Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2326/13.4T2AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL
DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA
CULPA DO CONDUTOR
ACIDENTE
NEXO DE CAUSALIDADE
ALCOOLÉMIA
Nº do Documento: RP201610112326/13.4T2AVR.P1
Data do Acordão: 10/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 734, FLS. 67-77)
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito do Dec. Lei nº 522/85, de 31.12 - e de acordo com a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça [Acórdão nº 6/2002, de 28.5] - para que a seguradora que satisfez a indemnização tivesse direito de regresso era imprescindível que alegasse e provasse tanto a culpa do condutor na produção do acidente, como o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o referido acidente.
II - Agora, com o novo regime legal introduzido pelo Dec. Lei nº 291/2007, de 21.8 [art. 27º, nº 1, al. c)], para que o direito de regresso da seguradora proceda exige-se tão só que alegue e prove a culpa do condutor na produção do acidente e que este conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à permitida por lei.
III - Por conseguinte, já não se impõe à seguradora que alegue e prove factos donde resulte o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2326/13.4 T2AVR.P1
Comarca de Aveiro – Aveiro – Instância Local – Secção Cível – J1
Apelação
Recorrente: “B… – Companhia de Seguros, SA”
Recorrido: C…
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
A autora “B… – Companhia de Seguros, S.A.”, com sede na Rua …, n.º .., Porto intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra o réu C…, residente na Rua …, …, …, …, pedindo a condenação deste último a pagar-lhe a quantia de 8.940,56€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Alega, para tanto, em síntese que no exercício da sua atividade celebrou um contrato de seguro do ramo automóvel, para cobertura dos danos causados a terceiros e decorrentes da circulação do veículo de matrícula ..-..-JN, titulado pela apólice n.º ..-..- …….
Mais alega que no dia 8.8.2010, pelas 21 horas e 45 minutos, na A…, Km …, ocorreu um acidente onde interveio o veículo seguro, à data conduzido pelo réu que circulava no sentido Praia … - Aveiro.
Segundo a autora, e nas circunstâncias de tempo e de lugar supra descritas, o condutor do veículo seguro circulava de forma desenfreada, desgovernada e descontrolada, mercê do estado alcoolizado em que se encontrava, tendo embatido no veículo com a matrícula ..-..-RC que estava parado, no mesmo sentido de marcha, tal como os demais veículos.
Do embate resultaram danos materiais no veículo RC, bem como ferimentos nos ocupantes do veículo seguro, e no condutor do veículo RC, que totalizaram um custo no valor global de 8.940,56€.
Entende a autora que tem direito a reaver do réu as importâncias já pagas, uma vez que este deu causa ao acidente e acusava uma TAS de 1,26 g/l.
Não tendo sido possível a notificação pessoal do réu, foi este notificado editalmente, e cumprido o disposto no artigo 21º do Cód. de Processo Civil.
Não foi apresentada qualquer contestação.
Dispensou-se a realização da audiência prévia e elaborou-se despacho saneador.
Realizou-se audiência de julgamento com observância do legal formalismo.
Seguidamente proferiu-se sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o réu do pedido formulado pela autora.
A autora, inconformada, interpôs recurso do decidido, vindo a finalizar as suas alegações com as seguintes conclusões:
1 - Não se conformando com a douta Sentença proferida nestes autos, vem a ora Recorrente apresentar recurso de tal decisão, quanto a matéria de facto e de direito.
2 - A Autora veio exercer o seu direito de regresso contra o Réu, nos termos dos artigos 498.º do Código Civil e 27.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei 291/2007 de 21.08.
3 - Contudo, desde logo, aqui se salienta que, como adiante melhor amiúde se alegará, não é, desde logo, exacto, como resulta do teor da douta Sentença recorrida no seu relatório ab initio que “entende a autora que o acidente se ficou a dever ao facto de o réu ter acusado uma T.A.S. de 1,26 g/l, porquanto tem direito a reaver do réu as importâncias já pagas.”
4 - Com efeito, conforme resulta da petição inicial (cfr. artigo 35.º da petição inicial), e como se verá dos próprios factos dados como provados, tendo sido pela Autora satisfeitas indemnizações no valor global de €8940,56 (oito mil, novecentos e quarenta euros e cinquenta e seis cêntimos) a terceiros lesados identificados nestes autos, em consequência de acidente de viação aqui em causa, a aqui Autora tem direito de regresso sobre o condutor do veículo seguro, ora Réu, quando este tenha dado causa ao acidente (como se verificou no caso em questão) e conduza com uma taxa de alcoolemia no sangue superior à legalmente admitida (como também in casu sucedeu).
A título meramente acessório (…), como resulta expressamente do artigo 36.º da p.i., e somente àquele título, após alegar que estavam reunidos os pressupostos bastantes para o seu direito de regresso no artigo 35.º da p.i. é que a Autora vem de forma acessória – repete-se - alegar que foi a condução sob influência de álcool pelo R. que assim não estava no pleno uso das suas faculdades físicas e mentais a causa do acidente, determinando directa e necessariamente o acidente de viação vindo de descrever.
Mas ao contrário do alegado na douta sentença recorrida não faz depender o seu direito de regresso da prova daquele nexo de causalidade.
5 - A Autora alegou, desde logo, a matéria que resulta dos factos provados nos pontos 1 e 2 da Sentença recorrida relativos à existência do contrato de seguro em causa;
6 - Mais alegou a ocorrência e respetivos factos constitutivos do acidente de viação aqui em discussão e que a douta Sentença recorrida deu como provados, nos pontos 3 a 13 inclusive dos factos dados como provados;
7 - Face ao acidente de viação supra descrito, produziram-se os danos descritos nos pontos 16 a 22 inclusive dos factos dados como provados na douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, como consequência directa, causal e necessária do acidente de viação; ainda como resulta dos factos provados, sendo que a Autora, face ao acidente participado, procedeu à sua regularização – ponto 23 dos factos provados e pagou em consequência daqueles as quantias descritas no ponto 24 dos factos provados aos terceiros lesados, dado que como resulta dos factos provados, o Réu foi o único e exclusivo culpado pelo acidente supra descrito.
8 - Mais resultou provado nos pontos 14 e 15 dos factos dados como provados que o réu conduzia à data do acidente com uma taxa de álcool no sangue de 1,26 g/l. e tinha, como tal, sido condenado por sentença proferida a 19.08.2010, no âmbito do processo sumário, n.º 123/10.8GTAVR, que correu termos no juízo de pequena instância criminal de Ílhavo da extinta Comarca do Baixo Vouga, transitada em julgada em 20.09.2010, pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292 e 69º do Código Penal.
9 - Ao contrário do alegado na douta Sentença recorrida, a Autora não tinha o ónus da prova de que a taxa de alcoolémia de que o Réu era portador foi causa adequada da eclosão do acidente e tal não era pressuposto do exercício do direito de regresso que aqui exerce.
10 – A redacção da antecedente legislação do artigo 19.º, alínea c) do Decreto–Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, não é a mesma [do artigo] 27º nº1, al. c) do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto e sofreu alterações que determinaram deixar de ser exigível à Seguradora alegar e provar o nexo de causalidade entre a taxa de álcool no sangue de que é portador o condutor do veículo seguro e o acidente.
11 - Declara-se na douta sentença que “Tal redacção manteve-se intacta, sem quaisquer alterações”. Nada podia estar aquela afirmação mais longe da realidade.
Em vez que de se estabelecer como pressuposto do direito de regresso, o condutor “ter agido sob influência do álcool”, vêm estabelecer-se dois pressupostos autónomos, ou seja, que em relação ao condutor “este tenha dado causa ao acidente” e que se prova o mesmo “conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”.
12 - O Legislador, conhecedor da controvérsia jurisprudencial passada e da prolação do Acórdão de Uniformização da Jurisprudência nº 6/2002 válida apenas ao abrigo da anterior lei, pretendeu clarificar e pacificar a polémica gerada pela anterior lei. Caso assim não fosse, teria mantido a redação. E não o fez. Alterou-a e alterou-a de forma a afastar a necessidade pela Seguradora de provar o nexo de causalidade entre o álcool de que era portador o condutor e o acidente.
13 - É neste sentido – da inexistência de necessidade de prova do nexo causal entre a taxa de álcool de que é portador o condutor e o acidente -, dada a óbvia alteração da legislação, que a jurisprudência se tem pronunciado, aqui se citando, a título exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/11/2013, processo 995/10.6TVPRT.P1.S1, disponível na internet através do site www.dgsi.pt, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-10-2014, processo 582/11.1TBSTB.E1.S1, disponível na internet através do site www.dgsi.pt e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 139/12.0T2ALB.C1, de 01-07-2014, disponível na internet através do site www.dgsi.pt:
14 – Conforme o citado Acórdão do STJ de 09-10-2014 “a desconsideração” do nexo de causalidade no art. 27º do DL nº 291/2007 deve ser compreendida perspectivando o direito de regresso da seguradora como de natureza contratual e não extra-contratual; quer dizer, a previsão legal do direito de regresso integra o chamado estatuto legal imperativo do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
O risco assumido pela seguradora em tal contrato não cobre, nem poderia cobrir, os perigos acrescidos que a condução sob a influência do álcool envolve, porque, sendo proibida a condução com TAS igual ou superior a certo limite e sendo mesmo sancionada penalmente tal conduta quando atingir um limite superior (arts. 81.º, n.ºs 1 e 2, do CEst e 292.º do CP), tal assunção de risco pela seguradora seria nulo, por contrariar normas legais imperativas (art. 280.º, n.º 1, do CC).
15 - A aplicação da alínea c) do nº 1 do artº 27º do Decreto-Lei nº 291/2007, está dependente de dois pormenorizados pressupostos, cumulativamente enunciados: Ser o condutor o culpado pela eclosão do acidente (tenha dado causa ao acidente) e estar o condutor do veículo etilizado em medida superior ao legalmente permitido (conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida).
16 - Revendo a factualidade provada, importa lembrar que da factualidade dos pontos 3 a 13 resulta provado o primeiro pressuposto, ou seja, que o Réu deu causa ao acidente, foi o seu único e exclusivo culpado. Já da factualidade resultante dos pontos 14 e 15 resulta que era portador duma T.A.S. de 1,26 g/l no sangue, superior à legalmente permitida, tendo sido inclusivamente condenado em processo crime por tal facto.
17 - Ao decidir como decidiu, o Tribunal violou o disposto na al. c) do nº 1 do artº 27º do Decreto-Lei nº 291/2007 e 498.º do Código Civil. Devia ter concluído pela inexistência de ónus de prova pela Autora do nexo causal entre a taxa de alcoolemia de que era portador o Réu e a eclosão do acidente e não o contrário e de que tal nexo não constitui um pressuposto do direito de regresso que assiste à Autora.
18 - Deveria, face à prova produzida e factualidade provada, ter considerado que a Autora fez a prova dos pressupostos legais do direito de regresso que lhe assiste sobre o Réu nos termos do aludido normativo, julgando a ação totalmente procedente e condenando o Réu no pedido formulado pela Autora.
19 - Sem prejuízo do facto de não ser necessária a prova do nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia de que [era] portador o Réu e a produção do acidente a que deu causa única e exclusivamente, e sem conceder, também, mesmo que assim não se entenda, como supra se expôs, não concorda a Recorrente que tenha havido nos autos falta de prova de tal nexo causal.
20 - Com efeito, como resulta dos factos provados, não se provou qualquer outro motivo que, de forma exclusiva e em termos plausíveis, pudesse explicar a colisão provocada pela condução do Réu: o Réu circulava numa auto-estrada com bom tempo e boa visibilidade, o trânsito estava parado no seu sentido de marcha por causa de um acidente ocorrido e mesmo assim não evitou embater em veículo que daquela forma tinha-se imobilizado!
21 - Sendo o Réu portador duma taxa de alcoolemia de 1,26 g/l, taxa essa elevada, não sendo por acaso que a lei estabelece um limite de 1,2 g/l a partir do qual ser-se portador de taxa de alcoolemia configura ilícito criminal p.p. pelo artigo 292.º do Código Penal (como se sabe, a partir de tal valor são perdidas várias funções motoras como tempo de reação, atenção, há uma inércia generalizada, uma diminuição mais marcada de resposta a estímulos).
22 - Por ilação da factualidade provada sob os pontos 3 a 15 inclusive, deveria o tribunal ter dado como provado os pontos A, B e C dados como não provados, considerando-se também provado que:
A. O Réu conduziu de forma desenfreada, desgovernada e descontrolada, com manifesta falta de domínio sobre o veículo JN, com desatenção e perda de reflexos, sem estar no pleno uso das suas faculdades físicas e mentais;
B. A taxa de alcoolemia registada colocou o condutor do veículo JN num estado fisiologicamente debilitado, tendo afectado as suas capacidades sensoriais, perceptivas, cognitivas e motoras.
C. O embate só ocorreu em virtude do condutor do veículo circular com a aludida taxa.
23 - Existe, pois, um nexo de causalidade naturalístico, que por recurso à presunção judicial (cfr. art.º 351º do CC), como prova da primeira aparência, o tribunal deveria ter dado como provado, cabendo ao R contrariá-la para impedir a presunção judicial. Ora, este não apresentou qualquer contestação, tendo sido citado editalmente. Não ilidiu aquela presunção judicial.
24 - A não ser que resultasse dos autos que o condutor tinha agido com dolo e provocado o acidente, que tivesse alguma doença (física, psíquica), que houvesse alguma avaria mecânica, o acidente teria que ter como causa exclusiva o álcool.
25 - O Tribunal cometeu também um erro de apreciação de prova e violou o disposto nos artigos al. c) do nº 1 do artº 27º do Decreto-Lei nº 291/2007, 351.º do Código Civil e 498.º do Código Civil, pelo que deveria ter sido, também, pelo exposto, julgada totalmente procedente a presente ação, condenando o Réu no pedido formulado pela Autora.
26 - Sempre, sem prejuízo do exposto, e sem conceder, mesmo que assim não se entenda, por mera cautela e dever de patrocínio, aqui se alega o seguinte: mesmo na anterior lei ou jurisprudência, nem sequer a lei exigia que o Álcool fosse a causa exclusiva do acidente. Nunca seria necessário, para se decidir da procedência da acção em causa, que a taxa de alcoolemia de que o réu era portador fosse a causa exclusiva do acidente estradal, mas apenas basta que fosse até uma concausa.
27 - Relembre-se e frise-se que a taxa de alcoolémia no sangue em causa era de 1,26 g/l, ou seja, elevada e constitui crime, dados os efeitos extremamente graves que tem sobre as faculdades de atenção e neuro-motoras do condutor.
Pelo que por ilação da factualidade provada sob os pontos 3 a 15 inclusive, deveria o tribunal ter dado como provado os pontos A, B e C dados como não provados, considerando-se também provado que:
A. O Réu conduziu de forma desenfreada, desgovernada e descontrolada, com manifesta falta de domínio sobre o veículo JN, com desatenção e perda de reflexos, sem estar no pleno uso das suas faculdades físicas e mentais;
B. A taxa de alcoolemia registada colocou o condutor do veículo JN num estado fisiologicamente debilitado, tendo afectado as suas capacidades sensoriais, perceptivas, cognitivas e motoras.
C. O embate ocorreu em virtude do condutor do veículo circular com a aludida taxa.
28 - O Tribunal cometeu também um erro de apreciação de prova e violou o disposto nos artigos al. c) do nº 1 do artº 27º do Decreto-Lei nº 291/2007, 498.º do Código Civil e 351.º do Código Civil,
Pelo que deveria ter sido, também, pelo exposto, julgada totalmente procedente a presente ação.
Pretende assim o autor a revogação da sentença recorrida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se o direito de regresso da seguradora que se acha previsto no art. 27º, nº 1, al. c) do Dec. Lei nº 291/2007, de 21.8 pressupõe a prova do nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia e o acidente ou se, diversamente, se basta tão somente com a verificação de tal taxa de alcoolemia no momento do acidente.
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OS FACTOS
Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1. A autora exerce devidamente autorizada a indústria de seguros em vários ramos.
2. No exercício da sua actividade celebrou com D… um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º ..-..-……, relativo ao veículo, de marca e modelo Volkswagen …, de matrícula ..-..-JN, conforme proposta e apólice, cuja cópia consta de folhas 16-21 e 22, de que o teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3. No dia 8 de Agosto de 2010, pelas 21 horas e 45 minutos, ocorreu um acidente de viação na A…, ao Km …, no qual foram intervenientes o veículo seguro, acima referido, conduzido, à data, pelo réu, e o veículo de marca BMW, de matrícula ..-..-RC, pertencente e conduzido por E…, conforme participação de folhas 29-34, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4. No veículo JN seguiam àquela data como ocupantes F…, G…G… e H…H… todos residentes no Bairro …, n.º .., …, Aveiro.
5. No veículo RC seguiam à data como ocupantes I…, residente na Rua …, n.º …, Valongo, e a esposa do condutor, J….
6. A auto-estrada A… é composta por quatro hemi-faixas de rodagem, com 7,20 metros de largura, divididas, a meio, por um separador central.
7. No circunstancialismo de tempo e lugar, o réu circulava na A…, ao volante do veículo JN, no sentido Praia … – Aveiro.
8. O réu circulava pela faixa de rodagem da direita, atento o seu sentido de marcha.
9. E ao Km 8,400 daquela via, não tendo reparado que o trânsito se encontrava parado no seu sentido de marcha, por causa de um acidente que ocorrera naquela via, embora tenha travado, foi embater com a frente da sua viatura na retaguarda do veículo RC, que circulava no mesmo sentido de marcha e que naquele momento se encontrava parado.
10. O veículo JN deixou no solo um rasto de travagem de 13 metros.
11.Com o embate sofrido, o RC foi projectado para a faixa da esquerda.
12. O veículo JN guinou para aquela faixa da esquerda e voltou a embater na retaguarda do veículo RC.
13. Aquando do acidente, o tempo estava bom e a visibilidade era boa.
14. O réu conduzia à data do acidente com uma taxa de álcool no sangue de 1,26 g/l.
15. O réu foi condenado por sentença proferida a 19.08.2010, no âmbito do processo sumário, n.º 123/10.8GTAVR, que correu termos no juízo de pequena instância criminal de Ílhavo da extinta Comarca do Baixo Vouga, transitada em julgada em 20.09.2010, pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292 e 69º do Código Penal.
16. Como consequência do sinistro, em 08.08.2010, I… sofreu ferimentos leves, tendo sido atendido nos serviços de urgência do Hospital K…, em Aveiro.
17. Os passageiros F…, G… e H…, na sequência do acidente de viação, sofreram ferimentos leves e, em 08.08.2010, deram entrada nos serviços de urgência do Hospital K…, em Aveiro.
18. Em 09.08.2010, G… foi transportado, por uma ambulância, para o Hospital L….
19. No dia 17.08.2010, F… foi observada nos serviços de urgência do Hospital K…, em Aveiro.
20. Em virtude do acidente de viação, F… necessitou de consultas de clínica geral, de especialidade e de outros serviços na M….
21. Por causa do dito acidente de viação, o veículo RC apresentou diversos prejuízos.
22. No seguimento do acidente, E… e J…, partiram os óculos que usavam.
23. Após participação do sinistro, a Autora reconheceu o acidente como sendo de viação, tendo procedido à regularização do mesmo.
24. A Autora pagou, no seguimento do acidente de viação:
a. Ao hospital K…, a quantia de € 108,00, a título de despesas médicas relativas a I…, conforme documento de fls. 39 (factura com o n.º …….., emitida pelo Hospital K…, Epe., em 20.09.2010, com o valor total de €108,00), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
b. Ao hospital K…, a quantia de € 59,98, a título de despesas médicas relativas a G…, conforme documento de fls. 40 (factura com o número …….., emitida pelo Hospital K…, Epe. em 20.09.2010, com o valor total de €59,98);
c. Ao Hospital K…, a quantia de € 108,00, a título de despesas médicas relativas a G…, conforme documento de fls. 41 (factura com o n.º …….., emitida pelo Hospital K…, Epe. em 20.09.2010, com o valor total de €108,00);
d. A E…, a quantia de €6.500,00, a título de indemnização, pelos prejuízos sofridos com veículo RC, conforme documento de fls. 42 (recibo de indemnização, elaborado pela Autora, concernente a E…, no montante de €6.500,00);
e. A E…, a quantia de €1.430,00, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos com os dois óculos, conforme documento de fls. 43 (recibo de indemnização, elaborado pela Autora, concernente a E…, no montante de €1.430,00);
f. Ao Hospital K…, a quantia de € 108,00, a título de despesas médicas relativas a H…, conforme documento de fls. 46 (factura com o n.º ……., emitida pelo Hospital K…, Epe. em 20.09.2010, com o valor total de €108,00);
g. Ao Hospital K…, a quantia de € 216,00, a título de despesas médicas relativas a F…, conforme documento de fls. 47 (factura com o n.º …….., emitida pelo Hospital K…, E.P.E., em 20.09.2010, com o valor total de €216,00);
h. A F…, a quantia de €8,92, a título de indemnização, conforme documento de fls. 48 (recibo de indemnização, elaborado pela Autora, assinado por F…, no montante de €8,92);
i. A M…, a título de despesas médicas com F…, a quantia de €112,00, a título de despesas médicas, conforme documento de fls. 50 (factura como o n.º ….., emitida pela M…, com o valor global de 112,00);
j. Aos Hospitais L…, E.P.E., a título de despesas médicas com G…, a quantia de €175,80, conforme documento de fls. 51 (factura como o n.º …., emitida pelos Hospitais L…, E.P.E., com o valor global de 175,80);
k. Ao Hospital M…, a título de despesas médicas com F…, a quantia de €106,00, a título de despesas médicas, conforme documento de fls. 52 (factura como o n.º ….., emitida pela M…, com o valor global de 106,00);
l. A F…, a título de indemnização/despesas médicas, conforme documento de fls. 53 (recibo de indemnização, elaborado pela Autora, assinado por F…, no montante de €7,86).
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Não se deram como provados os seguintes factos:
A. O Réu tenha conduzido de forma desenfreada, desgovernada e descontrolada, com manifesta falta de domínio sobre o veículo JN, com desatenção e perda de reflexos, sem estar no pleno uso das suas faculdades físicas e mentais;
B. A taxa de alcoolemia registada colocou o condutor do veículo JN num estado fisiologicamente debilitado, tendo afectado as suas capacidades sensoriais, perceptivas, cognitivas e motoras.
C. O embate só ocorreu em virtude do condutor do veículo circular com a aludida taxa.
D. Em virtude dos dois embates, acima referidos nos factos provados, F… tenha sofrido uma fractura em três costelas e um traumatismo no tórax, G… tenha tido um traumatismo com golpe no nariz e H… tenha sofrido um traumatismo com golpe no queixo.
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O DIREITO
Na sentença recorrida, a Mmª Juíza “a quo” julgou improcedente a ação proposta pela autora “B… – Companhia de Seguros, SA”, por, pese embora o réu tenha acusado uma T.A.S de 1,26 g/l, não se ter feito prova de que o acidente ocorrido se ficou a dever à ingestão de bebidas alcoólicas.
Ou seja, apesar de se mover no âmbito de vigência do Dec. Lei nº 291/2007, de 21.8, exigiu-se na sentença recorrida para a procedência do direito de regresso invocado pela seguradora a prova do nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia registada pelo réu e a produção do acidente.
Entendimento contra o qual se insurge a autora que, apoiando-se em diversas decisões jurisprudenciais nesse sentido, sustenta, no recurso interposto, que, na atual legislação, o seu direito de regresso, para se verificar, pressupõe apenas que o réu tenha dado causa ao acidente e que este, nessa ocasião, registasse uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida.
Isto é, ao invés do que foi defendido na sentença recorrida, considera a autora/recorrente que o seu direito de regresso não depende da prova do nexo de causalidade entre a taxa de álcool no sangue e a ocorrência do acidente.
Vejamos então.
No art. 27º, nº 1, al. c) do Dec. Lei nº 291/2007, de 21.8., preceitua-se o seguinte:
«Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso:
(...)
c) Contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos»
Antes, no domínio do Dec. Lei nº 522/85, de 31.12, no seu art. 19º, al. c) estatuía-se o seguinte:
«Satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso:
(…)
c) Contra o condutor, se este (…) tiver agido sob a influência do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos (…);».
Sucede que relativamente a esta norma, contida no Dec. Lei nº 522/85, surgiram orientações jurisprudenciais divergentes, o que levou o Supremo Tribunal de Justiça, através do Acórdão nº 6/2002, de 28.5[1], a harmonizar a jurisprudência nos seguintes termos:
«A alínea c) do art. 19º do Dec. Lei nº 522/85, de 31.12. exige, para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influência do álcool, o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente».
Assim, há a concluir que no âmbito do Dec. Lei nº 522/85 para que a seguradora que satisfez a indemnização tivesse direito de regresso era imprescindível que alegasse e provasse tanto a culpa do condutor na produção do acidente, como o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o referido acidente.
Porém, confrontando o texto do art. 19º, al. c) do Dec. Lei nº 522/85 com o texto do art. 27º, nº 1, al. c) do Dec. Lei nº 291/2007, não pode deixar de se destacar a supressão do segmento “tiver agido sob a influência do álcool” e a sua substituição por “conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”.
Deste modo, no domínio do atual Dec. Lei nº 291/2007, o sujeito passivo da ação de regresso fundada em alcoolemia é o condutor que tenha dado causa ao acidente e que conduza com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida.
Pressupõe-se, pois, a culpa do condutor na verificação do acidente e a condução com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida que é de 0,5 g/l, nos termos do art. 81º, nº 2 do Cód. da Estrada.
Estabelece-se o seguinte neste preceito:
«1. É proibido conduzir sob a influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas.
2. Considera-se sob influência do álcool o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico.
(…)».
A lei presume, assim, “juris et de jure” que um condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l está sob a influência do álcool.
Por conseguinte, tal como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.10.2014 (proc. 582/11.1 TBSTB.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt.) “os pressupostos cumulativos do direito de regresso previsto no art. 27º nº1-c) do DL nº 291/2007, são a responsabilidade civil subjectiva do condutor responsável e a condução com TAS superior à legalmente permitida, deste facto se inferindo (presumindo) ex vi legis que o condutor está sob a influência do álcool…”
A atuação do condutor tem de ser passível de um juízo de dupla ilicitude manifestada na violação de direitos subjetivos alheios (responsabilidade civil propriamente dita) e na condução com taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida.
Esta dupla ilicitude fundamenta também uma dupla censura ético-jurídica (a que se concretiza na culpa pela eclosão do acidente e a que decorre da condução com taxa de álcool no sangue proibida).
Sucede, contudo, que na sentença recorrida a nova realidade resultante da redação do art. 27º, nº 1, al. c) do Dec. Lei nº 291/2007, diferente da do anterior art. 19º, al. c) do Dec. Lei nº 522/85, foi ignorada, continuando a Mmª Juíza “a quo” a orientar-se no seu percurso argumentativo por este último diploma e também pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 6/2002, acima citado.
Com efeito, na sequência do que atrás já se expôs, o Dec. Lei nº 291/2007, no seu art. 27º, nº 1, al. c), veio enunciar em termos diversos o requisito da alcoolemia, desconsiderando, em termos de relação de causa e efeito, a influência do álcool na condução.
Continuando a seguir o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.10.2014, há a frisar que “independentemente dessa influência – que o art. 81º nº 2 do Cód. Estrada presume absolutamente quando igual ou superior a 0,5g/l – o direito de regresso basta-se agora – para além da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil subjectiva e do cumprimento da respectiva obrigação de indemnizar - com uma TAS superior à legalmente permitida.”
“Deixou de relevar para o direito de regresso a questão de saber se in concreto a impregnação de álcool no sangue do condutor medida pela TAS influenciou ou não a condução em termos de constituir a causa remota da actuação culposa do condutor que fez eclodir o acidente: basta que o condutor acuse, no momento do acidente, uma TAS superior à legalmente admitida, para que, se tiver actuado com culpa – e obviamente se se verificarem os demais requisitos da responsabilidade civil subjectiva – possa ser demandado em acção de regresso pela seguradora que satisfez a indemnização ao lesado.”
Ainda sobre esta mesma questão escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.11.2013 (proc. nº 995/10.6 TVPRT.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt.[2]) o seguinte:
“O elemento filológico de exegese tirado do teor das locuções que integram o texto do preceituado no artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 291/2007 - apenas tem direito de regresso contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de superior à legalmente admitida (…) – cinge o intérprete a discorrer que, no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil, o direito de regresso conferido à seguradora ser-lhe-á irrestritamente concedido sempre que o condutor, julgado culpado pela eclosão do acidente, conduza a viatura com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”.
E regressando ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.10.2014 haverá a sublinhar que, aquando da alteração legislativa introduzida pelo Dec. Lei nº 291/2007, o legislador não podia ignorar a querela jurisprudencial surgida na vigência do Dec. Lei nº 522/85 sobre a exigência da prova por parte da seguradora do nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e a eclosão do acidente e à qual pusera termo o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 6/2002.
Assim, se fosse intenção do legislador manter a solução aí consagrada, tê-lo-ia dito expressamente, mantendo a redação do texto legal e esclarecendo mesmo o seu sentido de acordo com a interpretação que lhe fora dada pelo aresto uniformizador: “algo como, por ex., se tiver agido sob a influência do álcool e por isso tiver dado causa ao acidente.”
Acontece que o legislador não o fez.
“Antes, curou de alterar o texto legal, expurgando-o da expressão “agir ou conduzir sob a influência do álcool” e substituindo-a por outra, mais objectiva “conduzir com TAS igual ou superior à legalmente admitida”.
“É que, a exigência típica de conduzir sob a influência deve interpretar-se no sentido de que a ingestão de álcool (ou drogas) influa efectivamente na condução, afectando a capacidade do sujeito para conduzir com segurança, tornando a condução perigosa ex ante, potencialmente lesiva para a vida ou integridade dos demais participantes do tráfego; só assim se concretizaria a influência do álcool na condução, competindo o respectivo ónus de alegação e de prova à seguradora.”
Todavia, com o art. 27º do Dec. Lei nº 291/2007, a questão foi deveras simplificada, de tal modo que à seguradora basta agora alegar e provar a taxa de alcoolemia do condutor no momento do acidente, sendo irrelevante a relação de causa e efeito entre essa alcoolemia e o acidente.
Prosseguindo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.10.2014, no qual nos temos vindo a apoiar, escreve-se o seguinte:
“A “desconsideração” do nexo de causalidade no art. 27º do DL nº 291/2007 deve ser compreendida, perspectivando o direito de regresso da seguradora como de natureza contratual e não extracontratual; quer dizer, a previsão legal do direito de regresso integra o chamado estatuto legal imperativo do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
O risco assumido pela seguradora em tal contrato não cobre nem poderia cobrir os perigos acrescidos que a condução sob a influência do álcool envolve.
E dizemos nem poderia cobrir porque, sendo proibida a condução com TAS igual ou superior a certo limite e sendo mesmo sancionada penalmente tal conduta quando atingir um limite superior (art. 81º nº1 e 2 do Cód Estrada e 292º do Cód Penal), tal assunção de risco pela seguradora seria nulo, por contrariar normas legais imperativas (art. 280º nº1 CCivil).
Compreende-se assim que, nesse caso, o contrato de seguro não funcione quando o condutor conduza com uma TAS proibida ou, de outro modo dito, que a condução com TAS superior à legalmente permitida exclua a cobertura do seguro.
E, sem prejuízo da garantia que o contrato de seguro representa para o lesado, satisfeita a indemnização devida a este pela seguradora, o direito de regresso visa, afinal, restabelecer o equilíbrio interno do contrato de seguro, comprometido quando se impôs à seguradora uma obrigação de indemnização por danos verificados quando a responsabilidade civil do condutor não estava (nem podia estar) garantida e coberta pelo contrato de seguro.
A concentração de álcool no sangue para além de certo limite implica um agravamento do risco de acidentes que, por romper o equilíbrio contratual convencionado na proporção entre o risco (normal) assumido e o prémio estipulado e pago não pode deixar de ser juridicamente relevante, em termos de, sem comprometer a indemnização dos lesados, fazê-la repercutir sobre o condutor que deu causa ao acidente.
O direito de regresso emerge, assim, do contrato de seguro e não de responsabilidade extracontratual.”
Neste contexto, na senda do tudo o que se tem vindo a explanar, urge concluir que o art. 27º, nº 1, al. c) do Dec. Lei nº 291/2007, de 21.8 atribui à entidade seguradora o direito de regresso contra o condutor do veículo culpado pela eclosão do sinistro, sempre que a condução se tenha operado com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida e sem necessidade de comprovar o nexo de causalidade adequada entre o grau de TAS do condutor e o acidente: aquela condução (com TAS superior à legalmente permitida) funcionará, assim, como uma condição ou pressuposto do direito de regresso (independentemente da sua relação causal com o acidente) e não da responsabilidade civil; logo, a seguradora não tem que demonstrar que foi por causa da alcoolemia e da influência da mesma nas respetivas capacidades psico-motoras que o condutor praticou este ou aquele erro na condução e com isso, deu causa ao acidente, bastando-lhe demonstrar que, nesse momento, ele acusava uma concentração de álcool no sangue superior à permitida por lei.[3] [4]
Retornando ao caso dos autos, provou-se que o réu circulava, pela faixa de rodagem da direita, na A…, ao volante do veículo de matrícula ..-..-JN, no sentido Praia …-Aveiro e ao km … daquela via, não tendo reparado que o trânsito se encontrava parado no seu sentido de marcha, por causa de um acidente que ocorrera naquela via, embora tenha travado, foi embater com a frente da sua viatura na retaguarda do veículo RC, que circulava no mesmo sentido de marcha e que naquele momento se encontrava parado (cfr. nºs 7, 8 e 9).
Mais se provou que com o embate sofrido, o RC foi projetado para a faixa da esquerda, que o veículo JN guinou para aquela faixa da esquerda e voltou a embater na retaguarda do veículo RC e também que o tempo estava bom e a visibilidade era boa (cfr. nºs 11, 12 e 13).
Provou-se ainda que o réu conduzia aquando do acidente com uma taxa de álcool no sangue de 1,26 g/l e que foi condenado por sentença proferida a 19.08.2010, no âmbito do processo sumário, n.º 123/10.8GTAVR, que correu termos no juízo de pequena instância criminal de Ílhavo da extinta Comarca do Baixo Vouga, transitada em julgada em 20.09.2010, pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez (cfr. nºs 14 e 15).
Ora, desta descrição factual não podem resultar dúvidas de que o réu foi o causador do acidente e era, nesse momento, portador de uma taxa de alcoolemia de 1,26 g/l, superior ao mínimo legalmente permitido.
Assim sendo, tem a seguradora/autora direito de regresso relativamente ao montante indemnizatório que pagou aos lesados, o qual ascende à importância global de 8.940,56€.
Por conseguinte, procede o recurso interposto.
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No seu recurso, subsidiariamente, a autora também discorda da sentença recorrida na parte em que nesta se deu como não provado o nexo causal entre a taxa de alcoolemia que o réu registava e a produção do acidente, entendendo que toda a factualidade alusiva a tal nexo causal deveria ter sido dada como provada (conclusões 19 e seguintes).
Porém, face ao atrás exposto, onde se concluiu pela desnecessidade de prova por parte da seguradora do nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia e a verificação do acidente, é de considerar tal questão como prejudicada (cfr. art. 608º, nº 2, 1ª parte, do Cód. do Proc. Civil).
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
I - No âmbito do Dec. Lei nº 522/85, de 31.12 - e de acordo com a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça [Acórdão nº 6/2002, de 28.5] - para que a seguradora que satisfez a indemnização tivesse direito de regresso era imprescindível que alegasse e provasse tanto a culpa do condutor na produção do acidente, como o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o referido acidente.
II - Agora, com o novo regime legal introduzido pelo Dec. Lei nº 291/2007, de 21.8 [art. 27º, nº 1, al. c)], para que o direito de regresso da seguradora proceda exige-se tão só que alegue e prove a culpa do condutor na produção do acidente e que este conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à permitida por lei.
III - Por conseguinte, já não se impõe à seguradora que alegue e prove factos donde resulte o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto e, em consequência, revogando-se a sentença recorrida, condena-se o réu C… a pagar à autora “B…, Companhia de Seguros, S.A.” a quantia de 8.940,56€ (oito mil novecentos e quarenta euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida de juros à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
Custas a cargo do réu/recorrido.

Porto, 11.10.2016
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] Publicado no “Diário da República” – I série – 18.7.2002.
[2] Com um voto de vencido.
[3] Em sentido idêntico, que cremos surgir como maioritário nos nossos tribunais superiores, para além dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça já referidos, cfr. Ac. Rel. Porto de 16.12.2015, proc. 4678/13.7 TBVFR.P1, Ac. Rel. Porto de 27.11.2014, proc. 1754/13.0 TBMTS.P1, Ac. Rel. Porto de 13.12.2011, proc. 592/10.6 TJPRT.P1 (do presente relator), Ac. Rel. Lisboa de 11.11.2014, proc. 154/12.3 TBVPV.L1-1, Ac. Rel. Coimbra de 15.9.2015, proc. 744/14.0 TBVIS.C1, Ac. Rel. Coimbra de 1.7.2014, proc. 139/12.0 T2ALB.C1 e Ac. Rel. Coimbra de 22.1.2013, proc. 1278/11.0 T2AVR.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[4] Em sentido oposto, sustentando que o art. 27º do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21.8 deve ser interpretado de modo a manter-se o entendimento de que o direito de regresso da seguradora, nos casos de condução sob o efeito do álcool, só surge se tiver havido uma relação causal entre a etilização e a produção do evento, cfr. Ac. STJ de 6.7.2011, p. 129/08.7 TBPTL.G1.S1, Ac. Rel. Porto de 8.4.2014, proc. 109/13.0 TJPRT.P1 e Ac. Rel. Porto de 15.1.2013, proc. 995/10.6 TVPRT.P1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.