Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
90/12.3TTOAZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: AÇÃO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
HOMOLOGAÇÃO DO ACORDO
CASO JULGADO
Nº do Documento: RP2014100690/12.3ttoaz-A.P1
Data do Acordão: 10/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: O despacho homologatório do acordo obtido na tentativa de conciliação, no âmbito da fase contenciosa do processo especial de acidente de trabalho, não é uma sentença nem decide de mérito, não fazendo caso julgado que impeça o juiz de, posteriormente, condenar a responsável em juros.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:

7

Processo nº 90/12.3TTOAZ-A.P1
Apelação

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 401)
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto
Adjunto: Desembargadora Isabel São Pedro Soeiro

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado B…, residente em Santa Maria da Feira, e entidade responsável a Companhia de Seguros C…, S.A., com sede em Lisboa, realizada a tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público em 28.6.2012, nela reclamou o sinistrado o capital de remição da pensão anual e vitalícia de €737,67 no montante de €10.373,85, com início em 4.2.2012, dia seguinte ao da alta, e €30,00 de transportes ao tribunal, por via de acidente que sofreu em 06.10.2011, tendo o representante da seguradora declarado conciliar-se, aceitando pagar a pensão reclamada bem como a quantia de transportes.
O Exmº Senhor Procurador da República, dando as partes por conciliadas, ordenou a apresentação dos autos à Mmª Juiz para efeitos do artigo 114º do Código de Processo do Trabalho, tendo então sido aposto no rosto do auto de conciliação o despacho “Homologo. Custas pela Seguradora”.

Calculado e entregue o capital de remição, foi judicialmente deferida a promoção do Mº Pº com o seguinte teor: “Promovo se notifique a seguradora, para, em vinte dias, comprovar nos autos a entrega dos juros de mora devidos desde a data em que é devido o capital de remição (04.02.2012) até à data da entrega (05.11.202)”.
A seguradora, notificada, pronunciou-se, requerendo a final que se reconheça que o pagamento de juros não é devido.
O Mº Pº pronunciou-se em sentido contrário.
Foi então proferido despacho judicial nos seguintes, e aqui parcialmente transcritos, termos:
(…) A questão a apreciar e decidir consiste em saber se a ré companhia de seguros deve proceder ao pagamento de juros de mora, não obstante nada ter ficado a constar do auto de tentativa de conciliação a tal respeito.
Conforme resulta dos autos, na tentativa de conciliação as partes chegaram a acordo, o qual foi objecto de decisão homologatória.
No acordo nada foi acordado no que respeita aos juros de mora e a tal respeito também nada consta na decisão homologatória. No entanto, tal circunstância não impede que se determine agora o seu pagamento.
A este respeito fazemos apelo aos fundamentos constantes do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14 de Julho de 2010 (disponível em www.dgsi.pt), onde se lê o seguinte: (…)
Assim sendo, nos termos do disposto no art. 135º, parte final, do Código de Processo do Trabalho, deve a ré companhia de seguros proceder ao pagamento dos juros de mora, à taxa legal, a calcular sobre o capital de remição, desde o dia seguinte ao da alta e até à data da entrega daquele capital. (…)”.

Inconformada, interpôs a seguradora responsável o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões:
I. O despacho de homologação do Acordo de Conciliação proferido no âmbito dos presentes autos não determinou a condenação da segurada, aqui Recorrente, no pagamento de juros de mora devidos sobre o capital de remição.
II. Do ponto de vista material (e por maioria de razão jurídico-processual) o aludido despacho de homologação possui o valor de sentença, apesar de em termos formais não ser nominado como tal.
III. O regime especial para a mora no domínio das pensões e indemnizações, previsto na parte final do artigo 135º do CPT, que repete a norma constante do anterior artigo 138º do CPT/1981, impõe ao juiz a obrigatoriedade de condenação em juros de mora, se estes forem devidos.
IV. A omissão de pronúncia, por parte do juiz, na sentença final (ou seja, no despacho de homologação do acordo), quanto a juros de mora, pelo capital de remição, e contando que estes fossem efectivamente devidos, não consubstancia um mero erro material que pudesse ser corrigido por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz, mas sim uma verdadeira nulidade, nos termos do artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC.
V. Tal nulidade era fundamento de recurso do despacho, recurso este que nunca foi interposto, pelo que ficou imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz, desde a prolação do despacho de homologação do acordo e do subsequente trânsito em julgado da mesma.
VI. É, no mínimo, abusiva a posição do Ministério Público que vem agora, passados quase dois anos, promover a comprovação do pagamento dos juros moratórios, quando foi este quem acompanhou o Sinistrado ab initio, sem que alguma vez tivesse referido a necessidade de pagamento de juros.
VII. Os juros de mora contados sobre o capital de remição só deveriam ter sido fixados se fossem efectivamente devidos, nomeadamente se se tivesse verificado atraso no pagamento do referido capital, o que não sucedeu.
VIII. Mesmo que fossem devidos juros de mora sobre o capital de remição – o que não se concede e apenas se coloca como mera hipótese de raciocínio – os mesmos apenas deveriam ser contados desde a decisão que ficou o grau de incapacidade do Sinistrado, ou seja desde a data da sentença, e não desde o dia imediato ao da alta.

Contra-alegou o Ministério Público junto do tribunal recorrido, formulando a final as seguintes conclusões:
“(…)
V. As acções emergentes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais têm natureza urgente e o seu carácter oficioso encontra a sua razão de ser no princípio da indisponibilidade dos direitos e garantias conferidas pelo artigo 34º da Lei 100/97 de 13.09.
VI. Segundo Alberto Ferreira, in CPT anotado, 4ª Edição, pág 146, a satisfação dos direitos e obrigações decorrentes das acções emergentes de acidentes de trabalho “não são exclusivamente entregues à vontade das partes dado o carácter de interesse e ordem pública de que se revestem as leis de protecção ao trabalhador”.
VII. Tais direitos são irrenunciáveis e nessa categoria são incluídos os juros de mora devidos ao sinistrado por estarem ligados a prestações/indemnizações com essa característica.
VIII. Por isso, o cumprimento da obrigação de juros é ordenado oficiosamente pelo julgador, a todo o tempo, mesmo que para tanto seja obrigado a “completar” a decisão anterior que se mostre omissa quanto a isso”.

A Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação não emitiu parecer, por lhe estar legalmente vedado.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as de saber:
1ª – se o juiz não pode condenar em juros de mora posteriormente ao trânsito em julgado do despacho que homologou o acordo obtido em tentativa de conciliação no qual o pagamento de juros não foi previsto, acordado, nem decidido.
2ª – Desde quando são devidos juros de mora?

III. Matéria de facto
A constante do relatório supra.

Apreciando:
Atenta a data do acidente, o quadro legal substantivo a considerar é o da Lei 98/2009 de 4.9, conforme seus artigos 187º e 188º, em termos porém que não divergem da disciplina da Lei 100/97 de 13.9.
Por uma questão lógica, vamos alterar a ordem de conhecimento das questões, pois, se não forem devidos juros, questão implícita na segunda questão, o juiz obviamente não poderia ter condenado neles.
2ª questão:
Tendo em mente que o artigo 50º nº 2 da Lei 98/2009 não altera a redacção do artigo 17º nº 4 da Lei 100/97 de 13.9, transcrevemos sobre esta questão o que, no processo nº 509/09.0TTMTS.P1, disponível em www.dgsi.pt sob o nº RP20101018509/09.0TTMTS.P1, e relatado pelo ora relator, se considerou:
“Dispõe o artº 17º nº 1 al. d) da Lei 100/97 de 13.9 que o sinistrado terá direito, se do acidente resultar incapacidade permanente parcial inferior a 30%, ao capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho.
Dispõe o mesmo artigo, no seu nº 4, que “(…) começam a vencer-se (…) as pensões por incapacidade permanente no dia seguinte ao da alta”.
Dispõe o artigo 33º nº 1 da mesma Lei: “Sem prejuízo do disposto na alínea d) do nº 1 do artº 17º, são obrigatoriamente remidas as pensões vitalícias de reduzido montante, nos termos que vierem a ser regulamentados”.
O artigo 135º do CPT (aprovado pelo DL 480/99 de 9.11) – que aliás se mantém na versão actual (DL 295/2009 de 13.10) estabelece que “Na sentença final o juiz (…) fixa também, se forem devidos, juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso”.
O artº 804º do Código Civil (intitulado Princípios gerais) estabelece:
1. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.
2. O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido”.
Dispõe o artº 805º do Código Civil (intitulado Momento da constituição em mora):
“1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver prazo certo;
b) Se a obrigação provier de facto ilícito;
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”.
Este o quadro legislativo em que se move a questão sob recurso.
Começamos por notar que o artº 17º nº 4 da Lei 100/07 de 13.9 não ajuda à compreensão, pois refere a data de vencimento das pensões omitindo, em termos literais, o vencimento do capital de remição constante da alínea d) do nº 1. Trata-se porventura duma transposição da disposição correspondente na Lei nº 2127 de 3-8-65, Base XVI nº 4, com o mesmíssimo texto, sem que se tenha acautelado que a al. c) do nº 1 da mesma Base deu origem a duas estipulações diferentes na lei que lhe sucedeu, ou seja, às alíneas c) e d) do artº 17º nº 1 da Lei 100/97. Em termos literais, na Lei nº 2127 não se previa a condenação no pagamento dum capital de remição, mas no pagamento de pensão que, no máximo, podia ser obrigatoriamente remível (Base XXXIX).
O texto do nº 4 do artº 17º sugere ou determina que o capital de remição não se vence no dia seguinte ao da alta? Sugere ou determina que a entidade responsável não é condenada no pagamento do capital de remição mas sim no pagamento da pensão sobre a qual mais tarde se calculará o capital?
Na conclusão 2ª do recurso, a recorrente faz o seguinte raciocínio: - o que é devido à sinistrada até ao cálculo do capital de remição é a pensão anual com base na qual o capital será calculado. Até ao pagamento do capital de remição, a pensão anual vai-se vencendo nas prestações em que se decompõe, e os juros incidem sobre estas prestações.
Não cremos que o texto do nº 4 do artº 17º acima citado possa sugerir nem determinar nem uma coisa nem outra. Claramente não pode contrariar o que consta da própria alínea d) do nº 1 do artº 17º, que é que a prestação que é devida ao sinistrado – e que a responsável é condenada a pagar – é o capital de remição duma pensão, e não a própria pensão. São coisas diferentes, são valores diferentes, e a conclusão 2ª do recurso está bem afastada do artº 17º citado: em lado algum se prevê que na incapacidade permanente e parcial inferior a 30% a responsável é condenada a pagar uma pensão até ao momento em que, com base nela, se calcule um capital de remição, momento a partir do qual (ou talvez a partir da data designada para a entrega do capital de remição) a condenação se converte numa condenação a pagar o capital.
Por outro lado, e em termos de interpretação sistemática, o nº 4 do artº 17º da Lei 100/97 reporta-se aos números que o antecedem, designadamente ao nº 1, devendo entender-se que previne todas as prestações indemnizatórias dele constantes, resultando assim que a expressão “pensões por incapacidade permanente” utilizada no nº 4 deve ser lida como “prestações por incapacidade permanente”, em conformidade com a epígrafe do preceito e com o corpo do nº 1 do preceito.
Relativamente ao vencimento do capital – que será naturalmente, por razões do próprio processo, apurado em data posterior à do dia seguinte ao da alta – impõe-se anotar o desvio determinado pelo artº 135º do CPT relativamente à disciplina civilística resultante dos artigos 804º e 805º do Código Civil.
Na verdade, e citando o Acórdão desta Relação proferido no processo 0610535 com o número convencional JTRP00039246 que se pode consultar em www.dgsi.pt, que por sua vez cita o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1990-02-02 - P. 2285 – :
O artº 138º do Código de Processo do Trabalho”, actual artº 135º, “é uma norma especial em relação ao regime geral do Código Civil (artºs 804º e 805º) no que respeita à obrigação de pagamento de juros de mora.
Tem carácter imperativo, pelo que há lugar à fixação de juros de mora desde que se verifique atraso no pagamento de pensões e indemnizações, independentemente de culpa no atraso imputável ao devedor. [cfr. Prontuário de Legislação do Trabalho, CEJ, Actualização n.º 35, Novembro de 1990, com anotação de Cruz de Carvalho]
Daí que se venha entendendo que os juros de mora sejam devidos mesmo que o sinistrado ou beneficiário não os tenha pedido, independentemente de interpelação, por se tratar de direitos de existência e exercício necessários, pelo que o Tribunal deve fixá-los oficiosamente, se não forem pedidos. Trata-se de um regime excepcional ou especial em que a mora não depende da demonstração da culpa do devedor, bastando que se verifique o atraso no pagamento, desde que não imputável ao credor, parecendo tratar-se de uma mora objectiva. Por outro lado, sendo um regime especial, afasta a aplicação das regras do direito civil também quanto à questão da liquidez da dívida, pois o facto de o crédito não estar liquidado por razões de natureza processual e de orgânica judiciária, por exemplo, não impede a constituição em mora – cfr. o disposto nos Art.ºs 804 e 805.º, ambos do Cód. Civil. Assim, trata-se mais de reintegrar - com os juros - o valor do capital na data do vencimento da prestação, do que propriamente da punição do devedor relapso, na ideia de que as prestações derivadas do acidente de trabalho têm natureza próxima dos alimentos, cujo valor deve ser mantido aquando do recebimento.
Assim, verificado atraso no pagamento, são devidos juros, desde que a mora não seja imputável a culpa do credor. Repare-se que se o sinistrado, por exemplo, tendo discordado do resultado do exame médico efectuado na fase conciliatória, requerer exame por junta médica, o retardamento do pagamento das prestações derivado do processado mais complexo a que deu causa, gera juros de igual forma, porque a mora, embora imputável ao credor, não o é a título de culpa, derivando apenas de vicissitudes processuais e de orgânica judiciária.
Ora, in casu, havendo ainda que proceder ao cálculo do capital da remição a efectuar pela Secretaria, são devidos juros até à entrega efectiva do capital, uma vez que existe mora, ainda que não imputável ao devedor a título de culpa.
[Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:
- de 1999-03-03, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 485, págs. 216 a 219 e in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Ano VII-1999, Tomo I, págs. 297 a 299;
- de 1999-04-14, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 486, págs. 235 a 239 e in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Ano VII-1999, Tomo II, págs. 262 a 263;
- de 1999-06-09, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 488, págs. 334 a 337 e
- de 1999-09-29, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Ano VII-1999, Tomo III, págs. 252 a 255.].
Se, assim, o regime de juros em matéria de responsabilidade infortunística laboral é especial relativamente ao regime civilístico, e em particular se os juros são devidos independentemente do momento em que é liquidada a quantia em dívida – e note-se que a quantia em dívida é a do capital de remição e não a da pensão – o argumento de que não é possível haver mora antes do apuramento do capital, porque ainda não existe, não se sabe quando vai existir porque isso depende da iniciativa do Tribunal, já não tem sentido. A aplicação do artº 135 do CPT em conjugação com o artº 17 nº 4 da Lei 100/97 produz a ficção da existência, determinando a obrigatoriedade, para o momento do dia seguinte ao da alta.
Alega a recorrente, e bem, que a “remição é o negócio jurídico, bilateral, oneroso (ou gratuito, em raríssimos casos), pelo qual se extingue a obrigação de pagar a pensão (Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho, pág. 156)”.
A remição obrigatória faz intervir na relação jurídica a ponderação legislativa dos valores em conflito: - nos casos de pequena incapacidade a Lei sacrifica a compensação efectiva da perda de capacidade de trabalho ou de ganho, por uma previsão genérica da duração do dano e da taxa de juro. Se impõe à responsável um pagamento antecipado, esse pagamento beneficia dum desconto, reportando-se à expectativa de vida e à expectativa das condições económicas que determinam a fixação da taxa de juro – artigo 57º do DL 143/99 de 30.4 e Portaria 11/2000 de 13.1.
Estão assim, do ponto de vista do legislador, e que é inatacável, equilibradas as posições, direitos, obrigações e expectativas do sinistrado e da entidade responsável, e esse equilíbrio tem de se afirmar também no que toca aos juros das prestações devidas. Explicando doutro modo: - se aparentemente é mais oneroso pagar juros sobre o capital de remição - cujo valor será maior do que o da pensão anual - do que pagar juros sobre o valor de cada prestação parcelar que integra a pensão anual, essa maior onerosidade não existe em substância, no fundo, porque o valor do capital já contém em si o equilíbrio determinado pelo legislador.
Em suma, não há substancialmente razão alguma que impeça que seja sobre o capital de remição, devido desde o dia seguinte ao da alta, que devam incidir os juros, até à efectiva entrega do capital. E é assim possível ser coerente e determinar que seja sobre o objecto da condenação que devam incidir os juros, enquanto condenação acessória. Tendo a recorrente sido condenada a pagar o capital de remição, deve sobre ele pagar juros, desde a liquidação retrotraída ao dia seguinte ao da alta, por força do artigo 17 nº 4 da Lei 100/97, até à sua entrega”. (fim de citação).
Resumindo: os juros são devidos sobre o capital de remição, desde o dia seguinte ao da alta. Não fazendo sentido argumentar que os juros não são devidos porque não houve atraso no pagamento do capital de remição, porque a condenação foi nos juros devidos até à entrega do mesmo capital, isto é, até ao seu pagamento, em conformidade com a data de vencimento deste, ficcionada para o dia seguinte ao da alta.
Resta acrescentar, quanto à hipótese avançada pela recorrente de que os juros se contam desde a data da homologação do acordo, por nele se ter fixado a incapacidade, que o mesmo contraria frontalmente o disposto no artigo 50º nº 2 da Lei 98/2009: - independentemente da data de fixação da incapacidade, a pensão começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta, e assim a contagem de juros nunca poderia deixar de coincidir com a data do vencimento, sem pagamento nela, ainda que sem culpa, como resulta do acórdão do STJ que citámos na transcrição supra.
Improcede pois esta questão.

1ª questão:
A recorrente estrutura a análise da decisão recorrida através de três questões: - a equiparação do despacho de homologação do auto de conciliação a uma sentença do ponto de vista jurídico-processual, o teor do artigo 135º do CPT e o efeito jurídico da não pronúncia acerca do teor imperativo da norma e o trânsito em julgado do despacho de homologação do acordo e os efeitos do caso julgado. Mais linearmente: porque o despacho de homologação deve ser considerado uma sentença, porque o juiz nela não se pronunciou sobre os juros, ao contrário do que devia, porque ela transitou visto que não foi arguida nulidade por omissão de pronúncia em recurso, então esgotado ficou o poder jurisdicional, a sentença passou a fazer caso julgado nos precisos termos em que julgou, e o juiz não podia, posteriormente, proferir decisão a condenar a recorrente a pagar juros, porque assim violava o caso julgado. Ou ainda mais linearmente, porque o despacho homologatório é uma sentença, transitou, fez caso julgado e não pode haver nova decisão.
Vejamos:
Dispõe o artigo 619 CPC no seu nº 1: “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º”.
O legislador equipara o despacho saneador que conheça de mérito à sentença, atendendo à lógica que estrutura a sentença e que vem plasmada no artigo 607º nº 2 a 4 do CPC, isto é, considerando que a sentença é, por excelência, a decisão que conhece de mérito. Note-se também que o legislador se refere à sentença tal como ele a prevê, para os casos em que a prevê e para os casos em que nomina as decisões como sentenças.
O que é decidir de mérito? De acordo com o artigo 595º nº 1 al. b) do CPC, o despacho saneador decide de mérito quando aprecia os pedidos deduzidos ou excepções peremptórias, isto é, quando o julgador aprecia os factos estabelecidos, provados, que são fundamento invocado ou alegado desses pedidos ou excepções, e invoca o direito aplicável e subsumindo aqueles a este, chega à solução jurídica e a decide. É, lá está, o que acontece no artigo 607º nº 2 a 4.
O que faz o juiz no despacho de homologação do acordo obtido em tentativa de conciliação – que não é formalmente designado como uma sentença – na acção especial de acidente de trabalho?
Em primeiro lugar, estamos no âmbito da fase conciliatória, presidida pelo Ministério Público.
O artigo 114º do CPT prevê que o juiz, perante o acordo que lhe é submetido por ordem do Ministério Público, o “homologa por simples despacho exarado no próprio auto e seus duplicados, se verificar a sua conformidade com os elementos fornecidos pelo processo e com as normas legais, regulamentares ou convencionais”.
Na fase conciliatória do acidente de trabalho o juiz não decide sobre os factos, não estabelece os factos, não cuida de saber se é verdade toda a factualidade do acidente e da responsabilidade a que dá origem, não decide qual é o direito aplicável, não tem portanto nenhuma questão de facto ou de direito a decidir, e a decisão sempre implicaria uma fundamentação de facto (veja-se o artigo 607º nº 5 do CPC) e de direito, o juiz apenas verifica a conformidade do acordo que lhe é submetido com os elementos fornecidos pelo processo e com as normas legais, regulamentares e convencionais e apõe o seu “homologo”. Não há um conhecimento do mérito mas uma simples verificação de conformidade.
O próprio legislador processual não reconhece este despacho como um despacho de mérito, como resulta logo do disposto no artigo 116º do CPT: se houver reconhecimento das obrigações mas recusa do seu cumprimento, o Mº Pº promove que o juiz decida de mérito. Na lógica sistemática dos artigos 114º a 116º, o despacho homologatório não é uma decisão de mérito.
Entendemos assim que o despacho homologatório do acordo obtido em fase conciliatória na acção especial de acidente de trabalho não é uma sentença, formalmente, nem jurídico-processualmente, para usar a expressão da recorrente, isto é, não está pensada nem é equiparável, do ponto de vista processual, às sentenças, e não decide de mérito, não estando portanto coberto pelo artigo 619º nº 1 do CPC, isto é, não fazendo caso julgado nem, por isso, esgotando o poder jurisdicional e impedindo o juiz de decidir posteriormente sobre a questão dos juros.
A previsão de condenação em juros só está prevista, para o juiz, na sentença em fase contenciosa – artigo 135º do CPT. Por isso, em rigor, o juiz não tem de condenar em juros no despacho homologatório, quando muito terá de verificar se os juros estão referidos e abrangidos pelo acordo, mas mesmo que não o faça, não há em rigor omissão de pronúncia quando o juiz despacha “homologo” porque é essa a decisão que lhe é pedida. Por isso também, quando o Ministério Público veio, posteriormente nos autos, promover a notificação da responsável para demonstrar o pagamento dos juros, e depois da pronúncia desta, o juiz teve oportunidade processual para decidir e decidiu como se lhe impunha em face da natureza indisponível e irrenunciável do direito aos juros – artigo 78º da Lei 98/2009 de 4.9.
No nosso sentido, o acórdão desta Relação citado no despacho recorrido, de 14.7.2010.
Improcede pois esta questão, e o recurso na sua totalidade.

Tendo decaído, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº1 e 2 do CPC.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 6.10.2014
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
Isabel São Pedro Soeiro
____________
Sumário a que se refere o artigo 663º, nº 7 do actual CPC:
O despacho homologatório do acordo obtido na tentativa de conciliação, no âmbito da fase contenciosa do processo especial de acidente de trabalho, não é uma sentença nem decide de mérito, não fazendo caso julgado que impeça o juiz de, posteriormente, condenar a responsável em juros.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).