Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2237/21.0T8VNG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO RAMOS LOPES
Descritores: RECURSO DA DECISÃO DE FACTO
CONTRADIÇÃO NA MATÉRIA DE FACTO
QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
INSOLVÊNCIA CULPOSA
Nº do Documento: RP202301242237/21.0T8VNG-B.P1
Data do Acordão: 01/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ALTERAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Se a matéria objecto da impugnação não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia e indiferente à sorte da acção, de acordo com o direito aplicável (considerando as várias soluções plausíveis da questão de direito), não deverá a Relação conhecer da pretendida alteração, sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil, infrutífera, vã e estéril.
II - O princípio (ou regra) de que entre factos provados e factos não provados inexiste contradição (princípio assente na lógica de que os factos não provados não permitem formular qualquer juízo sobre os factos relevantes, tudo se passando como se os mesmos não existissem ou não tivessem sido alegados) comporta excepções, quer nos casos em que os factos não provados têm, singular ou globalmente considerados, um conteúdo sobreponível ao dos factos julgados provados, quer nos casos específicos em que os factos julgados não provados não acolheram o facto que constitui ou integra ‘antecedente lógico necessário’ do facto julgado provado.
III - Ocorrendo contradição (colisão) na matéria de facto, deve a Relação providenciar, mesmo oficiosamente, pelo suprimento imediato do vício (assim obstando à anulação do julgamento), reponderando os meios de prova que se encontrem disponíveis e nos quais o tribunal a quo se baseou.
IV - Deve considerar-se administradora de facto da sociedade devedora pessoa que, mais do que ter a amplos poderes de movimentação da sua conta bancária, dirige os seus trabalhos, negoceia em seu nome e em sua representação e dá ordens aos seus trabalhadores, representando o administrador único na sua ausência, praticando assim actos típicos e próprios da gestão empresarial, exercendo autonomamente funções próprias de um administrador (pois negoceia em nome da sociedade e representa o administrador, na ausência deste).
V - A não certificação legal das contas não integra a previsão da alínea h) do nº 2 do art. 186º do CIRE, antes a previsão da alínea b) do nº 3 do art. 186º do CIRE – a não certificação das contas não consubstancia qualquer incumprimento da obrigação de manter contabilidade organizada (alínea h) do nº 2 do art. 186º do CIRE), antes respeitando ao incumprimento (a que alude a previsão da alínea b) do nº 3 do art. 186º do CIRE) da obrigação de submeter as contas anualmente elaboradas à devida fiscalização e depósito. VI - O facto de não constar da escrituração (da contabilidade) da devedora o pagamento de um cliente seu, feito por transferência bancária para uma conta bancária da titularidade de administradora de facto da sociedade, consubstancia a prática de irregularidade contabilística que prejudica a compreensão da situação patrimonial e financeira da devedora.
VII - Irregularidade (referido no anterior número) que assenta em comportamento dos administradores que está directamente relacionado com a situação económico-financeira da sociedade, comportando uma nítida violação das regras de escrituração, que impede a demonstração da real situação económica daquela.
VIII - Situação (referida em VIII e IX) que preenche a previsão da alínea h) do nº 2 do art. 186º do CIRE – traduz a prática, pelos administradores da insolvente, no âmbito da escrituração da sociedade, de irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira da devedora.
IX - Integra a previsão da alínea d) do nº 2 do art. 186º do CIRE (e não da alínea f) do mesmo número) a situação em que quantias entregues por cliente da devedora para pagamento do preço de negócio com esta celebrado (negócio discriminado na alínea nn) dos factos provados) são integradas no património dos administradores, podendo afirmar-se o proveito destes e o concomitante e correspectivo prejuízo (diminuição) patrimonial da devedora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 2237/21.0T8VNG-B.P1
Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
RELATÓRIO

Apelantes: AA e BB.
Insolvente: A..., SA
Juízo de comércio de Vila Nova de Gaia (lugar de provimento de Juiz 5) – T. J. da Comarca do Porto.
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Declarada a insolvência da sociedade ‘A..., SA’, apresentou-se o Ministério Público a impetrar, ao abrigo do art. 188º, nº 1 do CIRE, fosse ordenada a abertura do incidente de qualificação de insolvência (tendo presente o disposto no art. 186º, nº 1, d) e f) e nº 3, a) do CIRE).
A credora B..., SUARL, apresentou-se a requerer a qualificação da insolvência como culposa, com afectação dos administradores de direito e de facto AA e BB, sustentando que exerceram, em conjunto, actividades de índole criminal (burla), usando a sociedade para perpetrar a actividade criminosa, levando terceiros a transferir para esta (sociedade insolvente) fundos que desviam, causando a insolvência de modo a furtar-se à devolução daqueles fundos com que se locupletaram.
Declarado aberto o incidente de qualificação (art. 188º, nº 1 do CIRE), o Sr. Administrador da Insolvência propôs a qualificação da insolvência como culposa, com fundamento nas alíneas f), g) e h) do nº 2 e alínea a) do nº 3 do art. 186º do CIRE, indicando como afectados os administradores AA e BB, alegando factos tendentes a demonstrar que esta última exercia, de facto, a administração e, bem assim, sustentando que no ano de 2020 foi subtraído, para a conta daqueles administradores, dinheiro entrado na conta da empresa, além de não existir contabilidade relativa ao ano de 2020 nem terem sido apresentados todos os documentos contabilísticos.
O M. P. emitiu parecer no sentido da qualificação da insolvência como culposa, também indicando como afectados pela qualificação os administradores AA e BB, que, alega, geriam a sociedade (descrevendo os actos exercidos pela BB nesse âmbito), descrevendo a factualidade susceptível de integrar os fundamentos de qualificação previstos nas alíneas a), h) e i) do nº 2 e alínea a) do nº 3 do art. 186º do CIRE.
Citados a devedora e os que foram identificados como devendo ser afectados pela qualificação, apresentaram-se apenas estes a deduzir oposição.
A requerida BB, além de invocar a nulidade do ‘parecer’ do MP que impulsionou a abertura do incidente (por inepto e inconcludente), sustentou que nunca exerceu funções de administração, limitando-se ao exercício das funções típicas da sua categoria profissional (directora financeira), alegando ainda não se mostrar preenchida a previsão da alínea a) do nº 3 do art. 186º do CIRE em atenção à suspensão dos prazos estabelecida na Lei 1-A/2020 e, bem assim, terem sido cumpridas, e tempestivamente, as exigências legais quanto às contas da sociedade.
O requerido AA, aludindo à espiral de problemas financeiros que afectaram a devedora a partir de meados de 2020, alegou que a mesma sempre manteve contabilidade organizada e prestou contas, negando ter recebido quaisquer montantes destinados à devedora e/ou ter retirado da mesma quaisquer fundos, tendo a conta da requerida BB sido utilizada apenas para manter o normal giro da empresa (por ter sido a devedora confrontada com várias penhoras).
Concluíram ambos pela qualificação da insolvência como fortuita.
Cumprido o contraditório, foi proferido despacho saneador (julgando-se improcedente a invocada nulidade do parecer do MP), identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova e, realizado o julgamento, foi proferida sentença que, considerando preenchidas as previsões normativas das alíneas f) e h) do nº 2 do art. 186º do CIRE:
a) qualificou como culposa a insolvência da devedora A..., SA,
b) declarou afectados pela qualificação BB e AA,
c) decretou a inibição de ambos (BB e AA), pelo período de 3 (três) anos, para administrar o património de terceiros e para o exercício do comércio, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa,
d) determinou a perda o crédito detido pela requerida BB, no montante de 52.000,00€ (cinquenta e dois mil euros), condenando a mesma a restituir ao Fundo de Garantia Salarial o montante de 11.970,00€ (onze mil novecentos e setenta euros),
e) determinou a perda de quaisquer outros créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelos requeridos (AA e BB), condenando-os a restituir os bens ou direitos já recebidos em pagamento de tais créditos, e
f) condenou solidariamente os requeridos afectados a indemnizar os credores da insolvente, considerando as forças dos respectivos patrimónios, em montante a quantificar em sede de liquidação de sentença, com o limite de 30.727,18€ (trinta mil setecentos e vinte e sete euros e dezoito cêntimos).
Apelaram, inconformados, os requeridos afectados.
O requerido AA - defendendo a revogação da sentença e sua substituição por outra que qualifique a insolvência como fortuita ou, pelo menos, não o afecte com a qualificação como culposa - termina as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. Trata este recurso, como referido, de impugnar a matéria de facto com base nomeadamente na prova testemunhal produzida na audiência final de julgamento e na prova documental junta aos autos.
II. E ainda sindicar a subsunção jurídica dos factos que resulta da sentença recorrida mesmo tendo em atenção os factos dados como provados.
III. A Recorrente argui, para todos os efeitos legais, a nulidade da sentença por falta de fundamentação da decisão proferida quanto à matéria de facto julgada provada, nulidade prevista no art. 615, nº 1, al. b) do CPC.
IV. Apenas os factos dados como provados podem ser tidos em consideração na decisão recorrida.
V. Considerou o tribunal que a requerida BB era administradora de facto da devedora, vide al. hhh) dos factos provados, matéria que o tribunal considerou como provada através do depoimento do Sr. AI (tendo em conta as informações que lhe foram transmitidas pelos trabalhadores).
VI. Em primeiro lugar, desconhecem os autos que trabalhadores prestaram informações e que informações prestaram.
VII. Depois, trata-se claramente de um conhecimento indireto: sabe porque lhe disseram.
VIII. Sem perder de vista que o Sr. AI não é testemunha: É parte.
IX. Com exceção do poder de movimentar as contas que resulta das informações da entidade bancária, não foi produzida qualquer prova, nem ela consta de nenhum elemento, que sustente o exercício por parte da requerida BB de uma verdadeira administração de facto da empresa.
X. Nenhum trabalhador depôs, nenhum fornecedor depôs, nenhum colaborador e ou prestador depôs, nenhum cliente depôs e tal não resulta do depoimento prestado pela testemunha CC.
XI. Deve ser dado como não provado que a requerida BB exercia as funções de administradora de facto da devedora.
XII. Deve ser expurgada dos factos provados a alínea tt).
XIII. Na alínea ww) o tribunal deu como provado que o preço pago pela B... integrou o património dos requeridos.
XIV. Trata-se de matéria puramente conclusiva, pois encerra, exclusivamente, juízos subjetivos, emanados da relatividade valorativa da parte que os alega.
XV. A sentença recorrida não concretiza, em termos fácticos, no tempo e no espaço, porque forma é que tal quantia foi colocada à disposição do recorrente, como ele a utilizou, em que circunstâncias e que aproveitamento de tais quantias retirou.
XVI. Pelo que tal expressão deve desde logo ser expurgada alterando-se a alínea ww) dando-se como provado que: O preço foi pago e insolvente não forneceu à “B..., SUARL” os bens identificados na alíneas nn).
XVII. Nenhuma das quantias referidas nas alíneas pp), qq), uu) e vv “integrou” o património do requerido recorrente AA.
XVIII. Desde logo porque o recorrente AA não era titular da conta bancária referida em ss), não tinha poderes da sua movimentação nem os fundos aí creditados estiveram ou forma colocados na sua disposição ou posse- nenhum facto provado o indicia ou afirma.
XIX. Não existe nos autos qualquer facto provado que demonstre que o recorrente recebeu valores que se destinavam à devedora, que os utilizou em benefício próprio ou de terceiro.
XX. Não está prova a existência de qualquer correspondência entre as quantias recebidas pela B..., transferidas para a conta da BB e os € 1.000,00 transferidos desta para a cota do recorrente.
XXI. Não pode o tribunal dar como provado de que as quantias pagas pela B... “integraram o património” do recorrente AA.
XXII. Na motivação o tribunal considera que a maioria das transferências aludidas em jjj) é precedida de transferências da própria insolvente para a conta bancária da requerida…- sem
XXIII. Facto que não está provado e muito menos consta dos factos provados.
XXIV. Nem o Tribunal demonstra e concretiza quais as concretas transferências que precederam as em causa.
XXV. Tribunal dá como não provado o facto alegado em 45º da oposição mas dá como provada a matéria da alínea JJJ) o que manifesta contradição ente os factos provados e os não provados e por conseguinte nulidade prevista no artigo 615º do CPC.
XXVI. Deveria o Tribunal ter dado como provado o facto referido em 40º da oposição uma vez que de nenhum facto provado resulta, afirmativamente, que o recorrente AA haja recebido nas contas bancárias quaisquer montantes destinados à devedora.
XXVII. Não resultou provado em qualquer outro documento e muito menos da prova testemunhal que de facto o recorrente tenha recebido qualquer valor na sua conta bancária destinado à devedora.
XXVIII. O facto alegado em 42º da oposição deveria ter sido dado como provado, pelo menos na parte em que se alega que a conta bancária da requerida BB era utilizada uma vez que a devedora tinha penhoras nas suas contas.
XXIX. O artigo 24 da oposição deveria ter sido dado como provado: Estando em falta apenas as contas relativa as 2020, foi apresentado em de 8 de junho de 2021 ao Sr. AI o balanço e a demonstração de resultados.
XXX. O Tribunal deveria ter dado como provado que a devedora cumpriu a sua obrigação de Prestação Legal de Contas relativamente aos anos de 2018, 2019 e 2020 tal como se infere da consulta à certidão permanente.
XXXI. Procedendo a alteração da matéria dada como provada nos termos expostos chegaríamos facilmente à conclusão de que:
- A requerida BB nunca exerceu de facto a administração da devedora,
- As transferências realizadas da conta da requerida BB para a conta da devedora não foram precedidas por transferências desta para aquela,
- O recorrente não recebeu na sua conta bancária qualquer montante destinado à devedora,
- O recorrente não dispôs de qualquer quantia monetária da devedora,
- A conta bancária da requerida BB era utilizada uma vez que a devedora tinha penhoras nas suas contas por força nomeadamente das execuções fiscais em curso,
- A devedora procedeu ao deposito legal de contas relativamente aos anos de 2018, 2019 e 2020,
- Relativamente ao ano de 2020 quer o balanco quer as demonstrações financeiras existiam e foram enviados para o Sr. AI.
XXXII. Estes factos resultam da prova produzida nomeadamente:
- Dos documentos juntos (nomeadamente dos relativos às dívidas em execução fiscal e à Certidão Permanente da empresa)
- Das declarações prestadas pelo Sr. AI,
- Do depoimento da testemunha CC.
XXXIII. Sem conceder, em relação à impugnação da matéria de facto julgada provada, a verdade é que mesmo atendendo apenas à matéria de facto constante da sentença proferida, nem assim se poderia considerar preenchidos os requisitos normativos necessários à verificação da presunção inilidível de insolvência culposa, previstos no art. 186, nº 2, al.s f) e h) do CIRE, preceito que a sentença recorrida.
XXXIV. Os factos não são subsumíveis à previsão da referida f) nem o tribunal enquadra adequadamente essa previsão.
XXXV. Limitando-se a referir que: Contudo, afigura-se-nos que os factos apurados integram a factualidade a que alude o art. 186º, n.º 2, alínea f), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; E a concluir: Os factos descritos nas alíneas jjj) e kkk) não impedem que se conclua pelo preenchimento da alínea f) do n.º 2 do art. 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
XXXVI. Quanto esta parte a sentença é nula por falta de fundamentação.
XXXVII. O interesse do devedor, a que a al. f) do nº 2 do art. 186 do CIRE faz referência, é o interesse social, entendido este, de acordo com a teoria contratualista, como sendo o interesse comum dos sócios, equivalente à obtenção de lucro, conforme decorre do disposto nos arts. 64, nº 1, al. b) do CSC e do art. 980 do CC.
XXXVIII. A devedora não ficou privada de quaisquer recursos; Sempre existiram movimentos entre a conta bancária da devedora e a conta bancária da BB; A devedora não teve qualquer prejuízo com aquela movimentação bancária – até porque a devedora não realizou qualquer investimento nem suportou qualquer custo no negócio com a “B...”; Nem tais factos implicam fazer do crédito ou de bens da devedora um uso contrário. Não houve qualquer aproveitamento de qualquer crédito da devedora; Não houve aproveitamento de qualquer bem da devedora para benefício do próprio ou de terceiro.
XXXIX. A materialidade assente consubstanciadora do aludido índice normativo, incidiu apenas nos pontos de facto tt) e no facto das contas da devedora não terem sido objeto de certificação legal por Revisor Oficial de Contas (em decorrência, ainda que indirecta, do que deu como provado sob as alíneas h) e i).
XL. Tais factos não integram a al. h) do n.º 1 do artigo 186º do CIRE.
XLI. Não estará em causa o facto do recorrente, enquanto administrador da devedora ter mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade – nenhum facto dado como provado suporta (nem sequer indicia) tal subsunção.
XLII. Nem foi ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.
XLIII. Por si só a alegada “ocultação” do valor de € 7.727,18, titulado por uma fatura proforma, que foi relevada contabilisticamente jamais integrar a previsão da l h) do n.º 2 do artigo 186º do CIRE.
XLIV. Em primeiro lugar não refletir na contabilidade no caso não significa esconder ou ocultar - isso é uma conclusão do tribunal.
XLV. Depois de tal omissão, não resulta aquele incumprimento substancial que a norma exige, inculcando antes a existência de uma irregularidade contabilística consistente na omissão da sua organização, deles não decorrendo que tenha havido por banda da devedora um qualquer comportamento tendente a esconder, alterar, ou adulterar as contas da empresa, por forma a dar a entender um giro comercial diverso do existente e muito menos que tivesse fugido às regras gerais do POC, porquanto foi pura e simplesmente omitida, nem tão pouco se indicia que esta omissão tivesse implicado um prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira da devedora.
XLVI. Se é certo que a certificação legal de contas integra a própria prestação de contas jamais se pode conceber que a sua falta reconduza à inexistência de contabilidade organizada e assim da previsão da al h) do n.º 2 do artigo 186º do CIRE.
XLVII. Não está dado como provado que nos anos de 2018, 2019 e 2020, inexistissem relatórios de gestão, contas dos exercícios, balanços, balancetes, mapas razão, livros diários, etc., etc.
XLVIII. Aliás, está dado como provado que a devedora cumpriu todas as suas obrigações declarativas fiscais – vide j), k), l) – e não existe registo da falta de entrega das declarações de IVA o que também pressupõe tal organização contabilística.
XLIX. A inexistência de certificação legal de contas não implica que a sociedade tenha a sua contabilidade organizada nos termos da lei e a sua informação empresarial e financeira ao alcance.
L. O que na alínea h) do n.º 2 do art. 186.º do CIRE está estabelecido como presunção inilidível duma insolvência culposa é o incumprimento “em termos substanciais” da obrigação de manter uma contabilidade organizada e fiel da situação patrimonial e financeira da empresa.
LI. Só existe tal omissão quando frustre os objetivos legais, ou seja, quando impossibilite o acesso a informação útil que permita a tomada conscienciosa de decisões.
LII. Não é pois qualquer incumprimento, nem qualquer irregularidade contabilística que preenche a presunção em questão. Tem de ser uma irregularidade com algum relevo, segundo as boas regras e práticas contabilísticas, e tem, simultaneamente, que ser uma irregularidade com influência na percepção que uma tal contabilidade transmite sobre a situação patrimonial e financeira do contabilizado.
LIII. Veja-se neste sentido Ac. do STJ de 02.03.2021 (Processo 3071/16.4T8STS) disponível em www.dgsi.pt “III - A ausência da organização da contabilidade referente aos anos de 2015 e 2016, corresponde a um comportamento negligente, mas não faz concluir, per se, um incumprimento substancial, quando não seja acompanhada de elementos factuais consubstanciadores de que tenha sido devida a algum intuito de ocultar a situação financeira da empresa.
LIV. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 186º nº 1, n.º 2 alíneas f) e h) do artigo 186º e 189º do CIRE e os artigos 607 e 615º º do Código de Processo Civil.
Por sua vez, a requerida BB, impugnando quer o despacho saneador (no segmento em que julgou improcedente a invocada ‘nulidade’ do parecer do MP), quer a sentença final, formulou as seguintes conclusões:
I. A Recorrente recorre, antes de mais, da decisão proferida em sede de saneador pela qual o Tribunal a quo julgou improcedente a exceção/nulidade invocada de ineptidão/falta de substanciação do parecer de qualificação proferido pelo MP.
II. Tribunal a quo apesar de aparentemente concordar com a posição (material) defendida pela Recorrente não convidou o MP a aperfeiçoar o seu parecer, nem o Sr. AI, e prosseguiu os autos com dois pareceres que, ressalvado o devido respeito, não se encontravam elaborados nos termos da lei e em condições de serem cabal e adequadamente contraditados pela Recorrente.
III. Devendo pois, antes de mais, ser revogada a decisão recorrida, e bem assim a decisão proferida em sede de saneador respeitante à exceção/nulidade invocada na oposição pela Recorrente, ordenando-se desde já o arquivamento do presente incidente ou, no limite, a notificação ao MP e ao Sr. AI para aperfeiçoarem adequadamente os respetivos pareceres.
Sem prescindir, quanto à decisão final de qualificação da insolvência,
IV. Trata este recurso, como referido, de impugnar a matéria de facto com base nomeadamente na prova testemunhal produzida na audiência final de julgamento e na prova documental junta aos autos.
V. E ainda sindicar a subsunção jurídica dos factos que resulta da sentença recorrida mesmo tendo em atenção os factos dados como provados.
VI. A Recorrente argui, para todos os efeitos legais, a nulidade da sentença por falta de fundamentação da decisão proferida quanto à matéria de facto julgada provada, nulidade prevista no art. 615, nº 1, al. b) do CPC.
VII. A Recorrente, por cautela, adere desde já ao recurso quanto à questão de facto interposto pelo Opoente AA, apresentando também as suas alegações, e assim,
VIII. Apenas os factos dados como provados podem ser tidos em consideração na decisão recorrida.
IX. Não vigora no incidente de qualificação de insolvência o ónus de impugnação especificada que resulta, com as inerentes cominações, do direito processual civil para o Réu em sede de contestação.
X. Considerou o tribunal que a requerida BB era administradora de facto da devedora, vide al. hhh) dos factos provados, matéria que o tribunal considerou como provada através do depoimento do Sr. AI (tendo em conta as informações que lhe foram transmitidas pelos trabalhadores).
XI. Em primeiro lugar, desconhecem os autos que trabalhadores prestaram informações e que informações prestaram.
XII. Com exceção do poder de movimentar as contas que resulta das informações da entidade bancária, não foi produzida qualquer prova, nem ela consta de nenhum elemento, que sustente o exercício por parte da requerida BB de uma verdadeira administração de facto da empresa.
XIII. Só o Senhor AA: (i) contratava e despedia trabalhadores; (ii) negociava contratos com fornecedores; (iii) decidia o posicionamento comercial da sociedade; (iv) decidia sobre que produtos integrariam, a cada momento, o respetivo comércio; (v) decidia sobre as operações da sociedade; (vi) Decidia a celebração de qualquer arrendamento para instalar a sociedade ou qualquer parte da sua operação; etc.
XIV. Mas este facto (do item hhh)) da matéria assente resulta mesmo infirmado por outros factos – estes sim verdadeiros – que resultam da seleção da matéria provada na sentença recorrida.
XV. Do Facto a) resulta, relativamente à sociedade insolvente «sendo administrador único AA» (o Tribunal a quo não diz “constando como administrador único...” Diz “sendo Administrador...”; Do facto x) que o aludido AA, como administrador único, foi notificado da sentença por expedição de 28.04.2021; Do facto y) que o requerido AA e o Sr. Administrador de Insolvência reuniram a 13 de Maio de 2021; Do facto z) que o Requerido AA indicou ao Sr. Administrador de Insolvência o contacto do técnico oficial de contas da insolvente; Do facto aa) que o Requerido AA e o TOC entregaram ao Sr. Administrador os elementos referidos em j) e k); Do facto cc) que o mesmo AA e o Sr. Administrador de Insolvência trocaram várias comunicações respeitantes à insolvente.
XVI. A Recorrente entende que se deve, antes de mais, expurgar da decisão proferida quanto à questão de facto, o facto elencado sob o item hhh), considerando que deverá tal facto ser dado como não provado, entendimento que sustenta:
- No teor da certidão de registo comercial da sociedade,
- No depoimento prestado pelo Senhor CC,
- Pela ausência de qualquer meio probatório que sustente o afirmado em hhh) pelo Tribunal a quo,
- Pelos factos dados como provados sob os items a), x), y), z), aa), cc),
- Pelo recibo de vencimento da Recorrente junto como doc. 3 com a PI (processo principal).
XVII. Deverá também ser corrigida a redação dada ao ponto qq) da matéria assente dele se expurgando a expressão “por indicação da requerida BB.”
XVIII. Passando apenas a afirmar-se “qq) Para pagamento da fatura pró-forma ... no valor de 7.727,18 euros… a “B..., SUARL” transferiu para a conta bancária com o IBAN ... (…)”
XIX. Alteração que resulta da absoluta ausência de prova nos autos do afirmado naquele ponto qq) pelo que não estará o Tribunal a quo em condições de afirmar ter sido a Recorrente BB a dar instruções à aludida “B...” para transferir qualquer quantia para a aludida conta.
XX. Deverá ainda ser aditado um novo facto provado, eventualmente e por uma questão de sistematização, sob o item m), alterando-se a ordem sucessiva dos factos subsequentes com a seguinte redação: m) As contas da insolvente respeitantes aos exercícios de 2017, 2018 e 2019, 2020 foram apresentadas pela insolvente junto da AT e devidamente depositadas e registadas na Conservatória competente.
XXI. Deverá também ser dado como provado um novo facto, que por questão de enquadramento sistemático poderá ser o n) com a seguinte redação: n) a contabilidade da insolvente espelhava fielmente os respetivos documentos de suporte, encontrando-se organizada segundo as normas técnicas aplicáveis.
XXII. Alteração à matéria de facto que decorrerá: 1.No teor do depoimento da testemunha CC; 2.No teor da certidão comercial da sociedade junta a fls.
XXIII. Sendo que os factos já dados como provados sob as alíneas j), k), l) e m) – na redação ora proposta – permitem concluir que a sociedade insolvente teve sempre, e pelo menos nos últimos 4 anos, a sua contabilidade devidamente organizada.
XXIV. Revogando-se assim a sentença recorrida quanto à questão de facto promovendo esta Relação, pela ordem de razões invocadas e tendo em consideração os meios de prova indicados, a alteração em conformidade da seleção da matéria de faco assente nos autos.
XXV. Do que resultará que, não sendo, como não é, a Recorrente BB Administradora de Facto da Insolvente não deverá ser afetada pelo presente incidente, devendo o presente apenso de qualificação ser arquivado quanto a esta, desde já e sem mais,
XXVI. Procedendo a alteração da matéria dada como provada nos termos expostos chegaríamos facilmente à conclusão de que:
a. A requerida BB nunca exerceu de facto a administração da devedora.
b. As transferências realizadas da conta da requerida BB para a conta da devedora não foram precedidas por transferências desta para aquela,
c. A devedora procedeu ao depósito legal de contas relativamente aos anos de 2018, 2019 e 2020,
d. Relativamente ao ano de 2020 quer o balanco quer as demonstrações financeiras existiam e foram enviados para o Sr. AI.
XXVII. Estes factos resultam da prova produzida nomeadamente: Dos documentos juntos (nomeadamente dos relativos às dívidas em execução fiscal e à Certidão Permanente da empresa); Das declarações prestadas pelo Sr. AI; Do depoimento da testemunha CC; Da harmonização com os demais factos provados.
XXVIII. Sem conceder, em relação à impugnação da matéria de facto julgada provada, a verdade é que mesmo atendendo apenas à matéria de facto constante da sentença proferida, nem assim se poderia considerar preenchidos os requisitos normativos necessários à verificação da presunção inilidível de insolvência culposa, previstos no art. 186, nº 2, al.s f) e h) do CIRE, preceito que a sentença recorrida.
XXIX. Nenhum facto constante da decisão recorrida é subsumível à previsão da referida al. 186, 2, f) do CIRE, nem o tribunal enquadra adequadamente essa previsão.
XXX. Quanto esta parte a sentença é nula por falta de fundamentação.
XXXI. O interesse do devedor, a que a al. f) do nº 2 do art. 186 do CIRE faz referência, é o interesse social, entendido este, de acordo com a teoria contratualista, como sendo o interesse comum dos sócios, equivalente à obtenção de lucro, conforme decorre do disposto nos arts. 64, nº 1, al. b) do CSC e do art. 980 do CC.
XXXII. Num exercício equivalente a criar passivo, designadamente bancário, para a devedora sem qualquer fundamentação e para benefício de terceiro em cuja atividade seja integrada a quantia mutuada à Devedora.
XXXIII. A devedora não ficou privada de quaisquer recursos; Sempre existiram movimentos entre a conta bancária da devedora e a conta bancária da BB; A devedora não teve qualquer prejuízo com aquela movimentação bancária – até porque a devedora não realizou qualquer investimento nem suportou qualquer custo no negócio com a “B...”; Nem tais factos implicam fazer do crédito ou de bens da devedora um uso contrário. Não houve qualquer aproveitamento de qualquer crédito da devedora; Não houve aproveitamento de qualquer bem da devedora para benefício do próprio ou de terceiro.
XXXIV. Também não se verifica nos autos a hipótese da alínea h) do mesmo artigo – não é qualquer incumprimento que convoca a aplicação deste normativo, apenas o incumprimento que, pela sua relevância e efeitos, deva considerar-se substancial.
XXXV. Não estará em causa o facto do Opoente AA, enquanto administrador da devedora ter mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade – nenhum facto dado como provado suporta (nem sequer indicia) tal subsunção.
XXXVI. Nem foi praticada irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.
XXXVII. Por si só a alegada “ocultação” do valor de € 7.727,18, titulado por uma fatura proforma, que foi relevada contabilisticamente jamais integrar a previsão da l h) do n.º 2 do artigo 186º do CIRE.
XXXVIII. Se é certo que a certificação legal de contas integra a própria prestação de contas jamais se pode conceber que a sua falta reconduza à inexistência de contabilidade organizada e assim da previsão da al h) do n.º 2 do artigo 186º do CIRE.
XXXIX. Em qualquer caso, como, bem, resulta dos factos assentes (dd), o total de créditos da insolvente (reclamados e reconhecidos) ascende apenas a cerca de 186.043,77 euros, incluindo o crédito da própria Recorrente de 52.000€ e diversos créditos à AT e SS de cerca de 75.000€ em regularização sob acordos de pagamento (alíneas ll) e mm)).
XL. Foram aprendidas para a MI a totalidade dos bens que existiam de valor próximo dos € 100.000,00
Assim, tais factos, em qualquer caso, não poderiam ter sido causa da insolvência, sendo que se os Opoentes Recorrentes tivessem pretendido, de facto apropriar-se fosse de que quantias fosse para uso pessoal e em benefício próprio, teriam também dissipado o património da sociedade, não permitindo a apreensão de uma verba de cerca de 100.000€ para pagamento a credores!
XLI. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 186º nº 1, n.º 2 alíneas f) e h) do artigo 186º e 189º do CIRE e os artigos 607 e 615º º do Código de Processo Civil
Contra-alegou o MP pela manutenção das decisões recorridas (quer do despacho saneador – impugnado pela apelante BB, no segmento em que julgou improcedente a invocada nulidade do parecer do MP –, quer da sentença final – impugnada por ambos os apelantes) e consequente improcedência dos recursos.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Da delimitação do objecto do recurso.
No tribunal a quo, por despacho não impugnado, não foi admitido o recurso interposto pela apelante BB do despacho saneador, outrossim se admitindo as apelações interpostas da sentença final.
Assim, compete tão só à Relação apreciar e conhecer das apelações interpostas pelos requeridos da sentença final.
Considerando a sentença final apelada e as conclusões das alegações (por estas se delimita o objecto dos recursos, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso - artigos 608º, n.º 2, 5º, n.º 3, 635º, n.ºs 4 e 5 e 639, n.º 1, do CPC), as questões a decidir reconduzem-se a apreciar:
- da nulidade da sentença (falta de fundamentação – quer da decisão de facto, quer da decisão de direito),
- da pretendida alteração da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto,
- da verificação dos pressupostos para qualificar a insolvência da devedora como culposa (preenchimento das situações previstas nas alíneas f) e h) do nº 2 do artigo 186º do CIRE) e consequente afectação dos requeridos apelantes.
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto
Na sentença recorrida consideraram-se:
Factos provados
a) A sociedade comercial ‘A..., SA’ está registada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC ..., tendo como objecto actividades de comércio por grosso de veículos automóveis, pesados, reboques e semi-reboques e autocaravanas, novos e usados, para transporte de passageiros e de mercadorias, comércio por groso de peças e acessórios para veículos automóveis, reparação e manutenção de máquinas e equipamentos industriais, manutenção e reparação de veículos automóveis, com sede na Praça ..., Porto, com o capital de 50.006,00 euros, sendo administrador único AA.
b) Foi constituída a 15 de Fevereiro de 2013, como sociedade por quotas, com sede na Rua ..., ..., Matosinhos, com o capital de 1.001,00 euros, dividido em duas quotas, uma no valor nominal de 1,00 euros, titulada por BB, e outra no valor nominal de 1.000,00 euros, titulado por AA, tendo sido designado gerente o último.
c) Através da inscrição com a ap. ..., de 26 de Abril de 2013, foi registado um aumento de capital de 48.999,00 euros, com entrada de uma nova sócia, passando a sócia BB a ser titular de uma quota no valor nominal de 1.000,00 euros, o sócio AA a ser titular de uma quota no valor nominal de 26.000,00 euros e a sócia ‘C..., Unipessoal, Lda.’ a ser titular de três quotas, duas no valor nominal de 10.000,00 euros e outra no valor nominal de 3.000,00 euros.
d) A 3 de Julho de 2015 verificou-se um novo aumento de capital, de 6,00 euros, por entradas em dinheiro de dois novos sócios, ‘D..., Lda.’, com uma quota no valor nominal de 3,00 euros, e DD, com uma quota no valor nominal de 3,00 euros, passando o capital para o montante de 50.006,00 euros [inscrição com a ap. ..., de 3 de Julho de 2015].
e) Nessa data, a sociedade comercial foi transformada em sociedade anónima, tendo sido designado como administrador único AA, como fiscal único ‘E..., Lda.’, representado por EE, e como suplente do fiscal único FF.
f) Através da inscrição com a ap. ..., de 14 de Fevereiro de 2019, mostra-se registada a alteração da sede, passando esta a ser na Praça ..., ..., Porto.
g) O último registo de prestação de contas é de 19 de Setembro de 2020, relativo ao exercício de 2019.
h) O Fiscal Único ‘E..., Lda.’, representado por EE, remeteu ao Presidente da Assembleia Geral da ‘A..., SA’ e ao seu Administrador Único a carta datada de 30 de Novembro de 2017, apresentando a renúncia às funções de Fiscal Único Efectivo para o mandato em curso para os anos de 2017 a 2019, com efeito a partir de 1 de Janeiro de 2017, cujas cópias foram juntas com a resposta de 5 de Abril de 2022 e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
i) Através da inscrição com a ap. ..., de 8 de Março de 2021, mostra-se registada a cessação de funções do Fiscal Único, ‘E..., Lda.’, e do Suplente do Fiscal Único, FF, por renúncia [data: 2017-12-11].
j) A sociedade comercial ‘A..., SA’ apresentou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, via internet, as declarações de rendimentos de IRC respeitantes aos anos de 2017, 2018 e 2019, recepcionadas, respectivamente, a 15 de Junho de 2018, 17 de Junho de 2018 e 29 de Maio de 2020.
k) A sociedade comercial ‘A..., SA’ apresentou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, via internet, as declarações anuais de IES relativas aos anos de 2017, 2018 e 2019, recepcionadas, respectivamente, a 11 de Julho de 2018, 13 de Julho de 2019 e 13 de Setembro de 2020.
l) A 8 de Junho de 2021 apresentou a declaração de rendimentos de IRS relativa ao ano de 2020 e, a 22 de Junho de 2021, apresentou a declaração anual de IES relativa ao ano de 2020.
m) A insolvente, relativamente aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, declarou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira não estar obrigada a ter as contas certificadas por ROC.
n) A insolvente, nos anos de 2018 e 2019, apresentou resultados líquido positivos, nos montantes, respectivamente, de 2.951,57 euros e de 19.080,59 euros.
o) A sociedade comercial ‘A..., SA’ não desenvolvia qualquer actividade na morada referida na alínea f), a qual se manteve sempre na Rua ..., ..., Matosinhos.
p) Foi na Rua ..., ..., Matosinhos, que no dia 21 de Outubro de 2020, no âmbito da acção executiva n.º 7499/17.4YIPRT, do Juízo Local Cível de Viana do Castelo – Juiz 4, em que é exequente ‘Massa Insolvente de F..., Lda.’ e executada ‘A..., SA’, que se procedeu a uma diligência de penhora de bens.
q) Era na Rua ..., ..., Matosinhos, que os trabalhadores desenvolviam a sua actividade, quando presencial.
r) Era a morada sita na Rua ..., ..., Matosinhos, que a sociedade comercial ‘A..., SA’ associava aos serviços da Segurança Social e à conta bancária aberta no ‘Banco 1...’, com o IBAN ....
s) A ‘A..., SA’ emitia facturas com indicação da morada sita na Rua ..., s/s, ..., Matosinhos, como, por exemplo, a factura nº ..., emitida a 30 de Março de 2020, e a factura nº ..., emitida a 30 de Junho de 2020, morada que também constava na apresentação a potenciais clientes na sua página da internet ....
t) A requerida BB, a 24 de Março de 2021, requereu a declaração de insolvência da sociedade comercial ‘A..., SA’, com os fundamentos que aqui damos por reproduzidos.
u) Por escrito datado de 31 de Dezembro de 2020, denominado ‘Acordo de Revogação de Contrato Individual de Trabalho’, cuja cópia foi junta, nomeadamente, com o requerimento de 17 Setembro de 2021, a sociedade comercial ‘A..., SA’, representada pelo administrador único AA, como ‘empregadora’, e BB, nos termos e condições que aqui se dão por reproduzidos, declararam revogar por mútuo acordo o contrato individual de trabalho em vigor a partir de 31 de Dezembro de 2020, cessando a partir de tal data o vínculo laboral existente, confessando-se a primeira devedora à segunda da quantia global de 52.000,00 euros, no qual estão incluídos as remunerações em atraso, férias vencidas e não gozadas, respectivos subsídios de férias e de Natal, trabalho suplementar prestado no últimos dois anos, formação em falta e respectivos proporcionais, a título de compensação pecuniária de natureza global, pagamento a realizar em prestações mensais de 2.000,00 euros, vencendo-se a 1ª até ao dia 8 de Janeiro de 2021 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.
v) A sociedade comercial ‘A..., SA’, citada, reconheceu a situação de insolvência e requereu a declaração de tal situação.
w) A 27 de Abril de 2021 foi proferida sentença que declarou a situação de insolvência da sociedade comercial ‘A..., SA’, transitada em julgado a 18 de Maio de 2021.
x) O requerido AA, na qualidade de administrador único, foi notificado de tal sentença por expedição de 28 de Abril de 2021.
y) O requerido AA e o Sr. Administrador da Insolvência reuniram a 13 de Maio de 2021, no escritório do último, tendo sido elaborada a ‘Acta de Reunião’ junta como documento nº 13/1 com a resposta de 5 de Abril de 2022, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
z) O requerido AA indicou ao Sr. Administrador da Insolvência o contacto do técnico oficial de contas da insolvente.
aa) O requerido AA e o técnico oficial de contas entregaram ao Sr. Administrador da Insolvência os elementos referidos nas alíneas j) e k), relativos aos anos de 2018 e 2019.
bb) Os elementos referidos na alínea l) foram comunicados ao Sr. Administrador da Insolvência.
cc) O requerido AA e o Sr. Administrador da Insolvência trocaram comunicações electrónicas relativas, nomeadamente, à contabilidade da insolvente e à situação dos seus bens.
dd) No apenso de reclamação de créditos, foram reconhecidos créditos no valor global de 186.043,77 euros, por sentença proferida a 25 de Outubro de 2021, transitada em julgado, onde se inclui o crédito reclamado pela requerida BB, com os fundamentos constantes da reclamação de créditos junta aos autos com o requerimento de 17 de Setembro de 2021, no montante de 52.000,00 euros.
ee) O crédito do Instituto da Segurança Social, I.P., no montante global de 31.864,32 euros, diz respeito a contribuições e quotizações, acrescida de juros de mora, relativas aos meses de Junho e Julho de 2018, Março, Novembro e Dezembro de 2019, Janeiro a Dezembro de 2020 e Abril de 2021.
ff) O crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira, no montante global de 43.408,60 euros, diz respeito a coimas, custas e impostos (IRC, IUC e IVA), nos termos que constam da certidão de dívidas que acompanha a reclamação de créditos, cuja cópia foi junta com o requerimento de 17 de Setembro de 2021 e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
gg) O crédito da trabalhadora GG diz respeito às retribuições e subsídios de alimentação dos meses de Outubro a Dezembro de 2020 e à retribuição e subsídio de alimentação do mês Janeiro de 2021, proporcionais, férias não gozadas, comissões, indemnização devida pela cessação ilícita do contrato de trabalho e juros de mora.
hh) O crédito do trabalhador HH diz respeito às retribuições e subsídios de alimentação dos meses de Outubro a Dezembro de 2020 e à retribuição e subsídio de alimentação do mês Janeiro de 2021, proporcionais, férias não gozadas, indemnização devida pela cessação ilícita do contrato de trabalho e juros de mora.
ii) A sociedade comercial ‘G..., Lda.’, inscrita na Autoridade Tributária e Aduaneira como responsável pelo processamento da contabilidade da insolvente, reclamou um crédito no montante global de 4.920,00 euros, relativo à prestação de serviços de contabilidade nos anos de 2019 e 2020 e a 20 facturas emitidas entre 31 de Maio de 2019 e 28 de Dezembro de 2020.
jj) Dentro do prazo previsto no art. 146º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, foram reclamados os seguintes créditos:
- pelo Ministério Público – no montante de 2.295,00 euros, relativo a coima e custas,
- pela Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P – no montante de 7.125,00 euros, emergente da decisão de revogação do financiamento da operação Norte-…-…-FEDER-…-D01-…, tomada a 13 de Janeiro de 2022, por incumprimento.
kk) O Sr. Administrador da Insolvência apreendeu bens a favor da massa insolvente avaliados em 99.945,00 euros.
ll) A insolvente solicitou o pagamento em prestações de dívidas objecto de execução nos processos de execução fiscal identificados no ofício de 26 e Maio de 2022, instaurados no Serviço de Finanças Matosinhos 1, respeitantes aos períodos de 2016, 2017 e 2018, o que foi deferido nos termos que constam do mesmo ofício, tendo sido realizados os pagamento aí descriminados.
mm) A insolvente requereu vários acordos prestacionais, cujos requerimentos e respectivos deferimentos constam do ofício de 31 de Maio de 2022, nos seguintes termos:
- no acordo nº 1678/2021, deferido em 100 prestações, no proc. nº ... e apensos (dívida dos meses de 8 a 12/2020), não foi liquidada qualquer prestação,
- no acordo nº 1096/2020, deferido em 34 prestações, no proc. nº ... e apensos (dívida dos meses de 2 a 5/2020), não foi liquidada qualquer prestação,
- no acordo nº 895/2020, deferido em 24 prestações, no proc. nº ... e apensos (dívida dos meses de 11/2019 a 01/2020), não foi liquidada qualquer prestação,
- no acordo nº 9291/2018, deferido em 36 prestações, no proc. nº ... e apensos (dívida dos meses de 6 e 7/2018), foram liquidadas 18 prestações.
nn) Em Maio de 2020 a ‘B..., SUARL’, sociedade comercial com sede em ..., Senegal, e a sociedade comercial ‘A..., SA’ estabeleceram contactos e celebraram um acordo, através do qual a primeira compraria à segunda um camião betoneira da marca Mercedes, modelo ..., do ano de 1999, e uma bomba de betão Serpa 20MT, pelo preço de 23.000,00 euros, bem como um conjunto de peças sobressalentes básicas para a bomba Serpa, pelo preço de 7.727,18 euros.
oo) Tal acordo levou à emissão, pela ora insolvente, de duas facturas pró-forma, com os números ... e ....
pp) Para pagamento da factura pró-forma ..., no valor de 23.000,00 euros, por indicação da insolvente, a ‘B..., SUARL’ transferiu para a conta bancária com o IBAN ...:
- o montante de 3.017,00 euros, no dia 27 de Maio de 2020,
- o montante de 3.000,00 euros, no dia 14 de Junho de 2020,
- o montante de 4.995,00 euros, no dia 24 de Junho de 2020,
- o montante de 3.238,00 euros, no dia 26 de Junho de 2020,
- o montante de 5.080,00 euros, no dia 2 de Julho de 2020, e
- o montante de 3.670,00 euros, no dia 9 de Julho de 2020.
qq) Para pagamento da factura pró-forma ..., no valor de 7.727,18 euros, por indicação da requerida BB, a ‘B..., SUARL’ transferiu para a conta bancária com o IBAN ...:
- o montante de 1.900,00 euros, a 28 de Julho de 2020,
- o montante de 3.900,00 euros, a 7 de Setembro de 2020,
- o montante de 950,00 euros, a 23 de Setembro de 2020, e
- o montante de 1.023,00 euros, no dia 24 de Setembro de 2020.
rr) A conta bancária com o IBAN ..., aberta no ‘Banco 1...’, era titulada pela insolvente e, nos três anos anteriores à declaração de insolvência, teve como representantes e únicos sujeitos com poderes de movimentação os requeridos AA e BB, podendo ambos movimentar a conta individualmente.
ss) A conta bancária com o IBAN ..., aberta no ‘Banco 1...’, é titulada pela requerida BB, foi aberta a 21 de Setembro de 2017, em regime de movimentação solidária com o requerido AA, sendo que, a 6 de Novembro de 2018, foi pedida a sua desvinculação, passando a conta bancária (e respectivas contas associadas), a partir de tal data, para o regime de movimentação individual, pela requerida BB.
tt) O montante referido na alínea qq) não foi registado na contabilidade da insolvente [conta clientes – adiantamento de clientes].
uu) As quantias descriminadas na alínea pp) deram entrada na conta da insolvente e, de seguida, foram transferidas para conta bancária titulada por BB nos seguintes termos:
- a 28 de Maio de 2020, a quantia global de 2.017,00 euros [500,00 euros + 500,00 euros + 500,00 euros + 500,00 euros + 17,00 euros],
- a 16 de Junho de 2020, a quantia de 3.000,00 euros,
- a 25 de Junho de 2020, a quantia de 4.990,00 euros,
- a 29 de Junho de 2020, a quantia global de 3.237,00 euros [500,00 euros + 500,00 euros + 500,00 euros + 500,00 euros + 500,00 euros + 500,00 euros + 237,00 euros],
- a 3 de Julho de 2020, a quantia global de 5.080,00 euros [5.000,00 euros + 60,00 euros + 20,00 euros],
- a 10 de Julho de 2020, a quantia de 3.669,00 euros.
vv) A 28 de Maio de 2020, após a transferência do montante de 3.017,00 euros, foi transferida para conta bancária titulada pelo requerido AA o montante global de 1.000,00 euros [500,00 euros + 500,00 euros].
ww) O preço foi pago e a insolvente não forneceu à ‘B..., SUARL’ os bens identificados na alínea nn), integrando as quantias entregues, descriminadas nas alíneas pp), qq), uu) e vv), no património dos requeridos.
xx) A insolvente cessou a sua actividade, pelo menos, a 31 de Dezembro de 2020.
yy) A credora ‘B..., SUARL’ instaurou contra a agora insolvente ‘A..., SA’ procedimento cautelar de arresto, o qual correu termos com o número 2755/21.0T8PRT, no Juízo Central Cível do Porto – Juiz 1, sendo que, a 5 de Março de 2021 foi proferida decisão, transitada em julgado a 5 de Maio de 2021, cuja certidão se encontra junta aos autos e cujo teor se dá aqui por reproduzido, a qual julgou procedente a providência cautelar e, para garantia do crédito indiciariamente apurado de 61.454,36 euros, determinou o arresto requerido, ou seja, dos bens que se encontrassem ‘no estabelecimento da Ré na Rua ..., ..., Matosinhos, e estacionados no seu parque de estacionamento, no que sejam camiões, em qualquer configuração, e autobombas montadas igualmente em veículos pesados’.
zz) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC ... a sociedade comercial ‘H..., SA’, com sede na Rua ..., ..., Matosinhos, com o capital de 50.000,00 euros, tendo como objecto a reparação, pintura, venda de peças e acessórios de pesados e ligeiros, assistência a veículos na estrada 24 horas, compra e venda e aluguer de veículos automóveis pesados, sendo seu administrador único o requerido AA.
aaa) Tal sociedade comercial foi constituída a 16 de Janeiro de 2014 como sociedade comercial por quotas, com o capital de 30.000,00 euros, tendo como sócios o requerido AA, com uma quota no valor nominal de 24.000,00 euros, e II, com uma quota no valor nominal de 6.000,00 euros, tendo sido designado gerente o primeiro.
bbb) O sócio II, a 3 de Setembro de 2015, transmitiu a sua quota, no valor nominal de 6.000,00 euros, a favor da requerida BB.
ccc) Através da inscrição com a ap. ..., de 27 de Junho de 2016, mostra-se registado um aumento de capital de 20.000,00 euros, por reforço das quotas dos já sócios e entrada de três novos sócios, passando a ser sócios o requerido AA com uma quota no valor nominal de 35.000,00 euros, a requerida BB com uma quota no valor nominal de 10.500,00 euros e DD, JJ e KK, cada um com uma quota no valor nominal de 1.500,00 euros.
ddd) Através da mesma inscrição mostra-se registada a transformação da mesma sociedade comercial em sociedade anónima, tendo sido designado administrador único o requerido AA.
eee) A 20 de Abril de 2021, a sociedade comercial ‘A..., SA’ requereu a declaração de insolvência da sociedade comercial ‘H..., SA’, com os fundamentos que constam do articulado cuja certidão foi junta aos autos a 23 de Dezembro de 2021, cujo teor se dá aqui por reproduzido, sendo que, a 14 de Maio de 2021 foi proferida sentença, transitada em julgado a 7 de Junho de 2021, que declarou a situação de insolvência no processo 996/21.0T8STS, do Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 5.
fff) No dia 21 de Outubro de 2020, na diligência de penhora referida na alínea p), a requerida BB, para suspensão da instância executiva, emitiu cinco cheques no valor de 1.000,00 euros cada, datados de 17 de Novembro e 17 de Dezembro de 2020, 17 de Janeiro, 17de Fevereiro e 17 de Março de 2021, sacados sobre a conta n.º ..., titulada pela sociedade comercial ‘H..., SA’, os quais, apresentados a pagamento, foram devolvidos por falta de provisão.
ggg) No recibo de vencimento da requerida BB, emitido pela insolvente, a mesma tinha a categoria/profissão “director de serviços/directora financeira”.
hhh) A requerida BB apresentava-se como Directora Financeira da insolvente e, não só tinha poderes para movimentar a conta bancária da insolvente, como dirigia os seus trabalhos, negociava em seu nome e dava ordens aos seus trabalhadores, assim como representava o requerido AA na sua ausência.
iii) A requerida movimentava a conta bancária identificada na alínea rr) a débito e a crédito.
jjj) A requerida BB, entre Abril de 2018 e Julho de 2020, transferiu para a conta bancária da insolvente, identificada na alínea rr), entre outras, as seguintes quantias:
- 500,00 euros, a 3 de Abril de 2018,
- 2.000,00 euros, a 10 de Abril de 2018,
- 1.687,00 euros, a 11 e 13 de Abril de 2018,
- 1.800,00 euros, a 18 de Abril de 2018,
- 7.380,00 euros, a 21 de Maio de 2018,
- 1.000,00 euros, a 29 e 30 de Maio de 2018,
- 50.750,00 euros, a 12 de Junho de 2018,
- 38.700,00 euros, a 21 de Junho de 2018,
- 17.100,00 euros, a 26 de Junho de 2018,
- 6.900,00 euros, a 23 de Julho de 2018,
- 800,00 euros, a 27 de Julho de 2018,
- 1.600,00 euros, a 7 de Agosto de 2018,
- 18.100,00 euros, a 29 de Agosto de 2018,
- 300,00 euros, a 14 de Setembro de 2018,
- 800,00 euros, a 25 de Setembro de 2018,
- 2.000,00 euros, a 1 de Outubro de 2018,
- 3.350,00 euros, a 4 de Outubro de 2018,
- 3.390,00 euros, a 8 de Outubro de 2018,
- 1.700,00 euros, a 23 de Outubro de 2018,
- 3.600,00 euros, a 5 de Novembro de 2018,
- 5.000,00 euros, a 28 de Novembro de 2018,
- 1.000,00 euros, a 30 de Novembro de 2018,
- 3.600,00 euros, a 5 de Dezembro de 2018,
- 4.459,66 euros, a 7 de Dezembro de 2018,
- 4.780,00 euros, a 18 de Dezembro de 2018,
- 5.000,00 euros, a 20 de Dezembro de 2018,
- 5.665,00 euros, a 4 de Janeiro de 2019,
- 3.600,00 euros, a 7 de Fevereiro de 2019,
- 3.600,00 euros, a 6 de Março de 2019,
- 3.600,00 euros, a 11 de Abril de 2019,
- 1.167,00 euros, a 29 de Abril de 2019,
- 4.310,00 euros, a 31 de Outubro de 2019,
- 1.020,00 euros, a 17 de Dezembro de 2019,
- 3.625,00 euros, a 7 de Janeiro de 2020,
- 1.400,00 euros, a 17 de Fevereiro de 2020,
- 1.000,00 euros, a 4 de Março de 2020,
- 1.000,00 euros, a 15 de Abril de 2020,
- 1.045,00 euros, a 8 de Maio de 2020, e
- 1.120,00 euros, a 4 de Junho de 2020.
kkk) Através da conta bancária identificada na alínea ss), a 15 de Julho de 2020, foram pagos, pelo menos, os montantes de 73,89 euros e de 137,00 euros ao IGFSS, I.P., relativos a dívidas da insolvente.
lll) O Fundo de Garantia Salarial pagou à requerida BB o montante de 11.970,00 euros, relativo a créditos que a mesma detinha sobre a insolvente e tal instituição foi julgada habilitada, na qualidade de adquirente do crédito em causa, e sub-rogada nos direitos e privilégios que cabiam à requerida, na medida daquele pagamento, por sentença transitada em julgado.
Factos não provados
Consideraram-se não provados quaisquer outros factos, nomeadamente (no que releva à presente apelação) os alegados nos artigos 30º, 31º, 58º, 59º, 65º, parte final, 66º, 68º, 69º, 70º, 71º e 72º da oposição da requerida BB e nos artigos 13º, 14º, 15º, 40º, 41º, 42º, 43º, 45º, 45º-A, 64º, 66º, 69º e 71º da oposição do requerido AA.
*
Fundamentação de direito
A. Da nulidade da decisão
A.1. Da nulidade da decisão por falta de fundamentação no âmbito da motivação da decisão de facto.
Invocam os apelantes a nulidade da sentença ‘por falta de fundamentação da decisão proferida quanto à matéria de facto julgada provada’ (conclusão IIIª do apelante AA e conclusão VIª da apelante BB).
Arguição de manifesta improcedência.
Porque actualmente, ao contrário do regime pregresso, não há lugar à prolação de decisão autónoma sobre o julgamento de facto, o regime da impugnação da decisão que, ao nível do facto, padeça de deficiência, obscuridade ou contradição, passa a ser o do acto em que agora se insere (nos termos do art. 615º do CPC)[1].
Os vícios da sentença não se autonomizam dos vícios da decisão sobre a matéria de facto e, por isso, ainda que tal circunstância não justifique sem mais a aplicação ‘do regime do art. 615 à parte da sentença relativa à decisão sobre a matéria de facto – desde logo porque a invocação dos vários vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640º e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do acto (cf. os nºs 2 e 3 do art. 662) –, obriga, pelo menos, a ponderar, caso a caso, a possibilidade dessa aplicação’, devendo reconhecer-se, porém, que tal possibilidade fica circunscrita à especificação dos factos que justificam a decisão, não se estendendo à motivação de tal decisão de facto (sendo a esta aplicável o regime do art. 662º, nº 2, d) e 3, b) e d) do CPC)[2].
Do exposto resulta que a invocada falta de fundamentação da decisão da matéria de facto (falta de fundamentação) não constitui vício da sentença susceptível de gerar nulidade à luz do art. 615º do CPC.
A.2. Da nulidade da decisão por falta de fundamentação de direito.
Invocam os apelantes (conclusões XXXIVª a XXXVIª do apelante AA e conclusões XXIXª e XXXª da apelante BB) a nulidade da decisão por não fundamentar a conclusão de que os factos que considerou provados preenchem a previsão inilidível de insolvência culposa plasmada na alínea f) do nº 2 do art. 186º do CIRE.
Não padece a decisão da imputada ausência de fundamentação jurídica.
Trata-se de vício (art. 615º, nº 1, b) do CPC) reportado à exigência estabelecida no art. 607º, nº 3 e 4 do CPC, que impõe ao juiz a especificação dos fundamentos de facto (discriminação dos factos relevantes) e de direito da decisão.
É inquestionável a necessidade de fundamentação das decisões judiciais – estruturalmente, na arquitectura do nosso ordenamento jurídico, a fundamentação das decisões constitui a sua verdadeira e válida fonte de legitimação (o que lhes concede o estatuto de decisão judicial, afastando-as da simples injunção ou imposição judicial), e por isso tal específico dever se encontra constitucionalmente plasmado (art. 205º, nº 1 da CRP, ao prescrever que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente devem ser fundamentadas na forma prevista na lei).
Corrente, pacífica e recorrente a afirmação de que para que a sentença careça de fundamentação ‘não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito’[3]. Entendimento que, partindo da ideia de que só a falta absoluta de fundamentação pode gerar a nulidade da sentença[4], arreda também do vício o putativo desacerto da decisão (a nulidade da decisão por falta de fundamentação é distinta da fundamentação deficiente ou divergente da pretendida[5]), pois à apreciação da nulidade da decisão por falta de fundamentação não interessa curar do acerto e justeza dos fundamentos elencados na decisão (do seu desacerto, da sua deficiência ou da sua incompletude – ou seja, não está em causa o erro do julgamento, a injustiça da decisão e/ou a sua não conformidade ao direito) – importa apurar, precisamente, se a decisão se mostra fundamentada, ou seja, alicerçada em argumentos que a suportem, independentemente de eles se mostrarem incompletos, deficientes, não convincentes ou mesmo desacertados.
Entendimento (de que apenas releva a falta total ou absoluta de fundamentação) que deve matizar-se em vista de conformar as exigências impostas pelo quadro constitucional vigente que impõe um dever geral de fundamentação das decisões judiciais (art. 205º, nº 1, da CRP), pois o que se pretende é que os seus ‘destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível’, o que só será conseguido se a decisão for perceptível – e assim que também a ‘fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório’[6]; à ‘falta de fundamentação de facto e de direito deve ser equiparada a fundamentação que exponha as razões, de facto e de direito, para a decisão de modo incompleto, tornando deste modo a decisão incompreensível e não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação.’[7]
Patologia (falta de fundamentação) que se não observa na decisão recorrida.
A decisão mostra-se, ao nível das razões jurídicas, fundamentada de modo compreensível e inteligível – a fundamentação da decisão não é inexistente nem padece de insuficiência que impossibilite aos seus destinatários a apreensão das razões justificativas: não pode considerar-se que a fundamentação apresentada seja, de todo em todo, inexistente ou que padeça de deficiência que comprometa a exposição das razões para a decisão tomada, mostrando-se expostas as razões pelas quais concluiu verificar-se o preenchimento da previsão normativa da alínea f) do nº 2 do art. 186º do CIRE.
Não interessando apurar (em vista de apreciar da nulidade da decisão por falta de fundamentação) do acerto e justeza dos fundamentos invocados (da sua deficiência ou incompletude, da sua conformidade ao direito), antes curar se a decisão se mostra alicerçada em argumentos que a suportem, independentemente de eles se mostrarem incompletos, deficientes, não convincentes ou mesmo desacertados, tem de concluir-se que a decisão apelada apresenta as razões para concluir verificar-se situação enquadrável na alínea f) do nº 2 do art. 186º do CIRE – a decisão recorrida entendeu (essa a justificação exposta), bem ou mal, não interessa, que o facto dos valores advindos de pagamento feito por cliente da insolvente terem sido integrados na esfera patrimonial dos requeridos apelantes preenche a previsão normativa da alínea f) do nº 2 do art. 186º do CIRE; considerou que os valores recebidos de cliente da insolvente para pagamento de contrato celebrado, vieram a ser integrados (por, numa parte, aí entrarem directamente; por para aí terem sido transferidos, noutra parte) na esfera patrimonial dos requeridos (em contas de depósito suas), sendo certo que a integração de tais valores nas contas dos requeridos não teve como justificação (como destino) satisfazer obrigações da insolvente (o pagamento de obrigações da insolvente com fundos existentes na conta da requerida ocorreu noutras situações em que se verificou a prévia transferência dos montantes necessários).
Conclui-se, assim, que a decisão se mostra fundamentada– fundamentação intrinsecamente coerente e inteligível.
Decorre do exposto não se verificar a arguida nulidade por falta de fundamentação.
B. Da censura dirigida à decisão da matéria de facto.
Impugnam os apelantes a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto sustentando que a valorização da prova produzida nos autos impõe diverso julgamento quanto a determinados pontos que indicam e bem assim se aditem dois novos factos.
Em concreto (além de invocarem a existência de matéria contraditória – o apelante AA sustenta na conclusão XXVª a contradição entre o facto 45º da sua oposição, julgado não provado, e a matéria da alínea jjj dos factos provados), pretendem os apelantes:
- se julgue não provada a matéria elencada na alínea hhh) dos factos provados,
- se altere a redacção dada ao ponto qq) dos factos provados, dele se expurgando a parte em que se refere que o facto aí vazado ocorreu ‘por indicação da requerida BB’,
- se expurgue da matéria provada o facto tt),
- se expurgue da alínea ww) a matéria conclusiva que aí se vazou - o segmento em que se refere que o preço pago pela B... integrou o património dos requeridos,
- se julgue não provado que as quantias pagas pela B... integraram o património do requerente AA - que nenhuma das quantias aludidas das alíneas pp), qq), uu) e vv) integrou o património do requerido AA, e, por contraponto, se julgue provado o alegado no artigo 40º da oposição do AA (que este não recebeu nas contas bancárias quaisquer montantes destinados à devedora),
- se julgue provado o alegado no artigo 42º da oposição da requerida BB, no segmento em que invoca ter sido a sua conta bancária utilizada uma vez que a ‘devedora tinha penhoras nas suas contas’ (sic),
- se acrescentem novos factos, julgando-se provado que:
- As contas da insolvente respeitantes aos exercícios de 2017, 2018 e 2019, 2020 foram apresentadas pela insolvente junto da AT e devidamente depositadas e registadas na Conservatória competente (e/ou que a devedora cumpriu a sua obrigação de prestação legal de contas relativamente aos anos de 2018, 2019 e 2020),
- Estando em falta apenas as contas relativas a 2020, foi apresentado em 8 de Junho de 2021 ao Sr. Administrador da Insolvência o balanço e a demonstração dos resultados, e
- A contabilidade da insolvente espelhava fielmente os respetivos documentos de suporte, encontrando-se organizada segundo as normas técnicas aplicáveis.
B.1. Da não apreciação da impugnação na parte que tem por objecto matéria irrelevante à apreciação e decisão da causa.
Como referido, pretendem os apelantes, além do mais, se aditem novos factos, levando-se ao acervo factual, em suma, o cumprimento da obrigação de prestação legal de contas relativamente aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 pela devedora e, bem assim, que a contabilidade desta espelhava fielmente os respetivos documentos de suporte, encontrando-se organizada segundo as normas técnicas aplicáveis.
Patente a desnecessidade de apreciar da impugnação neste segmento em que se pretende aditar novos factos à matéria provada – melhor e com mais rigor: impõe-se à Relação o dever de rejeitar a apreciação desta parte da impugnação, abstendo-se de a conhecer.
A apreciação da modificabilidade da decisão de facto é actividade reservada a matéria relevante à solução do caso, devendo a Relação abster-se de conhecer da impugnação cujo objecto incida sobre factualidade que não interfira de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados[8].
O recurso da sentença destina-se a possibilitar à parte vencida obter decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido no que concerne ao mérito da causa, estando a impugnação da matéria de facto teleológica e funcionalmente ordenada a permitir que a parte recorrente possa obter, na sua procedência, a alteração da decisão de mérito proferida na sentença recorrida. Propósito funcional da impugnação da decisão da matéria de facto que faz circunscrever a sua justificação às situações em que os factos impugnados possam ter interferência na solução do caso, ou seja, aos casos em que a solução do pleito esteja dependente da modificação que o recorrente pretende ver introduzida nos factos a considerar na decisão a proferir.
Se a matéria objecto da impugnação não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia e indiferente à sorte da acção, de acordo com o direito aplicável (considerando as várias soluções plausíveis da questão de direito[9]), não deverá a Relação conhecer da pretendida alteração, sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil, infrutífera, vã e estéril – se os factos objecto da impugnação não forem relevantes, considerando as soluções plausíveis de direito da causa, é de todo inútil a reponderação da correspondente decisão da 1ª instância, como sucederá nas situações em que, mesmo com a substituição pretendida pelo impugnante, a solução e enquadramento jurídico do objecto da lide permaneçam inalterados[10].
Tal é, precisamente, o que ocorre no caso dos autos relativamente à matéria agora em referência, ponderando que o ónus de prova da demonstração dos factos necessários ao preenchimento de qualquer das previsões dos nº 2 e 3º do art. 186º do CIRE, porque constitutivos da pretensão de qualificação da insolvência como culposa, cabe a quem pugna por tal qualificação[11].
Não cabendo aos requeridos a prova de factos destinados a comprovar não se verificar qualquer das situações previstas nas alíneas dos nº 2 e 3 do art. 186º do CIRE, não interessa à decisão apurar, positivamente, se a devedora cumpriu a obrigação de prestação de contas relativamente aos anos de 2017 a 2020 e se a sua contabilidade se encontrava organizada segundo as normas técnicas aplicáveis – importará sim (pois isso é que permitirá concluir pelo preenchimento da previsão da alínea h) do nº 2 e/ou da alínea b) do nº 3 do art. 186º do CIRE) apurar factos que demonstrem o incumprimento (em termos substanciais) da obrigação de manter contabilidade organizada, a manutenção de contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou a prática de irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial da empresa (alínea h) do nº 2 do preceito) ou o incumprimento da obrigação de elaborar as contas anuais e submete-las à devida fiscalização e depósito na conservatório do registo comercial (alínea b) do nº 3 do normativo).
No âmbito do incidente de qualificação da insolvência não interessa a prova de matéria que demonstre a não verificação de qualquer das situações previstas nos nº 2 e 3 do art. 186º do CIRE – não se provando matéria que permite qualificar a insolvência como culposa, ela será havida como fortuita (a insolvência fortuita delimita-se por exclusão de partes - ‘pela negativa ou por omissão, são fortuitas todas aquelas insolvências que não se qualificam como culposas’, não resultando dela qualquer consequência ou sanção para os devedores ou administradores[12]), pelo que para a sua qualificação como culposa é imprescindível a demonstração de qualquer facto que integre o conceito (conceito de insolvência culposa que o CIRE se ocupa de definir, por duas vias: o nº 1 do art. 186º contém uma ‘noção geral do instituto, que os nºs 2 e 3 complementam e concretizam por recurso a presunções’[13]).
A matéria que os apelantes pretendem ver aditada ao elenco da factualidade provada não releva nem interessa à apreciação da qualificação da insolvência (seja à luz da alínea h) do nº 2, seja à luz da alínea b) do nº 3 do art. 186º do CIRE – essas as situações que podem estar em questão no âmbito do segmento da impugnação da decisão de facto em apreciação) – não é pela consideração da matéria que se pretende ver aditada que se poderá concluir pelo caracter fortuito da insolvência (a insolvência será fortuita se não for qualificada como culposa), não sendo também tal factualidade matéria de excepção (na noção do art. 342º, nº 2 do CC), com virtualidade para afastar a qualificação como culposa a que outra matéria provada possa conduzir.
À qualificação da insolvência como fortuita, em vista de excluir a previsão da alínea h) do nº 2 do art. 186º do CIRE, não interessa demonstrar ter sido mantida contabilidade organizada, inexistir contabilidade fictícia ou dupla e/ou não ter sido praticada qualquer irregularidade que prejudique a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor (ou seja, não interessa demonstrar a não verificação dos pressupostos da previsão) – interessa é que se não demonstra, pela positiva, matéria que revele o incumprimento (em termos substanciais) da obrigação de manter contabilidade organizada, que revele a manutenção de contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou ainda a prática de irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor. Do mesmo modo, não se impõe ao devedor a prova de que cumpriu a obrigação de prestação de contas anuais e, bem assim, de as submeter à devida fiscalização e depósito na conservatória, pois que a previsão (em vista do estabelecimento da elidível presunção de culpa na produção da insolvência ou seu agravamento) da alínea b) do nº 3 do art. 186º do CIRE exige que tais factos sejam positivamente alegados e demonstrados pelo interessado que pugna pela qualificação da insolvência.
Tanto basta para concluir que a matéria que os apelantes pretendem aditar à fundamentação de facto é irrelevante e indiferente à apreciação do mérito da causa (e logo à alteração da decisão) – o que releva não é a demonstração de que se não verifica a previsão, antes e só a demonstração de que se mostra preenchida a previsão.
Mostra-se, pois, a matéria que os apelantes pretendem aditar aos factos provados irrelevante e indiferente à solução da causa, em razão do que a Relação se abstém de conhecer da impugnação que a tem por objecto.
B.2. Da existência de matéria contraditória.
Invocam os apelantes a existência de matéria contraditória – o apelante AA sustenta na conclusão XXVª a contradição entre matéria julgada provada (facto jjj) e matéria julgada não provada (o facto 45º da oposição).
Limita-se o apelante a invocar a nulidade, não indicando o sentido que propugna para o seu suprimento – falta sem consequências, porém, pois que a verificar-se um tal vício deverá a Relação providenciar pelo seu suprimento (trata-se de vício cuja apreciação não está sequer dependente de iniciativa da parte, estando sujeito a apreciação oficiosa da Relação)[14], suprimento imediato (obstando-se à anulação do julgamento) que poderá decorrer da reponderação dos meios de prova que se encontrem disponíveis e nos quais o tribunal a quo se baseou[15].
A matéria de facto, fundamental à decisão do litígio, constitui o substrato material ou humano sobre o qual incidirá todo o juízo valorativo do direito – é por referência a ela que se proferirá decisão, concedendo ou denegando tutela jurídica cabível, desencadeando as consequências jurídicas adequadas.
Curial é a consideração de que não podem existir dúvidas sobre o que tribunal considera como sendo a realidade factual a ponderar e valorizar.
Além de não serem admissíveis os casos de obscuridade (consideração de matéria ininteligível, equívoca ou imprecisa), é também inaceitável que qualquer contradição inquine a matéria de facto, ‘impedindo o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso’[16] – contradição que ocorre quando um facto colide com outro ou outros[17], tendo conteúdo logicamente incompatível, não podendo subsistir ambos utilmente[18].
A contradição implica a existência de ‘colisão’ entre a matéria constante dum facto e a matéria constante doutro (ou outros), ou com a factualidade provada no seu conjunto, de tal modo que uma delas seja contrária à outra[19].
Vício que pode verificar-se mesmo entre facto provado e facto não provado – ainda que nessas situações (confronto entre factos provados e factos não provados) o princípio (ou regra) seja o de inexistência de contradição (princípio assente na lógica de que os factos não provados não permitem formular qualquer juízo sobre os factos relevantes, tudo se passando como se os mesmos não existissem ou não tivessem sido alegados), existem excepções, quer nos casos em que os factos não provados têm, singular ou globalmente considerados, um conteúdo sobreponível ao dos factos julgados provados, quer nos casos específicos em que os factos julgados não provados não acolheram o facto que constitui ou integra ‘antecedente lógico necessário’ do facto julgado provado[20].
Na situação dos autos constata-se existir contradição (inconciliabilidade) entre a matéria julgada provada no facto jjj) e a factualidade considerada não provada relativa ao facto 45º da oposição deduzida pelo requerido apelante AA, pois que a matéria deste artigo da oposição tem conteúdo sobreponível àquele facto julgado provado – existe identidade (ao menos parcial – no que respeita ao período temporal de 2018 a Junho de 2020) entre a realidade afirmada na alínea jjj (onde se julgou provado que a requerida BB, entre Abril de 2018 e Julho de 2020, transferiu para a conta bancária da insolvente, entre outras, quantias cujos montantes se especificam, em datas concretas que se indicam) e a matéria julgada não provada alegada no artigo 45º da oposição do requerido AA (aí se alegou terem sido realizadas ‘dezenas de transferências bancárias da Sr. Dº BB a favor da Devedora Insolvente, de muitos milhares de euros desde 2018 até 2021’), tratando-se de conteúdos sobreponíveis, pois que a mesma realidade é simultaneamente afirmada como verdadeira (facto provado jjj) e como não provada (ao julgar-se não provado o facto 45º da oposição deduzida pelo requerido AA).
Contradição que se impõe solucionar, valorando a prova produzida a propósito, que se circunscreve (como aliás ponderado na decisão recorrida) a prova documental - informação prestada pelo Banco 1..., acompanhada dos extractos bancários relativos à conta mencionada no facto rr) concernentes ao período temporal decorrido entre 1/04/2018 e 30/04/2021 (informação e extractos juntos aos autos em 14/12/2021).
De tal prova resulta que no período temporal em questão (2018 a 2021 – período mais alargado, alegado pelo requerido no artigo 45º da sua oposição), foram feitas pela requerida BB as transferências especificadas na alínea jjj) dos factos provados para a indicada conta da insolvente (ou seja, entraram a crédito na conta da insolvente quantias para aí transferidas pela requerida BB) e ainda outras (além das referidas), designadamente em Maio, Junho e Julho de 2020 (a última transferência feita pela BB para a conta da insolvente data de 16/07/2020), nas seguintes datas e valores:
- em 21 de Maio de 2020, 3.600,00€,
- em 21 e 25 de Maio de 2020, respectivamente, 50,00€ e 300,00€,
- em 15 de Junho de 2020, 600,00€,
- em 16 de Junho de 2020, 2.600,00€
- em 29 de Junho, no valor de 225,45€, e
- em 16 de Julho de 2020, de 1.000,00€.
Assim que, em vista de suprir a detectada contradição (entre a alínea jjj) dos factos provados e a matéria julgada não provada relativa ao alegado no artigo 45º da oposição do requerido AA), passará a considerar-se provado (com a consequente alteração da redação da alínea jjj) dos factos provados):
jjj) A requerida BB, entre Abril de 2018 e Julho de 2020, transferiu para a conta bancária da insolvente, identificada na alínea rr), entre outras, as seguintes quantias: 500,00€ a 3 de Abril de 2018, 2.000,00€ a 10 de Abril de 2018, 1.687,00€ a 11 e 13 de Abril de 2018, 1.800,00€ a 18 de Abril de 2018, 7.380,00€ a 21 de Maio de 2018, 1.000,00€ a 29 e 30 de Maio de 2018, 50.750,00€ a 12 de Junho de 2018, 38.700,00€, a 21 de Junho de 2018, 17.100,00€ a 26 de Junho de 2018, 6.900,00€a 23 de Julho de 2018, 800,00€ a 27 de Julho de 2018, 1.600,00€ a 7 de Agosto de 2018, 18.100,00€ a 29 de Agosto de 2018, 300,00€ a 14 de Setembro de 2018, 800,00€ a 25 de Setembro de 2018, 2.000,00€ a 1 de Outubro de 2018, 3.350,00€ a 4 de Outubro de 2018, 3.390,00€ a 8 de Outubro de 2018, 1.700,00€ a 23 de Outubro de 2018, 3.600,00€ a 5 de Novembro de 2018, 5.000,00€ a 28 de Novembro de 2018, 1.000,00€ a 30 de Novembro de 2018, 3.600,00€ a 5 de Dezembro de 2018, 4.459,66€ a 7 de Dezembro de 2018, 4.780,00€ a 18 de Dezembro de 2018, 5.000,00€ a 20 de Dezembro de 2018, 5.665,00€ a 4 de Janeiro de 2019, 3.600,00€ a 7 de Fevereiro de 2019, 3.600,00€ a 6 de Março de 2019, 3.600,00€ a 11 de Abril de 2019, 1.167,00€ a 29 de Abril de 2019, 4.310,00€ a 31 de Outubro de 2019, 1.020,00€ a 17 de Dezembro de 2019, 3.625,00€ a 7 de Janeiro de 2020, 1.400,00€ a 17 de Fevereiro de 2020, 1.000,00€ a 4 de Março de 2020, 1.000,00€ a 15 de Abril de 2020, 1.045,00€ a 8 de Maio de 2020, 3.600,00€ a 21 de Maio de 2020, 50,00€ e 300,00€ a, respectivamente, 21 e 25 de Maio de 2020, 1.120,00€ a 4 de Junho de 2020, 600,00€ a 15 de Junho de 2020, 2.600,00€ a 16 de Junho de 2020, 225,45€ a 29 de Junho de 2020 e 1.000,00€ em 17 de Julho de 2020.
B.3. Da impugnação da decisão da matéria de facto (matéria julgada provada e não provada que merece discordância dos apelantes, por entenderem que a valorização da prova produzida nos autos conduz ao seu diverso julgamento).
B.3.1. Sustentam os apelantes dever julgar-se não provada a matéria elencada na alínea hhh) dos factos provados, por se dever considerar não provado que a requerida BB exercia as funções de administradora de facto da devedora.
Valorizando os elementos a propósito produzidos nos autos à luz das regras da racionalidade, da lógica, da normalidade e da experiência da vida, a convicção autónoma[21] que esta Relação adquire corrobora a do tribunal a quo.
Emerge como fundamental, nesta análise, a procuração (um dos elementos documentais juntos aos autos em ofício remetido pela autoridade tributária em 26/05/2022) que o requerido AA, administrador único da devedora desde que em Julho de 2015 foi transformada em sociedade anónima, outorgou em 18/03/2016, nessa qualidade, declarando atribuir à requerida BB os poderes de que era titular na referida sociedade, transferindo-lhe, designadamente (entre outros, como os de abertura e movimentação de contas bancárias, sem limite de valor, sacar e endossar letras), os poderes de representar a sociedade em juízo (e de substabelecer, para o efeito, os mais amplos forenses em direito permitidos e ainda os especiais para confessar, transigir e desistir em quaisquer acções em que a sociedade seja parte interessada), de adquirir e subscrever escrituras públicas para aquisição de imóveis, podendo subscrever toda a documentação conexa com tais aquisições, de assinar todo o expediente dirigido às Repartições de Finanças, entidades Alfandegárias, Centros Regionais de Segurança Social, Conservatórias, Notários, Tribunais, Ministérios ou quaisquer serviços destes dependentes, outras entidades e/ou Serviços Públicos e junto destas assinar, de acordo com as exigências destas, termos de fiança, de responsabilidade ou de abonação, se necessários, de intervir e obrigar a sociedade em todos os actos e contratos, dentro do objecto social da mesma, incluindo (além da compra de mercadorias e do pagamento a fornecedores e funcionários), o de contratar e despedir funcionários e, em caso de reclamações sobre o serviço ou outo, representar a sociedade junto das autoridades competentes e assumir qualquer assunto referente ao ‘Livro de Reclamações’.
Poderes de administração que a requerida exercia efectivamente, como se constata da circunstância de ter subscrito vários requerimentos dirigidos pela devedora aos serviços de finanças e de se corresponder com a segurança social em vista de conseguir o deferimento do pagamento de contribuições em prestações (vejam-se as cópias dos requerimentos e da correspondência electrónica que acompanham os ofícios juntos aos autos em 26/05/2022 e 31/05/2022 pelos serviços de finanças e pela segurança social – bem assim documentação junta pelo requerido AA com a sua oposição, sob o número 3), de movimentar a conta bancária da insolvente [nos três últimos anos anteriores à insolvência, eram os requeridos (ambos) os ‘representantes e únicos sujeitos com poderes de movimentação da conta’ da devedora, conta de depósitos à ordem aberta no Banco 1..., podendo ambos movimentar a conta individualmente (veja-se a alínea rr) dos factos provados, matéria que resulta demonstrada em face da informação bancária prestada pelo Banco 1... em 14/12/2021 e pelo documento dirigido ao Sr. Administrador da Insolvência e por este junto a estes autos em 21/01/2022 no qual o Banco 1... esclarece a que a ambos os apelantes tinam sido conferidos plenos poderes de movimentação, podendo movimentar a conta individualmente - matéria vazada no facto elencado na alínea rr), que os apelantes não impugnam)], de contratar terceiros para que fosse realizada a contabilidade da empresa (como referiu a testemunha CC, técnico oficial de contas, a sua empresa foi contratada pela requerida – e, acrescentou a testemunha, também pelo requerido – para realizar a contabilidade da sociedade insolvente em 2017), mantendo tal relacionamento com terceiros mesmo depois da declaração de insolvência (e, mais relevante, depois de ter acordado com a insolvente a revogação do contrato individual de trabalho - veja-se o facto provado na alínea u), como referido pela testemunha CC (afirmou que no âmbito das suas responsabilidades como contabilista da devedora manteve contacto com ambos os requeridos mesmo depois da declaração da insolvência).
Tais elementos são suficientemente relevantes e esclarecedores para permitir concluir pela veracidade do facto impugnado, não sendo minimamente infirmados pelo depoimento da testemunha CC (apesar de admitir que as funções desempenhadas pela requerida eram compatíveis com o seu cargo de directora financeira da empresa, começou a testemunha por referir, de forma espontânea, que a requerida ‘tinha funções de gerência, de administração’, que ‘era tudo tratado com ela, basicamente’).
Nota final e breve para refutar o argumento invocado pelos apelantes de que a matéria afirmada no facto impugnado se mostra arredada e infirmada por outros factos provados (designadamente os referidos nas alíneas a), x), y), z), aa) e cc) – a circunstância do requerido AA ser administrador único (de direito) da sociedade devedora não significa que a requerida não exercesse, de facto, funções de administração da sociedade devedora (tanto mais que o requerido AA outorgou procuração em que confere à requerida poderes de administração).
De corroborar e manter, pois, o julgamento do facto hhh) feito pela decisão recorrida.
B.3.2. Defende a apelante BB a alteração da redacção dada ao ponto qq) dos factos provados, dele se expurgando a parte em que se refere que o facto aí vazado ocorreu por sua indicação, pois não foi produzida prova que o permita sustentar (que permita afirmar ter sido por indicação sua que a cliente da devedora transferiu a referida quantia, ou qualquer outra, para a conta bancária identificada no facto em causa) e o apelante AA pede se expurgue da matéria provada o facto tt).
Linear a improcedência da impugnação.
Tendo presente, por um lado, que a conta para onde foi transferida a referida quantia é titulada pela requerida BB (e desde 2018 por ela exclusivamente movimentada – facto provado sob a alínea ss) – ao contrário da outra conta bancária, da titularidade da devedora insolvente, para a qual foram feitas as demais transferências do cliente da devedora em vista do pagamento de bens que acordara comprar-lhe (e que a devedora insolvente acordou vender), como exposto nos factos provados nn), pp) e rr) –, e por outro, que a requerida administrava/geria, de facto, a sociedade devedora, tem de considerar-se, à luz da lógica, da racionalidade e da experiência da via, que uma tal transferência só poderia ter acontecido com a expressa anuência da requerida, o que é corroborado pelo depoimento do Sr. Administrador da Insolvência, que referiu que a cliente da devedora procedeu como referido na alínea qq) por tal lhe ter sido pedido pela requerida BB – a lógica e a experiência da vida impõem se tenha por demonstrado que o cliente da devedora procedeu como explanado nos factos provados por indicação dos responsáveis da devedora, ou seja, que procedeu ao pagamento das duas facturas pró-forma emitidas em atenção ao acordo celebrado para a venda dos bens indicados no facto nn) nos termos indicados, fazendo transferências nos montantes indicados para as contas que para tano lhe foram indicadas.
O facto referido na alínea tt) resulta demonstrado pelo depoimento do Sr. Administrador da Insolvência, não infirmado por qualquer meio de prova (designadamente pela testemunha CC) – enquanto a testemunha CC, técnico oficial de contas que realizava a contabilidade da devedora insolvente, afirmou não saber se os movimentos em questão estão ou não reflectidos na contabilidade da empresa, o Sr. Administrador da Insolvência, no depoimento prestado em juízo, esclareceu que as transferências feitas pelo cliente para a conta bancária da devedora, referidas na alínea pp) dos factos provados, são reveladas na contabilidade da devedora insolvente (constam de ficha de contabilidade todos os movimentos lançados crédito), o que não acontece com as transferências referidas na alínea qq) (feitas directamente para conta da requerida BB).
A apreciação dos elementos probatórios produzidos nos autos leva esta Relação a formar convicção idêntica à do tribunal a quo quanto aos referidos factos – mantendo-se, assim, o seu julgamento.
B.3.3. Pretendem os apelantes se expurgue da alínea ww) o segmento (conclusivo, alegam) em que se refere que o preço pago pela B..., cliente da devedora, integrou o património dos requeridos, se julgue não provado que as quantias pagas por tal cliente integraram o património do requerente AA (que nenhuma das quantias das alíneas pp), qq), uu) e vv) integrou o património do requerido AA) e, por contraponto, se julgue provado o alegado no artigo 40º da oposição do AA (que este não recebeu nas contas bancárias quaisquer montantes destinados à devedora).
Pretensão impugnatória que esbarra frontalmente com os extractos bancários juntos aos autos, que espelham e comprovam que as quantias referidas nas alíneas qq), uu) e vv) vieram a integrar o património dos requeridos – seja porque a cliente da devedora transferiu as quantias indicadas directamente para conta da requerida BB, como resulta da alínea qq), seja porque transferidos os montantes para a conta da insolvente, desta foram depois transferidos para contas dos requeridos, como referido nas alíneas uu) e vv).
Não se diga que se trata de matéria conclusiva – não está em causa qualquer juízo de valor conclusivo, antes um pedaço de realidade: ter determinado valor, entregue por cliente da devedora em pagamento de contrato com esta celebrado, sido transferido para as contas dos requeridos.
Os extractos bancários relativos à conta mencionada na alínea rr) (conta titulada pela insolvente, para a qual foram feitas pelo cliente da insolvente as outras transferências, além das feitas directamente para a conta da requerida BB) juntos com a informação prestada pelo Banco 1..., concernentes ao período temporal decorrido entre 1/04/2018 e 30/04/2021 (informação e extractos juntos aos autos em 14/12/2021), demonstram tais transferências para as contas dos requeridos, nos termos consignados nas alíneas uu) e vv) – deles resulta que após recebidas na conta da insolvente as transferências provindas do cliente da insolvente logo foram efectuadas transferências para as contas dos requeridos, sendo certo a conta da insolvente era provisionada, para que tais transferências para as contas dos requeridos pudessem ser feitas, com as quantias para aí transferidas por aquele cliente.
Tal constatação (de que as transferências da conta da insolvente para contas dos requeridos eram efectuadas com a provisão resultante das transferências feitas pelo cliente ‘B...’) pode exemplificar-se com os seguintes movimentos:
- as transferências feitas em 28/05/2020 da conta da insolvente para contas dos requeridos AA (duas transferências de 500,00€ cada) e BB (quatro transferências de 500,00€ cada e uma de 17,00€), no valor global de 3.017,00€, ocorreram depois de em 27/05/2020 ter sido feito para a conta da insolvente, cujo saldo era então de 45,00€, transferência no valor de 3.017,00€ (sendo que o saldo da conta, após as referidas transferências, voltou a ser de 45,00€),
- em 16/06/2020 a conta da insolvente apresentava o saldo de 34,81€, tendo sido recebida transferência do cliente da insolvente, no valor de 3.000,00€, tendo na mesma data sido feita transferência para a conta da requerida BB no referido montante de 3.000,00€ (apresentando a conta, ainda nesse dia, após as referidas operações, o saldo de 34.81€ antes apresentado),
- em 25/06/2020, apresentando a conta da insolvente o saldo de 34,81€, foi nela recebida uma transferência de 4.995,00€ feita pelo cliente da ré, sendo na mesma data lançada a débito transferência para conta da BB, no montante de 4.990,00€, passando a conta da insolvente a apresentar saldo de 39,81€,
- em 29/06/2020, apresentando conta da insolvente o saldo de 39,81€, foi nela recebida uma transferência de 3.238,00€ provinda do cliente de ré, sendo na mesma data lançadas a débito transferências para conta da BB no valor de 3.237,00€, passando a conta da insolvente a apresentar saldo de 40,81€.
Exemplos que revelam, com a segurança necessária para se ter o facto vazado na alínea ww) como demonstrado em juízo, que o preço entregue pelo cliente da insolvente, para pagamento dos bens identificados na alínea nn), vieram a integrar as contas (o património) dos requeridos, nos termos que se vazaram nos factos provados qq), uu) e vv).
B.3.4. Por fim, sustenta o apelante AA dever julgar-se provado o alegado no artigo 42º da oposição da requerida BB, no segmento em que se invoca ter sido a conta bancária da requerida utilizada porque a ‘devedora tinha penhoras nas suas contas’ (sic).
Entende-se que com a impugnação pretende o apelante apresentar justificação para as transferências feitas da conta da insolvente para a conta da requerida BB (estas transferências aconteceriam porque, argumento o apelante, sobre a conta da devedora incidiam penhoras).
Tal pretensão não merece acolhimento – quer porque não foi produzida qualquer prova de que a conta da insolvente tenha sido objecto de penhora (que haja nomeada à penhora em qualquer execução, ainda que fiscal, que estivesse a correr contra ela), quer porque não justifica o facto de a devedora continuar, em tais circunstâncias, a receber na sua conta (alvo de ataque pelos credores no âmbito de processos executivos) pagamentos de clientes (se acaso tal conta estivesse penhorada, certamente que os valores nela recebidos – para ela transferidos a crédito – ficariam cativos, à ordem do processo em que a penhora fora realizada, e não poderiam ser transferidos a débito para outras contas, como se constatou ter ocorrido).
B.4. Resulta do exposto proceder apenas parcialmente a censura dirigida pelos apelantes à decisão da primeira instância sobre a matéria de facto, havendo tão só, que alterar a redacção da alínea jjj) dos factos provados nos termos acima referidos, mantendo-se no mais inalterada a decisão sobre a matéria de facto.
C. Da qualificação da insolvência como culposa – do preenchimento das previsões das alíneas f) e h) do nº 2 do artigo 186º do CIRE e consequente afectação dos requeridos apelantes.
A introdução do incidente de qualificação da insolvência visou afirmar ‘uma mais correcta perspectiva e delineação das finalidades e estrutura do processo de insolvência’, sendo propósito do legislador (com o uso do incidente de qualificação) a obtenção de ‘uma maior e mais eficaz responsabilização dos titulares de empresa e dos administradores de pessoas colectivas’, evitando o ‘surgimento de condutas altamente prejudiciais à proteção e segurança do tráfego jurídico-mercantil’ e impedindo ‘que os promotores dessas condutas passem pelos «pingos da chuva» sem que nenhuma consequência ou advertência’ lhe sela imputada[22].
A finalidade do incidente, anunciada no art. 185º do CIRE, consiste em averiguar as causas que conduziram à situação de insolvência para a qualificar numa das legalmente tipificadas categorias (fortuita ou culposa), ‘podendo desencadear uma verdadeira responsabilidade que é específica e autónoma de outras responsabilidades’[23] – concluindo pela qualificação da insolvência como culposa, ‘a sentença identifica os sujeitos culpados, para que sobre eles se produzam certos efeitos, também eles declarados na sentença’[24] (efeitos que têm, ou devem ter, não uma função instrumental do processo, mas ‘uma função eminentemente punitiva, funcionando como uma espécie de «penas civis»’[25]).
Como já acima referido, a insolvência fortuita delimita-se por exclusão de partes (são fortuitas todas aquelas insolvências que não se qualificam como culposas), ocupando-se o CIRE de definir apenas o conceito de insolvência culposa: o nº 1 do art. 186º do CIRE contém uma noção geral do instituto, que os números 2 e 3 complementam e concretizam.
A insolvência culposa – assim resulta do nº 1 do art. 186º do CIRE – implica sempre uma actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, que hajam criado ou agravado a situação de insolvência; deve recorrer-se às noções de dolo e de culpa grave dos termos gerais de Direito, havendo ainda que ponderar, face ao disposto no parte final do nº 1 do art. 186º do CIRE, que uma actuação com as características e relevância assinaladas deixa de ser atendida para o efeito de qualificar a insolvência como culposa se não tiver ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência[26].
No âmbito objectivo da insolvência culposa incluem-se os comportamentos (dolosos ou gravemente culposos) idóneos e/ou suficientes para a criação da situação de insolvência ou para o seu agravamento, estabelecendo os números 2 e 3 do art. 186º do CIRE, no intuito de oferecer ‘maior e melhor perceção do conceito’, um ‘elenco de presunções’, enumerando ‘situações em que se presume sempre a insolvência culposa do devedor na insolvência (nº 2) e situações em que se presume a existência de culpa grave (nº 3)’[27] – enquanto o nº 1 do preceito define em que consiste a insolvência culposa, fixando uma noção geral, o nº 2 estabelece uma presunção inilidível que complementa essa noção e, finalmente, o nº 3 dá por verificada, quando constatadas as circunstâncias elencadas, mediante uma presunção ilidível, a existência de culpa grave[28].
Consagra o nº 2 do art. 186º do CIRE um elenco de situações fácticas cuja verificação determina se considere, sempre, a insolvência culposa – elenco de presunções inilidíveis de insolvência culposa[29] (ou presunções absolutas de insolvência culposa ou de culpa na insolvência, no que se refere às alíneas a) a g), sendo que as alíneas h) e i) mais pareçam ‘ser ficções legais’ dado que a factualidade nelas ‘descrita não é de molde a fazer presumir com segurança o nexo de causalidade entre o fato e a insolvência’, que a par da culpa é o requisito fundamental da insolvência culposa segundo a cláusula geral do nº 1 do preceito[30]) ou a enunciação legal de situações típicas de insolvência culposa; no preceito em questão o legislador faz corresponder à prova da ocorrência de determinado facto não a ilação de que um outro facto (fenómeno ou acontecimento da realidade empírico-sensível) ocorreu, mas a valoração normativa da conduta que esses factos integram: seja considerando as alíneas do nº 2 do art. 186º do CIRE como presunções inilidíveis de culpa, factos-índice ou tipos secundários de insolvência dolosa, o legislador prescinde duma autónoma apreciação judicial acerca da existência de culpa como requisito da adopção das medidas restritivas previstas no artigo 189º do CIRE contra as pessoas (os administradores, de direito ou de facto, técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas) julgadas responsáveis pela insolvência, sendo que a prova dos comportamentos ali descritos determina se conclua pela verificação da insolvência culposa, sem necessidade (sequer possibilidade) de um juízo casuístico efectuado pelo julgador perante todo o circunstancialismo do caso concreto, tratando-se, assim, duma verdadeira limitação do campo de valoração judicial autónoma do significado normativo da conduta prevista e, por consequência, do âmbito de defesa potencial do interessado (trata-se, em qualquer das alíneas do nº 2 do art. 186º do CIRE, do estabelecimento da automática inerência do juízo normativo de culpa), que se justifica pois se evita a subjectividade inerente a um juízo de censura ético-jurídico, superando-se concomitantemente as dificuldades de apuramento de todo o circunstancialismo envolvente da situação de insolvência (objectivos legítimos, alicerçados em razões de segurança jurídica e de justiça material)[31].
Diversamente, o número 3º do art. 186º do CIRE contém presunções iuris tantum, ou seja, presunções relativas que admitem ilisão. A propósito, uma posição minoritária entende (rectius, entendia) que, sob ‘pena de perder grande parte da sua utilidade’, tal número ‘consagra não meras presunções (relativas) de culpa grave’, mas ‘autênticas presunções (relativas) de insolvência culposa (ou de culpa na insolvência)’[32], enquanto a posição maioritária defende estarem aí estabelecidas presunções relativas de culpa grave na produção da insolvência (não presunções de insolvência culposa), cabendo à parte que as alega fazer prova do nexo de causalidade (que a prática de tais condutas ou omissões de comportamentos e actos levou ao surgimento ou agravamento da situação de insolvência)[33].
Este segundo entendimento era o que vínhamos seguindo, por considerarmos que o legislador demarcou a natureza das presunções elencando-as em dois números distintos, o que realçava a sua intenção de estabelecer soluções dissemelhantes, impondo-se ainda ponderar o argumento literal, pois que a norma expressamente referia presumir-se a existência de culpa grave[34], o que nos levava a concluir que a norma (nº 3 do art. 186º do CIRE) estabelecia presunções ilidíveis de culpa grave[35], não dispensando porém ‘a demonstração do nexo causal entre o comportamento (presumido) gravemente culposo do devedor ou dos seus administradores e o surgimento ou agravamento da situação de insolvência’, sendo necessário em tais situações verificar se tais comportamentos criaram ou agravaram a situação de insolvência, ‘não abrangendo tais presunções ilidíveis a do nexo causal entre tais actuações omissivas e a situação da verificação da insolvência ou do seu agravamento’[36].
O legislador (através da lei 9/2020, de 11/01) veio, entretanto, clarificar este ponto (fazendo, verdadeiramente, interpretação autêntica) – o proémio do nº 3 do art. 186 diz agora presumir-se ‘unicamente a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido …’, alteração (que reside no aditamento do advérbio ‘unicamente’) ‘que tem o inequívoco propósito de esclarecer que a presunção (relativa) aí consagrada respeita apenas ao requisito da culpa grave e a mais nenhum’, ficando, pois, ‘precludida a possibilidade de entender que presunção é de insolvência culposa’[37].
Relativamente ao âmbito subjectivo, o nº 1 do art. 186º do CIRE inclui no incidente de qualificação os administradores de facto ou de direito de pessoas colectivas, prescrevendo por sua vez o nº 2, a) do art. 189º do CIRE sobre a afectação de tais administradores (e/ou gerentes), de direito ou de facto.
O propósito dos artigos 186º, nº 1 e 189º, nº 2, a) do CIRE não é excluir da afectação os administradores de direito que não exerçam funções de facto (que não exerçam, efectivamente, a administração ou gerência)[38], antes estendê-la (afectação) aos administradores de facto, ‘sobretudo por razões de justiça material’, pois quantas vezes ‘os verdadeiros responsáveis pela administração das pessoas colectivas não são os administradores de direito, estes são apenas os «testas de ferro» de indivíduos que pelas mais variadas razões preferem o anonimato e a ocultação das suas acções’[39].
A qualificação abrange, pois, quer os administradores de direito (responsáveis pela administração da sociedade[40]), quer os administradores de factos – aqueles que, sem título bastante, exercem, ‘directa ou indirectamente e de modo autónomo (não subordinadamente) funções próprias de administrador de direito da sociedade’[41] –, sendo que a existência de um administrador de facto não arreda ou isenta o administrador legal da responsabilidade e, logo, da afectação pela insolvência culposa.
A administração de facto não resulta do mero governo quotidiano da sociedade, implicando antes actos típicos de gestão empresarial, reveladores de ‘intensidade qualitativa do comando e planeamento gerais no que toca ao destino comercial e financeiro da sociedade, ao provimento dos recursos humanos e materiais’ da sociedade[42].
Na situação dos autos, pode afirmar-se que a requerida BB era administradora de facto da sociedade – mais do que a amplitude dos poderes de movimentação da conta bancária da devedora (como os factos provados espelham), releva o facto de dirigir os seus trabalhos, de negociar em nome e representação da sociedade insolvente e dar ordens aos seus trabalhadores, representando o administrador único na sua ausência, praticando assim actos típicos e próprios da gestão empresarial, exercendo autonomamente funções próprias de um administrador (como é o caso de negociar em nome da sociedade e de representar o administrador, na ausência deste).
No âmbito objectivo, considerou a decisão apelada como preenchidas, para qualificar a insolvência como culposa, as previsões das alíneas f) e h) do nº 2 do art. 186º do CIRE.
A propósito do preenchimento da alínea h) do nº 2 do art. 186º do CIRE ponderou a sentença apelada que as contas da insolvente relativas aos três anos anteriores ao início do processo de insolvência ‘não foram objecto de certificação legal’, estando ela, porque sociedade anónima, ‘obrigada a certificação legal das contas (arts. 413º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais)’ – a certificação legal das contas integra os documentos de prestação de contas (art. 65º do Código das Sociedades Comerciais) e tendo o fiscal único renunciado às suas funções, nada fez a devedora para suprir tal falta (cfr. arts. 413º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais), tendo feito constar, relativamente aos anos de 2018, 2019 e 2020, junto da Autoridade Tributária, não estar obrigada a ter contas certificadas por revisor oficial de contas nas declarações.
A não certificação legal das contas (matéria que pode ser considerada provada em atenção ao que consta vazado nas alíneas h), i), j), k), l) e m) dos factos provados) não integra, todavia, a previsão da alínea h) do nº 2 do art. 186º do CIRE, antes a previsão da alínea b) do nº 3 do art. 186º do CIRE – a não certificação das contas não consubstancia qualquer incumprimento da obrigação de manter contabilidade organizada (alínea h) do nº 2 do art. 186º do CIRE), antes respeitando ao incumprimento (a que alude a previsão da alínea b) do nº 3 do art. 186º do CIRE) da obrigação de submeter as contas anualmente elaboradas à devida fiscalização e depósito (as contas anuais não se confundem com a contabilidade que a sociedade deve ter organizada – e que servirá de base para a elaboração das contas anuais –, constituída esta por toda a documentação gerada pelo exercício da actividade prosseguida no desenvolvimento do seu objecto social, desde as facturas aos recibos, passando pelos extractos de contas bancárias, pelas contas correntes dos clientes, pelas entradas e saídas de caixa, etc.).
De todo o modo, ainda que fosse de presumir a existência de culpa grave (alínea b) do nº 3 do art. 186º do CIRE), não poderia concluir-se dos demais factos provadas a demonstração de nexo de causalidade entre tal facto (tal incumprimento de providenciar pela certificação leal das contas anuais) e o surgimento ou agravamento da situação de insolvência da devedora (sendo certo que é ónus dos interessados que requerem a qualificação da insolvência como culposa a prova da factualidade necessária à demonstração de tal nexo causal[43]).
De afastar, pois, que na situação dos autos a não certificação das contas possa conduzir à qualificação da insolvência como culposa – por um lado não integra a previsão da alínea h) do nº 2 do CIRE; por outro, se fosse de concluir pela verificação da previsão de culpa grave estabelecida na alínea b) do nº 3 do CIRE, sempre seria de reconhecer não se mostrarem provados factos que permitam afirmar o nexo de causalidade entre tal omissão e o surgimento ou agravamento da situação de insolvência.
Considerou ainda a decisão recorrida integrar a previsão da alínea h) do nº 2 do art. 186º do CIRE, por constituir uma ocultação de receita, o facto de não ter sido registado na contabilidade da devedora o montante que, destinado a pagamento (de parte) do preço devido por contrato celebrado entre a devedora e sociedade terceira, foi directamente transferido para conta da requerida BB – matéria que resulta provada da alínea tt) dos factos provados.
O facto índice previsto na alínea h) do nº 2 do art. 186º do CIRE engloba as situações em que, ao nível da contabilidade da sociedade, é praticada irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.
Na aplicação concreta do preceito (das várias alíneas do nº 2 do preceito) deve atender-se às circunstâncias próprias da situação de insolvência do devedor, pois para isso aponta o recurso que se faz de conceitos indeterminados[44] (no caso da alínea h) do nº 2 do preceito, quer o conceito de ‘incumprimento substancial’ da obrigação de manutenção de contabilidade organizada, quer o conceito de irregularidade com ‘prejuízo relevante’ para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor).
Causa (a da alínea h), juntamente com a da alínea i) do mesmo número) puramente objectiva da insolvência culposa[45], que em razão da factualidade em que assenta não ser de molde a fazer presumir com segurança o nexo de causalidade com a insolvência (como acima já se notou), impõe se coloque alguma exigência para se ter por preenchida (designadamente alguma «densidade» factual para poderem dar como satisfeitos os conceitos indeterminados a que tal normativo recorre)[46] – a factualidade de que trata a situação prevista na referia alínea, sendo estranha à ideia de nexo lógico, de conexão substancial, de relação causal entre ela e a criação ou o agravamento da situação de insolvência, concerne ao incumprimento ou violação de deveres específicos dos comerciantes (designadamente a de ter escrituração comercial, como imposto no § 2 do art. 18º do Código Comercial), que inculcam a ideia de que terão sido praticados actos que contribuíram para a insolvência e se quis/quer ocultá-los, o que determina e justifica a aplicação do regime da insolvência culposa (e a presunção de insolvência culposa)[47], assim se impedindo que devido à dificuldade de prova do nexo de causalidade fiquem impunes aqueles que violaram obrigações legais, sendo que uma tal solução legal demanda, por isso, particular exigência para considerar preenchida a previsão (designadamente para a verificação dos conceitos indeterminados a que recorre)[48].
Porque se trata de uma ‘valoração comportamental tipificada, há que ter em atenção, primacialmente, todo o envolvimento comportamental dos administradores, directamente relacionado com a situação económico-financeira da devedora, de onde possa resultar violações inequívocas do dever de manter a contabilidade organizada da empresa administrada, ou de outros deveres que conduzam a uma errada e/ou deficiente percepção ou demonstração da sua real situação económica.’[49]
A escrituração destina-se a espelhar e revelar a situação económica e financeira do comerciante ou da sociedade comercial, retratando as operações realizadas na prossecução do negócio ou objecto social (os negócios realizados, pagamentos efectuados e/ou recebidos, etc.). Revelando eventuais erros da actuação e/ou os benefícios alcançados com determinadas opções negociais, servindo por isso os próprios interesses (permitindo analisar, de forma consistente e segura, os resultados obtidos), a escrituração comercial é também do interesse de quem contrata com o comerciante ou com a sociedade comercial, pois serve de fundamento e demonstração de eventuais reclamações de quem se sinta lesado (a escrituração faculta informações relevantes e decisivas) e até do interesse geral do público, pois demonstra o modo como o comerciante/sociedade negociou e pautou a sua conduta empresarial/negocial, facultando ao Estado a possibilidade de actuar, com fins de polícia, de fiscalização ou de supervisão[50].
O facto de não constar da escrituração (da contabilidade) da devedora o pagamento de um cliente seu, feito por transferência bancária para uma conta bancária da titularidade da requerida BB, consubstancia a prática de irregularidade contabilística que prejudica a compreensão da situação patrimonial e financeira da devedora.
Irregularidade que, pela sua intrínseca natureza, impede, decisivamente, uma apreensão e compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor – irregularidade que causa relevante prejuízo para a compreensão da situação patrimonial e financeira da devedora.
Mais do que o montante da operação que não foi levado à escrituração comercial da devedora (ainda assim um valor que representa cerca de um quarto - 7.727,18€ - do preço global do negócio celebrado com o cliente - 30.727,18€), valoriza-se a natureza da irregularidade, violadora dos interesses nucleares da escrituração – os pagamentos feitos pelos clientes (ligados que estão à realização/obtenção do lucro, da mais- valia, que constitui a finalidade precípua do desempenho da actividade), têm de figurar na escrituração, sob pena dos resultados por ela apresentados se afastarem da realidade.
Tal irregularidade assenta num comportamento dos administradores – a BB sabia de tal pagamento, feito para a sua conta e por isso que não pode ser desligada da referida irregularidade praticada na escrituração; ao AA a irregularidade é-lhe imputável porque o eventual desconhecimento da mesma sempre lhe será imputável a título de grave negligência, pois não pode desvincular-se (sob pena de incorrer em responsabilidade – artigos 72º, 78º e 79º do Código das Sociedades Comerciais) dos deveres que resultam da relação fiduciária que emana da função de administrador, mormente os deveres de prover e cuidar da sociedade, de se inteirar do seu estado, de controlar e atentar no seu funcionamento, incluindo nos aspectos da gestão corrente e da organização da escrituração, mormente da manutenção de escrituração organizada, fiável e verdadeira (veja-se o art. 64º do Código das Sociedades Comerciais) – directamente relacionado com a situação económico-financeira da sociedade, comportando uma nítida violação das regras de escrituração, que impede a demonstração da real situação económica daquela (desde logo dos pagamentos realizados pelos seus clientes).
Tem de reconhecer-se, assim, preenchida a previsão da alínea h) do nº 2 do art. 186º do CIRE – foi praticada pelos administradores da insolvente, no âmbito da escrituração da sociedade, irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira da devedora.
Tanto basta para se concluir pela qualificação da insolvência como culposa – e, assim, pela improcedência da apelação.
Qualificação que também resulta do facto de as quantias entregues por cliente da devedora, para pagamento do preço de negócio com esta celebrado (negócio discriminado na alínea nn) dos factos provados), terem vindo a integrar o património dos requeridos, como resulta das alíneas pp), qq), rr), ss), uu) e vv) dos factos provados – ainda que se considere que tal facto constitui disposição dos bens do devedor em proveito pessoal (alínea d) do nº 2 do art. 186º do CIRE) e não já uso dos bens do devedor contrário aos interesses deste e em proveito pessoal (alínea f) do nº 2 do art. 186º do CIRE): a alínea d) incide obre actos de disposição dos bens do devedor, enquanto a alínea f) respeita ao uso dos bens do devedor.
Diverso enquadramento sem relevo ou reflexo na decisão (e por isso se entende manifestamente desnecessário cumprir, sobre a questão, o contraditório – art. 3º, nº 3 do CPC), pois que ambas as alíneas comungam dos mesmos pressupostos – ambas exigem a demonstração de que do acto praticado resulta proveito pessoal do administrador ou de terceiro (tal proveito pessoal ou de terceiro constitui requisito normativo em qualquer daquelas alíneas – as situações integrantes de tais alíneas são preenchidas por comportamentos que, afectando a situação patrimonial do devedor, implicam concomitantemente benefício, proveito, para o seu autor ou para terceiro)[51].
Releva, tão só, para o diverso enquadramento, o entendimento de que está em causa acto de disposição de bem do devedor, que não apenas de simples uso (de bem ou do crédito), em proveito pessoal dos administradores – o conceito de acto de disposição não se circunscreve à alienação de bens da propriedade do devedor, englobando todo e qualquer acto de disponibilização (afectação) de vantagens económicas que, segundo a sua normal ordenação, estavam destinadas a fazer parte unicamente da esfera jurídica do devedor, sendo certo que o conceito de ‘bem’ não se circunscreve ao conceito de coisa, abrangendo outros possíveis objectos de relação jurídica, como sejam os direitos subjectivos ou as prestações creditícias[52] (ou, acrescentámos nós, os valores que o cliente da devedora entregou para pagamento do preço do negócio celebrado).
O proveito pessoal dos requeridos e concomitante prejuízo do património da devedora resulta patente – o património dos requeridos aumentou na proporção dos valores que entraram nas respectivas contas bancárias, implicando a directa e correspectiva diminuição do património da devedora.
Não se objecte que a devedora, em razão de não ter fornecido à sua cliente os bens cujo preço esta pagou, não sofreu qualquer prejuízo – a devedora continuou vinculada a cumprir a obrigação que sobre si impendia enquanto vendedora (transmitir a propriedade dos bens e proceder à respectiva entrega – art. 879º do CC), constituindo-se, em caso de incumprimento, na obrigação de indemnizar.
Evidente, pois, que o proveito dos requeridos teve como correspectivo o prejuízo da devedora.
De salientar, por fim, que não obsta à afirmação do prejuízo da devedora e proveito da requerida BB a circunstância desta ter feito, por conta da requerida, os pagamentos referidos na alínea kkk) – pagamentos feitos em Julho de 2020 – e, bem assim, ter feito para a conta da devedora as transferências discriminadas na alínea jjj) – transferências que ocorreram desde 2018 até 29 de Junho de 2020 –, porquanto as transferências feitas directamente pelo cliente da devedora para a sua conta ocorreram já posteriormente (entre Julho e Setembro de 2020), além de que uma parte (das transferências feitas da conta da devedora para a sua conta (retirando daquela para esta os valores transferidos pela cliente da devedora) ocorreram também posteriormente (ao pagamento que realizou por conta da devedora e à última transferência que fez para conta da devedora).
Conclui-se, do exposto, mostrarem-se preenchidas as presunções de insolvência culposa estabelecidas nas alíneas d) e h) do nº 2 do art. 186º do CIRE.
D. Síntese conclusiva
Do que vem de se expor resulta a improcedência da apelação, podendo sintetizar-se a argumentação decisória (excluída a exclusivamente referente à reponderação da prova), nos termos do nº 7 do art. 663º do CPC, nas seguintes proposições:
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DECISÃO
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Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida.
Sobre os apelantes, que decaem no recurso, recai a responsabilidade tributária.
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Porto, 24/01/2023
João Ramos Lopes
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
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[1] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, Volume I, pp. 587/588.
[2] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª edição, pp. 733/734 e p. 736.
[3] A. Varela, J. Manuel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, p. 687.
[4] P. ex., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 55, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado (…), Volume 2º, 4ª edição, pp. 735/736, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, p. 737 e Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas (…), Volume I, 2ª Edição, p. 603.
[5] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código (…), Vol. I, p. 737.
[6] Acórdão R. Porto de 8/09/2020 (Carlos Gil), no sítio www.dgsi.pt.
[7] Acórdão STJ de 2/03/2011 (Sérgio Poças), no sítio www.dgsi.pt.
[8] Assim, ainda que considerando o anterior regime processual civil, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime (Decreto Lei nº 303/07, de 24/08) – 2ª edição revista e actualizada, p. 298.
[9] Critério que se reporta às soluções aventadas na doutrina e/ou na jurisprudência, ou que, em todo o caso, o juiz tenha como dignas de ser consideradas (como admissíveis a uma discussão séria) - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 188, nota 1.
Devem considerar-se como tais as soluções que a doutrina e a jurisprudência adoptem para a questão (designadamente nos casos em que em torno dela se tenham formado duas ou mais correntes) e também aquelas que sejam compreensivelmente defensáveis, considerando a lei e o direito aplicáveis - A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 417 e 418.
[10] Acórdão da Relação de Coimbra de 14/01/2014 (Henrique Antunes), no sítio www.dgsi.pt. No mesmo sentido, por mais recentes, os acórdãos do STJ de 19/05/2021 (Júlio Gomes) e de 14/07/2021 (Fernando Batista), no sítio www.dgsi.pt.
[11] A prova da factualidade necessária para se qualificar a insolvência como culposa incumbe ao requerente, não ao requerido – assim, v. g., o acórdão do STJ de 6/10/2011 (Serra Baptista), no sítio www.dgsi.pt [no mesmo sentido - de que o ónus de prova incumbe ao requerente que pretende a qualificação da insolvência como culposa -, o acórdão do STJ de 5/04/2022 (Ana Paula Boularot), no sítio www.dgsi.pt]
Também considerando que o ónus de prova dos comportamentos referidos nos nº 2 e 3º do art. 186º do CIRE (‘presunções ou factos-índice’) é de quem os invoca (art. 342º, nº 1 do CIRE), o acórdão da Relação do Porto de 29/09/2022 (Filipe Caroço), no sítio www.dgsi.pt.
[12] Carina Magalhães, ‘Incidente de qualificação da insolvência. Uma visão Geral’, in Estudos do Direito da Insolvência, Almedina, 2017 (coordenação de Maria do Rosário Epifânio), pp. 104 e 113.
[13] Luís Carvalho Fernandes, ‘A qualificação da insolvência e a administração da massa insolvente pelo devedor’, in Colectânea de Estudos Sobre a Insolvência, Reimpressão, Quid Iuris, 2011, p. 261.
[14] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Edição, p. 306 e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª edição, p. 708.
[15] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código (…), pp. 306/307.
[16] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código (…), p. 306.
[17] Prof. J. A. dos Reis, CPC Anotado, reimpressão, 1981, Volume IV, p. 553.
[18] Acórdão S.T.J. de 4/02/97, citado por Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código (…), p. 306 (em nota).
[19] Acórdão R. Évora de 6/10/88, citado por Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código (…), p. 306 (em nota).
[20] Acórdãos do STJ de 20/05/2010 (Alves Velho), no sítio www.dgsi.pt e de 6/02/2020 (Rosa Tching), no sítio do ECLI (https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli).
[21] Ao actuar os poderes que lhe são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, deve a Relação proceder a uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de, a partir delas, expressar a sua convicção com total autonomia, de formar uma convicção autónoma), alterando ou corroborando a decisão em conformidade a convicção que adquira com essa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que deve proceder - Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código (…), p. 298 a 303 (maxime 302 e 303) e os acórdãos do STJ de 8/01/2019 (Ana Paula Boularot), de 25/09/2019 (Ribeiro Cardoso), de 16/12/2020 (Tomé Gomes), de 1/07/2021 (Rosa Tching) e de 29/03/2022 (Pedro de Lima Gonçalves), no sítio www.dgsi.pt.
[22] Carina Magalhães, Incidente de qualificação da insolvência (…), p. 101.
[23] Carina Magalhães, Incidente de qualificação da insolvência (…), pp. 103 e 104.
[24] Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, p. 300.
[25] Catarina Serra, A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito (O Problema da Natureza do Processo de Liquidação Aplicável à Insolvência no Direito Português), Coimbra Editora, 2009, p. 371.
[26] Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, 2015, p. 680.
[27] Carina Magalhães, Incidente de qualificação da insolvência (…), pp. 116/117, acrescentando que a doutrina e jurisprudência têm qualificado as presunções do nº 2 como presunções iuris et de iure e as do nº 3 como presunções iuris tantum.
[28] Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência (…), p. 680.
[29] Carina Magalhães, Incidente de qualificação da insolvência (…), pp. 117 a 119, Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência (…), p. 680. Com vasta e exaustiva indicação doutrinal e jurisprudencial sobre a questão, o acórdão do STJ de 5/04/2022 (Luís Espírito Santo), no sítio www.dgsi.pt.
[30] Catarina Serra, Lições (…), p. 301 e ‘O Novo Regime da Insolvência, Uma Introdução’, 4ª Edição, p. 122. A autora reconhece que o elenco de presunções em que assenta o sistema talvez não seja o mais justo, sendo disso ilustrativo que o incumprimento substancial da obrigação de manter a contabilidade organizada ou o incumprimento reiterado dos deveres de apresentação e de colaboração com os órgãos da insolvência dê origem a presunções absolutas ou inilidíveis (alíneas h) e i) do nº 2 do art. 186º do CIRE) - A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito (…), p. 373.
[31] Acórdão do Tribunal Constitucional de 26/11/2008 (acórdão nº 570/2008), proferido no processo nº 217/08, disponível no sítio www.tribunalconstitucional.pt.
[32] Catarina Serra, Lições (…), p. 301 e O Novo Regime da Insolvência (…), p. 122. Tal posição foi jurisprudencialmente seguida, p. ex. (por mais recentes), no acórdão do STJ de 23/10/2018 (Catarina Serra), no acórdão da Relação do Porto de 9/03/2020 (Vieira e Cunha) e no acórdão da Relação de Guimarães de 24/09/2020 (Conceição Sampaio), todos no sítio www.dgsi.pt.
[33] Carina Magalhães, obra citada, p. 120.
[34] Carina Magalhães, obra citada, pp. 121/122.
[35] Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência (…), p. 681.
[36] Assim os acórdãos do STJ de 6/10/2011 (Serra Baptista) e (citando-o) de 29/10/2019 (Maria Olinda Garcia), no sítio www.dgsi.pt.. Neste sentido (estabelecer o nº 3 do art. 186º presunção de culpa grave, não dispensando, porém, a demonstração do nexo causal entre o comportamento presumido culposo e o surgimento ou agravamento da situação de insolvência), por mais recentes, os acórdãos da Relação do Porto de 19/11/2020 (Freitas Vieira) e de 23/11/2020 (Fernanda Almeida), no sítio www.dgsi.pt.
[37] Catarina Serra, ‘O incidente de qualificação da insolvência depois da Lei nº 9/2022 – Algumas observações ao regime com ilustrações de jurisprudência’, in Julgar, nº 48 (As alterações do CIRE introduzidas pela Lei nº 92/2022, de 11/01), Setembro-Dezembro de 2022, p. 20.
[38] Assim o acórdão da Relação do Porto de 22/02/2022 (Rodrigues Pires) – subscrito como adjunto pelo relator deste –, no sítio www.dgsi.pt.
[39] Carina Magalhães, Incidente de qualificação da insolvência (…), pp. 113/114, em nota (nota 52).
[40] Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência (…), p. 101.
[41] Coutinho de Abreu e Maria Elisabete Ramos, Responsabilidade Civil de Administradores e de Sócios Controladores (notas sobre o artigo 379º do Código do Trabalho), in IDET, Miscelâneas, nº 3, Almedina, 2004, p. 43.
[42] Ricardo Costa, in ‘Responsabilidade Civil Societária dos Administradores de Facto’, Temas Societários, Almedina, Coimbra, 2006, p. 29.
[43] Assim, por exemplo, os citados acórdãos do STJ de 5/04/2022 (Ana Paula Boularot) e de 6/10/2011 (Serra Baptista) e acórdão da Relação do Porto de 29/09/2022 (Filipe Caroço).
[44] Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência (…), p. 681.
[45] Rui Estrela de Oliveira, ‘Uma brevíssima incursão pelos incidentes de qualificação da insolvência’, in Julgar, nº 11, Maio-Agosto de 2010, p. 241.
[46] Assim o citado acórdão da Relação do Porto de 29/09/2022 (Filipe Caroço).
[47] Catarina Serra, in ‘«Decoctor ergo fraudator»? - A insolvência culposa (esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções) - Anotação ao Ac. do TRP de 7.1.2008, Proc. 4886/07’, in Cadernos de Direito Privado, 2008, nº 21, p. 66, refere que a factualidade referida na alínea h) do nº 2 do art. 186º do CIRE não gera, nem, em princípio, agrava a insolvência, fazendo-se assentar o juízo de reprovabilidade de tal conduta na circunstância de a não organização ou desorganização da contabilidade e a falsificação dos respetivos documentos permitir supor que o sujeito tem algo a esconder, que ele terá praticado actos que contribuíram para a insolvência, pretendendo ocultá-los.
[48] Assim, o citado acórdão da Relação do Porto de 29/09/2022 (Filipe Caroço) e o (nele citado) acórdão da Relação de Coimbra de 16/06/2015 (Barateiro Martins), também no sítio www.dgsi.pt.
[49] Acórdão do STJ de 13/07/2021 (Ana Paula Boularot), no sítio www.dgsi.pt.
[50] Sobre a questão, Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, Vol. I, pp. 297 e 298 e J. Pires Cardoso, Noções de Direito Comercial, p. 114.
[51] Luís Carvalho Fernandes, ‘A qualificação da insolvência e a administração da massa insolvente pelo devedor’ (…), p. 262/263, em nota, agrupa três categorias de comportamentos que preenchem as presunções inilidíveis de insolvência dolosa: i) actuações que, por vários meios, afectam o património do devedor, no todo ou em parte considerável (alínea a) do nº 2 do art. 186º do CIRE); ii) comportamentos que afectando a situação patrimonial do devedor implicam, concomitante, benefício para quem o adopta ou para terceiro (alíneas d), e) f) e g) do nº 2 do art. 186º do CIRE); iii) situações que se reconduzem ao incumprimento ou violação de obrigações legais (alínea i) do nº 2 do art. 186º do CIRE).
[52] Acórdão do STJ de 6/09/2022 (José Rainho), no sítio www.dgsi.pt.

(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)