Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
197/14.2TTGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
COACÇÃO MORAL
Nº do Documento: RP20150615197/14.2TTGDM.P1
Data do Acordão: 06/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Não constitui coacção moral a colocação de um trabalhador perante a alternativa de procedimento disciplinar e denúncia crime por furto ou a assinatura de denúncia do seu contrato de trabalho, na medida em que tanto o procedimento disciplinar como a denúncia crime não constituem a ameaça de um mal ilícito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 197/14.2TTGDM.P1
Apelação

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 454)
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto
Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B…, residente em …, instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra C…, S.A., pessoa coletiva n.º ………, com sede na Rua …, n.º …, ….-… – …, Matosinhos, pedindo a condenação desta:
a) a reintegrá-lo;
b) a pagar-lhe as remunerações vencidas, quantificadas em 11.110,00€ – à razão de 1.010,00€ x 11 meses – computadas desde a data da denúncia do contrato de trabalho até à instauração da presente acção;
c) a pagar-lhe todas as remunerações que entretanto se vencerem, até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, importância a apurar em sede de incidente de liquidação;
d) a pagar-lhe os subsídios de alimentação vencidos, quantificados em 1.258,40€ – à razão de 114,40€ x 11 meses – computados desde a data da denúncia do contrato de trabalho até à instauração da presente acção;
e) a pagar-lhe os proporcionais de subsídios de férias referentes ao ano de 2013, quantificados em 589,16€, computados desde a data da denúncia do contrato de trabalho até à instauração da presente acção;
f) a pagar-lhe os proporcionais de subsídio de Natal vencidos e quantificados em 589,16€, referente ao ano de 2013, computado desde a data da denúncia do contrato de trabalho até à instauração da presente acção;
g) a pagar-lhe o subsídio de Natal de 2014, no valor de 1.010,00€;
h) a pagar-lhe as férias a 01 de Janeiro de 2014, no valor de 1.010,00€;
tudo deduzido da importância de 2.164,28€ correspondente ao valor entretanto pago pela ré ao autor a título de créditos salariais pela denúncia do contrato de trabalho.

Alegou, em síntese, que foi contratado pela Ré em 01/02/1999 para prestar trabalho de coordenador de armazém, mediante retribuição mensal de 1.010,00€. No dia 13/05/2013, o administrador da ré acusou-o de ser o autor de “roubo” de material da Ré, dizendo-lhe que ou assinava uma declaração de denúncia do contrato de trabalho, ou seria instaurado um processo disciplinar e apresentada uma queixa crime contra si. Porém, tudo não passou de um mal entendido devido à forma como fazia o seu trabalho a pedido de um outro colega, tendo este (primo do administrador da Ré) dito para que o Autor ficasse descansado, pois iria esclarecer toda a situação. Uma vez que a situação nunca foi devidamente esclarecida, e porque estava a ser pressionado pela Ré e com receio do que pudessem inventar contra si, acabou por assinar a denúncia do contrato de trabalho.
Contudo, decorrido algum tempo foi consultar um Advogado e em 21/06/2012 remeteu uma carta à Ré dando sem efeito aquela denúncia, por ter sido feita num quadro de pressão, coação e ameaça, o que a Ré não aceitou. Entende que a denúncia por si assinada não é válida e que toda a situação foi isso sim um despedimento perpetrado pela ré, sem qualquer justa causa ou procedimento disciplinar.

Regularmente notificada para o efeito, a Ré contestou, negando qualquer coação ou pressão exercida sobre o Autor aquando da denúncia do contrato de trabalho. O Autor sabia o que estava a assinar e teve todo o tempo para reflectir na sua conduta. Além disso, a declaração de revogação da denúncia foi enviada muito depois de decorrido o prazo previsto no art.º 402.º do Código do Trabalho, pelo que nunca seria válida. Conclui pedindo a sua absolvição do pedido.

O autor não apresentou resposta.

Foi dispensada a realização de audiência preliminar, tendo sido proferido despacho saneador, também dispensada a selecção da matéria de facto, e tendo sido fixado o valor da acção em 13.402,44€.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com gravação, e seguidamente foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a Ré, condenando o Autor nas custas da acção.

Inconformado, interpôs o Autor o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões, cuja numeração respeitamos:
48.º O Recorrente encontrava-se vinculado por contrato de trabalho sem termo com a Recorrida há mais de catorze anos.
49.º O Recorrente desempenhava na Recorrida a função de coordenador de armazém e era considerado um trabalhador confiável e cumpridor das suas funções.
50.º O Recorrente denunciou o seu contrato de trabalho num enquadramento de pressão, coacção moral e medo.
51.º Enquadramento esse que resultou provado pelo depoimento da testemunha do Autor D… e, pelas próprias declarações de parte do Recorrente e, que não foram considerados condignamente pelo Tribunal a quo. Com efeito,
52.º O Recorrente no dia 13 de Maio de 2015 foi barrado pelo Senhor E…, seu superior hierárquico, que o impediu de entrar na empresa, tendo conversado com o Recorrente no interior da viatura em que aquele se deslocava, o seguinte:
a) Acusou o Recorrente de roubar a Recorrida e, como tal, apenas teria duas hipóteses, ou denunciava o seu contrato de trabalho, ou seria-lhe instaurado um procedimento disciplinar e um processo-crime;
b) Não apresentou qualquer prova desse facto, não obstante, referir que possuía provas nesse sentido;
c) O Recorrente desconhecendo o teor das acusações, julgou que as mesmas podiam ter origem num pedido que o Senhor F… – trabalhador da Recorrida e primo do Senhor E… – lhe fizera, que consistia em remeter para o Cliente G… determinados materiais que não constavam da lista de encomenda;
d) O Senhor E… não acreditou na referência feita ao primo;
e) O Senhor E… perante as acusações proferidas ordenou que o Recorrente regressasse a casa, que não voltasse à empresa, que lhe entregasse as chaves do armazém e a viatura.
53.º Perante, tal factualidade e totalmente atónito com o que se estaria a passar, o Recorrente tentou contactar por diversas vezes com o Senhor F… no sentido deste o ajudar e explicar toda a situação à Recorrida, ou seja, que não tinha praticado qualquer irregularidade e apenas tinha cumprido o que aquele lhe pedira.
54.º Numa primeira face o Senhor F… apresentou-se tranquilo e prestável, assegurando que tudo se iria resolver, todavia, nunca chegou a confirmar a verdadeira história à Recorrida, designadamente, à pessoa do Senhor E…, nem pessoalmente, nem através de qualquer carta conforme aceitara fazer.
55.º O Senhor E… tendo tomado conhecimento das conversações entre o Recorrente e o seu primo (Senhor F…) ameaçou o Recorrente, proibindo-o de falar com aquele e persistindo nas ameaças de instauração de acções e procedimento disciplinar, caso o Recorrente não denunciasse o seu contrato de trabalho.
56.º Situação aquela, que deixou o ora Recorrente em pânico, sem saber como reagir e, com medo de ficar sem emprego e, em consequência com receio de não conseguir prover a subsistência do seu agregado familiar.
57.º Dúvidas não há que Recorrida recorreu à coacção moral para obter a denúncia do contrato de trabalho do Recorrente.
58.º A Recorrida pretendeu com o seu comportamento perturbar, destabilizar e intimidar, hostilizar o Recorrente, levando o mesmo a temer pela manutenção do seu posto de trabalho, porquanto encontrava-se a defender a verdade sozinho.
59.º Com efeito, a Recorrida pretendeu que o Recorrente se despedisse sem que tivesse que suportar o pagamento de qualquer indemnização.
60.º E como tal, as ameaças da Recorrida em instaurar procedimento disciplinar e apresentar queixa-crime contra o Recorrente, consubstanciaram os meios que aquela sabia muito bem que atentos na pessoa do Recorrente, seriam ameaças e intimidações para que este denunciasse o seu contrato de trabalho.
61.º E foi nesse enquadramento de medo e de pressão que o Recorrente denunciou o seu contrato de trabalho. Ora,
62.º A denúncia do contrato de trabalho constitui uma declaração negocial receptícia, sujeita, nomeadamente, ao regime geral dos vícios da vontade.
63.º Acontece que a vontade do trabalhador em fazer cessar o contrato de trabalho deve ser uma vontade séria, inequívoca e bem formada.
64.º Compreendendo-se que não valham como denúncia comportamentos e declarações do trabalhador que sejam ambíguos, tomados no calor de uma discussão, num estado de incapacidade acidental ou quando o trabalhador foi vítima de um erro ou agiu sob coacção.
65.º Diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração (art. 255º, nº 1, do Código Civil).
66.º São requisitos para que se verifique a coacção: a ameaça deve ser a causa determinante do ato, deve ser grave, injusta, actual ou iminente, que traga justo receio de grave prejuízo e que o prejuízo recaia sobre a pessoa, seus bens, a pessoa de sua família ou aos bens desta.
67.º Mas, o vício do negócio, no caso da coacção moral não é propriamente a coacção, mas antes o medo.
68.º A decisão negocial que é determinada ou extorquida por medo está viciada por falta de liberdade suficiente.
69.º O Recorrente agiu condicionado por medo, pelo receio das consequências não queria ter aquele tipo de conduta e, senão fosse o receio do que contra si viesse a surgir não teria denunciado o contrato de trabalho em momento algum.
70.º Como consequência, a vontade do Recorrente estava viciada, porque ele não agiu livremente, mas dominado pelo medo das consequências de uma conduta que não praticou mas que não conseguiria demonstrar por falta de provas e de testemunhas, tendo tão só e unicamente a sua palavra.
71.º Reformulando, do Tribunal a quo ao não considerar como provada a pressão que o Recorrente sentiu para denunciar o seu contrato de trabalho configurou uma incorrecta a factualidade exposta.
72.º Pois que, resultou inequivocamente dos depoimentos prestados em sede de julgamento, que o Recorrente, denunciou o contrato de trabalho num quadro de coacção moral praticado pela Recorrida que dessa forma violou do estatuído no artigo 29.º do Código do Trabalho
73.º Pelo exposto, o tribunal a quo mal andou ao declarar a presente acção totalmente improcedente.
74.º Assim, chegou o Tribunal a quo a uma decisão descontextualizada, face ao que esteve na origem da denúncia do contrato de trabalho efectuada pelo Recorrente.
Nestes termos (…) deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se em consequência a sentença do Tribunal a quo, julgando procedente o pedido vertido na Petição Inicial do ora Recorrente, condenando-se a Recorrida nos exactos termos aí peticionados.

Contra-alegou a Ré, alinhando a final as seguintes conclusões:
A – A Decisão recorrida não merece qualquer reparo, já que a mesma resultou de uma exaustiva produção de prova, tendo o Exmº Juíz a quo, feito uma valoração criteriosa e prudente das provas produzidas, incluindo as provas documentais juntas aos autos e o depoimento da testemunha E…, Superior hierárquico do recorrente e do depoimento de parte do Autor /recorrente, as únicas pessoas que estiveram directamente envolvidas
B - E quanto ás declarações de parte do autor/recorrente, este só as prestou, após requerimento da Ilustre mandatária do recorrente, mesmo antes das alegações em 1ª instância e após este ter presenciado a inquirição de todas as testemunhas, tendo pois que ser apreciado de modo livre, conf. 466 nº1 e nº 3 do C.P.Civil; confrontando-se com o depoimento do identificado superior hierárquico, com conhecimento directo do ocorrido, que depôs de modo claro, espontâneo, convicto, confirmando os factos provados e não provados; Aliás depoimento esse, que o recorrente omitiu por completo, na sua motivação, o que bem se compreende pois tal não abona a favor da tese, infundada que defende, salvo devido respeito.
C - Só foram colocados nas Alegações, excertos das declarações de parte do A. ora recorrente – B… - e do depoimento da testemunha, sua esposa D…, cujo o teor é insuficiente, para que o Tribunal de Recurso possa alterar a sua convicção e dar como provados os factos que o recorrente pretende, dado que são separadas do contexto em que foram produzidas, tendo o tribunal que apreciar o depoimento no seu todo, e não parcelar, como pretende o recorrente.
D - E ao contrário da opinião, do recorrente, mesmo quando só transcreve parte do depoimento da testemunha /esposa do recorrente, este só vem confirmar que a sentença não merece qualquer censura, comprovando-se que a denúncia não está afectada de qualquer vício, como se constata, pelo teor genérico, abstracto, impreciso e emotivo do mesmo, quanto a esse tema.
E - A questão em apreço, é versada nas normas constantes dos artigos 400º do Código Trabalho, podendo o trabalhador, ora recorrente, denunciar independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, ora recorrido, por escrito e na possibilidade deste poder revogar a denuncia, caso a sua assinatura não tenha reconhecimento notarial presencial, até ao 7º dia seguinte à data em que a mesma chegar ao poder do empregador, mediante comunicação escrita dirigida a este, conf. 402 do Código Trabalho; e ainda se alegadamente, terá havido coacção moral exercida sobre o recorrente, no seguimento do art 255 do C.Civil.
F - Ficou provado, que o Sr E…, superior hierárquico do Recorrente, em 13-05-2013, confrontou o recorrente e lhe terá informado que lhe seria instaurado um procedimento disciplinar e que iria apresentar queixa-crime, o que consubstancia senão um mero direito, que as entidades empregadoras, se podem socorrer, se verificarem os seus requisitos e nunca se enquadrando na figura jurídica da coacção moral, conforme preceitua o art 255 nº 1 e 3 do C. Civil.
G - E caso fosse instaurado um procedimento disciplinar, sempre o recorrente teria a devida protecção legal, acautelada no decurso do mesmo: com audiência prévia, 10 dias para responder à nota de culpa, eventual recurso hierárquico e por último, instaurar acção judicial por alegada ilicitude; E quanto à eventual apresentação de queixa-crime, sempre o recorrente teria o pleno direito de apresentar a sua defesa e exercer o contraditório.
H - E omitiu também o recorrente, as suas declarações de parte, onde expressamente confirma, entre outros factos relevantes para a decisão da causa, o facto de ter contactado uma Advogada, antes de assinar a declaração de denúncia, junta a fls 18 nos autos, como tal estaria informado dos seus direitos, tal como a douta sentença muito bem refere “(...) não atribui crédito á versão segundo o qual o A. estaria totalmente desprotegido perante eventuais ameaças que lhe estariam a ser dirigidas por E….(...)”
I - E a quanto aos extractos das transcrições audiência de julgamento, que o recorrente apresenta nas suas alegações, ficou bem notória e esclarecedora a actuação do superior hierárquico e testemunha Sr E…, sendo pois falso que haja vício na denúncia apresentada a fls 18, sendo esta válida, eficaz e lícita à luz dos preceitos do artigos 400, 402 do Código do Trabalho e 255.º n.º 3 do Código Civil e ainda no seguimento dos doutos Acórdãos da Relação de Lisboa de 16-09-2009, do proc. Nº 74/08.6TTLRS.L1-4 e da Relação do Porto proc Nº 0720171, Nº Convencional JTRP00040157;
J - E assim a pretensão do recorrente em provar que a denúncia tenha sido obtida sob moral, terá necessariamente que naufragar.
L - O recorrente entregou o documento, a fls 18, com data de 24 de Maio 2013, informando ser “… da minha vontade em rescindir o Contrato de Trabalho celebrado em 01 de Fevereiro de 1999, no próximo dia 27 de Maio de 2013-no ponto F, da matéria de facto provada, depois de:
- se primeiro se ter se aconselhado com uma Advogada;
- ter mediado período de tempo, entre a data que o recorrente deixou de ir às instalações da recorrente, (13-05) até ter ido pessoalmente ao departamento de recursos humanos, entregar e assinar a denúncia (24-05) – conf. pontos F e T da douta sentença;
- e nos 7 dias seguintes, após 24-05-2013, o recorrente não utilizou a faculdade de revogar de modo unilateral tal denúncia - Conf. Artigo 402 nº 2 do Código Trabalho;
- nunca mencionou ou pôs à disposição a totalidade do montante das compensações já pagas pela R. recorrida, como consta do ponto J dos factos provados, constantes da sentença. – Conf. Artigos 402 nº 2 e 350 nº2 e 3 do Código Laboral, tal como se comprova pelo teor das suas cartas enviadas, conf. pontos G, H ,J da matéria dada como provada na sentença e juntas aos autos a fls 19, 22, 23, 26.

A Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação emitiu parecer no sentido do não reapreciação da matéria de facto e, assim não se entendendo, da improcedência da alteração da mesma e consequentemente da improcedência do recurso, a que as partes, notificadas, não responderam.
Corridos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir são a reapreciação da matéria de facto e a existência de coação moral que determinou a emissão da declaração de denúncia do contrato de trabalho pelo recorrente.

III. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância é – transcrevemos – a seguinte:
“a) Factos Provados
Os factos provados, com interesse para a decisão da causa, são os seguintes:
Factos assentes (por acordo das partes nos articulados e por documentos não impugnados)
A) Autor e ré celebraram contrato verbal em 01 de Fevereiro de 1999, através do qual o autor foi admitido pela ré para desempenhar sob as ordens, direção e fiscalização desta as funções compreendidas na categoria profissional de Coordenador de Armazém;
B) Pelo trabalho prestado pelo autor, a ré pagou a remuneração mensal de 1.010,00€ (mil e dez euros);
C) O Sr. F… é o responsável da ré pelos pedidos designados por DOA (Dead on Arrival) – material que é rececionado pela ré já danificado – efetuados à fornecedora da ré H…, bem como é o responsável pelo tratamento de reparações em garantia da mesma marca;
D) Quando um qualquer cliente entrega uma impressora avariada à ré para reparação, a mesma é encaminhada para o departamento do Sr. F…;
E) O Sr. F… procede então ao diagnóstico do aparelho e, atento que a H… não efetua reparações, caso fosse elaborado um relatório do qual resultasse que a avaria não era devida à má utilização do cliente, o Sr. F… procedia à substituição do equipamento defeituoso por um novo;
F) O autor entregou à ré, que a recebeu, a carta junta a fls. 18 (que aqui se dá por integralmente reproduzida), datada de 24/05/2013, na qual informou a ré da sua “vontade em rescindir o Contrato de Trabalho celebrado em 01 de Fevereiro de 1999, no próximo dia 27 de Maio de 2013”;
G) O autor (representado pelo Ex.mo Sr. Dr. I…) enviou à ré, que a recebeu em 25/06/2013, a carta junta a fls. 19 (que aqui se dá por integralmente reproduzida), datada de 21/06/2013, na qual declarou à ré que a declaração referida em F) foi obtida “em condições francamente usurárias” e que essa declaração era “nula e não produzirá quaisquer efeitos”, motivo pelo qual pretendia “assumir o posto de trabalho, ou então, acordo revogatório do contrato que lhe permita obter a compensação pela antiguidade e o fundo de desemprego”;
H) A ré enviou ao Ex.mo Mandatário do autor (em representação desta), que o recebeu, o fax junto a fls. 22 e 23 (que aqui se dá por integralmente reproduzido), datado de 28/06/2013, no qual informou o autor que entendia que da carta referida em G) constam “argumentos infundados, falsos e até difamatórios”, pelo que a “tese de coação e condições usurárias (…) carece, assim, de qualquer fundamento”;
I) O autor (representado pelo Ex.mo Sr. Dr. I…) enviou à ré, que a recebeu em 11/07/2013, a carta junta a fls. 26 (que aqui se dá por integralmente reproduzida), datada de 09/07/2013, na qual declarou à ré que “a resolução do contrato de trabalho é ilegal, porque os fundamentos que levaram à mesma, são falsos e, como tal, consubstanciou uma forma encapuzada de despedimento ilícito”, dando conta de que iria “intentar de imediato a respetiva ação judicial”;
J) A ré pagou ao autor, em 27/05/2013, a quantia de 3.174,28€ (três mil, cento e setenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos), tendo o autor assinado a declaração que está junta a fls. 63 (e que aqui se dá por reproduzida), onde declara que “o referido valor inclui e liquida todos os créditos já vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho por mim declarada no passado dia 24 de Maio de 2013, com efeitos a partir de 27 de Maio de 2013, pelo que nada mais tenho a receber ou exigir da C…, S.A., seja a que título for”;
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Factos controvertidos
K) Em 13 de Maio de 2013, pelas 12:50/13:00 horas, quando o autor chegou ao seu local de trabalho, foi barrado na entrada das instalações da ré pelo Sr. E…, seu superior na ré;
L) O Sr. E… entrou na carrinha que o autor utilizava e disse que tinham de conversar, tendo o autor aparcado a viatura;
M) Iniciada a conversa, o Sr. E… acusou o autor de prática do crime de furto;
N) O Sr. E… mandou o autor embora para casa pensar no assunto, proibindo-o de entrar nas instalações da ré;
O) Foi ainda pedido ao autor pelo Sr. E… quer a chave da empresa, quer a chave do veículo que lhe foi cedido para uso profissional e pessoal, tendo a conversa terminado;
P) O autor contactou então telefonicamente o Sr. F…, relatando-lhe detalhadamente o teor da conversa que tivera com o primo daquele;
Q) O autor telefonou no dia 18 de Maio de 2013 ao Sr. F…, pedindo-lhe que escrevesse uma carta a expor toda a situação;
R) No dia 20 de Maio de 2013, o autor recebeu uma chamada do Sr. E…, questionando-o sobre o pedido da carta ao seu primo;
S) O Sr. E… disse ao autor que ou assinava a denúncia do seu contrato de trabalho ou seria instaurado um processo disciplinar, com a concomitante apresentação da competente queixa-crime contra o autor;
T) O autor foi pessoalmente à sede da ré, dirigindo-se ao departamento de recursos humanos, onde assinou a declaração referida em F).
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b) Factos Não Provados
Com interesse para a decisão a proferir, resultaram não provados os seguintes factos:
1) Que tenha sido no dia 13 de Maio de 2013 que o Sr. E… tenha dito ao autor que ou assinava a denúncia do seu contrato de trabalho ou seria instaurado um processo disciplinar, com a concomitante apresentação da competente queixa-crime contra o autor;
2) Que o autor tenha perguntado o porquê da acusação de roubo, pois que nos mais de 14 anos de serviço prestado para a ré jamais havia roubado o que quer que fosse;
3) Que o Sr. E… tenha retorquido, afirmando que não adiantava ao autor negar as acusações, pois tinha “provas” contra ele;
4) Que o autor tenha questionado o Sr. E… sobre que provas poderia este ter, uma vez que nada havia feito, tendo o Sr. E… referido que “não tinha que dar” ao autor “mais informações”;
5) Que nesse mesmo instante o autor tenha associado toda aquela conversa a um pedido que lhe havia sido feito pelo Sr. F…, funcionário e primo do Sr. E…;
6) Que o Sr. F… tivesse pedido ao autor para que este enviasse algum material que constava em armazém, ao Cliente G…, material esse que não constaria na nota de encomenda;
7) Que nesse seguimento, o autor tenha questionado o Sr. E… se se trataria dessa situação, ao que o mesmo retorquiu “está a ver como você sabe o que fez”;
8) Que o autor tenha afirmado que não sabia de absolutamente nada relativamente à origem ou porquê do pedido feito pelo Sr. F…, sendo que a única coisa que efetivamente fez foi enviar o material adicional que o primo do Sr. E… solicitou;
9) Que o Sr. E…, confrontado com a menção ao seu familiar, tenha afirmado que não acreditava que o seu próprio primo estivesse envolvido com o autor;
10) Que o autor, perfeitamente consternado com a referência a um possível conluio entre si e o Sr. F…, tenha dito ao Sr. E… que não existia qualquer envolvimento ilícito entre ambos, mas antes que apenas fizera um favor a um colega de trabalho, desconhecendo quais os motivos do pedido;
11) Que aquando da substituição de impressoras avariadas, o Sr. F… entregasse a impressora avariada vazia ao fornecedor e retirasse da impressora nova todos os acessórios e consumíveis, os quais guardava para si, alegando não pertencerem à ré, não constituindo por isso stock, acrescentando que a H… lhe dava os mesmos, por se tratar de consumíveis de baixa capacidade;
12) Que, explicando o autor ao Sr. E… o procedimento descrito, o mesmo tenha referido não acreditar em nada do que o autor dizia;
13) Que o autor tenha perguntado ao Sr. F… se saberia o que se estava a passar e que lhe tenha dito que teria de contar toda a verdade ao primo, porquanto o seu emprego estava em risco por um mero favor que lhe fizera;
14) Que o Sr. F… tenha dito ao autor para este “não se preocupar que iria falar com o primo e, que toda a situação se resolveria.”, até porque não percebia o porquê do seu primo tomar esta decisão, atento que o material que pedira ao autor para enviar não se tratava de stock da ré;
15) Que no final desse mesmo dia 13 de Maio de 2013, o Sr. F… tenha contactado o autor, informando-o que não haveria hipótese de alterar a decisão do primo e que caso o autor não comunicasse à ré a denúncia do seu contrato de trabalho, seria apresentada queixa-crime na polícia;
16) Que o autor tenha contactado telefonicamente o Sr. E…, implorando a este que ouvisse o primo e que inclusivamente os colocasse frente-a-frente no sentido se explicar o que realmente acontecera, o que aquele prontamente negou;
17) Que o Sr. E… tenha afirmado que iria proibir que o primo voltasse a falar com o autor;
18) Que quando o autor retorquiu que iria defender os seus direitos, o Sr. F… tenha dito que, caso assim fosse, lhe desfaria a vida, deixando-o inteiramente sozinho e por conta;
19) Que o autor apenas tenha contactado um Advogado após ter assinado a declaração de denúncia;
20) Que o autor tenha tirado férias entre os dias 13 e 24 de Maio de 2013”.

O tribunal recorrido consignou a seguinte motivação para a sua decisão de facto:

“Na resposta proferida o tribunal teve apenas em consideração aquela parte dos articulados na qual se alegavam factos e não as considerações de direito ou meramente conclusivas ou impugnatórias do alegado pela outra parte.
Como se discriminou no elenco de factos provados, as partes estavam de acordo quanto à existência do contrato de trabalho, categoria profissional e retribuição do autor, bem como quanto à troca de correspondência junta aos autos e ao teor dos documentos juntos, cuja autoria reciprocamente se imputam e que não foi colocada em causa.
No que diz respeito aos factos em discussão e que ainda estavam controvertidos, a prova resumiu-se essencialmente ao depoimento e declarações das únicas pessoas diretamente envolvidas (a testemunha E… e o autor), bem como ao depoimento da esposa do autor (D…), que apesar de não ter conhecimento direto das conversas entre o autor e o Sr. E…, relatou aspetos circunstanciais, decorrentes do contacto direto que teve com o autor nesses dias. Quanto às duas primeiras testemunhas apresentadas pelo autor (J… e K…, colegas de trabalho na ré), nada sabiam sobre a matéria em apreço, tendo apenas dito que deixaram de ver o autor na empresa. No que toca às testemunhas L… (assistente administrativa da ré há 14 anos) e M… (assistente administrativa na ré desde Junho de 1995), também apenas depuseram de modo circunstancial sobre o que puderam observar quando encontraram o autor na data da assinatura da declaração de denúncia.
Da análise dos depoimentos primeiramente referidos, ficou claro para o tribunal que efetivamente na data de 13 de Maio de 2013 E… confrontou o autor com factos que teriam sido observados no sistema de videovigilância e que consubstanciariam a prática de atos de desvio de material por parte do autor, tendo nessa data aquele exigido a entrega das chaves das instalações e da carrinha e dito ao autor para ir para casa “pensar no que tinha feito” (e não para tirar férias, ao contrário do que alega a ré). Nesse ponto o depoimento e as declarações foram no essencial coincidentes. Quanto ao mais, porém – nomeadamente quanto à exata sucessão de acontecimentos no tempo que decorreu entre esse dia e o da assinatura da denúncia – da análise desse depoimento e declarações não pôde o tribunal extrair com razoável grau de certeza a prova total do que era alegado pelo autor. Apesar de o autor e a sua esposa se referirem de modo genérico e conclusivo a “ameaças” que teriam sido proferidas por E…, não conseguiram concretizar que ameaças teriam sido essas, para além de ter dito que caso o autor não denunciasse o contrato de trabalho iria ser instaurado um processo disciplinar e apresentada uma queixa-crime, única parte que E… confirmou no seu depoimento (e que, atenta essa coincidência de versões, o tribunal considerou como provada). Ficou o tribunal convencido, pela forma como o autor expôs a sua versão dos acontecimentos (conjugado com o que a esse propósito a sua mulher também narrou), que efetivamente o autor terá contactado o primo de E… a explicar o sucedido. Contudo, não ficou o tribunal convencido do alegado pelo autor quanto a ter negado a prática dos atos que lhe eram imputados ou a não ter até inicialmente percebido a que se estaria E… a referir, pois nesse ponto as versões do autor e da testemunha em causa foram diametralmente opostas, não tendo o tribunal encontrado motivos que o levassem a atribuir maior ou menor crédito a qualquer delas. O depoimento da mulher do autor, valorado com a particularidade de se ter mostrado bastante emotivo, o que prejudicou a sua isenção, foi no essencial coincidente com a versão do autor, mas sem conhecimento direto das conversas entre este e E…, nas quais não teve qualquer intervenção. Da conjugação deste depoimento e das declarações do autor ficou ainda claro que o autor contactou uma Advogada ainda antes de assinar a declaração de denúncia, o que também levou o tribunal a não atribuir crédito à versão segundo a qual o autor estaria totalmente desprotegido perante eventuais ameaças que lhe estariam a ser dirigidas por E…”.

Apreciando:
Perscrutadas as conclusões da alegação de recurso, apesar de muito deficientemente, ainda se consegue nelas ler a discordância do recorrente relativamente à apreciação de depoimentos testemunhais que o tribunal recorrido fez – ou seja, a manifestação da vontade de impugnar a decisão de facto – bem como os pontos pretendidos alterar, de não provados para provados e ainda a motivação dessa pretensão de alteração (depoimentos testemunhais em sentido contrário ao decidido) – conclusões 51ª parte final e 52ª a 55ª. Entendemos assim que se mostram minimamente cumpridos os ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto a que se refere o artigo 640º do CPC.

O recorrente pretende – e aqui vamos socorrer-nos do corpo alegatório (artigos 12º e seguintes) – que se dê como provado que:
12.º No dia 13/05/2013, quando o Recorrente regressava ao trabalho após um período de férias, o Sr. E…superior hierárquico do Recorrente barrou-o à entrada das instalações da Recorrida e, tendo ambos iniciado uma conversa o Senhor E… acusou o Recorrente da prática do crime de roubo, afirmando que o Recorrente só teria duas hipóteses, ou se despedia assinando a própria denúncia e toda a história seria abafada ou, seria-lhe instaurado um processo disciplinar com a concomitante apresentação de queixa-crime.
13.º Acusação essa que o Recorrente negou prontamente, referindo que desconhecia a que é que o Senhor E… se estaria a referir; contudo, o Senhor E… afirmou ter provas contra o Recorrente;
14.º Provas essas que se negou a apresentar ao Recorrente.
15.º Num verdadeiro momento de epifania o Recorrente começou então a associar toda aquela conversa a um pedido que o Senhor F…, também ele trabalhador da Recorrida e, primo do Senhor E…, lhe havia solicitado e que passava pelo envio de material que se encontrava no armazém da Recorrente, para o Cliente G…, material esse que não constava de nota de encomenda.
16.º O Senhor E…, ao ouvir tal, retorquiu imediatamente que o Recorrente sabia o que estava a fazer; ao que o Recorrente afirmou que apenas fez o que o Senhor F… lhe solicitou e, que passou pelo envio adicional de material. Nada mais.
17.º Consternado o Senhor E… negou existir qualquer envolvimento do seu primo no roubo.
18.º Acrescidamente, Senhor E…, depois de proferir a referida acusação ordenou ao Recorrente que regressasse a casa e que pensasse no assunto, proibindo-o de voltar às instalações da Recorrida, e ainda que entregasse as chaves da empresa e do veículo cedido ao Recorrente para uso profissional e pessoal.
19.º O Recorrente procurou junto do Senhor F… que este contasse quer ao Senhor E…, superior hierárquico de ambos, a verdade dos factos, ou seja, que o Recorrente nada havia feito de ilícito, sugerindo, inclusivamente que o Senhor F… escrevesse uma carta contando a verdade. Todavia, em momento algum logrou conseguir a colaboração daquele.
20.º Pois que, embora o Senhor F…, num primeiro momento tenha assumido que tudo se resolveria e, que o Recorrente não se tinha que preocupar com nada, ulteriormente assumiu uma postura diferente, dizendo que não conseguiria alterar a decisão do primo, Senhor E….
21.º Destarte, nunca chegou a remeter à Recorrida a carta que inicialmente aceitará redigir atestando que o Recorrente não tinha praticado qualquer irregularidade.
22.º O Senhor E… tendo tido conhecimento dos contactos efectuados entre o Recorrente e o Senhor F… contactou o Recorrente questionando-o sobre o pedido de uma carta a redigir pelo primo e, proibiu o Recorrente de contactar com o Senhor F…;
23.º Reiterando ainda todas as pressões de apresentação de queixas e instauração de procedimentos disciplinares, para que o Recorrente, atentos no sucedido denunciasse o seu contrato de trabalho.
24.º Com justo receio do que pudessem inventar contra si e, por ausência de provas, bem como de testemunhas quanto à sua inocência, intimidado com todas as acusações, bem como com toda a coacção sofrida, o Recorrente, acabou por denunciar o seu contrato de trabalho.

Servem os sublinhados supra, da nossa autoria, para dizer que a decisão de facto do tribunal recorrido já deu como provado factos que o recorrente diz não terem ficado provados. E portanto, o que sobra, aquilo que efectivamente não ficou provado, é saber se a acusação é de furto ou de roubo, se a colocação das duas hipóteses, de auto-denúncia ou de procedimento disciplinar e criminal, foi feita em 13 de Maio, e o que consta de 13 a 17, 19 parte final, 20 e 21 – ou seja, o teor mais concreto da conversa entre o Recorrente e E… e entre o Recorrente e F….
Depois, 23 e 24 não contêm factos mas simples conclusões, pelo que a sua reapreciação, ex-vi do artigo 607º do CPC, é impossível.
Vejamos então se a colocação das duas hipóteses foi logo feita em 13 de Maio e se conseguimos dar como provados os termos mencionados nos artigos indicados.

Este tribunal ouviu os depoimentos prestados em audiência, na sua totalidade, confirmando que, tal como consta da motivação do tribunal recorrido, as duas primeiras testemunhas nada de relevante para a decisão destes factos disseram, L… prestou um depoimento sem qualquer interesse – até porque o Autor, nas declarações que prestou, a desmentiu – e M…, prestando depoimento circunstancial, é certo, conseguiu confirmar a estranheza da situação do Autor, com vários anos de casa, apresentar a demissão sem mais, designadamente quando depôs no sentido de que o Autor manifestou tristeza e injustiça pela situação de denúncia do contrato que fazia. Presencialmente, é certo, a esposa do Autor não tem conhecimento directo do teor de nenhuma conversa entre o Recorrente e E…, porque mesmo no dia em que se encontraram, o marido foi para o carro de E… conversar. A esposa do Recorrente teve conhecimento directo das conversas com F…, mas no essencial elas resumem-se a um asseguramento de que nada de mal aconteceria ao marido, porque F… falaria com o primo E…, até que F…, também metido no assunto e já sem acesso à empresa, teria dito ir pensar na proposta da esposa do Autor sobre escrever uma carta, e afinal nenhuma carta escreveu e deixou de receber telefonemas do Recorrente, sumindo-se de cena. Tanto desapareceu que de facto nem sequer compareceu em juízo, faltando por duas vezes ao seu dever de testemunhar. De F…, ainda, sabemos que terá estado envolvido nas acções de que o Recorrente foi acusado, e que mereceu o maior repúdio por E… (isto resulta das declarações de E… e do Autor). Finalmente, temos estas declarações, E… muito mais vivaz e arguto, apresentando defesa antecipada, muito mais voluntarioso (a coincidir com a afirmação do Autor de que E… leva a sua vontade até ao fim). O Autor manifestamente mais abalado, ao que não será alheio a existência de processo-crime, aliás coincidindo os julgamentos, intentado após a interposição desta acção e imediatamente após a frustração da audiência de partes (disse o Autor). Cremos que o tribunal recorrido, sob a atenta e pertinente do Mmº Juiz a quo, apreciou bem as provas produzidas, dando como provado o essencial em que houve coincidência destes depoimentos principais, reconstituindo para a matéria provada o essencial dos alinhamentos em que o Autor fez assentar a sua pretensão: - foi acusado de roubo e posto perante a hipótese de assinar a sua demissão ou ter um processo disciplinar e crime, aceitando a primeira porque F…, o verdadeiro culpado, frustrou a amizade, não escrevendo a carta que ilibaria o Autor, ou seja, viu-se o Autor sem maneira de provar a sua inocência.
Como ninguém falou em furto, ou acusação de furto, e tanto E… como o Autor se referiram a roubo, apesar de eventual imprecisão técnico-jurídica, entendemos alterar o facto da alínea M) “Iniciada a conversa, o Sr. E… acusou o autor de prática do crime de furto” para “Iniciada a conversa, o Sr. E… acusou o autor de prática do crime de roubo”.
Quanto à data em que foi colocada a alternativa demissão/procedimento ficamos com muitas dúvidas, pois nos pareceu tanto do depoimento de E… como do Autor que E…, depois de ter confrontado o Autor na primeira conversa, foi averiguar mais, ou seja, no desconhecimento dos exactos contornos da situação, teria ido averiguar mais (e de 3 situações de desvio de material haveria de passar-se a 25), ou fosse ainda esta averiguação sobre os exactos termos da participação do primo. Entendemos assim, como o tribunal recorrido, que não está provado que a alternativa colocada o tenha sido logo na primeira conversa.
Quanto aos factos sob 13 a 17, 19 última parte e 20 e 21, eles reportam-se a duas situações: a primeira é o teor da primeira conversa mantida entre E… e o Autor, e a segunda é, essencialmente, que F…, ao contrário do asseguramento que fez ao Autor e da aceitação de escrever uma carta a relatar os factos, não a fez.
Quanto à primeira situação estamos com o tribunal recorrido. Os termos dos depoimentos do Autor e de E… são opostos, sabemos que se sucederam vários contactos e conversas a partir da primeira, entre ambos, e não ficaram claros – mais claros do que os factos já provados o documentam – os contornos da primeira conversa.
Quanto à segunda situação não vemos porque não acreditar no depoimento da esposa do Autor, que mencionou que F… apareceu muito na sua lavandaria nos dias seguintes e que ela própria sugeriu que ele fizesse a carta (tanto de E… como do Autor resulta que F… também já não teria acesso à empresa, tanto que ele próprio acabou por remeter uma carta de demissão também) e que tal carta não foi feita (tanto o Autor relata que F… deixou de estar contactável, quanto E… afirma o seu repúdio pelo primo, ambos não terão mais comparecido na empresa, os contactos entre ambos foram por via telefónica e depois presencial, e sendo que está provado que E… telefonou ao Autor a perguntar sobre a carta do primo, ou seja, houve efectivamente a ideia, pelo menos, de F… fazer essa carta, mas a carta não foi feita – F… “desapareceu”, como dissemos, até do próprio tribunal e o Autor, declaração sua, é aconselhado por uma primeira advogada, por falta de provas, a assinar a demissão mas com uma assinatura falsa).
Assim, aditamos à matéria de facto provada que “O Senhor F… assumiu, num primeiro momento, que tudo se resolveria e assumiu ulteriormente uma postura diferente, nunca chegando a remeter à Ré a carta que inicialmente aceitara redigir, atestando que o Autor não tinha praticado qualquer irregularidade”.

Reapreciada a matéria de facto, há razões para alterar a decisão de direito proferida pelo Mmº Juiz a quo?
A reapreciação não adianta mais à matéria de facto decidida, em boa verdade, que demonstrar que a única pessoa que podia livrar o Recorrente de culpa – na perspectiva do Recorrente – nada fez para isso, e este nada fazer foi evidente para o Recorrente ainda antes de assinar a carta de denúncia do seu contrato de trabalho. De resto, a materialidade “acusação de roubo” e colocação perante a alternativa de se demitir ou de enfrentar um processo disciplinar e uma queixa-crime já estavam apuradas, e o máximo que temos agora que esta “ameaça” era entendida pelo Autor como séria, na medida em que não teria hipóteses, pensava, de se defender.
Ora bem, o Recorrente não apresenta verdadeiramente nenhuma razão de discordância com a decisão jurídica do tribunal recorrido, limita-se a repetir a sua noção sobre o preenchimento da coacção moral, não afrontando pois o problema de que esta exige que o mal de que se é ameaçado seja ilícito. Ter medo, enquanto requisito de coacção, ter muito medo, não dispensa, juridicamente, que esse medo seja de sofrer um mal ilícito.
O tribunal recorrido fundamentou a sua decisão do seguinte modo:
“Atenta a forma como a ação está estruturada pelo autor, a questão essencial em apreço nesta sentença reside em saber se a declaração de denúncia por si assinada e entregue à ré está afetada de algum vício que leve à sua anulação e, nessa medida, se o contrato cessou por via de algum despedimento promovido pela ré.
Os arts. 400.º e ss. do Código do Trabalho prevêem a possibilidade de denúncia do contrato de trabalho por parte do trabalhador, com ou sem antecedência, sendo que neste último caso poderá o trabalhador ser responsável perante o empregador pelo valor da retribuição correspondente ao período em falta, caso o empregador assim o exija. Trata-se de uma forma de cessação do contrato que se consubstancia numa declaração de vontade emitida pelo trabalhador e que não depende do acordo do empregador, tornando-se eficaz no momento em que este a receba – a declaração de denúncia é, pois, uma declaração unilateral recetícia.
Aplicando o que acaba de dizer-se ao caso aqui em apreço, verifica-se que a declaração assinada pelo autor e junta a fls. 18 é inequivocamente uma declaração de denúncia do contrato de trabalho: nela o autor declara à ré que pretende deixar de prestar o seu trabalho no dia 27/05/2013. Tendo-se provado (o que as partes não colocavam em causa) que tal declaração foi assinada pelo autor e entregue à ré, ela tornou-se eficaz no momento da sua receção.
Alega o autor que apenas assinou a declaração em causa porque a ré o perturbou e hostilizou, levando-o “a temer pela manutenção do seu posto de trabalho, porquanto encontrava-se sozinho a defender a verdade”, tendo-o ameaçado “com a apresentação de queixa-crime e instauração de procedimento disciplinar, meios que a Ré sabia muito bem que mais não seriam do que meras intimidações e ameaças”, o que em seu entender configura uma situação de coação moral (arts. 48.º a 54.º da petição inicial).
A coação moral é um dos vícios da vontade elencados no Código Civil, que a define no art.º 255.º como a situação em que a declaração negocial é “determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração”. Concretiza o n.º 2 da mesma norma que “a ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro”, mas segundo o n.º 3, “não constitui coação a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial”. As situações de coação moral levam à anulabilidade da declaração – art.º 256.º do Código Civil.
Nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil, ao autor cabia a alegação e prova dos factos nos quais estribava o seu pedido, nomeadamente a ameaça com um mal ilícito que lhe teria sido dirigida pela ré e que o teria levado a emitir a declaração de denúncia.
Ora, provou-se apenas que o autor foi confrontado por um seu superior na ré com acusações de que teria sido autor de furtos de material da ré e que este o terá mandado para casa pensar, tendo mais tarde dito que ou assinava a declaração de denúncia do contrato, ou lhe seria instaurado um procedimento disciplinar e apresentada uma queixa-crime. Estes factos por si só não podem de modo algum ser considerados coação moral, nos termos da norma vinda de citar. Por um lado, o “mal” com que o autor terá sido “ameaçado” não é ilícito – a instauração de processo disciplinar ou a apresentação de queixas-crime não constituem atos ilícitos e em qualquer desses processos poderia o autor, com plena liberdade e total autonomia, exercer o contraditório quanto às acusações que lhe estavam a ser feitas.
Por outro lado, tal atuação por parte da ré, ainda que se verificasse, constituiria apenas o exercício de direitos que lhe assistem – enquanto entidade empregadora, tem o direito de mover procedimentos disciplinares aos seus trabalhadores para apurar situações que indiciem a existência de eventual responsabilidade disciplinar; enquanto proprietária, é livre de apresentar as queixas-crime que entenda para desencadear investigações quanto a factos ilícitos que tenham afetado o seu património.
Não resultam dos factos provados elementos que permitam concluir pela existência de uma situação em que o autor não tenha tido outra alternativa senão assinar a declaração de denúncia, por temer as consequências que pudessem advir de uma sua recusa. Assim, não se pode considerar que a declaração tenha sido emitida sob coação moral, ao contrário do sustentado pelo autor.
(…)”

Concordamos com a fundamentação adoptada pelo tribunal recorrido. Evidentemente, pode dizer-se que o trabalhador que não é licenciado em Direito não tem de saber que o ónus de prova no procedimento disciplinar por justa causa de despedimento pertence ao empregador, ou que alguém a quem é movido um processo-crime não tem de provar a sua inocência, cabendo antes à acusação provar a sua culpa. Mas, apesar disso, e já que ouvimos o julgamento, a noção de que há justiça não é estranha ao cidadão não licenciado em Direito, tal como a esposa do recorrente o referiu e por isso o aconselhou, e bem, a não assinar a denúncia, conselho aliás que foi em contrário do da primeira advogada contactada. Em todo o caso, a coacção moral, tal como prevista no Código Civil, apresenta o legislador a colocar sobre o coagido o ónus de esclarecimento da ameaça que lhe é feita, ou seja, o legislador estabeleceu um limite objectivo: o medo, por maior que seja, por mais subjectivamente que seja graduado, tem como limiar mínimo que a ameaça de mal que o causa se reporte a um mal ilícito: não se assegurando o coagido desta ilicitude, não é autorizado, digamos, a determinar-se pelo medo. Ao poder disciplinar, enquanto direito do empregador, não pode ser apontado, por mais falta de fundamento que tenha no concreto um procedimento disciplinar, nenhuma ilicitude, e o mesmo sucede à dedução de queixa-crime. Perante um mal lícito, o ameaçado tem de se reportar às vias igualmente lícitas de combate a esse mal – em concreto, à actividade jurisdicional.

Em conclusão, improcede o recurso.
Tendo decaído no recurso é o Recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.

Porto, 15.06.2015
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
Fernanda Soares
__________
Sumário a que se refere o artigo 663º, nº 7 do CPC:
Não constitui coacção moral a colocação de um trabalhador perante a alternativa de procedimento disciplinar e denúncia crime por furto ou a assinatura de denúncia do seu contrato de trabalho, na medida em que tanto o procedimento disciplinar como a denúncia crime não constituem a ameaça de um mal ilícito.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).