Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
337/03.7PAVCD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VÍTOR MORGADO
Descritores: PRESCRIÇÃO DA PENA
PRISÃO
SUSPENSÃO
CASOS RESTANTES
CAUSAS DE SUSPENSÃO E/OU INTERRUPÇÃO
Nº do Documento: RP20171108337/03.7PAVCD-A.P1
Data do Acordão: 11/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTO, N.º 54/2017, FLS.137-140)
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo de prescrição da prisão suspensa conta-se da data do trânsito em Julgado da sentença condenatória.
II - Sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção estabelecidas nos artigos 125.º e 126.º C Penal.
III - Nomeadamente com a sua execução que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão.
IV - A pena suspensa apenas prescreve se o processo estiver pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo seja prorrogado e sem que a suspensão tenha sido revogada ou extinta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso nº 337/03.7PAVCD-A.P1
Origem: Comarca do Porto, Vila do Conde- Juízo Central Criminal- Juiz 2

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto:
I- RELATÓRIO
O arguido B… foi condenado, por acórdão proferido no dia 13 de janeiro de 2010, que transitou em julgado em 12 de fevereiro de 2010, na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante a condição de pagar ao ofendido, no prazo da suspensão, a quantia de €7.500,00.
Com fundamento em o arguido ter, entretanto, sido condenado em dois outros processos, por crimes (de roubo e de violação de proibições) cometidos no prazo da suspensão, foi proferida, em 07/07/2015, decisão de revogação da suspensão de execução da pena única aplicada neste processo. Posteriormente, por decisão desta Relação, foi anulada a referida decisão revogatória.
O arguido veio a satisfazer a aludida condição de suspensão fora do prazo que lhe foi concedido, na sequência do determinado pelo mencionado acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
Com os fundamentos constantes de folha 1024, o Ministério Público promoveu, de novo, a revogação da suspensão de execução da pena.
Porém, na sequência desta promoção, o arguido veio requerer, a folha 1027, que fosse declarada a prescrição da pena suspensa, já que a mesma se encontraria prescrita desde 12/2/2016.
A Ex.ma Juiz indeferiu a aludida pretensão através do seguinte despacho:
«Por decisão transitada em julgado em 12.2.2010, foi o arguido B… condenado na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo, mediante a condição de pagar ao ofendido, no prazo da suspensão, a quantia de 7.500,00€ (cfr. fls. 599 a 625 e 660). Foi revogada a suspensão da execução e por decisão proferida por Tribunal Superior foi revogada a decisão proferida em 07.07.2015. O arguido satisfez a aludida condição, já fora do aludido prazo, na sequência do determinado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - cfr. fls. 959 e ss.
Com os fundamentos constantes a fls. 1024, o M°P° veio promover mais uma vez a revogação da suspensão da execução daquela pena.
No entanto, o arguido, na sequência daquela promoção, veio requerer a fls. 1027 seja declarada a prescrição da pena suspensa, já que em seu entender a mesma se encontra prescrita desde 12.02.2016.
Todavia, à semelhança da posição expressa pelo M°P° na antecedente promoção, entendemos que não assiste razão ao requerente.
Na verdade, a suspensão da execução da pena de prisão (pena de substituição), como pena autónoma que é, está sujeita ao prazo da prescrição previsto no art. 122°, n° 1, al. d), do Código Penal.
Em conformidade, a pena aplicada ao arguido prescreve no prazo de 4 anos. De harmonia com o disposto no n° 2 do citado art. 122°, esse prazo de 4 anos tem o seu início com o trânsito em julgado da decisão condenatória que a impôs, aplicando-se-lhe o regime da suspensão e interrupção da prescrição, previstos nos arts. 125.° e 126.° do mesmo diploma legal, por via do que a prescrição da pena de substituição se interrompe com a sua própria execução.
No caso em apreço e em conformidade com o disposto no art. 126°, n° 1, al. a), a prescrição da pena interrompeu-se entre 12.02.2010 e 12.02.2014, voltando a correr a partir desta última data, o novo prazo de 4 anos da prescrição. Em conformidade a pena só prescreverá em 12.02.2018. Indefiro, pois, o requerido.
*
Para audição pessoal do arguido designo o próximo dia 13 de Junho, pelas 14.00 horas.
Solicite a realização de relatório social com a maior brevidade possível.
De tudo, notifique.
Matosinhos, d.s.»
*
Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor o presente recurso, cujos fundamentos condensou nas seguintes conclusões:
«A - O arguido foi condenado, por acórdão proferido no dia 13 de janeiro de 2010, que transitou em julgado em 12 de fevereiro de 2010, na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante a condição de pagar ao ofendido, no prazo da suspensão, a quantia de €7.500,00.
B - Nos casos de suspensão da execução da pena de prisão, concluído o período da suspensão (com a prorrogação que entretanto fosse decretada), só a pendência de incidente por incumprimento dos deveres, regras de conduta ou do plano de readaptação (hoje, plano de reinserção), ou a pendência de processo por crime que possa determinar a sua revogação, poderão evitar a extinção da pena pelo decurso do período de suspensão (artigo 57.°, n.°l, do C.P.), mas apenas enquanto não decorrer o prazo prescricional de 4 anos.
C - A pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do artigo 57.º n°s 1 e 2 do C. Penal.",
D - Considerando a pena aplicada ao condenado nos presentes autos, o prazo de prescrição da pena é de 4 (quatro) anos, nos termos do disposto no artigo 122.°/1, d) e 2 do Código Penal, já que as penas previstas nas alíneas a) a c) apenas se referem a pena de prisão efetiva.
E - No caso dos autos, o acórdão condenatório – que aplicou ao arguido quatro anos e seis meses de prisão suspensa - transitou em julgado em 12 de fevereiro de 2010, o que significa portanto que, não havendo nenhuma causa de interrupção da prescrição, a pena aplicada prescreveu em 12 de fevereiro de 2014.
F - Considerou o tribunal recorrido que houve interrupção da prescrição de 12.02.2010 a 12.02.2014 e isto, com base na alegada execução da pena – alínea a) do n° 1 do artigo 126° do Código Penal.
G - Não houve, no entanto, nenhuma causa interruptiva dessa prescrição.
H - Nem se verificou a execução da pena suspensa no momento em que o arguido cumpriu a condição imposta a tal suspensão, isto é o pagamento da €7.500,00 ao ofendido, pois que tal pagamento (permitido por decisão do Tribunal da Relação do Porto de 30.11.2016), ocorreu em momento posterior a 12.02.2014, em momento em que já a pena suspensa se encontrava prescrita.
I - O despacho recorrido violou o disposto nos artigos 122°, nº 1, alínea d), e 126°, n° 1, alínea a), do Código Penal.
J - Pelo exposto, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser a decisão recorrida revogada, por outra que declare que a pena substitutiva de suspensão aplicada ao arguido prescreveu em 12 de fevereiro de 2014.»
*
O Ministério Público respondeu a este recurso, sintetizando do seguinte modo as suas contra-alegações:
«1 - A pena aplicada ao arguido prescreve no prazo de 4 (quatro) anos;
2 - Esse prazo tem o seu início com o trânsito em julgado da decisão condenatória que a aplicou;
3 - Aplicando-se-lhe o regime da suspensão e interrupção da prescrição, previstos nos artigos 125.° e 126.º do Cód. Penal, a prescrição da pena é interrompida com a sua própria execução;
4 - Pelo que, em conformidade com o disposto no art.° 126.°, n.° 1- a) do Cód. Penal, a prescrição da pena interrompeu-se de 12/2/2010 até 12/2/2014, voltando a correr a partir desta última data o novo prazo de 4 anos da prescrição;
5 - A pena só prescreverá em 12/2/2018; e
6 - O despacho recorrido não violou qualquer preceito legal.»
Finalizou o recorrido a sua resposta pedindo a negação de provimento ao recurso.
*
Já nesta instância de recurso, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que pugnou igualmente pelo respetivo não provimento.
*
Cumpre decidir.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
A única questão a decidir é a de saber se a pena aplicada nos autos de que este recurso foi separado se encontra prescrita.
*
A questão da prescrição
As circunstâncias fácticas relevantes para a decisão do presente recurso encontram-se nos seis primeiros parágrafos do relatório do presente acórdão, cujo teor aqui se considera como reproduzido.
A posição assumida pelo arguido/condenado parte de um único e original pressuposto: o de que não houve qualquer causa de interrupção da prescrição da pena de substituição que lhe foi aplicada.
Não conhecemos doutrina ou jurisprudência publicada a que o recorrente se possa arrimar, com sucesso, para a defesa da sua tese.
Aliás, em nenhum dos acórdãos citados pelo arguido na motivação do seu recurso se sustenta que o prazo de prescrição das penas de substituição – em que a pena de prisão suspensa na sua execução não deixa de estar incluída – não admite as causas de suspensão ou de interrupção previstas nos termos gerais dos artigos 125º e 126º do Código Penal. Em todos os casos referidos pelo recorrente, afirma-se exatamente o contrário, com a peculiaridade de que o prazo de prescrição das penas de substituição não é igual ao da pena de prisão substituída – que, no caso vertente, seria de 10 anos [alínea c) do nº 1 do artigo 122º] – mas antes o de 4 anos, previsto na alínea d) do nº 1 do mesmo artigo [2].
Ao pugnar por que, tendo a pena de substituição aplicada nos autos transitado em julgado em 12/02/2010, a prescrição da pena se verificaria em 12/02/2014 – sem que se verificasse qualquer causa de suspensão ou interrupção – cai, necessariamente, em contradição.
É que a posição defendida implicaria que se considerasse que a suspensão de execução da prisão não é uma autónoma pena de substituição, mas uma espécie de limbo ou antecâmera potencial do cumprimento da pena de prisão, não sendo suscetível, enquanto tal, da “execução” prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 126º do Código Penal, para que se não verificasse a interrupção da prescrição do prazo da prescrição aí determinada. Mas, se assim fosse, também teria que se considerar o prazo de prescrição de 10 anos, inerente à pena de prisão substituída [3].
No entanto, ao entender que o prazo de prescrição é de 4 anos – o que também nos parece o mais correto – o recorrente reconhece que se trata de uma autónoma pena de substituição, cujo cumprimento se iniciou no dia em que transitou em julgado a decisão que a aplicou (nº 2 do artigo 122º do Código Penal). Na verdade, a suspensão da prisão, ainda que simples (conquanto não seja este o caso), implica sempre uma especial obrigação de o condenado não cometer novos crimes durante a sua execução – cf. artigo 56º, nº 1, alínea b) – qual “espada de Dâmocles” pendente sobre si, no período estabelecido.
Contudo, assim sendo, tem que se considerar que a suspensão da pena de prisão constitui, sob a perspetiva de substituição, um caso específico de cumprimento de pena [4], o que implica, inevitavelmente, que o respetivo prazo de prescrição se interrompa com tal cumprimento, nos termos do artigo 126º, nº 1, alínea a), do Código Penal.
Aliás, se, por absurdo, não fosse aplicável a interrupção decorrente do início do cumprimento, não se poderiam aplicar suspensões de penas de prisão superiores a 4 anos – o que contrariaria diretamente os nºs 1 e 5 do artigo 50º do Código Penal – pois tais penas de substituição prescreveriam durante o próprio prazo de vigência da pena suspensa…
Aclaremos, pois, a nossa posição sobre as duas variáveis que influenciam a decisão da questão que nos ocupa: o prazo de prescrição da pena de substituição em sentido próprio e a aplicabilidade ao mesmo de causas de suspensão e/ou de interrupção.
Como se afirma no acórdão do S.T.J. de 13/02/2014, no recurso 1069/01.6PCOER-B.S [5], a suspensão da execução da pena de prisão, na modalidade simples ou com imposição de deveres ou regras de conduta, é uma verdadeira pena de substituição; tratando-se de uma pena autónoma, diferente da pena de prisão, não lhe são de aplicar os prazos de prescrição das penas previstos nas alíneas a) a c) do artigo 122.º do Código Penal; a pena de suspensão da execução da prisão inclui-se, por isso, “nos casos restantes”, a que alude a al. d) do artigo 122.º do mesmo diploma, pelo que é de 4 anos o respetivo prazo de prescrição.
Esse prazo prescricional da prisão suspensa conta-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do artigo 122.º, n.º 2, do Código Penal, mas sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção estabelecidas nos artigos 125.º e 126.º, do C.P., nomeadamente com a sua execução, que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão [6].
O prazo de prescrição de 4 anos interrompeu-se – nos termos do artigo 126º, nº 1, alínea a) do Código Penal – na própria data em que transitou em julgado a decisão que aplicou a pena (12 de fevereiro de 2010) pois nessa data se iniciou a execução da pena de substituição [7].
Quer isto dizer que a pena suspensa apenas prescreve se o processo estiver pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo seja prorrogado e sem que a suspensão tenha sido revogada ou extinta nos termos do artigo 57.º nºs 1 e 2 do C. Penal [8].
Deste modo, tendo-se interrompido o prazo de prescrição da pena entre 12/02/2010 e 12/02/2014, e tendo voltado a correr, a partir desta última data, o novo prazo de 4 anos da prescrição, a pena só prescreverá, previsivelmente, em 12/02/2018.
Assim, porque não decorreu ainda o prazo de prescrição da pena, improcederá o recurso interposto pelo arguido.
*
III - DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improvido o recurso interposto pelo arguido, confirmando integralmente a parte recorrida do despacho intercalar impugnado.
*
Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 3,5 U.C.s a taxa de justiça.
*
Porto, 8 de novembro de 2017
Vítor Morgado
Alexandra Pelayo
_____
[1] Tal decorre, desde logo, do disposto no nº 1do artigo 412º dos nºs 3 e 4 do artigo 417º. Ver também, nomeadamente, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 3ª edição (2009), página 347 e jurisprudência uniforme do S.T.J. (por exemplo, os acórdãos. do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, página 196, e de 4/3/1999, CJ/S.T.J., tomo I, página 239).
[2] Posição, de resto, também assumida no despacho ora recorrido.
[3] Prazo esse que, se assim fosse, teria de ser ‘acrescido’ da suspensão do prazo da prescrição prevista no artigo 125º, nº 1, alínea a), pois, por força da lei, a execução não poderia começar.
[4] Neste sentido, Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, in Código Penal anotado e comentado, 2ª edição, Quid Juris, página 355.
[5] Relatado por Manuel Braz, acedível em www.dgsi.pt.
[6] Neste sentido, vejam-se, entre muitos outros, o acórdão da Relação de Lisboa de 26/10/2010, proferido no recurso nº 25/93.0TBSNT-A.L1-5, relatado por Jorge Gonçalves – acórdão aliás citado em primeiro lugar na motivação de recurso do próprio recorrente – e o acórdão da Relação de Lisboa de 16-06-2015, no recurso 1845/97.2PBCSC.L1-5, relatado por Simões de Carvalho, ambos acedíveis em www.dgsi.pt.
[7] Perfilhando esta orientação, de resto pacífica, cf. o acórdão da Relação de Lisboa de 04-07-2013, no recurso nº 5/07.0GELSB.L1-9, relatado por Maria Guilhermina Freitas, acedível em www.dgsi.pt.
[8] Assim, também, o acórdão da Relação de Lisboa de 26/10/2010, melhor referenciado, em primeiro lugar, na nota 5 e citado pelo recorrente.