Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
19639/18.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARVALHO
Descritores: ARRENDAMENTO
CONTRATO ANTERIOR AO RAU
TRANSIÇÃO PARA O NOVO RAU
REQUISITOS DA COMUNICAÇÃO
Nº do Documento: RP2021011219639/18.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 01/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Se a carta do senhorio a comunicar a transição para o NRAU tiver sido recebida por outrem que não o inquilino destinatário, a comunicação só é eficaz se o senhorio enviar nova carta registada com aviso de recepção decorridos que sejam entre 30 e 60 dias sobre o envio da primeira.
II - Aos contratos de arrendamento para fins habitacionais anteriores ao NRAU não se aplica a faculdade de denúncia ad nutum (art. 28.º, n.º 2, do NRAU).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 19.639/18.1T8PRT
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

“B…, S.A.” propôs presente acção de despejo, que segue como acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra C…, pedindo que se declare cessado o contrato como efeito da oposição à renovação e a ré condenada a restituir o imóvel locado.
Alegou, em suma, que sendo proprietária do imóvel que identificou, sucedeu, enquanto senhoria, na posição do primitivo senhorio que celebrou um contrato de arrendamento, em 1 de Janeiro de 1989, com o cônjuge da ré, entretanto inquilina por força da transmissão da posição por decisão judicial. Mais alegou que o senhorio encetou o procedimento de transição do regime do contrato de arrendamento para o NRAU, tendo o contrato ficado sujeito ao prazo de cinco anos. Por último, alegou ter comunicado oportunamente à ré não pretender a renovação do contrato mas que, no termo do contrato, a ré não restituiu o imóvel locado.
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A ré contestou. Defendeu-se por excepção, invocando que a comunicação remetida à ré para a transição do contrato para o regime do NRAU é ineficaz, seja porque não foi subscrita pelo cônjuge do proprietário, seja por foi recebida por pessoa diversa da ré e não cumprida a segunda comunicação legalmente prevista. Mais sustentou que atentas as suas circunstâncias relativas ao grau de escolaridade, aos seus rendimentos, aos membros do seu agregado familiar e estado de saúde destes, as quais eram do conhecimento do senhorio, o seu silêncio não pode ser como aceitação da transição do contrato para o regime do NRAU, tanto mais que tais circunstâncias enquadram-na na situação de protecção ao inquilino.
A autora exerceu o contraditório, sustentando que a declaração de oposição à renovação serviu para pôr termo ao contrato.
Prosseguiram os autos para julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção procedente, declarou validamente cessado o contrato de arrendamento em causa nos autos, com efeito desde 30 de Junho de 2018, e condenou a Ré a restituir à Autora, livre de pessoas e bens, o segundo andar do prédio urbano sito na rua …, com os n.ºs 195 a 197, na freguesia de …a, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º6217.
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A Ré interpôs recurso, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença datada de 8 de Dezembro de 2019, proferida pelo Juízo Local Cível do Porto, Juiz 3, que julgou a presente acção de despejo procedente e declarou validamente cessado o contrato de arrendamento para habitação em causa nos autos, com efeito desde 30 de Junho de 2018, condenando a Ré a restituir à Autora, livre de pessoas e bens, o segundo andar do prédio urbano sito na Rua…, com o n.ºs … a …, na freguesia de …, descrito na Conservatória do registo Predial do Porto sob o n.º 6217.
2. A Douta Sentença proferida deve ser reformada, ao abrigo dos artigos 616.º, n.º 2, e 617.º do CPC., por manifesto lapso na determinação da norma aplicável aos factos.
3. Entende a Recorrente que a comunicação que lhe foi dirigida em 8/04/2013, por iniciativa do anterior senhorio, para transição do seu contrato de arrendamento para habitação, celebrado em 1/01/1989, antes da vigência do RAU, para o regime do NRAU, foi inválida e ineficaz, por não ter sido dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 10.º do NRAU.
4. O Tribunal a quo, sob as alíneas 6), 7) e 8), deu como provado que a referida comunicação foi dirigida à Recorrente mas foi recebida por terceiro, e que não foi remetida à ré outra carta relativa à transição do contrato para o regime do NRAU.
5. No entanto, concluiu o Julgador que a referida comunicação produziu efeitos mesmo tendo sido recebida por pessoa diferente da Recorrente, porque entendeu que o litígio devia ser subsumido ao disposto nos art. 9.º e 10.º do NRAU ainda na redacção originária, resultante da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
6. Ao contrário do que refere o Tribunal a quo, a lei aplicável ao tempo da aludida comunicação é o NRAU com as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, que entrou em vigor em 12 de Novembro de 2012 e que alterou a redacção originária.
7. Por conseguinte, a prova produzida impunha que a sentença recorrida tivesse considerado inválida e ineficaz a comunicação para a transição para o NRAU enviada à Ré em 8/04/2013, por ter sido recebida por terceiro e não ter sido remetida nova carta registada com aviso de recepção à Ré, decorridos 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3 do NRAU, na versão em vigor à data dos factos.
8. Verifica-se, assim, manifesto lapso na determinação da norma aplicável aos factos, tendo o Julgador aplicado o artigo 10.º do NRAU na redacção originária, resultante da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, sem atender às alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto.
9. Havendo, por conseguinte, fundamento para a reforma da Douta Sentença quanto à condenação, devendo ser considerada inválida e ineficaz a comunicação para a transição para o NRAU enviada à Recorrente, por não ter sido dado cumprimento ao disposto no n.º 3, do artigo 10.º do NRAU, sendo, consequentemente, inválida e ineficaz a oposição à renovação do contrato de arrendamento promovida pela Recorrida, não tendo por isso viabilidade substantiva a pretensão da Recorrida de despejo da Recorrente.
10. Não se mostram assim, contrariamente ao decidido, preenchidos os pressupostos legais do artigo 10.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3 do NRAU, que o Tribunal a quo violou.
11. Nos termos do n.º 3 do artigo 10.º do NRAU, tendo o aviso de recepção da comunicação para a transição para o NRAU remetida pelo anterior senhorio sido assinado por pessoa diferente da Recorrente, deveria o senhorio ter enviado nova carta registada com aviso de recepção decorridos 30 a 60 dias sobre o envio da primeira carta, o que não fez, tal como resultou provado nos autos.
12. A Jurisprudência tem vindo a entender que a regra geral da recepção ou conhecimento do artigo 224.º do CC é afastada pelo regime material e especial do NRAU: se o aviso de recepção tiver sido assinado por pessoa diferente do arrendatário, a comunicação para a transição para o NRAU perfecciona-se com o envio de segunda carta, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre o envio da primeira carta.
13. Ao concluir que foi válida a transição do arrendamento em causa para o NRAU levada a cabo pelo anterior senhorio e a sua conversão num contrato a prazo certo, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3 do NRAU, devendo ser, com o devido respeito, revogada nesta parte e substituída por outra que considere inválida e ineficaz a comunicação para a transição para o NRAU enviada à Ré, e, consequentemente, inválida e ineficaz a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento promovida pela Recorrida.
14. Ainda que pudesse ser considerada eficaz a comunicação para transição para o NRAU enviada pelo anterior senhorio à Ré, o que não se concede nem se aceita, a forma como o Tribunal a quo interpreta o artigo 31º, n.º 6, do NRAU, na redacção introduzida pela Lei n.º 31/2012, bem como (e por consequência) todo o procedimento de transição do contrato de arrendamento em causa para o NRAU, acaba por estar ferida de inconstitucionalidade.
15. Na verdade, o contrato de arrendamento para habitação em causa foi celebrado em 1 de Janeiro de 1989, pelo que à data em que o anterior senhorio comunicou à Recorrente a intenção de o fazer transitar para o regime do NRAU, em 08/04/2013, a Recorrente era titular de um contrato de arrendamento com mais de 24 anos (e que actualmente perdura há 31 anos!).
16. Entendeu a douta sentença provados, sob as alíneas 13), 15), 16), 17) 20), 21), 23) e 24), os seguintes factos: a Recorrente tem 63 anos (actualmente, tem 65 anos, como resulta do Assento de Nascimento junto à contestação como documento n.º 4); tem a 4.ª classe; é pensionista e aufere mensalmente a pensão de € 374,32; reside no locado com um neto, um filho tetraplégico com incapacidade definitiva de 80%, e o companheiro que se encontra acamado e dependente da sua assistência, com grau de incapacidade de 80%; a Autoridade Tributária calculou em 24/07/2018 o Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do agregado familiar da Recorrente em € 15.867,09 (valor que se enquadra na protecção prevista no NRAU, como avulta do próprio documento, junto com o n.º 9 à contestação); à data em que remeteu a carta para a transição para o NRAU, o anterior senhorio tinha perfeito conhecimento da situação da Recorrente, quanto aos seus rendimentos e ao estado de saúde das pessoas que consigo residem.
17. Tendo em conta a matéria dada como provada, atentas também as consequências gravosas para os interesses em causa da Ré e do seu agregado familiar – direito à habitação, constitucionalmente tutelado - impedir a Ré, não obstante não ter respondido à referida comunicação, de se prevalecer de uma situação preexistente – o seu Rendimento Anual Bruto Corrigido –, que tem natureza objetiva - porque conhecida das autoridades públicas e do anterior senhorio - e duradoura, seria uma interpretação do n.º 6 do artigo 31.º do NRAU (actual n.º 9 do mesmo artigo, desse regime) desproporcionada e desnecessariamente onerosa para a posição da Ré enquanto inquilina, e, como tal, inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de Direito.
18. Cumpre lembrar que a comunicação para a transição para o NRAU em causa nos autos, datada de 08/04/2013, teve como destinatária uma inquilina com a 4.ª classe, e que, àquela data, a Lei 31/2012, de 14 de Agosto, que estabeleceu um procedimento negocial extremamente complexo de transição dos contratos antigos para o NRAU, tinha entrado em vigor há menos de 6 meses.
19. Por outro lado, a verdade é o artigo 30.º do NRAU foi alterado pouco tempo depois, pela Lei 79/2014, de 19 de Dezembro, cominando com ineficácia a comunicação de transição para o NRAU que não alerte o arrendatário para a falta de resposta.
20. Por conseguinte, aderindo inteiramente à fundamentação do Acórdão deste mesmo Tribunal da Relação, proferido em 23 de Setembro de 2019, no processo 4658/18.6T8VNG.P1, entende a Recorrente que o n.º 6 do artigo 31.º do NRAU na versão introduzida pela Lei n.º 31/2012, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2º da Constituição da República, inconstitucionalidade essa que aqui se deixa desde já arguida para todos os efeitos legais, se interpretado, como foi erradamente pelo Tribunal recorrido, no sentido de o silêncio da Ré valer como aceitação da transição do contrato de arrendamento em causa para o regime do NRAU, e do tipo e duração de contrato propostos pelo anterior senhorio, sem que este, na sua comunicação, a tenha esclarecido das alternativas que lhe assistem ou advertido dos efeitos cominatórios associados ao seu eventual silêncio.
21. Ao contrário do entendido pela sentença ora posta em crise, o artigo 218.º do Código Civil é inaplicável ao caso dos autos, considerando que atribuir valor declarativo ao silêncio da Recorrente, sem esta ter sido devidamente advertida das diferentes opções ao seu alcance e respetivas consequências, seria admitir uma modificação objectiva do contrato, por via unilateral, cujos pressupostos a Recorrente não pôde controlar, em clara violação dos princípios da autonomia e liberdade contratual das partes.
22. Esta associação de um efeito cominatório inelutável à ausência de resposta da Recorrente é tanto mais chocante, se atendermos à matéria dada como provada pelo Tribunal a quo, nomeadamente ao facto da Ré ter a 4.ª classe, ser pensionista e auferir a pensão mensal de € 374,32, e de que à data em que foi desencadeado o procedimento negocial, o anterior senhorio tinha conhecimento pessoal da situação da Recorrente, quanto aos seus rendimentos e ao estado de saúde das pessoas que consigo residem.
23. Desta forma, a sentença recorrida podia e devia ter aplicado o artigo 334.º do Código Civil e conhecido oficiosamente a questão do abuso de direito, concluindo que o anterior senhorio actuou em abuso de direito ao proceder à transição do contrato de arrendamento entre ambos em vigor para o regime do NRAU, aproveitando-se da vulnerabilidade e ignorância da Ré, bem sabendo que essa não poderia ser a sua vontade, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes.
24. Pelo que também por este motivo entende a Recorrente que a douta sentença não se pode manter, devendo ser revogada com a consequente improcedência da acção proposta pela Recorrida, por não se ter operado validamente a transição do contrato de arrendamento para o NRAU e para o tipo de arrendamento com prazo certo, sendo, logicamente, também inválida a sua cessação por caducidade, como pretende a Recorrida.
25. Finalmente, cumpre frisar que a suposta transição do contrato de arrendamento da Recorrente para o regime do NRAU, não ocorreu no quadro de um processo judicial, mas num prévio procedimento extrajudicial desencadeado pelo anterior senhorio, a que alude o artigo 30.º e ss do NRAU, sem que este se encontrasse vinculado a elucidar devidamente a Recorrente, para evitar consequências inesperadas.
26. A Recorrente, manifestamente iletrada e sem cultura jurídica, com poucos recursos financeiros, não foi representada por Advogado nesse procedimento extrajudicial.
27. No entanto e apesar disso, viu na sentença recorrida serem-lhes fixados automaticamente os efeitos decorrentes da comunicação do anterior senhorio, tendo a suposta transição do contrato de arrendamento da Recorrente para o NRAU constituído, aliás, o pressuposto da presente acção de despejo.
28. A cominação prevista no n.º 6 do artigo 31.º do NRAU, se entendida como tendo de ser aplicada de imediato, como fez a sentença recorrida, viola frontalmente o direito fundamental a um processo equitativo, constante do artigo 20.º, n.º 4, da CRP, e que é directamente aplicável pelos Tribunais, inconstitucionalidade esta que se deixa aqui arguida para todos os efeitos, nomeadamente, para obstar à aplicação da norma invocada pelo Tribunal a quo.
29. Dada a natureza do processo em apreço, em que está em causa o direito à habitação da Recorrente e seu agregado familiar, com os rendimentos e condições de saúde que se provaram nos autos, o não provimento do presente recurso causará incalculáveis prejuízos, de difícil reparação.
Termos em que, revogando a Douta Sentença recorrida, substituindo-a por Douto Acórdão que considere inválida e ineficaz a transição do contrato de arrendamento para habitação da Recorrente para o NRAU, levada a cabo pelo anterior senhorio, e, consequentemente, inválida e ineficaz a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento da iniciativa da Recorrida, V. Exas. farão, inteira e merecida JUSTIÇA!
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A Autora respondeu às alegações da apelante, pugnando pela improcedência do recurso.
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Os factos
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1) O prédio urbano sito na rua …, com os n.ºs … a …, na freguesia de …, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob n.º6217.
2) Em 1 de Janeiro de 1989, D… celebrou com E… um contrato, que reduziram a escrito, mediante o qual lhe cedeu, para habitação, o segundo andar do prédio identificado em 1), mediante a obrigação de pagamento da renda.
3) O contrato foi celebrado pelo prazo de um ano, com início no dia 1 de Janeiro de 1989 e termo no dia 31 de Dezembro de 1989, “considerando-se prorrogado por sucessivos períodos iguais, e nas mesmas condições, enquanto, por qualquer das partes, não for denunciado nos termos da lei”.
4) D… e outros celebraram com F… e o cônjuge, G…, casados no regime da comunhão de adquiridos, um contrato, mediante escritura pública outorgada em 14 de Setembro de 1995, pelo qual estes compraram o prédio identificado em 1).
5) Em 26 de Julho de 1996, a posição de inquilino no contrato foi transmitida para a ré por decisão judicial.
6) F… remeteu à ré a carta datada de 8 de Abril de 2013, mediante a qual lhe comunicou a intenção de fazer transitar o contrato para o regime do NRAU, por forma a passar o contrato a ser do tipo “prazo certo” com a duração de cinco anos, declarando manter o valor da renda, indicando o valor da avaliação do imóvel locado e remetendo a cópia da caderneta predial.
7) A carta foi recebida a 9 de Abril de 2013 por H….
8) Não foi remetida à ré outra carta relativa à transição do contrato para o regime do NRAU.
9) G… faleceu em 30 de Outubro de 2014, no estado de casada, com F….
10) F…, H… e I… celebraram em 20 de Dezembro de 2017 um contrato com a autora, mediante escritura pública, pelo qual lhe venderam o imóvel identificado em 1).
11) A autora remeteu à ré a carta registada, com aviso de recepção, datada de 5 de Fevereiro de 2018, mediante a qual a informou não pretender a renovação do contrato.
12) A renda actual ascende a 272,95€.
13) A ré tem 63 anos.
14) É divorciada.
15) Tem a 4.ª classe.
16) É pensionista e aufere a pensão de 374,32€.
17) Vive com J… há mais de dois anos em comunhão de cama, mesa e habitação.
18) K… tem 86 anos.
19) É solteiro.
20) K… sofreu um AVC, encontra-se acamado e dependente da assistência da ré, tendo-lhe sido atribuído o grau de incapacidade de 80%.
21) Habitam ainda no imóvel o filho da autora, H…, e um neto.
22) H… ficou tetraplégico e foi-lhe atribuída a incapacidade definitiva de 80%.
23) A Autoridade Tributária calculou em 24 de Julho de 2018 o Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do agregado familiar da ré em 15.867,09€.
24) À data em que remeteu a carta referida em 6), F… tinha conhecimento da situação da ré quanto aos seus rendimentos e ao estado de saúde das pessoas que consigo residem.
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Consta da sentença que “Não resultaram provados quaisquer outros factos dos alegados pelas partes que importem para a decisão da causa, constituindo tudo o mais alegado meros factos conclusivos, irrelevantes, repetições dos factos relevantes e matéria de direito”.
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O direito
Questões a solucionar:
1. Se operou a transição do contrato de arrendamento para o NRAU;
2. Se operou a cessação do contrato de arrendamento.
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O contrato de arrendamento dos autos foi celebrado em 1989, sendo por isso anterior ao RAU, aprovado pelo Decreto – Lei nº 321-B/90, de 15-10.
Por carta de 08 de Abril de 2013 o senhorio comunicou à Ré a intenção de fazer transitar o contrato para o regime do NRAU (facto nº 6). Este regime foi aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27-02, cujo nº 1 do art. 59º estabeleceu que o NRAU se aplicava “aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”. As normas transitórias constam do título II (arts. 26º a 58º). Para os contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU regiam os artigos 27º a 49º.
A Lei nº 31/2012, de 14-08, introduziu alterações no NRAU, algumas das quais no título das “Normas Transitórias”. Relativamente aos contratos habitacionais celebrados antes do RAU, as alterações de 2012 mandaram aplicar (art. 28º, nº 1) “com as necessárias adaptações”, o disposto nos artigos 30º a 37º. O nº 1 desta norma dispunha que a transição para o NRAU e a actualização da renda dependem da iniciativa do senhorio que devia comunicar a sua intenção ao arrendatário.
No caso, o senhorio procedeu àquela comunicação, na qual constavam as indicações referidas nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 30º (facto nº 6). Todavia, a carta foi recebida por pessoa diferente da destinatária (facto nº 7). Como se destinava a comunicar a iniciativa do senhorio de transitar o contrato para o NRAU, a assinatura da carta por outrem que não a arrendatária conduz a que não se considere realizada a comunicação (art. 10º, nº 1, al. b) e nº 2, do NRAU, com a redacção introduzida pela Lei nº 31/2012). Estatui o nº 3 do mesmo artigo 10º que naquela situação o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de receção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
O Autor não enviou outra carta (facto nº 8), pelo que não se tem por realizada a comunicação de transição do contrato de arrendamento para o NRAU.
Não se tendo operado a transição para o regime do NRAU fica prejudicado o conhecimento da inconstitucionalidade do nº 6 do artigo 31º, (conclusões nº 20 e 28), que foram arguidas no pressuposto daquela transição.
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Por carta registada datada de 5 de Fevereiro de 2018, a Autora/senhoria informou a Ré/arrendatária que não pretendia a renovação do contrato. Considerou-se na sentença recorrida que com a transição para o regime do NRAU “o contrato passou a estar sujeito ao regime dos contratos de arrendamento com prazo certo, previsto nos arts. 1095º a 1098º do Código Civil, e ficou sujeito ao prazo proposto pelo autor de cinco anos”; e que “a autora observou a antecedência mínima de 120 dias, prevista na alínea b) do nº 1 do art. 1097º do Código Civil”; que “desta forma o contrato de arrendamento cessou em 30 de junho de 2018”. E foi declarado validamente cessado o contrato de arrendamento dos autos.
Este segmento da sentença parte do pressuposto da transição do contrato para o NRAU. Mas, consoante o acima explicitado, essa transição não ocorreu, o que inquina o decidido quanto à validade da cessação contrato.
De acordo com o estabelecido no nº 2 do artigo 28º do NRAU (com a redacção introduzida pela Lei nº 31/2012) aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU “não se aplica o disposto na alínea c) do artigo 1101º do Código Civil”. Esta alínea prevê a denúncia do contrato pelo senhorio “mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretende a cessação.” A denúncia prevista naquela alínea c) não tem que ser motivada.
Sendo o contrato de arrendamento dos autos para fins habitacionais e anterior ao RAU, encontra-se expressamente excluída a denúncia ad nutum do mesmo, por força do disposto no nº 2 do artigo 28º do NRAU ( neste sentido: Elsa Sequeira Santos, C. Civil anotado, coord. Ana Prata, Vol. I, 2ª ed., 2019, anotação nº 4 ao art. 1101º; Fernando de Gravato Morais, As Novas Regras Transitórias na Reforma do NRAU, Julgar, nº 19, pág. 21; Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 10ª ed., 2020, págs. 213/214).
Flui do exposto que a acção terá que improceder.
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Decisão
Pelos fundamentos expostos, na procedência da apelação revoga-se a sentença recorrida e julga-se a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
Custas pela Autora.

Porto, 12.01.2021

Ao abrigo do disposto no artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, com a redacção introduzida pelo art. 3º do Decreto-Lei nº 20/2020, de 01 de Maio, declaro que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Ex.ºs adjuntos, Desembargador Rodrigues Pires e Desembargadora Márcia Portela.

José Carvalho