Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
883/08.6TTMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: PRÉMIO DE DESEMPENHO
CARATER REGULAR E PERMANENTE
Nº do Documento: RP20150511883/08.6TTMTS.P1
Data do Acordão: 05/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O prémio de desempenho pago pelo empregador, com carácter de regularidade e permanência, constitui prestação, devida por este, a integrar a retribuição do sinistrado, para efeitos de cálculo de pensão.
II - O facto do seu montante ser variável, por depender dos critérios objectivos definidos pelo empregador, é irrelevante visto nada ter a ver com a regularidade dessa prestação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº883/08.6TTMTS.P1
Relatora: M. Fernanda Soares – 1293
Adjuntas: Dr. Domingos Morais
Dra. Paula Leal de Carvalho

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I

B…, com o patrocínio do M.P., instaurou no Tribunal do Trabalho de Matosinhos, contra C…, Companhia de Seguros S.A., D…, Companhia de Seguros S.A., E… – Companhia de Seguros S.A., e F…, S.A., acção emergente de acidente de trabalho, pedindo a condenação das Rés, na medida das respectivas responsabilidades, a pagarem ao Autor a) a quantia de € 421,80 de diferenças indemnizatórias pelas incapacidades temporárias; b) o capital de remição no valor de € 26.032,80 correspondente à pensão anual e vitalícia de € 1.561,00, com início em 30.10.2008; c) a quantia de € 21,60, a título de despesas de transportes; d) os juros de mora, à taxa legal, sobre todas as referidas importâncias, devidos desde o respectivo vencimento.
Alega o Autor que no dia 15.04.2008, pelas 9H00, quando se dirigia de casa para o trabalho, foi vítima de um acidente de viação, que descreve. O Autor, à data, trabalhava para a Ré F… auferindo a retribuição base no montante de € 1.410,00 x 14 meses, acrescida de € 111,30 x 11 meses, a título de subsídio de refeição e ainda a quantia anual de € 1.790,00 a título de prémio de desempenho. Em consequência do acidente o Autor sofreu lesões determinantes de uma IPP de 9,79%. A sua empregadora tinha, na data do acidente, a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para as Rés seguradoras, mediante contrato de co-seguro e limitada à remuneração anual constituída pela retribuição base e subsídio de alimentação.
A Ré E… contestou alegando que a sua responsabilidade, em regime de co-seguro, está limitada ao valor da retribuição base e do subsídio de refeição. As Rés C… e D… apresentaram contestação tomando igual posição.
A Ré patronal veio contestar alegando que desde 26.03.2010 a empregadora do Autor é a sociedade comercial F1…, S.A., pelo que é a 4ª Ré parte ilegítima. Alega ainda que a sua responsabilidade estava totalmente transferida para as Rés seguradoras pelo valor do vencimento base e subsídio de alimentação, na medida em que o prémio de desempenho auferido pelo Autor não faz parte da sua retribuição. Conclui nada ter a pagar ao sinistrado e requereu ainda a intervenção acessória do causador do acidente de viação devendo o Autor ser notificado para o identificar.
A Mmª. Juiz a quo ordenou a citação de H…, Lda., terceiro responsável pelo acidente ocorrido com o Autor, o qual não interveio nos autos.
Foi proferido despacho saneador onde se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade da Ré F…. Consignada a matéria de facto já assente elaborou-se a base instrutória.
A Ré patronal veio recorrer do despacho que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade, tendo a Mmª. Juiz a quo julgado o recurso extemporâneo, por prematuro.
Procedeu-se a julgamento com gravação da prova pessoal, respondeu-se aos quesitos e foi proferida sentença a condenar A) as Rés a pagarem ao Autor, na proporção das respectivas responsabilidades, com efeitos a partir de 30.10.2008, o capital de remição no valor de € 26.032,80, calculado com base na pensão anual e vitalícia no montante de € 1.561,00, sendo € 23.984,69 com base numa pensão de € 1.438,19 da responsabilidade das seguradoras e € 2.048,11 da responsabilidade da empregadora, com base numa pensão de € 122,81, acrescido de juros à taxa legal, desde aquela data até integral pagamento; B) as Rés a pagarem ao Autor, na proporção das respectivas responsabilidades, a quantia de € 21,60, a título de despesas de transportes, acrescido de juros desde a data da tentativa de conciliação até integral pagamento; C) as Rés seguradoras, na proporção da respectiva responsabilidade, a pagarem ao Autor a quantia de € 142,71, a título de diferenças nas indemnizações devidas pelos períodos de incapacidades temporárias, acrescida de juros desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento; D) a Ré empregadora a pagar ao Autor a quantia de € 279,09, a título de diferenças na indemnização pelo período de incapacidades temporárias, acrescida de juros desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento.
A Ré empregadora veio recorrer da sentença, pedindo a sua revogação e substituição por acórdão que julgue provados os factos constantes dos quesitos 3 e 4 e não provado o quesito 2, declarando-se a sua absolvição dos pedidos, concluindo do seguinte modo:
1. Entende a recorrente que o quesito 2 da base instrutória deveria ter sido dado como não provado e que os quesitos 3 e 4 da base instrutória deveriam ter sido dados por integralmente provados, como decorre do depoimento das testemunhas I… (início: 05:25; fim:06:26; início 06:46; fim: 08:23) e J… (início: 18:15; fim: 18:34; início: 31:08; fim: 31:54).
2. Sendo que a testemunha K… revelou um total desconhecimento sobre os critérios de que dependia a atribuição do prémio.
3. Para além disso não se compreende a exigência do Tribunal a quo de prova documental que suportasse os factos constantes nos quesitos 3 e 4. Nem tal suporte probatório é exigível por lei, nem se mostra impossível fazer prova dos mesmos através de testemunhas.
4. Devem os quesitos 3 e 4 ser dados como integralmente provados pelo que a matéria provada deve ser alterada nos seguintes termos: Ponto 15 da matéria de facto provada: A 4ª Ré condiciona a atribuição do prémio de desempenho ao cumprimento de objectivos mínimos que devem ser atingidos cumulativamente: a) quer por parte do grupo empresarial na qual a Ré se inscreve, que deve alcançar um resultado económico mínimo, fixado casuisticamente; b) quer por parte do departamento onde o trabalhador se insere (no caso do Autor, a Direcção de Auditoria), que deve alcançar uma performance colectiva mínima, fixada casuisticamente; c) quer por parte do próprio trabalhador, que deve alcançar uma performance individual mínima, fixada casuisticamente. Ponto 19 da matéria de facto provada (a acrescentar à matéria provada): Se a direcção da auditoria ou o grupo empresarial não alcançarem os objectivos mínimos fixados, o Autor não terá qualquer prémio.
5. E igualmente os factos do ponto 14 da matéria de facto dada por provada – correspondente ao quesito 2 – devem ser dados como não provados.
6. A legislação aplicável, considerando a data em que ocorreu o acidente, é a Lei nº100/97 de 13.09.
7. O artigo 26º da referida Lei remete para o conceito de retribuição constante do CT/2003.
8. Não resulta dos autos que a atribuição do prémio advenha do contrato individual de trabalho, nem do CCT aplicável às partes, não se enquadrando, pois, no conceito do artigo 249º do CT/2003.
9. O prémio de desempenho enquadra-se antes no nº1 do artigo 261º do CT/2003.
10. Da matéria dada como provada resulta que o prémio de desempenho em discussão nos autos foge à ideia de contrapartida individualizada.
11. Neste sentido, não se aplica a este prémio nenhuma das excepções referidas no artigo 261º do CT/2003.
12. Nenhum trabalhador consegue influenciar isoladamente o atingimento dos objectivos mínimos por parte do grupo empresarial ou até por parte do seu departamento. Consequentemente, nenhum trabalhador poderia possuir a legítima expectativa de ter o prémio de desempenho como garantido.
13. Acresce ainda que na data do acidente – 15.04.2008 – o recorrido apenas tinha recebido 2 vezes o prémio e em valores totalmente díspares.
14. Para se avaliar a retribuição auferida pelo sinistrado nos termos do artigo 26º da LAT é preciso ter em conta as retribuições regulares recebidas à data do acidente. Deste modo, não pode o Tribunal a quo determinar a regularidade do prémio com base em factores posteriores ao acidente. Na realidade, o legislador entendeu salvaguardar as expectativas do trabalhador acidentado na data do acidente e não expectativas que se podem vir a gerar depois do acidente de trabalho.
15. Não estando o prémio integrado no conceito de retribuição, nem sendo um direito de crédito do trabalhador, não tem este direito a que o respectivo valor seja considerado para o cálculo do capital de remição da pensão por incapacidade parcial permanente, nem para o cálculo das indemnizações por incapacidade temporária.
16. O tribunal fez uma apreciação incorrecta da prova produzida em julgamento e uma interpretação incorrecta do disposto no artigo 26º da LAT e do artigo 261º do CT/2003.
O Autor contra alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.
* * *
II
Matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo.
1. No dia 15.04.2008, cerca das 9H, na Rua …, o Autor conduzia o seu motociclo, pela sua mão de trânsito, no sentido norte-sul, quando um veículo automóvel, de forma imprevista, se atravessou à sua frente cortando-lhe a linha de trânsito, pelo que embateu frontalmente na parte lateral desse veículo.
2. O Autor, na altura do acidente, circulava de casa, sita na Rua …, …, para o seu local de trabalho, sito na Rua …, …, Matosinhos, pelo percurso normal e que habitualmente fazia, a fim de iniciar o seu serviço como técnico, sob as ordens, direcção e subordinação da Ré F…, S.A.
3. À data do acidente o Autor auferia € 1.410,00 x 14 meses a título de retribuição base e € 111,30 x 11 meses a título de subsídio de refeição.
4. A título de prémio de desempenho o Autor recebeu no mês de Fevereiro: em 2007 € 267,42; em 2008 € 1.792,00; em 2009 € 1.633,50 e em 2010 € 1.700,01.
5. A 4ª Ré, através da apólice nº3016834, tinha a sua responsabilidade por acidentes de trabalho, transferida para as Rés seguradoras, em regime de co-seguro, na proporção de, respectivamente, 69%, 26%, 5%, pela retribuição anual de € 20.986,30 (€ 1.410,00 x 14 + € 113,30 x 11).
6. Em consequência do acidente o Autor sofreu traumatismo oftalmológico, no olho esquerdo, arranhões nos membros inferiores e MSE.
7. O que acarretou os seguintes danos temporários: 44 dias (de 16.04.2008 a 29.05.2008) de ITA; 111 dias (de 30.05.2008 a 17.09.2008) de ITP de 25% e 42 dias (de 18.09.2008 a 29.10.2008) de ITP de 20%.
8. As Rés seguradoras pagaram ao Autor a título de indemnização por tais períodos de incapacidades temporárias o montante de € 3.127,85.
9. Como sequelas de tais lesões resultou a diminuição da acuidade visual para perto e escotoma e cicatriz com 2 cm no membro inferior direito, que tendo-se consolidado em 29.10.2008, são causa de uma IPP de 9,79%.
10. O Autor despendeu em deslocações obrigatórias ao Tribunal e ao INML, a quantia de € 21,60.
11. Com data de 12.05.2008 o Autor acordou com o perito liquidatário da L…, S.A., seguradora do terceiro responsável pelo acidente «que os prejuízos ocasionados em todos os objectos referentes ao sinistro, excepto o motociclo, em consequência do acidente ocorrido no dia 15 de Abril de 2008» (…) «se cifram em € 1.500,00».
12. Com data de 13.05.2008 a L…, S.A., enviou ao Autor as cartas de folhas 222 e 223, tendo remetido ao Autor dois cheques no valor de € 2.500,00 e € 1.500,00, quantias que o Autor recebeu.
13. O Autor foi admitido ao serviço da 4ª Ré por contrato a termo datado de 06.11.2006, com início na mesma data, nos termos do documento de folhas 206/207.
14. O prémio referido em 4 visava compensar o desempenho do Autor, sendo ainda auferido o valor do mesmo tendo em conta os resultados da entidade patronal.
15. Para a atribuição do prémio de desempenho é ponderado o grau de atingimento dos objectivos pré-fixados quer por parte do grupo empresarial no qual a Ré se inscreve, quer por parte do departamento onde o trabalhador se insere (no caso do Autor, a Direcção de Auditoria), quer por parte do trabalhador.
16. O valor do prémio de desempenho é determinado de acordo com os seguintes valores: a) 20% do prémio é determinado pelo resultado económico alcançado pelo grupo empresarial no qual a 4ª Ré se insere; b) 50% do prémio é determinado pela performance colectiva do departamento em que o trabalhador se insere; c) 30% do prémio resulta do desempenho individual do trabalhador.
17. Ao fixar os objectivos para o desempenho individual de cada trabalhador a 4ª Ré já tem em conta as condicionantes próprias de cada trabalhador, como uma doença ou uma capacidade diminuída para o trabalho, seja por que motivo for.
18. O Autor nasceu no dia 02.02.1977.
* * *
III
Questões em apreciação.
1. Da alteração da decisão sobre a matéria de facto – as respostas aos quesitos 2, 3 e 4.
2. Se o prémio de desempenho deve integrar a retribuição do Autor.
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IV
Da alteração da decisão sobre a matéria de facto – as respostas aos quesitos 2, 3 e 4.
No quesito 2 pergunta-se: “O prémio referido em D visava compensar o desempenho do Autor, sendo ainda aferido o valor do mesmo tendo em conta os resultados da entidade patronal?”. O Tribunal a quo respondeu «provado».
No quesito 3 pergunta-se: “A 4ª Ré condiciona a atribuição do prémio de desempenho ao cumprimento de objectivos mínimos que devem ser atingidos cumulativamente: a) quer por parte do grupo empresarial no qual a Ré se inscreve, que deve alcançar um resultado económico mínimo, fixado casuisticamente; b) quer por parte do departamento onde o trabalhador se insere (no caso do Autor, a Direcção de Auditoria), que deve alcançar uma performance colectiva mínima, fixada casuisticamente; c) quer por parte do próprio trabalhador, que deve alcançar uma performance individual mínima, fixada casuisticamente?” O Tribunal a quo respondeu «provado apenas que para a atribuição do prémio de desempenho é ponderado o grau de atingimento dos objectivos pré-fixados quer por parte do grupo empresarial no qual a Ré se inscreve, quer por parte do departamento onde o trabalhador se insere (no caso do Autor, a Direcção de Auditoria), quer por parte do trabalhador».
No quesito 4 pergunta-se: “Se a direcção de Auditoria ou o grupo empresarial não alcançarem os objectivos mínimos fixados, o Autor não terá qualquer prémio?” O Tribunal a quo respondeu «não provado».
Fundamentou o Tribunal a quo as referidas respostas no depoimento das testemunhas consignando a tal respeito o seguinte: (…) “quer a testemunha K…, que trabalhou para a 4ª Ré de 2007 a 2010, fazendo as mesmas funções que o Autor, quer a testemunha J…, que trabalhou para a 4ª Ré desde 2005 a 2010, como gestor de risco, pertencendo à mesma Direcção que o Autor, ainda que a um departamento diferente, quer a testemunha I…, director de Recursos Humanos da 4ª Ré, foram unânimes na explicação de que o prémio em causa, destinado a incentivar a produtividade e a obtenção de resultados, dependia da avaliação dos trabalhadores pelas chefias, mas também era influenciado pelos resultados quer do grupo, quer da empresa, sendo diferente para cada trabalhador, e sendo o seu valor aferido em função do cumprimento dos objectivos que eram anualmente fixados. Não se considerou que a atribuição do prémio dependesse do atingimento de objectivos mínimos, na ausência de qualquer documento que fixasse as condições de atribuição e pagamento de tal prémio e face ao depoimento da testemunha K… segundo o qual, mesmo no ano em que a empresa não atingiu os objectivos houve sempre pagamento do prémio de desempenho” (…).
A apelante defende que o quesito 2 deve ser dado como não provado e os quesitos 3 e 4 devem ser dados por integralmente provados com fundamento no depoimento das testemunhas I… e J… [o recorrente indica as concretas passagens da gravação, início e fim, em que se funda] sendo certo que para a prova dos quesitos 3 e 4 não é exigível prova documental. Comecemos já por este último argumento.
Do teor da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto – supra transcrita – não decorre que o Tribunal a quo tivesse entendido que para prova das condições de atribuição do dito prémio era necessário prova documental [da audição da prova gravada verifica-se que a Mmª. Juiz a quo perguntou se os critérios para atribuição do prémio de desempenho constavam de documento interno da empresa]. O que «pesou» na convicção do Tribunal a quo [tendo em conta a audição dos depoimentos gravados] foi o seguinte: pertencendo a Ré/apelante ao Grupo F2… seria natural que, e atendendo à dimensão das empresas pertencentes a esse mesmo Grupo, as condições de atribuição e pagamento do referido prémio constassem de documento escrito, nomeadamente, regulamento interno/ordem de serviço.
Cumpre-nos, então, apreciar os depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento.
As testemunhas ouvidas falaram sempre do seu caso pessoal [a testemunha K…, que trabalhou com o Autor, no período compreendido entre 2007 e 2010, exercendo as mesmas funções que este, disse que para a atribuição do prémio contava o desempenho de cada um e o desempenho da empresa, não tendo conhecimento de que no departamento onde trabalhou alguém não tivesse recebido o prémio (eram 10 pessoas), sendo que num ano a empresa não atingiu os objectivos definidos mas a testemunha recebeu o prémio; a testemunha J…, o qual trabalhou, entre 2005 e 2010, na mesma Direcção onde estava o Autor mas em departamento diferente, disse que os factores de ponderação de atribuição do prémio eram a avaliação individual e os resultados da empresa e que segundo julga toda a gente recebeu prémio sendo que num ano a testemunha recebeu acima dos 100% por a empresa ter superado os seus objectivos financeiros; a instâncias do ilustre mandatário da Ré referiu que se a empresa não atingisse os objectivos não recebia o prémio por inteiro (que para ela, testemunha, era no montante máximo de € 3.000,00); depois, a instâncias da Mmª. Juiz a quo, refere que os critérios eram os objectivos individuais, os resultados da empresa e do departamento, afirmando que era possível mas não era provável a não atribuição de prémio; finalmente, a testemunha I…, director de Recursos Humanos de uma das empresas do Grupo, referiu que na atribuição do prémio é tomado em conta a componente colectiva – resultados da empresa e do departamento/loja, respectivamente na percentagem de 20% e 50% - e a componente individual na percentagem de 30%, mais referindo que não tem ideia do prémio ter sido cortado na Direcção da Auditoria, tendo, no entanto, sofrido variações quanto ao seu montante].
Da conjugação dos referidos depoimentos, e fazendo uma análise crítica dos mesmos – como aliás o fez o Tribunal a quo – decorre que no departamento onde trabalha o Autor sempre foram atribuídos prémios de desempenho, ainda que de montantes variáveis, Da análise desses mesmos depoimentos podemos igualmente afirmar não se ter provado que a atribuição do prémio de desempenho estava dependente da verificação cumulativa do cumprimento de objectivos mínimos indicados no quesito 3. E salvo o devido respeito, da audição do depoimento da testemunha K… não ocorre qualquer razão objectiva que impeça a valorização do seu depoimento [a testemunha referiu à Mmª. Juiz a quo que a Auditoria não trabalha directamente com vendas e que por isso achavam ser injusto, para eles, considerar, na atribuição do prémio, o desempenho da empresa].
Deste modo, improcede a pretendida alteração da matéria de facto, pelo que se considera assente a factualidade constante do item II do presente acórdão.
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V
Se o prémio de desempenho deve integrar a retribuição do Autor.
Na sentença recorrida escreveu-se o seguinte: (…) “não temos dúvidas de que as prestações que se discutem deverão ser consideradas no cálculo das prestações emergentes do acidente de trabalho sofrido, já que as mesmas eram pagas ao autor a título de prémio de desempenho por virtude do trabalho prestado, sendo, em abstracto e em concreto, susceptíveis de se integrar no «padrão retributivo» ou «retribuição modular» supra referido, não podendo afirmar-se, perante a matéria de facto apurada, que aquelas quantias tenham, em concreto, uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho. Na verdade, mostra-se assente nos autos que o prémio de desempenho era atribuído, normalmente em Fevereiro de cada ano, em função do cumprimento de objectivos mínimos pelo grupo empresarial, pelo departamento onde o trabalhador se insere e pelo próprio trabalhador, dependendo a determinação do valor a atribuir em percentagem do resultado económico alcançado, da performance colectiva do departamento e de desempenho individual do trabalhador, onde eram tidos em conta diversos factores, tais como uma doença, a capacidade diminuída, ou as demais condicionantes próprias de cada trabalhador. E está provado que o prémio de desempenho foi pago ao Autor, admitido ao serviço em 06.11.2006, em 2007, no montante de € 267,42, reportado ao ano de 2006, em 2008, o montante de € 1.792,00, reportado ao ano de 2007, em 2009, o montante de € 1.633,50, reportado ao exercício de 2008, em 2010 € 1.700, 01 reportado ao ano de 2009, ou seja, foi-lhe sempre pago, tanto antes como depois do acidente” (…)
A apelante defende que o prémio de desempenho se enquadra no nº1 do artigo 261º do CT/2003, não se aplicando as excepções referidas no nº2 e no nº3 do mesmo artigo, sendo certo que na data do acidente o Autor/sinistrado apenas tinha recebido esse prémio por duas vezes, não sendo lícito apurar a regularidade do prémio com base em factos posteriores ao acidente.
Analisemos então.
Cumpre desde já referir que tendo o acidente ocorrido em 15.04.2008 ao caso é aplicável a Lei nº100/97 de 13.09 e o CT/2003.
Segundo o disposto no artigo 26º da Lei nº100/97 de 13.09 “1. As indemnizações por incapacidade temporária absoluta ou parcial serão calculadas com base na retribuição diária ou na 30ª parte da retribuição mensal ilíquida, auferida à data do acidente, quanto esta representar a retribuição normalmente recebida pelo sinistrado. 2. As pensões por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, serão calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado. 3. Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios. 4. Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de natal e de férias e outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade”.
Carlos Alegre refere, em comentário ao artigo 26º da LAT, que “Para o conceito de «retribuição normalmente recebida», usado pelo artigo 26º, em epígrafe, o artigo 82º da LCT fornece um critério que associa três aspectos; a obrigatoriedade, fundamentada normativa ou contratualmente; a co-respectividade com a efectiva prestação de trabalho e a regularidade e periodicidade do seu pagamento. Com base nesse critério, é possível excluir, quase liminarmente, os acrescentos salariais que assumam o expresso carácter de liberalidade (artigo 88º da LCT), com são de excluir os que se destinem a compensar custos aleatórios (ajudas de custo, reembolso de despesas de deslocação, de alimentação ou de estada – artigo 87º da LCT ou participação nos lucros da empresa – artigo 89º da LCT), por não poderem ser considerados contrapartidas do trabalho prestado” (…) – Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, página 136.
Nos termos do disposto no artigo 261º, nº1 do CT/2003 “Não se consideram retribuição: a) As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa; b) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou méritos profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido”. Por sua vez o nº2 e o nº3 da citada disposição legal prescrevem que “O disposto no número anterior não se aplica às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele” e “O disposto no nº1 não se aplica, igualmente, às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respectivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante”.
Quer no domínio da LCT, quer do CT/2003, faz-se a distinção entre gratificação extraordinária [artigo 88º, nº1 da LCT e 261º, nº1 do CT] e gratificação ordinária [artigo 88º, nº2 da LCT e 261º, nº2 do CT]. Tal distinção é feita recorrendo ao carácter da obrigatoriedade da prestação, estando o mesmo ligado à ideia de regularidade e periodicidade a que alude o artigo 261º, nº2 do CT [e a que também aludia o artigo 88º, nº2 da LCT].
Considerámos oportuno aqui citar os ensinamentos de Bernardo Lobo Xavier: (…) “Mas ao contrário destas gratificações extraordinárias, há outras que se devem entender como integrando a retribuição: são aquelas que são devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua percepção esteja condicionada a bons serviços, e também aquelas que, pela sua importância e regularidade, devam considerar-se elemento integrante da retribuição (art.261º, 2 e 3). Na verdade, representam atribuições patrimoniais com que os trabalhadores podem legitimamente contar, quer pela sua previsão no contrato e nas normas que o regem quer pela regularidade e permanência com que são prestadas, conferindo-lhes justas expectativas ao seu percebimento. Assim, por exemplo, quando a entidade empregadora publicita num regulamento interno a atribuição de uma gratificação ou prémio a cada trabalhador que consiga atingir determinados objectivos, previamente quantificados, sem colocar qualquer limite temporal à concessão dessa atribuição, pode dizer-se que os trabalhadores passam a poder contar com esse prémio, desde logo porque sabem antecipadamente que, uma vez atingidos os objectivos fixados, estão preenchidos os pressupostos de que a própria entidade empregadora fez depender a atribuição do prémio” – Iniciação ao Direito do Trabalho, com a colaboração de P. Furtado Martins e A. Nunes de Carvalho, 3ªedição, página 336.
Também Motta Veiga – ainda na vigência da LCT – refere que “As remunerações complementares somente podem fazer parte da retribuição “stricto sensu”, ficando sujeitas à respectiva disciplina legal, se, nos termos do contrato de trabalho ou dos usos, assumirem carácter regular ou habitual, e deverem portanto considerar-se como elemento integrante da remuneração do trabalhador, sobretudo se forem pagos por forma a criar no espírito deste a convicção de que constituem complemento normal do seu salário” – Lições do Direito do Trabalho, 6ªedição, página 471.
Posto isto podemos afirmar que ao caso é aplicável o disposto nos nº2 e 3 do artigo 261º do CT/2003.
Com efeito, da matéria de facto dada como provada [A título de prémio de desempenho o Autor recebeu no mês de Fevereiro: em 2007 € 267,42; em 2008 € 1.792,00; em 2009 € 1.633,50 e em 2010 € 1.700,01. O prémio referido em 4 visava compensar o desempenho do Autor, sendo ainda auferido o valor do mesmo tendo em conta os resultados da entidade patronal. Para a atribuição do prémio de desempenho é ponderado o grau de atingimento dos objectivos pré-fixados quer por parte do grupo empresarial no qual a Ré se inscreve, quer por parte do departamento onde o trabalhador se insere (no caso do Autor, a Direcção de Auditoria), quer por parte do trabalhador. O valor do prémio de desempenho é determinado de acordo com os seguintes valores: a) 20% do prémio é determinado pelo resultado económico alcançado pelo grupo empresarial no qual a 4ª Ré se insere; b) 50% do prémio é determinado pela performance colectiva do departamento em que o trabalhador se insere; c) 30% do prémio resulta do desempenho individual do trabalhador. Ao fixar os objectivos para o desempenho individual de cada trabalhador a 4ª Ré já tem em conta as condicionantes próprias de cada trabalhador, como uma doença ou uma capacidade diminuída para o trabalho, seja por que motivo for] podemos concluir que a Ré entidade patronal atribuiu ao sinistrado, segundo determinados critérios, uma quantia variável, a título de prémio de desempenho, que é paga anualmente, sendo que em Fevereiro de 2007 o Autor recebeu a esse título a quantia de € 267,42 e em Fevereiro de 2008 recebeu a quantia de € 1.792,00 [quando sofreu o acidente o Autor trabalhava para a Ré/apelante apenas há 17 meses].
Ou seja, desde a data da sua admissão até à data do acidente sempre a Ré patronal lhe pagou o referido prémio [e continuou a fazê-lo após o acidente, em 2009 e em 2010. E se só recebeu esse prémio em dois meses, contados até à data do acidente, tal não tem a ver com a periodicidade e regularidade de tal complemento mas antes com o facto, como já referido, do Autor ter sofrido o acidente quando tinha apenas completado um ano e cinco meses ao serviço da Ré patronal].
A atribuição ao Autor do referido complemento desde a sua contratação até à data do acidente permite concluir que ele tinha legítima e fundada expectativa de receber todos os anos aquela prestação, por a mesma lhe ter sido atribuída de forma regular e permanente [ainda que de montante variável] criando a convicção de que ela faz parte do seu salário, enquanto se mantiverem as condições da sua atribuição.
E se assim é, deve esse complemento remuneratório ser incluído na remuneração para efeitos de cálculo da pensão [tal posição foi já defendida pela relatora e pelo primeiro adjunto no processo nº6041/07, da 1ª secção, acórdão de 14.01.2008].
Improcede, deste modo, a pretensão da apelante.
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Termos em que se julga a apelação improcedente e se confirma a decisão recorrida.
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Custas da apelação a cargo da Ré/apelante.
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Porto, 11-05-2015
Fernanda Soares
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho