Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1781/20.0T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: VENDA EM EXECUÇÃO
ENTREGA DE BENS ADQUIRIDOS
Nº do Documento: RP202101251781/20.0T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 01/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 828.º do CPCivil (antigo 901.º) permite ao adquirente de bens em execução, com base no título de transmissão referido no artigo 827.º, requerer o prosseguimento dessa execução, formulando pedido de entrega contra o detentor, nos termos prescritos no artigo 861º, sem que isso implique a instauração de uma nova execução para entrega de coisa certa.
II - Todavia, a referida entrega dos bens pode ser pedida em execução autónoma para entrega de coisa certa, servindo de título executivo o título de transmissão emitido nos termos do artigo 827.º utilizando o modelo de requerimento disponibilizado electronicamente, conforme a Portaria nº 282/2013, de 29/08.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1781/20.0T8PRT-B.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo de Execução do Porto-J6
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
B…, CRL, com sede no …, nº., Póvoa de Varzim Póvoa de Varzim, instaurou a acção executiva para entrega de coisa certa contra C…, residente na Rua …, nº …, …, Póvoa do Varzim.
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Citada a executada veio deduzir oposição à execução alegando a falta de título executivo.
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Conclusos os autos foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a invocada inexistência de título executivo.
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Não se conformando com o assim decidido veio a executada interpor recurso rematando com as seguintes conclusões:
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram dispensados os vistos.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apena uma a questão que importa apreciar:
a)- saber se a exequente dispõe, ou não, de título executivo.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A dinâmica factual e processual a ter em conta para apreciação do presente recurso é a que resulta do relatório supra e que aqui se dá integralmente por reproduzida e ainda a seguinte:
1º) A exequente, B…, CRL, apresentou como título executivo um documento denominado “Termo de adjudicação de imóveis” emitido pela Sr.ª Agente de Execução D… em 18 de Maio de 2009 no âmbito do Processo Executivo nº 2458/04.0TBVCD do então 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila do Conde, do qual consta que foi adjudicado à exequente, pelo preço de € 320.500,00 (trezentos e vinte mil e quinhentos euros), o seguinte imóvel, que era propriedade dos aqui executados: - prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua …, nº…, da freguesia …, concelho de Vila do Conde, inscrito na matriz urbana sob o art.731º da Junqueira e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº419 da referida freguesia;
2º)- Com o requerimento executivo juntou também certidão predial comprovativa do registo de aquisição do referido imóvel, a seu favor.
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III- O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão que importa apreciar:
a)- saber se a exequente dispõe, ou não, de título executivo.
Como emerge da decisão recorrida aí se propendeu para o entendimento de que a exequente dispunha de título executivo invocando para o efeito as disposições conjugadas dos artigos 46.º, nº 1 al. d) e 901.º do Código de Processo Civil aprovado pelo DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (na redacção do DL n.º 226/2008, de 20/11) e dos artigos 703.º, nº 1, d) e 828.º do actual CPCivil.
É contra este entendimento que se insurge a embargante/executada para quem o título de adjudicação de um imóvel, lavrado num processo executivo, na sequência de uma venda judicial desse bem aí penhorado, não é passível de constituir título executivo para a instauração de uma execução autónoma daquela onde o mesmo foi emitido, já que a inserção sistemática e a específica teleologia da norma, quer do artigo 901.º do CPCivil anterior, quer do actual artigo 828.º do CPCivil não permitem uma interpretação extensiva que permita atribuir a um título de adjudicação de imóvel emitido após uma venda judicial a natureza geral de título executivo, conferindo-lhe idêntica força executiva que o artigo 703.º, nº 1 do CPCivil atribui aos títulos que servem de base à instauração ex novo de uma execução.
Quid iuris?
Dispõe o artigo o artigo 827.º, n.º 1, do CPCivil[1] sob a epígrafe “Adjudicação e registo” que:
Mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço ou a dispensa do depósito do mesmo e se declara o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adjudicados”.
Resulta desta disposição legal que é o título de transmissão emitido pelo agente de execução que vale como título de aquisição, sendo através dele que o adquirente fica investido na propriedade do bem ou na titularidade do direito. É com base nesse título que se efectua o registo da aquisição a favor do adquirente e se procede oficiosamente ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado, nos termos do nº 2 do artigo 824.º do Código Civil (cfr. n.º 2 do citado artigo 827.º do CPC).
Ora, munido desse título de transmissão, o adquirente pode requerer contra o detentor, na própria execução, a entrega dos bens, nos termos prescritos no artigo 861.º, devidamente adaptados (cfr. artigo 828.º do mesmo diploma legal).[2]/[3]
A questão que agora se coloca é se, fora do âmbito da execução em que a adjudicação teve lugar, o adquirente do bem pode instaurar execução autónoma para entrega de coisa certa, servindo de título executivo o referido título de transmissão.
E a resposta, respeitando-se entendimento divergente, é positiva.
Dúvidas não existem de que a exequente/adquirente, podia ter requerido e obtido a entrega do imóvel em questão no âmbito da execução em que o mesmo lhe foi adjudicado nos termos estatuídos no artigo 901.º do CPCivil[4] (actual artigo 828.º), ou seja, sem que tivesse necessidade de instaurar uma nova execução para entrega de coisa certa.[5]
Mas não o tendo feito não está impedida de lançar mão, como o fez, de uma nova acção executiva autónoma para entrega de coisa certa, servindo de título executivo o título de transmissão do bem emitido pele AE.
É que, tal como dispunha o artigo 46.º, nº 1 al. d) do CPCivil anterior, na redacção dada pelo D. Lei 226/2008 de 20/11, também hoje o artigo 703.º, nº 1, d) do CPCivil continua a prever, nos mesmos termos, como títulos exequíveis “Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”.
Ora, quer o artigo 901.º do anterior CPCivil quer o actual artigo 828.º ao estatuírem que na venda em execução o adquirente pode, com base no título de transmissão requerer contra o detentor, na própria execução, a entrega dos bens, dúvidas não podem existir de que, ao referido título de transmissão lhe foi atribuída força executiva.
E tal força executiva não a perde pelo simples facto de o adquirente do bem, dentro da liberdade de que goza, não pedir logo na própria execução onde ocorreu a adjudicação, a entrega do bem e só, portanto, vir a fazê-lo mais tarde, mesmo quando aquela instância executiva já se encontre extinta.
Aliás, nem outra interpretação do artigo 828.º do CPCivil (anterior 901.º) seria conforme à ratio legis que está subjacente ao preceito.
É que importa, desde logo, enfatizar que estamos perante uma venda feita em processo executivo e, portanto, o legislador quis de certa forma proteger o adquirente no que à entrega do bem diz respeito.
Na verdade, não faria qualquer sentido obrigar o adquirente a munir-se de um novo título executivo (quando opte por não pedir a entrega do bem no âmbito da própria execução), que só o poderia conseguir pela instauração de acção de revindicação, quando o detentor do bem se recusa-se a entregá-lo.
Daqui resulta, que o título de transmissão tem força executiva quer no âmbito da própria execução em que o bem foi adjudicado, quer fora dela, ou seja, nos casos em que o adquirente do bem instaura execução autónoma para pedir a sua entrega, nas situações em que o seu detentor o não faça de forma voluntária.
Interpretação, que em nossa opinião, tem apoio na própria letra da lei.
Com efeito, se aí se se refere que o adquirente pode pedir a entregado dos bens na própria execução, tal não é excludente de que não o possa fazer fora dessa execução, ou seja, em execução autónoma servindo de título executivo o título de transmissão.
Esta norma apenas prevê uma forma mais expedita de o adquirente obter a entrega dos bens, onde são supridas as fases processuais da citação e eventual oposição do executado previstas na execução para a entrega de coisa certa (cfr. artigos 859.º e 860.º do CPCivil) procedendo-se logo as diligências para a efectiva entrega dos bens (cfr. artigo 861.º do mesmo diploma).
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Improcedem, desta forma, forma todas as conclusões formuladas pela recorrente e, com elas, em parte, o respectivo recurso.
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V- DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela apelante sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido (cfr. artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).
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Porto, 25 de Janeiro de 2021.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais (dispensei o visto)
Jorge Seabra (dispensei o visto)
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[1] Cuja redacção é idêntica ao artigo 900.º, nº 1 do anterior CPCivil na redacção do D. Lei nº 116/2008 de 04/07.
[2] Que reproduz o anterior 901.º, apenas com a alteração da remissão que é feita na sua parte final.
[3] Como se sabe não é pacifico na doutrina o entendimento sobre qual o procedimento a adoptar nestas situações.
Assim, Lebre de Freitas, in A Acção Executiva Depois Da Reforma, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2004, a pág. 365 defende que “O art. 901 concede ao adquirente dos bens penhorados o direito de requerer o prosseguimento da execução contra quem os detenha, enxertando assim na acção executiva para pagamento de quantia certa um pedido de execução para entrega de coisa certa. Não se trata de uma acção executiva para entrega de coisa certa nem da conversão duma execução para pagamento de quantia certa para entrega de coisa certa.”.
Dando conta (nota 22) da referida pág., do diferente entendimento manifestado por Rui Pinto e Remédio Marques, que defendem que o adquirente tem de recorrer a nova acção executiva para entrega de coisa certa e Teixeira de Sousa, que manifesta a opinião de que a execução se “transforma” numa execução para entrega de coisa certa, o que acolhe desde que se tal “não significar uma verdadeira conversão (como as dos arts 931 e 934), mas apenas a utilização, não exclusiva, da instância (pendente ou extinta) para essa finalidade”.
Também Lopes do Rego, in Comentários …, Vol. II, 2.ª edição, Almedina, 2004, a pág. 141, opina que “ao procedimento aqui previsto é, de imediato, aplicável o preceituado no artigo 930.º (sem que, como é óbvio) tivessem lugar os actos previstos nos artigos 928.º e 929.º)”.
Como já supra se referiu, Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, Lex, 1998, a pág. 418, defendia, na vigência do anterior CPC (artigo 901.º) que “O adquirente dos bens através da venda executiva pode requerer, utilizando como título executivo o despacho que lhe adjudicou os bens (…), o prosseguimento da execução contra o seu detentor (art.º 901.º). Como o artigo 901.º se refere ao prosseguimento da execução, o requerimento deve ser apresentado ainda na pendência desta. A execução continua, mas não como execução para pagamento; atendendo ao seu objecto, ela transforma-se numa execução para entrega de coisa certa (art.º 901.º in fine)”.
Por seu turno, Rui Pinto, in Manual da execução e Despejo, Coimbra Editora, 1.ª Edição, Agosto de 2013, a pág.s 930 e 931, defende que “se o detentor dos bens não os entregar ao adquirente, pode este instaurar uma execução para entrega de coisa certa, nos termos prescritos no artigo 930.º = art. 861.º NCPC, devidamente adaptados
[4] Na redacção do D. Lei nº 38/2003 de 08/03.
[5] Cfr. neste sentido, entre outros, o Ac. desta Relação de 05/1272016 in www, dgsi.pt.