Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
92/14.5T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
ACÇÃO PREJUDICIAL
APENSAÇÃO DE ACÇÕES
Nº do Documento: RP2015061592/14.5T8PNF.P1
Data do Acordão: 06/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – A suspensão da instância deve ser decretada ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 272º do CPC mesmo que só se verifique a dependência parcial entre a acção instaurada em primeiro lugar e a subordinada, tendo em vista evitar decisões contraditórias.
II – Instaurada acção, ainda que em Tribunal diferente, em que a empregadora pretende a declaração de inexistência de justa causa de resolução do contrato de trabalho da trabalhadora, essa acção é prejudicial relativamente à acção posteriormente instaurada pela mesma trabalhadora conta a mesma empregadora – ainda que nesta não figure apenas como Ré a empregadora – na qual a trabalhadora pretende a declaração de existência de justa causa de resolução do mesmo contrato de trabalho.
II – O julgamento uniforme da mesma questão de direito – resolução do contrato de trabalho com justa causa ou sem justa causa – é igualmente alcançado através da apensação de acções, se verificados os pressupostos previstos nos artigos 30, nº1, 31º, nº1 do CPT e 267º, nº1 do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º92/14.5T8PNF.P1
Relatora: M. Fernanda Soares – 1307
Adjuntos: Dr. Domingos José de Morais
Dra. Paula Leal de Carvalho

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I

B… instaurou, em 19-09-2014, na Secção de Trabalho da Comarca do Porto Este, contra C…, LDA., e D…, LDA., acção emergente de contrato de trabalho pedindo 1. Dever ser declarado resolvido com justa causa os contratos de trabalho da Autora por sua iniciativa; 2. A condenação solidária das Rés no pagamento à Autora da quantia global de € 16.748,02, acrescida de juros à taxa legal contados desde a data da citação e até efectivo pagamento, bem como as retribuições que se vencerem na pendência da presente acção até trânsito em julgado da sentença e ainda a diferença entre o valor do subsídio de desemprego que venha a auferir e aquele a que efectivamente tem direito em virtude do montante salarial auferido.
A Autora fundamenta os seus pedidos nos seguintes factos: em 04.01.2010 a Autora celebrou com a 1ª Ré contrato de trabalho por tempo indeterminado, para exercer as funções de psicóloga mediante o salário líquido de € 1.000,00, ultimamente no montante de € 1.115,00, salário que recebia, numa parte através de recibo correspondente a trabalho por conta de outrem, e noutra parte através de recibo verde, sendo o seu local de trabalho nas instalações da 2ª Ré. Refere ainda sempre ter desempenhado funções para ambas as Rés até ao dia 24.07.2014, sob as ordens directas do gerente E…. Acontece que por carta remetida à 1ª Ré, datada de 24.07.2014, a Autora resolveu o seu contrato de trabalho com fundamento no não pagamento de parte da sua retribuição (a que recebia através de recibo verde), respeitante aos meses de Março, Abril, Maio e Junho de 2014. Mais refere que a 1ª Ré integra o F…, do qual faz parte a 2ª Ré, sendo todas geridas, de facto, por E…. Reclama o pagamento dos seguintes créditos: compensação pela resolução com justa causa, férias e subsídio de férias relativas ao ano de 2013 e proporcionais de férias, subsídios de férias e de natal e ainda as férias vencidas em 01.01.2014 e respectivo subsídio de férias bem como a parte dos salários que constituíram fundamento da resolução e diferenças nos subsídios de férias e de natal dos 4 anos de vigência do contrato de trabalho e outros que indica.
Citada para a audiência de partes a 1ª Ré veio requerer a suspensão da instância com fundamento de que a presente acção está dependente de outra já proposta anteriormente. Juntou cópia de petição inicial de acção instaurada por ela contra a aqui Autora, pendente no Tribunal do Trabalho de Guimarães, onde pede seja declarada ilícita a resolução do contrato de trabalho promovida pela aqui Autora, seja considerado o contrato de trabalho da aqui Autora cessado por denúncia sem aviso prévio e consequente condenação desta no pagamento da indemnização pelos prejuízos causados, no montante de € 1.430,00, equivalente a 60 dias de aviso prévio.
A Autora veio opor-se.
A Mmª. Juiz a quo, por despacho datado de 04.12.2014, e ao abrigo dos artigos 269º, nº1, al. c), 272º, nº1 e 276º, nº1, al. c) do CPC, suspendeu a presente acção até que seja proferida uma decisão definitiva naquela outra acção interposta pela Ré que corre termos na Instância Central, Secção do Trabalho de Guimarães, sob o nº686/14.9TTGMR.
A Autora, inconformada, veio recorrer pedindo a revogação do despacho e a sua substituição por outro que ordene o prosseguimento dos autos, concluindo do seguinte modo:
1. A presente acção encontra-se na fase de audiência de partes, tendo já data marcada para sua realização, a qual foi dada sem efeito perante o requerido pela aqui 1ª Ré.
2. Pelo que, encontra-se a presente acção numa fase mais avançada relativamente ao processo 686/14.9TTGMR, 2º Juízo, que corre termos no Tribunal do Trabalho de Guimarães.
3. O despacho recorrido prejudica a Autora que vê suspensos ambos os processos e não vê correspondência de partes e dos pedidos.
4. A questão que se pretende ver apreciada nestes autos não tem que ser levada em conta para a decisão a tomar no processo intentado pela 1ª Ré no Tribunal do Trabalho de Guimarães.
5. Com vista a não prejudicar os presentes autos em virtude de as partes serem diferentes, a Autora e a 1ª Ré acordaram na suspensão dos referidos autos pelo período de 45 dias, o que lhes foi deferido.
6. A Autora intentou acção para fazer valer os seus direitos de trabalho pela justa causa de resolução do contrato de trabalho, não tendo conhecimento daquela outra acção.
7. Além do mais a Autora não intentou a presente acção apenas contra a 1ª Ré, peticionado a declaração de resolução dos seus contratos de trabalho e que as Rés sejam condenadas solidariamente a pagar a indemnização devida à Autora e ainda a diferença do subsídio de desemprego que venha a auferir e aquele a que tem efectivamente direito.
8. Não pode a presente acção ser suspensa, porque a Autora pretende ver apreciados os factos alegados também contra a 2ª Ré, a qual não é parte no processo 686/14.9TTGMR.
9. Considerando também a falta de correspondência das partes intervenientes, a decisão a proferir naquela não pode vir a influir no julgamento ou decisão desta.
10. Na verdade, a lei não estabelece qualquer ordem temporal no que concerne à instauração das duas acções e nem mesmo nenhum limite temporal rígido para o efeito.
11. Analisada a petição apresentada pela Autora não existe fundamento legal para ser decretada a suspensão dos presentes autos, visto que em face da suspensão de ambos os processos, se vislumbra impossível uma solução, ainda que amigável.
A 1ª Ré veio contra alegar pugnando pela manutenção da decisão recorrida e concluir do seguinte modo:
1. Existe uma acção intentada em primeiro lugar, onde se pretende ver julgada a procedência da inexistência de factos que fundamentam a resolução do contrato de trabalho, por não se verificar a alegada falta culposa pontual da retribuição.
2. Nos autos intentados em primeiro lugar já foram juntos documentos que provam a inexistência do fundamento alegado para a resolução por justa causa do contrato de trabalho da aqui Autora.
3. Na acção principal já ocorreu a audiência de partes, e respectiva suspensão para obtenção de acordo.
4. O acordo das partes não foi obtido pelo que os autos já estão a prosseguir para avaliação da factualidade alegada.
5. Nesta acção nem a formalidade da audiência de partes está concretizada, inexistindo quaisquer prejuízos para a Autora, que pode ver a sua causa resolvida, nos autos que correm termos no Tribunal de Guimarães.
6. Em nada releva o facto de a presente acção ter duas Rés, porquanto dar-se-á por provado que a relação existente entre a aqui Autora e a aqui 1ª Ré é uma relação laboral, sendo que a estabelecida entre a aqui Autora e a 2ª Ré é uma relação de prestação de serviços.
7. A resolução de justa causa do contrato de trabalho invocada pela aqui Autora apenas refere a existência de relação laboral com a 1ª Ré.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação pugnou pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.
* * *
II
Para além do que consta no item I do presente acórdão cumpre ainda consignar a seguinte factualidade:
1. A Mmª. Juiz a quo proferiu, em 04.11.2014, despacho – no processo 686/14.9TTGMR – a suspender a instância pelo período de 45 dias a requerimento das partes que na audiência de partes declararam o seguinte: “Correm termos no Tribunal de Trabalho de Penafiel acções em que as partes são as mesmas, designadamente o processo 90/14.9T8PNF, com audiência de julgamento já designada para 18.12.2014, pelas 14 horas. Assim, e uma vez que entendem que estes e aqueles estão dependentes uns dos outros, requerem a suspensão da presente instância durante 45 dias, com vista a uma resolução consensual”.
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III
Objecto do recurso.
Da suspensão da instância nos termos do artigo 272º, nº1 do CPC.
Do despacho recorrido consta o seguinte: (…) “Analisada a presente acção vimos que a autora pretende que seja declarado resolvido com justa causa os contratos de trabalho da autora por sua iniciativa, condenando-se as rés no pagamento de determinadas quantias. A presente acção foi intentada em 20.09.2014. A ré nessa outra acção pede que seja declarada ilícita a resolução do contrato promovido pela aqui autora. Essa acção deu entrada em juízo em Agosto de 2014, ou seja, antes da presente acção. Essa outra acção encontra-se actualmente suspensa por acordo das partes tendo já sido realizada audiência de partes – cf. fls. 591/592. Assim, ante o exposto é manifesto que a acção que corre termos no tribunal de Guimarães não foi intentada pela ré unicamente para se obter a suspensão já que a ré a intentou antes da presente acção. Por outro lado, tendo nessa outra acção sido já realizada audiência de partes concluímos que a mesma está numa fase mais avançada que os presentes autos pelo que não podemos concluir que haja qualquer prejuízo da suspensão que supere a vantagem. Afigura-se-nos a todos os títulos manifestamente pertinente e justificado suspender os termos desta acção, até que aquela outra esteja definitivamente julgada. Com efeito, se nessa acção vier a ser declarado que é ilícita a resolução do contrato promovido pela aqui autora, ficará prejudicado o pedido deduzido pela autora na presente acção para que se declare resolvido com justa causa o contrato de trabalho. E nem se diga que o facto de na presente acção existirem duas rés impossibilita a suspensão da instância. Com efeito, se nessa outra acção for decidido que a resolução do contrato por parte da aqui autora é ilícita o pedido contra as rés ficará prejudicado. É certo que uma das rés não é parte nessa outra acção. Mas a autoridade do caso julgado poderá estender-se aos presentes autos ainda assim. E há que não esquecer que o pedido que a autora faz na presente acção contra a ré que não é parte nesse outro processo deriva também da alegação de existência de justa causa. Ora, se nessa acção for entendido que é ilícita essa alegação o pedido contra a 2ª ré ficará, obviamente, em causa. Assim, não faz qualquer sentido que sendo essa acção anterior e estando a ser apreciada a questão da licitude da resolução do contrato possa a presente acção prosseguir originando, até, contradição de julgados” (…).
A apelante defende que as partes em ambas as acções não são as mesmas [a 2ª Ré não figura na acção a correr termos sob o nº686/14.9TTGMR], que a presente acção está numa fase mais adiantada relativamente à outra, sendo que a questão em apreciação nesta acção não tem de ser levada em conta no processo nº686/14.9TTGMR, concluindo pela não suspensão da instância nos termos determinados. Vejamos então.
Sob a epígrafe “Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes” determina o artigo 272º do CPC o seguinte: “1- O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer motivo justificativo. 2- Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens” (…).
A respeito do que deve entender-se por «questão/causa prejudicial» refere o Professor Alberto dos Reis o seguinte: (…) “Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda” (…) “Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda” (…) – Comentário ao CPC, volume 3, páginas 206 e 268. Como exemplos de causas prejudiciais refere aquele Professor, entre outras, a acção de anulação de casamento e acção de divórcio no pressuposto de que a primeira é prejudicial em relação à segunda porque anulado o casamento, o pedido de divórcio fica prejudicado quanto ao seu conhecimento.
Também Lebre de Freitas, em comentário ao artigo 279º do CPC revogado, refere que questão prejudicial é aquela que a sua “resolução constitui pressuposto necessário da decisão de mérito, quer esta necessidade resulte da configuração da causa de pedir, quer da arguição ou existência duma excepção peremptória ou dilatória, quer ainda do objecto de incidentes em correlação lógica com o objecto do processo, e seja mais ou menos directa a relação que ocorra entre essa questão e a pretensão ou o thema decidendum. Quando autonomizada como objecto de outra acção, constitui causa prejudicial, a qual pode constituir fundamento da suspensão da instância” – CPC anotado, volume 1º, página 173.
Passemos agora ao caso concreto sendo que cumpre analisar se a acção prejudicial – a instaurada pela 1ª Ré contra a Autora – acaso seja julgada procedente, inutiliza a presente acção (a subordinada).
Na presente acção a Autora pretende o efeito contrário ao pretendido pela aqui 1ª Ré na acção que esta instaurou em primeiro lugar. Na verdade, se a Autora pretende, com a presente causa, que o Tribunal declare a existência de justa causa de resolução do seu contrato de trabalho, na acção instaurada pela aqui 1ª Ré a sua pretensão é precisamente a oposta, qual seja, a declaração de inexistência de justa causa de resolução do contrato de trabalho da aqui Autora.
Por isso, e relativamente à Autora e à 1ª Ré, se na acção instaurada por esta última for declarado a ilicitude da resolução do contrato de trabalho da aqui Autora, então, fica prejudicado o conhecimento do pedido de declaração de justa causa formulado pela aqui Autora na presente acção. Mas tal prejudicialidade já não atinge os pedidos formulados contra a 2ª Ré na presente acção bem como o conhecimento dos créditos aqui reclamados pela Autora e que não estão relacionados com a resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa, como os valores reclamados a título de férias e subsídio de férias relativos ao ano de 2013, proporcionais de férias, subsídios de férias e de natal e férias e subsídio de férias vencidos em 01-01-2014.
Por isso, a presente acção não está totalmente dependente da instaurada pela 1ª Ré, na medida em que mesmo a admitir-se, por hipótese, que a acção pendente no Tribunal de Guimarães seria julgada procedente certo é que a presente sempre teria de prosseguir pelas razões que acima indicamos. Contudo, e se a dependência é apenas parcial [pelo menos no que respeita à Autora e à 1ª Ré] afigura-se-nos razoável e oportuno decretar-se a suspensão da instância quanto mais não seja para evitar decisões contraditórias.
No entanto, cumpre acrescentar o seguinte: a situação em apreço poderá configurar a necessidade de apensação de acções nos termos dos artigos 31º, nº1 do CPT [«A apensação de acções nos termos do artigo 275º do CPC – agora é o artigo 275º - pode também ser ordenada oficiosamente ou requerida pelo Ministério Público, ainda que este não represente ou patrocine qualquer das partes»], conjugado com o disposto no artigo 267º, nº1 do CPC [«Se forem propostas separadamente acções que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, é ordenada a junção delas» (…)] e 30º nº1 do CPT [(…) «a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção» (…) «desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal»], a não ser que o estado do processo pendente em Guimarães ou outra razão especial torne inconveniente a apensação.
Com efeito, a 1ª Ré pode deduzir, em sede de contestação na presente acção, pedido reconvencional no qual pode invocar a ilicitude da resolução do contrato de trabalho e pedir o pagamento da indemnização por falta de aviso prévio [foi o que ela fez na acção que instaurou contra a aqui Autora]. E a reconvenção é admissível porque o fundamento da presente acção é a resolução do contrato de trabalho com justa causa, sendo que o pedido de indemnização formulado pela 1ª Ré – falta de aviso prévio – deriva/emerge do mesmo fundamento, a resolução do contrato – artigo 399º do CT/2009. Por outro lado, a presente acção tem o valor de € 16.748,02.
Tal apensação visaria essencialmente garantir o julgamento uniforme da questão «resolução do contrato de trabalho com justa causa ou sem justa causa», evitando, assim, a contradição de julgados nesta parte.
Deste modo, não procede o recurso, sem prejuízo da suspensão da instância ser dada por finda acaso venha a ser ordenado a apensação das acções.
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Termos em que, se julga a apelação improcedente e se confirma o despacho recorrido.
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Custas da apelação a cargo da Autora.
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Porto, 15-06-2015
Fernanda Soares
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho