trabalhar mais a autocrítica, o que in casu, se mostra particularmente importante…..”
…. “É certo que, agora, o condenado já se confrontou de forma directa com as consequências da sua conduta, sofrendo o efeito dissuasor da prisão, e beneficiando de importante acompanhamento psicológico. Ainda assim, em contraponto, há que observar que, em termos de perspectivas imediatas, B..., caso seja restituído à liberdade, projecta voltar a viver sob idêntico enquadramento àquele de que dispunha anteriormente…”
…. “ Nessa medida, afigura-se importante também que a intervenção penitenciaria em curso, não cesse sem que, antes seja desenvolvido um processo de reintegração social em que as respectivas valências para interagir no meio comunitário de inserção, e aí, manter uma conduta estável e normativa sejam aprofundadas e melhor testadas.”
8 - Não se concordando com a tese perfilhada pelo Ilustre Tribunal “a quo”, importa pois também que se entenda, de que pessoa estamos a falar.
9 - O arguido é possuidor de um significativo atraso cognitivo, que não nos é possível quantificar, nem especificar mais do que isto, porque as doenças da mente ainda estão em fase embrionária, do conhecimento científico, e o único pedopsiquiatra que seguiu e orientou o arguido, foi já quando este era criança – entre Dezembro de 1996 e Outubro de 1998 (tinha portanto 09 anos).
10 - Desconhece-se se o seu atraso é degenerativo, mas é certo que não apresentou melhorias com o passar da idade, muito pelo contrário, tem-se agravado.
11 - Na fase adulta, nunca foi sujeito a nenhuma avaliação psiquiátrica, para além daquela que faz a barreira entre o que é ser imputável e inimputável.
12 - Mas podemos verificar, pelo percurso prisional do arguido expresso nos diversos relatórios da DGRS e pelo próprio conhecimento que o Conselho técnico tem da pessoa do arguido, que este é muito, mas mesmo muito, limitado.
a) - E portanto, no estabelecimento prisional de Braga, onde esteve em prisão preventiva, frequentou a escola durante dois anos, mas não conseguiu aprender a ler nem a escrever.
b) Em boa verdade, não sabe sequer o abecedário.
c) A professora acabou por lhe atribuir a 4.ª classe para o motivar, e não o rebaixar face aos demais reclusos, mas na verdade o arguido não conseguiu aprender a escrever NEM O SEU NOME
d) - Explicou a docente, que o arguido não tem memória, pelo que se hoje aprender o (A), amanhã já não se lembra nem o consegue reproduzir – isto dito pela própria professora que testemunhou em julgamento.
e) - No estabelecimento prisional de Paços de Ferreira, onde atualmente se encontra recluído, voltou a inscrever-se na primeira classe, mas decorridos mais dois anos, e com uma professora diferente, ainda se mantém totalmente analfabeto – conforme a própria professora testemunhou em audiência de julgamento.
f) - Do seu nome, apenas decorou como se desenha os dois primeiros “B1...” e só isto sabe escrever.
g) - Não lê
h) - Não sabe contar, nem conhece os números
i) - Não conhece o valor do dinheiro
j) - É um indivíduo que só sabe que um euro chega para uma coca-cola, mas não sabe contar trocos.
k) - Não consegue apanhar um transporte público, pois não consegue ter essa autonomia.
l) - Não sabe utilizar um telemóvel, nem escrever mensagens
m) - Não consegue diferenciar a direita nem a esquerda
n) - Não sabe apertar os cordões dos sapatos, porque não consegue decorar como se dá um nó.
o) - Não sabe em que dia nasceu, não consegue responder em que dia festeja o seu aniversário, nem disso se lembra.
p) - Não sabe responder onde reside, nem sabe dizer a morada dos seus pais.
q) - Não consegue reproduzir o nome completo dos pais.
r) - Não sabe identificar os dias da semana.
13 - Face a esta realidade, facilmente podemos concluir, porque razão o arguido nunca trabalhou.
É que para se conseguir um trabalho, até como lixeiro, é preciso saber ler, escrever, e sobretudo é preciso raciocinar,
14 - O que o arguido não consegue
15 - Chegou a aprender jardinagem, e até a estagiar.
Chegou a andar num curso de mecânica
16 - Mas logo é retirado destas ações de formação, porque não lê nem escreve (e em qualquer emprego, tem pelo menos que preencher e assinar o formulário inicial, com os dados pessoais), e sobretudo porque não evolui, não consegue realizar as tarefas ordenadas.
Hoje explicam-lhe e até consegue fazer, muito devagar, mas amanhã já não se lembra de como se faz a tarefa.
17 - De forma, que nunca trabalhou na vida, mas a família, que muito o ajuda a acarinha, tem feito um enorme esforço para tentar arranjar-lhe um trabalho, nas TRÊS únicas profissões onde não é preciso ler, escrever, nem raciocinar, nem tomar decisões por iniciativa própria, e têm sido incansáveis na procura de trabalho para o arguido, como:
a) – Servente da construção civil (para carregar massas, fazer massas, etc)
b) – Como ajudante de empresas de mudanças, para carregar camiões e descarregar
c) – Ou como lavador de veículos, numa bomba de gasolina.
18 - De forma que há perspectivas credíveis de trabalho, logo que venha em liberdade, mas era preciso ter essa benesse.
20 - Se o Ilustre Tribunal “a quo” está à espera de ouvir do arguido, grandes retoricas de autocensura, e de autocritica pelos actos praticados no passo, deverá então votar-se o arguido a prisão perpétua, porque ele não sabe exprimir-se nem elencar um discurso que reporte o que pensa, o que sente, ou sequer o que lhe ensinou o acompanhamento psicológico de que foi beneficiando.
21 - Sabe apenas distinguir o que é “bom” e o que é “mau”, exprimindo-se por vocabulário tão pobre, que não passa do simples “sim” e “não”, ou “pois é”.
Porem, não pode o arguido ser prejudicado, pelo atraso cognitivo de que padece, e nesta esteira, analisamos os ensinamentos extraídos de Acórdãos do Venerando Tribunal da Relação do Porto
22 - Mas IMPORTA de sobremaneira a sua postura perante a vida e os seus actos – ora vamos analisar:
Tomando em consideração que o arguido esteve detido desde o dia 08/07/2012 (prisão preventiva),
Cumpriu dois anos, e depois foi restituído à liberdade.
Tendo posteriormente reiniciado o cumprimento da pena de prisão em 02/03/2016 – e APRESENTOU-SE voluntariamente para esse cumprimento da restante pena, logo que transitou em julgado a ultima decisão de recurso, que fora instaurado pelo MP
23 - Durante este período, 19 MESES ININTERRUPTOS, o B... esteve em liberdade.
24 - Voltou a viver com os pais, na mesma casa, que foi adquirida por mútuo bancário com hipoteca.
25 - E nunca mais voltou a delinquir.
26 Integrou o agregado familiar dos pais e irmão, e com estes viveu, cuidando da mãe doente, e dedicando-se ao convívio familiar, pois o arguido, pais e padrinhos são muito unidos, dado que os pais e os padrinhos, são dois irmãos casados com duas irmãs.
27 - Pautou a sua vida, pela comunhão familiar, pouco saindo de casa.
28 - Ora se durante 19 meses de liberdade, o arguido NUNCA MAIS voltou a delinquir, e voltou a viver na mesma casa, junto da mesma comunidade, e dos mesmos vizinhos, que segundo o relatório da DGRS demonstram “ausência de constrangimentos no meio residencial á sua presença”.
29 - Como pode pois o Ilustre Tribunal “a quo”, defender para os 16 MESES que faltam até ao fim da pena, como argumento para a não concessão da liberdade condicional, que:
…. – “Ainda assim, em contraponto, há que observar que, em termos de perspectivas imediatas, B..., caso seja restituído à liberdade, projecta voltar a viver sob idêntico enquadramento àquele de que dispunha anteriormente…”
…. “ Nessa medida, afigura-se importante também que a intervenção penitenciaria em curso, não cesse sem que, antes seja desenvolvido um processo de reintegração social em que as respectivas valências para interagir no meio comunitário de inserção, e aí, manter uma conduta estável e normativa sejam aprofundadas e melhor testadas.”
30 - Ora se em 19 meses, não houve nenhum “processo de reinserção social para ajudar o arguido a interagir no meio comunitário de inserção”.
O arguido excedeu a prisão preventiva, foi colocado em liberdade, voltou a casa dos pais, onde viveu esses 19 meses, sem qualquer registo negativo.
31 - Para que se exige então este processo de reinserção social para ajudar a interagir no meio comunitário de inserção, para os 16 meses que faltam cumprir, sobretudo QUANDO HÁ este historial de sucesso recente?
De forma que, IMPOE-SE ponderar no presente recurso: que reinserção os 16 meses de pena de prisão que faltam cumprir proporcionaram a esta pessoa?
Que benesse a prisão vai trazer à vida desta pessoa, tão limitada, por mais 16 meses, que ainda não tenha feito em 56 meses já cumpridos?
Precisará a sociedade de ver assim tão estritamente cumprida a ideia ético-retributiva, para veicular o cumprimento integral da pena a este recluso?
O que é que o meio prisional está a ajudar, ensinar e ressocializar esta pessoa?
32 - Parece-nos límpido, que urge pelo menos entender, que o arguido está preparado para a vida em liberdade.
Precisaria por certo de acompanhamento médico e de ensino especializado, mas não precisa de mais tempo e prisão.
33 - Uma vez que o arguido não se consegue exprimir por palavras, impõe-se avaliar os seus actos, e destes podemos destacar que fez o que fez, no passado, mas entregou-se logo, voluntariamente às autoridades, ainda estas não sabiam do crime; e podemos verificar, que esteve em liberdade desde o dia 8/07/2014 até 01/03/2016, 19 MESES portanto, e NÃO VOLTOU A DELINQUIR, nem PROCUROU A vítima do processo.
34 - O que de sobremaneira demonstra que aprendeu e interiorizou a reprovação pela conduta que tinha tido e que constituiu o único crime que fez na vida,
35 - E permite ao julgador, fazer um juízo de prognose favorável, em como o arguido B... conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, e sem cometer crimes.
36 - Sendo ainda de salientar, que (conforme é referido nos diversos relatórios sociais juntos aos Autos), o B... tem um consistente apoio familiar e verifica-se ausência de constrangimentos no meio residencial à sua presença.
37 - Pelo que, não se entende, salvo o devido respeito e melhor opinião, em que medida o Ilustre Tribunal “a quo”, endente e defende que NÃO HÁ fundamentos suficientes para esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
38 – Defendendo o Ilustre Tribunal “a quo” que até há um retrocesso no percurso prisional
Quando a infração disciplinar mencionada, nada teve a ver com qualquer agressividade perante terceiros ou o próprio, desacatos ou situações graves, nem sequer é um processo já concluído.
39 - Pelo que, seriamente defendemos que o B... PODIA e DEVERIA ter sido colocado em liberdade condicional, ainda que sujeito a deveres e condições.
40 - Não há NADA que fundamente reservas quanto ao comportamento futuro do visado fora do EP, e que indique que não se vai pautar de acordo com os padrões legais instituídos.
41 - É necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que o cumprimento da pena em liberdade vigiada (condicional) seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
42 - Este juízo de prognose favorável sobre comportamento futuro do arguido pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização, em liberdade, do arguido.
Ou dito de outro modo: a liberdade condicional "deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime" (Acórdão do STJ, proc. n.º 1092/01 – 5ªsecção).
- "O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza…" (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, em anotação ao C.P.).
43 - Ora no caso em apreço, em nossa modesta opinião, salvo o devido respeito, mal andou o Douto Tribunal “a quo”, ao fundamentar a sua decisão de não conceder a liberdade condicional, baseando-se maioritariamente e quase só nas circunstancias que existiram, quando o crime foi cometido e nos motivos que o fundamentaram, valorando em grande medida o crime cometido e a sua natureza, a ausência de propostas de trabalho e a falta de vocabulário suficiente ou raciocínio para poder o arguido exprimir-se melhor para demonstrar cabalmente o seu arrependimento e poder exprimir-se melhor sobre o impacto que os seus actos tiveram na vida daquela que foi a vitima.
44 - Valorando aquilo que o arguido foi e aquilo que o arguido não disse (porque não sabe e nunca o vai dizer), e Não naquilo que o arguido é, forçosamente com mais relevância, naquilo que o arguido é agora, no ano de 2018 – momento desta decisão.
45 - Baseando tão só, o seu juízo de prognose futuro sobre o total afastamento do arguido de actividades delituosas, no tipo de ilícito cometido, na gravidade dos factos e do crime cometido em 2012, e no processo disciplinar, e descurando-se todo o percurso de 2012 até 2018.
46 - DESCURANDO-SE totalmente todos os demais requisitos do artigo 61.º nº 2 alínea a) do CP. Que se encontram francamente preenchidos:
- a vida anterior do agente – é primário;
- a sua personalidade em franca evolução positiva conforme foi considerado provado na mesma decisão ora em crise, apesar de se reconhecer o patente e forte atraso cognitivo
- a evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão – cujas considerações que se dão como provadas, não poderiam ser mais positivas; no entanto o arguido procurou aprender a ler e a escrever, nos dois estabelecimentos prisionais onde cumpriu pena – o que é de valorizar
- que o condenado uma vez em liberdade conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável – é aliás o que já fez quando esteve ininterruptamente em liberdade entre 08/07/2014 e 02/03/2016 (19 meses) e o que faz em todas as saídas institucionais de que já beneficiou.
- Sendo francamente previsível que não vá cometer outros crimes
47 - Ora, conclui-se por uma prognose social favorável relativamente ao comportamento de um arguido, como lhe chama Jescheck (cfr. H.H. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, pág. 1153), quando se perspectiva uma, a esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência para um futuro melhor.
Uma esperança futura, que por o ser, não se pode basear apenas no passado, decorrido há mais de 06 anos.
48 - Sobretudo, quando se reconhece que desde então, e ao longo de 06 anos, até ao momento presente, o recorrente SÓ TEM somado considerações positivas a seu respeito pessoal, a respeito da sua reinserção social e laboral, e reintegração e apoio familiar.
49 - Não existindo com a libertação condicional deste arguido, qualquer incompatibilidade com a defesa da ordem e paz social.
50 - Julgamos assim, que resulta límpido um favorável juízo de prognose, bastante positivo até, quanto à futura reinserção social do arguido, em tudo (pessoal, social, profissional).
51 - O percurso do arguido subsequente aos factos – os quais já ocorreram há 06 anos – evidencia uma imagem suficientemente positiva para que o tribunal, correndo um risco prudente, possa conceder a liberdade condicional ao recorrente, por se vislumbrar sobre este, claro um juízo de prognose social, pessoal, laboral, económico, favorável.
52 - Conforme se considera provado, na própria Sentença ora em crise, a nível pessoal, o arguido reconhece a autoria dos factos, e
Verbaliza um discurso pobre, mas direcionado para o sentido crítico e de censura sobre os factos que o trouxeram à reclusão.
Denota consciência (pobre e limitada, mas isso é intrínseco à sua doença) sobre a gravidade do crime praticado, o impacto nefasto sobre a vítima e diz-se profundamente arrependido.
Revela assim, senso e interiorização do sentido da pena.
53 - É uma pessoa apta e motivada ao regresso pleno à sociedade, onde poderá conduzir a sua vida de modo socialmente responsável.
Não tem antecedentes criminais, nem processos em curso.
54 - Evidencia vontade de ter uma ocupação laboral quando for restituído ao meio livre, ciente das dificuldades que o limitam, e sujeitando-se a empregos de extrema dureza física.
55 - Ao nível comunitário (sociedade), não foram percepcionados obstáculos ao seu regresso ao meio livre, e em nenhum momento, foi temido, comentado, receado.
PELO CONTRÁRIO, É SEMPRE BEM RECEBIDO.
Não existindo com a libertação condicional deste arguido, qualquer incompatibilidade com a defesa da ordem e paz social.
56 - Em nosso entender, está em curso um favorável e ajustado processo de reinserção social, que não requer mais nenhuma prova, mas requer uma EVOLUÇÃO
E essa evolução, perspectivava-se com a concessão da liberdade condicional, fundamental para esta fase da reintegração, e ajustada, pois em nosso entender, e salvo melhor opinião, reúne o B..., TODAS as condições favoráveis para a sua concessão e execução.
57 - A libertação condicional deve servir o objectivo de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o arguido possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
58 - No caso concreto, considerando que o arguido já atingiu os dois terços da pena em Março do corrente ano (pressuposto formal), resta apenas avaliar o pressuposto subjectivo, e em nosso entendimento, mostra-se adequado E FORTEMENTE garantido (e não apenas moderadamente) que, uma vez em liberdade, o Recorrente conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, eis que o tempo urge para confiar no seu compromisso que, por certo, para seu próprio bem e bem da comunidade, saberá honrar.
59 - Ao contrário do exposto pelo Ilustre Tribunal “a quo”, entendemos que estão reunidas as condicionantes previstas no art. 61º, n.º 2, alíneas a) e b) do C. Penal;
60 - Designadamente a circunstância de a libertação do recorrente ter por base um franco juízo de prognose favorável e não por em causa a ordem e paz social;
As necessidades de prevenção geral encontram-se neste momento esbatidas e são desnecessárias e, por outro lado, existem inúmeros factos, como o arrependimento, a interiorização da culpa e o trajecto prisional bem como os 19 meses ininterruptos em que o arguido viveu em liberdade, que tornam expectável que, no futuro, este condenado, não volte a cometer crimes.
61 - Assim, com a não concessão de liberdade condicional ao recorrente, foram violadas, em nosso entendimento e salvo melhor opinião, as disposições dos art. 40.º, 42.º, 61º, n.º 2, al. a) e b) do C. Penal.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo não provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, saber se se verificam, quanto ao recorrente, os pressupostos de concessão do regime de liberdade condicional.

III - É o seguinte o teor da douta decisão recorrida:

«1. Relatório
Corre o presente processo de liberdade condicional referente ao condenado B..., identificado nos autos.
Foram elaborados os pertinentes relatórios.
Reuniu o Conselho Técnico e procedeu-se à audição do recluso, o qual consentiu na aplicação da liberdade condicional, conforme resulta do respectivo auto.
O Ministério Público teve vista do processo.
Os pareceres do Conselho Técnico (por unanimidade) e do Ministério Público emitidos nos autos apontam no sentido da não concessão da liberdade condicional.
O Tribunal é o competente e o processo é o próprio.
A instância mostra-se válida e regular, não existindo quaisquer nulidades, excepções, questões prévias ou incidentes de que cumpra apreciar, pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito da concessão ao condenado da liberdade condicional.
2. Fundamentação de facto
Resulta dos autos, nomeadamente do relatório dos serviços de reinserção social de fls. 149 a 153, do relatório dos serviços prisionais de fls. 157 a 159, da nota biográfica do recluso de fls.155, da ficha biográfica de fls 156, do certificado de registo criminal de fls. 83-84, da certidão judicial de fls. 2 e ss., do resultado do teste de pesquisa de consumo e drogas ilícitas de fls.173 e das próprias declarações que o condenado prestou aquando da sua audição, para além do mais, e com interesse para a decisão da causa, o seguinte:
a) O condenado nasceu em 30/01/1989 e encontra-se detido desde 8/07/2012,
b) Está a cumprir uma pena de 6 anos de prisão que lhe foi aplicada, no âmbito do processo nº562/12.0PCMTS da 2ª Secção (Vila do Conde) da Instância Central Criminal da Comarca do Porto, pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada (por, no dia 8/07/2002, ter desferido com uma faca cerca de 23 golpes no corpo da ex-namorada com o intuito de causar a morte da mesma).
c) O meio da pena foi atingido em 2/03/2017, os seus dois terços em 2/03/2018 e o seu termo final está para 2/03/2020.
d) O recluso não tem outros antecedentes criminais registados para além da condenação atrás referida.
e) Viveu sempre integrado no agregado familiar dos pais, do qual faziam também parte um irmão mais velho e a avó materna.
f) Apesar de ter frequentado e concluído o 1º ciclo, bem como chegado a frequentar o 6º ano de escolaridade (em regime de currículo alternativo), sempre evidenciou limitações intelectuais que fazem com que não saiba ler, nem escrever.
g) Na sequência de um curso de formação profissional, teve uma primeira experiência laboral na área da jardinagem (em regime de estágio), tendo também trabalhado na lavagem de automóveis e na distribuição de publicidade.
h) Aquando da detenção, residia com os pais e aguardava colocação num curso profissional de jardinagem.
i) É a primeira vez que está preso, tendo dado entrada no estabelecimento prisional do Vale do Sousa em 4/11/2016, vindo do ER junto da PJ do Porto.
j) Foi-lhe aplicada sanção disciplinar (repreensão escrita) por decisão de 13.9.2018.
k) Frequenta a escola, mas não revela evolução devido ao défice cognitivo que lhe foi diagnosticado pelo pedopsiquiatra que o acompanhou entre Dezembro de 1996 e Outubro de 1998.
l) Em 17/10/2016, foi colocado em regime aberto no interior.
m) Beneficiou de 3 licenças de saída jurisdicional (a última das quais em Junho de 2017) e de 2 licenças de saída de curta duração (a última entre 24 e 27/03/2017), as quais decorreram sem anomalias mas entretanto suspensas.
n) Não possui historial aditivo e, em 11.9.2018, foi sujeito a teste de despistagem do consumo de drogas ilícitas cujo resultado foi negativo.
o) No exterior, conta com o apoio dos pais, que o visitam de forma muito presente e estão plenamente disponíveis para o receber e ajudar no seu processo de ressocialização.
p) Não possui perspectiva laboral concreta, planeando procurar emprego na área da jardinagem quando for restituído à liberdade.
q) Admite ter atingido a ex-namorada com facadas, ainda que dizendo que isso aconteceu quando se defendia da mesma e de três rapazes que pretendiam agredi-lo, factualidade esta que, apesar de alegada, foi dada como não provada na decisão condenatória.
3. Direito
Dispõe o artigo 61º do Código Penal, que:
«1. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado.
2. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5. Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.»
Resulta deste preceito legal que são pressupostos formais da liberdade condicional, para além do consentimento do condenado, que este tenha cumprido seis meses de pena de prisão e o decurso, no mínimo, de metade do tempo de prisão.
Em termos materiais, os pressupostos da concessão da liberdade condicional variam consoante o momento da execução da pena em que é apreciada: deve ter lugar ao meio da pena quando houver uma adequação da libertação do condenado com as necessidades preventivas do caso concreto, sejam necessidades de prevenção especial - art. 61º, nº 2, al. a) –, sejam necessidades de prevenção geral - art. 61º, nº 2, al. b); por sua vez, a liberdade condicional deve ocorrer aos dois terços quando for adequada às necessidades de prevenção especial.
No caso concreto, considerando que o condenado atingiu os dois terços da pena em execução, compete ao tribunal de execução das penas averiguar se, com referência a essa data, a concessão de liberdade condicional no caso concreto é adequada à realização das necessidades de prevenção especial, questão que - podemos dizer desde já - deve merecer, atentos os factos acima elencados, uma resposta negativa.
Com efeito, é notório um retrocesso no percurso prisional do recluso, o qual, ainda recentemente, incorreu na prática de uma infracção disciplinar e viu o regime aberto no interior e as medidas de flexibilização da pena que vinha gozando serem suspensas, num quadro regressivo que voltou a suscitar dúvidas acerca da sua capacidade de manter um comportamento normativo em meio livre, o que carece, agora, e de novo, de ser testado em termos regulares e consistentes.
Por outro lado, se é certo que o recluso assume o crime e, apesar das dificuldades de que padece a nível cognitivo, é capaz de formular um juízo de censura sobre o seu comportamento, a verdade é que a sua percepção do impacto dos actos praticados na vítima não é a mais adequada, conforme referido pelos serviços prisionais e, com o valor da imediação em sede de declarações prestadas perante o Tribunal, foi possível constatar presencialmente, dado que, mesmo declarando estar arrependido do crime cometido, pois não devia ter feito mal à vítima, ficou patente o sentimento ainda difuso e abstracto com que fala desta última.
Revela, pois, fragilidades ao nível da assunção da culpa, pois, não obstante assumir ter atingido 23 vezes a ex-namorada com uma faca, revela não ter assumido as motivações pessoais que poderão ter desencadeado o seu comportamento.
O que é revelador da necessidade de trabalhar mais a autocrítica, o que in casu se mostra particularmente importante se considerarmos que os factos cometidos denotam uma flagrante incapacidade do agente controlar os seus impulsos e de bastante insensibilidade quanto à vida alheia, o que não deixa de ser revelador de que ele, em termos de personalidade, possui características internas que condicionam a formulação de juízos de prognose particularmente optimistas quanto à sua capacidade para, caso se confronte com idênticas situações de tensão, manter uma conduta adequada.
É certo que, agora, o condenado já se confrontou de forma directa com as consequências da sua conduta, sofrendo o efeito dissuasor da prisão, mais beneficiando de importante acompanhamento psicológico. Ainda assim, em contraponto, há que observar que, em termos de perspectivas imediatas, B..., caso seja restituído à liberdade, projecta voltar a viver sob idêntico enquadramento àquele de que dispunha anteriormente (e no âmbito do qual emergiu a sua conduta criminal).
Nessa medida, afigura-se importante também que a intervenção penitenciária em curso não cesse sem que, antes, seja desenvolvido um processo de reintegração social em que as respectivas valências para interagir no meio comunitário de inserção e, aí, manter uma conduta estável e normativa sejam aprofundadas e melhor testadas.
Em suma, sendo ainda prementes as exigências de prevenção especial, entende-se que a concessão de liberdade condicional é prematura, carecendo o condenado de cumprir acrescido período de prisão efectiva para melhor interiorizar o desvalor, a gravidade e as consequências do crime praticado.
4.Decisão
Por todo o exposto, entendo não resultar preenchido o condicionalismo previsto no art. 61º, nº2, als. a) do Código Penal, razão pela qual decido não colocar o condenado B..., com os demais sinais dos autos, em liberdade condicional.
Notifique e comunique, aguardando os autos renovação da instância, nos termos do artigo 180.º, n.º 1, do CEP, devendo para o efeito ser solicitado o cumprimento do disposto no artigo 173º, nº1, als. a) e b) do CEP, fixando-se o prazo de um mês para a elaboração dos respectivos relatórios.»

IV. – Cumpre decidir.
Vem o recorrente alegar que se verificam os pressupostos que determinam que beneficie do regime de liberdade condicional.
Vejamos.
Nos termos do artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal, o tribunal coloca o condenado em prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se: a) for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e b) a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
E, nos termos do n.º 3 desse artigo, o tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
Nos termos do n.º 1 desse mesmo artigo 61.º, a aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
Estão já cumpridos (desde 2 de março de 2018) dois terços da pena em questão. Estamos, pois, perante a situação a que se reporta o n.º 3 do artigo 61.º do Código Penal. Há que verificar apenas se se verifica o requisito constante da alínea a) do referido n.º 2 do artigo 61.º do Código Penal.
O recorrente prestou consentimento à concessão do regime de liberdade condicional (ver fls. 84).
Estão, assim, verificados os pressupostos formais de concessão do regime de liberdade condicional, de acordo com os citados nº 1, 2 e 3 do artigo 61.º do Código Penal: já ocorreu o cumprimento pelo condenado de dois terços da pena de prisão (período que foi superior a seis meses) e o condenado manifestou a sua concordância.
Constitui pressuposto substancial (ou material) da concessão de liberdade condicional, e porque no momento em que foi proferida a decisão recorrida já haviam sido atingidos dois terços da pena de prisão em que o recorrente foi condenado, de acordo com os citado n.ºs 2 e 3 do artigo 61.º do Código Penal, que seja de esperar fundadamente que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes, tendo-se para tanto em atenção as circunstâncias do caso, a sua vida anterior, a respetiva personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão. Exige-se, pois, a viabilidade de um juízo de prognose favorável em relação ao condenado, no sentido de que este, caso seja colocado em liberdade condicional, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
A este respeito, há que considerar o seguinte.
O recluso e recorrente beneficia de apoio familiar incondicional e as dificuldades que possa ter em obter emprego são devidas às suas limitações cognitivas. Não se afigura que sejam estas circunstâncias a impedir algum prognóstico favorável quanto à probabilidade de ele vir a cometer crimes se for libertado.
Também não se afigura que o comportamento prisional do recluso e recorrente seja, por si, revelador de algum perigo de prática de crimes se for libertado, Beneficiou de medidas de flexibilização da pena, que decorreram sem incidentes e foram suspensas devido à pendência de um processo criminal no âmbito do qual ele veio a ser absolvido. O processo disciplinar de que foi alvo diz respeito à simulação de uma situação de perigo (ver os relatórios juntos a fls. 72 a 83)
Os relatórios técnicos juntos a fls. 72 a 77 e 80 a 82 são favoráveis à concessão da liberdade condicional ao recluso e recorrente.
A douta decisão recorrida invoca, como fundamento para a recusa da concessão de liberdade condicional ao recorrente, as circunstâncias de «a sua percepção do impacto dos actos praticados na vítima» não ser a mais adequada, de ter ficado «patente o sentimento ainda difuso e abstracto com que fala desta última» e de ele ter «fragilidades ao nível da assunção da culpa, pois, não obstante assumir ter atingido 23 vezes a ex-namorada com uma faca, revela não ter assumido as motivações pessoais que poderão ter desencadeado o seu comportamento».
Há que salientar que do citado artigo 61.º, nº 2, a), do Código Penal não decorre que o arrependimento seja, por si, condição da concessão de liberdade condicional. O arrependimento, que será sempre desejável e valorado, supõe uma conversão interior que não pode ser imposta. Mais do que analisar o processo interior de arrependimento do arguido (o que ultrapassa a capacidade e legitimidade de qualquer juiz), a lei exige a análise objetiva da existência, ou inexistência, do perigo de prática de novos crimes.
Mas há que considerar também o seguinte.
O recorrente foi condenado por ter desferido cerca de 23 golpes com uma faca no corpo da ex-namorada com o intuito de lhe tirar a vida. Esses factos, em especial a reiteração dos golpes, são reveladores de uma personalidade violenta, com dificuldade em controlar os seus impulsos e insensibilidade em relação à vida alheia. Nada nos permite dizer que estejamos perante uma conduta ocasional e não reveladora da personalidade do recorrente, apesar de ele não ter antecedentes criminais. Estamos perante uma situação de violência num âmbito de uma relação de namoro fracassada, o que com frequência gera conflitos prolongados. Neste contexto, para que se considere afastado o perigo de continuação da atividade criminosa, impõe-se a existência indícios seguros de que o conflito que esteve na base da prática do crime não se reacenderá e o recluso mudou completamente a sua atitude para com a vítima, que outro conflito análogo com outra pessoa não surgirá e que ele não reagirá da mesma forma em situações de tensão.
Ora, de acordo com o que consta dos relatórios referidos e com a perceção do próprio Mmº Juiz a quo em face das declarações por ele prestadas, o recluso e recorrente não demonstra de forma cabal que mudou completamente a sua atitude para com a vítima. Tal não será devido às dificuldades de comunicação decorrentes das suas limitações cognitivas (como se alega na motivação do recurso), pois os técnicos responsáveis por tais relatórios e o Mmº Juiz a quo, têm em considerando tais limitações cognitivas (que não impedem um juízo sobre a gravidade do crime) e tais dificuldades de comunicação quando aludem a essa postura do recluso e recorrente.
Assim, não pode ser formulado, quanto ao recluso e recorrente, o juízo de prognose favorável a que alude o artigo 61.º, n.º 1, a), do Código Penal. O que implica que ele não poderá beneficiar de liberdade condicional nesta fase.
Impõe-se, pois, negar provimento ao recurso.

O recorrente deverá ser condenado em taxa de justiça (artigo 153º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo do disposto no artigo.4,º, n.º 1, j), deste Regulamento

V - Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida.

Condenam o recorrente em 3 (três) U.C.s de taxa de justiça sem prejuízo do disposto no artigo 4,º, n.º 1, j), do Regulamento das Custas Processuais.

Notifique.

Porto, 31/1/2019
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo