Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1012/13.0TAVLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CASTELA RIO
Descritores: CRIME DE VIOLAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
INSUFICIÊNCIA DO INQUÉRITO
INSUFICIÊNCIA DA INSTRUÇÃO
OMISSÃO POSTERIOR DE DILIGÊNCIAS DE PROVA
QUINHÃO HEREDITÁRIO
Nº do Documento: RP201703081012/13.0TAVLG.P1
Data do Acordão: 03/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º10/2017, FLS.199-215)
Área Temática: .
Sumário: I - A primeira parte do art 120-d do CPP consagra a «insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios» tais como a constituição de Arguido, o interrogatório do Arguido sendo possível notificá-lo, as declarações do ofendido para memória futura nos casos de crime contra a autodeterminação sexual, a validação de actos de apreensão pelos órgãos de polícia criminal, o debate instrutório.
II - A segunda parte do art 120-d do CPP consagra a «omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade» que são as diligências «absolutamente indispensáveis … susceptíveis de condicionar a finalidade do processo e a decisão» tais como: na fase de julgamento, «a falta de exame sobre a personalidade do arguido se forem suscitadas dúvidas sobre a imputabilidade, a falta de indagação de factos e circunstâncias determinantes para a escolha e fixação da medida da pena»; na fase de Recurso, «a audição do arguido quanto a questão a decidir exija uma «apreciação directa» do testemunho «pessoal».
III - Como a «omissão posterior» na segunda parte do art 120-1-d do CPP se refere, não às fases anteriores de Inquérito ou Instrução do art 120-1-d-I do CPP mas, às fases de Julgamento e Recurso, então o art 120-d do CPP não tipifica uma «nulidade sanável» mix «insuficiência do inquérito ou da instrução, por … omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade».
IV - O art 250 do CPP consagra os seguintes quatro tipos legais bem distintos de crime «específico próprio» e «permanente» de violação da obrigação de alimentos:
V - No nº 1, um «crime de perigo abstracto e um crime de omissão pura ou própria com a estrutura de um crime formal», de «incumprimento único» que se consuma com o «primeiro incumprimento» no prazo de dois meses seguintes ao vencimento da obrigação legal, praticado por «Quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação no prazo de dois meses seguintes ao vencimento…».
V - No nº 2, um outro «crime de perigo abstracto e um crime de omissão pura ou própria com a estrutura de um crime formal» de «incumprimento reiterado» que se consuma «a partir do segundo incumprimento», praticado por «Quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação no prazo de dois meses seguintes ao vencimento…» por «… prática reiterada …».
VI - No nº 3, um «crime de perigo concreto … e de resultado» praticado por «Quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação, pondo em perigo a satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais de quem a elas tem direito…».
VII - No nº 4, um outro «crime de perigo concreto … e de resultado» por «forma pré-ordenada de incumprir a obrigação de alimentos» praticado «Quem, com a intenção de não prestar alimentos, se colocar na impossibilidade de o fazer e violar a obrigação a que está sujeito criando o perigo previsto no número anterior» que é o «… perigo [d]a satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais de quem a elas tem direito …».
VIII - A verificação do conceito normativo «…em condições de o fazer…» implica a alegação e prova, não de «juízos de valor» nem «juízos conclusivos» mas, de «factos objectivos» e de «juízos de facto» expressivos de uma condição económica efectiva do devedor de alimentos capaz ao tempo do incumprimento de suportar a satisfação da obrigação legal de alimentos.
IX - Um mero quinhão hereditário, abstracto ou ideal, que nunca chegou a ser partilhado, não constitui efectiva realização pelo Arguido de liquidez ou disponibilidade económico financeira possibilitantes de cumprimento da obrigação legal de alimentos.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal nº 1012/13.0TAVLG.P1 da Secção Judicial / Criminal
Relator: Castela Rio Adjunto: Lígia Figueiredo Presidente: Francisco Marcolino

Na 1ª Secção Judicial / Criminal do TRP acordam em Conferência os Juízes no Recurso Penal 1012/13.0TAVLG.P1 vindo da Juiz 5 da 1ª Sec. de Instruç. Criminal da Instância Central do Porto
PARTE I - RELATÓRIO

O Inquérito 1012/13.0TAVLG do DIAP de VLG culminou no Despacho de 15-12-2014 a fls 111-112 de Arquivamento ut art 277-2 do CPP «… por falta de indícios suficientes da prática, por parte do denunciado, do crime participado» porque:

«Declaro encerrado o presente inquérito, nos termos do art. 276°, n° 1 do Código de Processo Penal.
***
B…, id. a fls. 2, veio apresentar queixa contra C…, pai dos seus filhos menores, por este não ter cumprido a obrigação de alimentos a que foi obrigado na sequência de acção de regulação do poder paternal que correu termos no Tribunal de Família e Menores do Porto.
O denunciado, por decisão daqueles autos, ficou obrigado a entregar à denunciante a quantia de 200 Euros mensais, a título de alimentos para cada um dos seus filhos menores sua filha menor, e apenas o fez durante os primeiros 4 meses, até 2012.
A denunciante alega que o mesmo trabalha numa empresa chamada “D…” mas que está em nome do pai, e que utiliza uma viatura, em nome da empresa.
O denunciado alega não ter quaisquer rendimentos, nem possibilidade de pagar.
A questão que se coloca é se o arguido cometeu o crime de violação de obrigação de alimentos, p. e p. no art. 250° do Código Penal.
Sucede que para se verificar o crime em causa, não basta a não entrega da prestação de alimentos, mas o legislador exige que a sua não entrega coloque a satisfação das necessidades do menor em risco, e é necessário a prova da possibilidade de pagamento, ou seja, que o faltoso poderia pagar e optou dolosamente por não o fazer.
Sucede que neste caso, não existem indícios do 2° destes pressupostos.
Ou seja, a denunciante teve, de facto, que fazer face a dificuldades graves para sustentar os seus filhos no período em causa.
No entanto, embora a denunciante tenha aludido ao desenvolvimento de actividade comercial por parte do arguido, o certo é que estes rendimentos não são comprováveis, nem deles pode ser feita prova num possível julgamento.
Desde logo, temos junta uma sentença aos autos que declarou o arguido insolvente, em Abril de 2013, e só este facto prova legalmente a sua incapacidade de assumir as suas dívidas.
Por outro lado, os rendimentos que a denunciante alega que o mesmo tem, a verificarem-se, são no âmbito de economia paralela e não resultam em declarações de rendimentos nem descontos feitos.
Assim, por muito injusta que esta situação seja em termos sociais, o legislador não a entende como crime, por falta do pressupostos de que faz depender a punição criminal, que é o de haver indícios bastantes de que o pai faltoso tem rendimentos que lhe permitam pagar.
Ora essa prova, neste caso, é impossível.
Na verdade, o actual Código de Processo Penal, no seu artigo 283°, n.° 2, considera suficientes “os indícios sempre que deles resultar a possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento uma pena ou uma medida de segurança”, noção esta que deverá ser sempre norteadora na apreciação da prova nesta sede.
Ora, neste caso, e perante os elementos reunidos nos autos, fácil se torna antever que, no caso de se deduzir acusação, a mesma acabaria por resultar numa absolvição certa em sede de julgamento.
Perante estes indícios, não se vislumbrando possíveis quaisquer outras diligências úteis à descoberta da verdade, apenas podemos concluir que o procedimento criminal não tem qualquer viabilidade.
Face ao exposto, determino o arquivamento dos presentes autos, nos termos do art. 277°, n.° 2 do
C…P…P…, por falta de indícios suficientes da prática, por parte do denunciado, do crime participado» [1].

Inconformada com o decidido, a Denunciante B… requereu: em 09-01-2015 a fls 118 constituição como ASSISTENTE; em 12-02-2015 a fls 124-128 a INTERVENÇÃO HIERÁRQUICA ut art 278-1-2 do CPP indeferida em 19-02-2015 a fls 132-135 «por extemporaneidade»; em 03-3-2015 a fls 139-143 a REABERTURA DO INQUÉRITO ut art 279 do CPP com a inquirição da Testemunha E… para lograr Despacho de Acusação.

O Inquérito 1012/13.0TAVLG do DIAP do PRT culminou no Despacho de 03-9-2015 a fls 185-186 de Arquivamento ut art 277-2 do CPP «… por falta de indícios suficientes da prática, por parte do denunciado, do crime participado» porque:

«Declaro encerrado o presente inquérito, nos termos do art. 276°, n° 1 do Código de Processo Penal.
***
Os presentes autos foram arquivados por despacho de fls. 111 e ss. dos autos, com os fundamentos aí aduzidos, que aqui se dão por reproduzidos.
Posteriormente, a ofendida requereu a reabertura do Inquérito, alegando possuir novos meios de prova, que invalidam o despacho de arquivamento.
Foram exploradas essas novas linhas de investigação.
Designadamente, apurou-se que o arguido, na sua página do Facebook, aparece associado visível e publicamente à empresa “D…”, que a ofendida alegou ser a sua fonte de rendimento, e capaz de lhe proporcionar meios económicos para pagar a pensão de alimentos em dívida.
Sucede que foram feitas todas as averiguações junto da Segurança Social, e foi o arguido confrontado com essa exibição pública, em rede social, da ligação à empresa, e o que se apurou é que a empresa pertence a uma tal F…, e o arguido figura para todos os efeitos legais como trabalhador da empresa, com funções de gerência, pelas quais aufere a remuneração mensal de 520 Euros.
O arguido explica a publicitação da empresa na sua página do Facebook por ser gerente da mesma.
Ora a remuneração apurada de 520 Euros mensais não é bastante para se provarem os pressupostos do crime de violação da obrigação de alimentos.
Assim, e tal como já se expôs no despacho de arquivamento anterior, para a prova deste crime é necessário que haja indícios de que o não pagamento da pensão coloca o menor em carência efectiva, e também (cumulativamente) que o arguido age com dolo ao não pagar, ou seja, que se apura que o mesmo tem meios para o fazer e opta deliberadamente por não o fazer.
Ora o vencimento mensal de 520 Euros, tendo em conta as necessidades básicas de alojamento, alimentação, transporte, não permitem concluir pelo dolo no não pagamento.
Admitimos que, tal como a denunciante alega, o arguido obtenha outros rendimentos não declarados, designadamente por acordo com a dona da empresa, que até poderá ser apenas fictícia, mas, infelizmente, tal facto é de prova impossível.
Perante estes indícios, não se vislubrando possíveis quaisquer outras diligências úteis à descoberta da verdade, apenas podemos concluir que o procedimento criminal não tem qualquer viabilidade.
Não podemos perde de vista o artigo 283°, n.° 2 do CPP que considera que apenas estamos perante indícios suficientes quando “deles resultar a possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento uma pena ou uma medida de segurança”, noção esta que deverá ser sempre norteadora na apreciação da prova nesta sede.
Ora, neste caso, e perante os elementos reunidos nos autos, fácil se torna antever que, no caso de se deduzir acusação, a mesma acabaria por resultar numa absolvição certa em sede de julgamento.
Em suma, cremos que a solução para esta questão está, afinal, apenas na dedução de um incidente de incumprimento no processo de regulação do poder paternal.
Face ao exposto, determino o arquivamento dos presentes autos, nos termos do art. 277°, n.º 2 do Código de Processo Penal, por falta de indícios suficientes da prática, por parte do denunciado, do crime participado» [2].

Inconformada com o decidido, B… [3] requereu em 12-10-2015 a fls 191-202 abertura de INSTRUÇÃO que, admitida e realizada, culminou na Decisão Instrutória de NÃO PRONÚNCIA de 26-4-2016 a fls 326-343 II objecto de RECURSO da ASSISTENTE:

«O Tribunal é competente.
O processo é o próprio.
O Ministério Público tem legitimidade para acusar.

Da invocada nulidade de insuficiência de inquérito:
A assistente, veio ainda arguir a nulidade prevista no art° 120° n°2 al.d) do C.P.P. de insuficiência do inquérito, pelo facto de mesmo após a reabertura do inquérito o Ministério Público não ter procedido à inquirição de duas testemunhas que foram por si indicadas e cujos depoimentos considera determinantes para o apuramento da verdade dos factos visto tratarem-se de funcionárias da sociedade da qual o arguido é gerente podendo prestar informações quanto aos rendimentos deste bem como a origem e responsáveis pelas sociedade. Cumpre decidir:

A nulidade de insuficiência de inquérito por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade prevista na alínea d) do n°2 do art° 120° do C.P.P. deve ser arguida até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar à instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito (art° 120° n° 3 al.c) do C.P.P.). Pelo exposto, tal nulidade, foi tempestivamente invocada. Cumpra agora apreciar da sua verificação:

Perante a formulação legislativa constante do art° 120° n°2 al.d) do C.P.P. tem a jurisprudência questionado se a insuficiência do inquérito respeita apenas à omissão de actos obrigatórios, ou a esses e ainda a quaisquer outros actos de investigação e de recolha de prova necessários à descoberta da verdade. A solução maioritariamente seguida, partindo daquilo que é considerado uma correcta ponderação da estrutura acusatória do processo penal, art° 32° n°5 da Constituição, dos princípios do contraditório e da oficialidade, entende que só se verifica nulidade quando ocorra ausência absoluta ou total de inquérito, (neste sentido, Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/10/99 C.J. ano XXIV, Tomo 4, pag.158) e/ou se omita acto que a lei prescreve como obrigatório.

Ancora-se esta solução no entendimento de que a titularidade do inquérito, bem como a sua direcção, pertencem ao Ministério Público, arts° 262° e 263° do C.P.P. sendo este livre - dentro do quadro legal e estatutário em que se move e a que deve estrita obediência, arts° 53° e 267° do C.P.P. - de promover as diligências que entender necessárias, ou convenientes com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou arquivar, com excepção dos actos de prática obrigatória no decurso do inquérito, como sejam os actos de interrogatório do arguido, salvo se não for possível notificá-lo, de notificação ao arguido, ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente e às partes civis do despacho de encerramento do inquérito e no que respeita a certos crimes, actos investigatórios imprescindíveis para se aferir dos elementos de certos tipos de crimes, nomeadamente, os exames periciais nos termos do art° 151° do C.P.P. (médicos, no caso de crimes, nomeadamente contra a integridade física, autópsia, no caso de morte violenta).(neste sentido, Ac.R.L. citado e Ac. Tribunal Constitucional 395/04 de 02/06/04 DR II Série de 09/10/04 p.14975).

Como igualmente se refere no Ac. n° 581/00 do Tribunal Constitucional "de acordo com o disposto no art° 219° da Constituição, ao Ministério Público compete exercer a acção penal orientada pela legalidade. Esse exercício é regulado pela lei e, como decorre da remissão contida nesse preceito para o número seguinte, acarreta um estatuto próprio do Ministério Público e a sua autonomia. Do n° 1 do art° 219° da Constituição pode retirar-se que o exercício da acção penal pelo Ministério Público comporta a direcção e a realização do inquérito por esta magistratura, não se cingindo esse exercício à sustentação da acusação em juízo" (Figueiredo Dias "Sobre os sujeitos Processuais no novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal (O novo Código de Processo Penal) 1998 pag. 8-9).

No mesmo sentido se pronuncia Germano Marques da Silva "Curso de Direito Processual Penal, vol.III 2ª ed. pag. 91" sustentando que "a insuficiência de inquérito é uma nulidade genérica que só se verifica quando se tiver omitido a prática de um acto que a lei prescreva como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diversa e que a omissão de diligências de investigação não impostas por lei, não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, pois a apreciação da necessidade dos actos de inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público".

A revisão de 2007, com a alteração da redacção da alínea d) do n°2 do art° 120° do C.P.P. consagrou o entendimento que era corrente na doutrina e na jurisprudência - o de que a insuficiência do inquérito ou da instrução só se verifica quando o acto omitido fosse prescrito pela lei como obrigatório - tendo em vista promover a aceleração das fases preliminares e evitar a proliferação de recursos interlocutórios, conforme se refere na exposição de motivos da PL 109 IX. (No mesmo sentido v.g Ac. S.T.J. de 15 de Junho de 2005, Proc. 1556/05 3º, Ac. S.T.J. de 7 de Dezembro de 2005 Porc. 1008/05, 5ª, Ac. R.P. de 11 de Maio de 2005 Proc. 0512294, Ac. R.P. de 24 de Maio de 2006, Proc. 0546478, Ac. R.L. de 30 de Novembro de 2006, Porc. 10402/05, 9ª, Ac. R.P. de 27 de Junho de 2007, Porc.0741076 e finalmente Ac. R.l. de 4 de Janeiro de 2007, Proc.8076/06, 9ª, http://www.pgdlisboa.pt/ onde se refere " Em consonância com a formulação legislativa constante do art° 120° n°2 al.d) do C.P.P., a propósito da insuficiência de inquérito - geradora de nulidade - a jurisprudência maioritária tem-se orientado pelo entendimento de que só a omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade pode constituir nulidade, maxime quando se omitam a prática de actos que a lei prescreva como obrigatórios e se a lei não disponha de outro modo. Por isso, o facto de o M.P. ter omitido a realização de diligências, que no entendimento do assistente eram necessárias para a investigação da verdade, não consubstancia aquela nulidade. Se o assistente entendia serem necessárias certas diligências, a encetar durante o inquérito, deveria lançar mão do instituto da "intervenção hierárquica" previsto no art° 278° do C.P.P.", o que no caso, não fez.

Pelo exposto e visto a lei não impor diligências de investigação do crime obrigatórias em sede de inquérito, afigura-se-nos não existir a invocada nulidade de insuficiência de inquérito prevista no art° 120° n°2 al.d) do C.P.P.
*
Não existem quaisquer outras questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa.
*
Inconformada com o despacho de arquivamento do Ministério Público que considerou inexistirem indícios suficientes da prática pelo arguido do crime de violação da obrigação de alimentos p.p. pelo art° 250° do Cod. Penal a assistente requereu abertura de instrução pugnando pela pronúncia do arguido C… por considerar, que foi realizada uma errada avaliação dos elementos de prova constantes dos autos que impunham a formulação de um despacho de acusação.
Isto porque e essencialmente no que diz respeito ao requisito das condições económicas do arguido, considera a assistente existirem indícios dessa possibilidade económica de o arguido estar em posição de satisfazer a condição, porquanto a prova deste requisito ainda que não possa ser efectuada documentalmente é passível de ser realizada através de prova testemunhal.

Requereu produção de prova, que foi parcialmente deferida, nos termos e fundamentos do despacho de fls.213/214 tendo-se procedido, à inquirição das testemunhas arroladas no requerimento de abertura de instrução cujos depoimentos se mostram gravados em suporte digital juntos aos autos a fls.270/272. Foi oficiado à AT que informasse se o arguido havia recebido recentemente algum rendimento a titulo de herança, cuja informação se mostra junta a fls.217/220, designadamente informando que o arguido consta como herdeiro na relação de bens apresentada por óbito de G…, constando ainda ter sido efectuada escritura de cessão de quinhão hereditário em 20/08/2015 análise da prova produzida em fase de inquérito.

Foi junta aos autos pela assistente a certidão matricial do imóvel que integra a herança cujo valor patrimonial ascende a €78.640,00 e ainda cópia da escritura de cessão de tal quinhão pelo arguido. Cfr. fls.282/286.

Em face de tal requerimento e junção de documentos, respondeu o arguido através do requerimento de fls.297/298 alegando em síntese que contrariamente ao invocado, o valor da herança da mãe do arguido era apenas de €39,220,00 como aliás já se inferia do documento remetido pela AT, sendo o quinhão hereditário do arguido apenas de ¼ daquela meação e correspondendo a 1/8 do valor total do imóvel, ou seja €9,830,00, mas que o arguido cedeu a um irmão como forma de o compensar pelo empréstimo que este lhe fizera de €10.000,00.

Após a conclusão de todas as diligências probatórias deferidas e não se reputando a existência de quaisquer outras úteis ou necessárias à decisão a proferir, realizou-se o debate instrutório, com observância do legal formalismo.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Da prova produzida e com relevância para a decisão, resultou suficientemente indiciado que:
Por sentença proferida a 25 de Junho de 2012 pela 2a secção do 2º juízo do Tribunal de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, proc.599/12.9TMPRT foi homologado o acordo relativamente à regulação das responsabilidades parentais dos dois filhos menores da assistente e arguido.
Em função de tal sentença o arguido ficou obrigado ao pagamento do montante de €200,00 por cada filho menor a título de pensão de alimentos.
O arguido apenas procedeu ao pagamento de tais valores nos primeiros quatro meses, até ao final do ano de 2012.
A partir Dezembro de 2012 a assistente teve que suportar sozinha e com a ajuda dos pais, já que se encontra desempregada, o sustento dos filhos.
Por sentença datada de 06/12/12 o arguido foi declarado insolvente.
O arguido exerce atualmente a função de gerente na empresa D… que tem por objecto a confecção, comércio de têxteis, artigos de decoração, acessórios de moda e similares da qual é gerente I…, pai do arguido, funções estas pelas quais aufere a remuneração mensal de 520,33 euros.
O veiculo de matrícula ..-..-ZQ encontra-se registado a favor da empresa D….
O arguido era titular de um quinhão hereditário correspondente a 1/4 da meação da herança por óbito da sua mãe e correspondendo a 1/8 do valor total do imóvel, ou seja €9,830, 00, mas que o arguido cedeu a um irmão como forma de o compensar pelo empréstimo que este lhe fizera de €10.000,00.
Não ficou indiciado que:
O arguido esteja em condições de satisfazer a obrigação, optando voluntariamente por não o fazer.

MOTIVAÇÃO DE FACTO:
A convicção do Tribunal fundou-se na análise de toda a prova documental constante dos autos, devidamente conjugada com os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de inquérito e nesta fase de instrução, designadamente.

Prova documental:
Certidão do 2º juízo 2ª secção do Tribunal de Família e Menores do Porto de fls.7 a 10 e petição de fls.10 a 16.
Certidão da empresa D…, de fls.40/42 e de fls.72 a 84 na qual figura como gerente I…, pai do arguido como se verifica da informação dos registos de identificação civil de fls.44.
Documento de fls.74/76, no qual o arguido se assume como sócio gerente da empresa D….
Documento de fls.77 emitido pelo registo automóvel do qual consta que o veículo de matrícula ..-..-ZQ se encontra registado a favor da empresa "D…".
Documento de fls.85 a 90, e 152/153 retirados da rede social facebook que demonstram o arguido em atividades de convívio e lazer da sua vida privada.
Documento de fls.102 a 110 do Tribunal Judicial de Matosinhos, 1º juízo civel, no tocante à circunstância de o arguido ter sido declarado insolvente.
Documento de fls.158/161, na qual se verifica a cessão da posição contratual de entidade patronal celebrados em 14/10/11, na qual a empresa D… Unipessoal representada pelo gerente I… passa a assumir a posição de entidade empregadora relativamente às trabalhadoras J… e K… em detrimento da empresa L… Lda e cujos gerentes são o arguido e B….
Documento de fls.167 emitido em 28/05/2015 pela Segurança social onde consta que o salário do arguido é de €520.33.
Documento de fls.217/220 -Informação da AT mencionando que o arguido consta como herdeiro na relação de bens apresentada por óbito de G…, constando ainda ter sido efectuada escritura de cessão de quinhão hereditário em 20/08/2015 análise da prova produzida em fase de inquérito.
Certidão matricial do imóvel que integra a herança cujo valor patrimonial ascende a €78.640,00 e ainda cópia da escritura de cessão de tal quinhão pelo arguido. Cfr. fls.282/286.
Requerimento de fls.297/298 no qual é referido que o valor da herança da mãe do arguido era apenas de €39,220,00 como aliás já se inferia do documento remetido pela AT, sendo o quinhão hereditário do arguido apenas de ¼ daquela meação e correspondendo a 1/8 do valor total do imóvel, ou seja €9,830,00, mas que o arguido cedeu a um irmão como forma de o compensar pelo empréstimo que este lhe fizera de €10.000,00.

Testemunhal:

Declarações da assistente de fls.19/20 e declarações complementares de fls.72/73 nas quais refere que o arguido deixou de pagar a prestação de alimentos a que ficou obrigado desde Dezembro de 2012 e que se encontra a viver com a ajuda dos pais, ambos reformados, encontrando-se desempregada, passando por dificuldades devido aos problemas de saúde que padece a filha menor de 13 anos de idade.
Disse ter conhecimento que o arguido trabalha na empresa D… e que o veiculo automóvel utilizado por este está em nome da empresa e que o mesmo tem possibilidades de pagar a pensão só não o fazendo porque não quer.
Depoimento da testemunha M…, filho do arguido, cujo depoimento se mostra junto aos autos a fls. 91/92 e que designadamente disse que é sua convicção dispor o arguido de condições económicas para cumprir as obrigações a que ficou vinculado relativamente aos seus irmãos, apresentando como razão de ciência, ou seja, os motivos do seu conhecimento quanto a esta factualidade concreta, um saber, uma cognição indirecta, já que baseada no que outras pessoas que conhecem o pai lhe contam.
Corroborou as declarações da assistente no tocante á circunstância de a mesma estar desempregada, viver da ajuda dos progenitores que são reformados e de a sua irmã padecer de doença do foro oftalmológico.

Depoimento da testemunha E… a fls.147/148,namorada da testemunha M… que de igual modo corroborou as declarações da assistente no tocante à circunstância de a mesma estar desempregada, viver da ajuda dos progenitores que são reformados e de a sua irmã padecer de doença do foro oftalmológico.
Afirmou considerar que o arguido tem possibilidades económicas para satisfazer as obrigações a que está obrigado, por considerar que esta leva uma vida sem qualquer tipo de problema publicando fotografias em férias na Madeira, perguntar ao filho do meio se quer ir com ele de férias e oferecer-lhe um telemóvel, apresentando como razão de ciência para a possibilidade económica do arguido as fotografias da rede social facebook.(documentos de fls.152/153).

Depoimento da testemunha K…, gravado em suporte digital junto aos autos a fls.272 e que designadamente disse:
Exercer funções de brunideira na empresa D… tendo sido confrontada com o documento de fls.158/161 e explicou ao Tribunal a cedência de posição contratual entre a empresa L… e D… bem como quem são os seus atuais gerentes. Referiu ter conhecimento que o arguido exerce na D… o cargo de vendedor sendo que em muitas situações tem também poderes de decisão. Desconhece qual o salário do arguido, apenas esclarecendo que apesar de se tratar de uma pequena empresa não aparenta passar por dificuldades de ordem económica, escoando os produtos para o mercado nacional, sobretudo madeira e encontrando-se os salários dos trabalhadores em dia. Mais disse ter visto o arguido deslocar-se numa carrinha de marca mercedes mas que pensa pertencer á empresa já que o arguido não é o único a utilizar tal veiculo.

Depoimento da testemunha J…, que se encontra gravado em suporte digital junto aos autos a fls.289 e que designadamente disse desconhecer o vencimento do arguido, confirmando no mais o teor do depoimento da anterior testemunha no concernente à situação da empresa apenas acrescentando no tocante ao veiculo automóvel em que se faz transportar o arguido que pelo menos desde 2004 que é o mesmo não lhe tendo conhecido outro veiculo.

Declarações do arguido de fls.171/172
Confirmando ter deixado de cumprir com a pensão de alimentos a que ficou obrigado mas que o fez por falta de meios económicos.
Assume de igual modo a qualidade de gerente relativamente à empresa D….

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

O crime de violação da obrigação de alimentos previsto no artigo 250.° do Código penal assegura que quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação no prazo de dois meses seguintes ao vencimento, é punido com pena de multa até 120 dias.
A prática reiterada deste crime é punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
Por outro lado, quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação, pondo em perigo a satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais de quem a eles tem direito, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
Além disso, quem, com a intenção de não prestar alimentos, se colocar na impossibilidade de o fazer e violar a obrigação a que está sujeito criando o perigo de satisfação das necessidades fundamentais de quem a eles tem direito, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
São pois elementos constitutivos do tipo deste crime de perigo e de omissão própria, que tutela o titular do direito a alimentos face ao perigo de não satisfação das necessidades fundamentais (Prof. Damião da Cunha, Comentário Conimbricense do código Penal, Parte Especial, Tomo II, 621):

Tipo objectivo:
- Que o agente esteja legalmente obrigado a prestar alimentos;
- Que o agente tenha capacidade para cumprir tal obrigação e não a cumpra;
- Que este incumprimento ponha em perigo, sem auxilio de terceiro, as necessidades fundamentais do alimentando;

Tipo subjectivo:
O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto, em qualquer uma das modalidades previstas no art. 14° do C. Penal.
O que confere dignidade penal à conduta, permitindo ultrapassar o princípio da intervenção mínima, é o desvalor resultante da colocação em perigo de direitos fundamentais do alimentando, pois que o simples
incumprimento da obrigação alimentar, em si mesmo, apenas tem conteúdo económico ou seja, é uma divida civil. Por isso, a colocação em perigo das necessidades fundamentais do alimentando é o elemento fulcral do tipo em questão.

Como refere o. Ac, TRP de 20-02-2013, CJ, 2013, T2, pág. 221: "I - O crime de violação da obrigação de alimentos é um crime de execução permanente, que só se consuma quando cessa o incumprimento da dita obrigação.
II. Enquanto não ocorrer a consumação do crime, aplica-se o regime penal que vigorar até então, ainda que o mesmo seja mais gravoso do que o inicialmente previsto.
III. Só se verifica o crime se a violação da obrigação de alimentos impossibilitar a realização das exigências mínimas de uma vida condigna por parte do alimentando, sem o recurso a terceiros.
IV. Comete, por isso, tal crime o pai do menor que, estando obrigado a prestar-lhe alimentos e podendo fazê lo, deixa de cumprir a respectiva obrigação, assim colocando em risco a satisfação das necessidades básicas dele em matéria de educação e sustento, tal só não sucedendo porque a mãe do menor e os avós maternos fizeram um esforço acrescido".

Da análise dos elementos de prova recolhidos em sede de inquérito e nesta fase de instrução não resulta evidente, factos que permitam concluir por indícios suficientes da prática pelo arguido do crime de violação da obrigação de alimentos p.p. pelo art° 250° do Cod. Penal e deste modo poder responsabilizá-lo criminalmente e isto porque não foi possível desde logo apurar que o arguido tendo estado em condições de o fazer, não cumprisse essa obrigação, intencionalmente. A assistente veio denunciar que o arguido não paga a prestação de alimentos a que ficou vinculado, o que aliás o arguido também não negou. Tais factos integram a prática de crime, desde que a pessoa obrigada a prestar alimentos, tendo estado em condições de o fazer, não cumpra essa obrigação, intencionalmente.

No caso dos autos, pese embora todas as diligências efetuadas, não se lograram apurar elementos que permitam o preenchimento subjectivo do tipo legal, ou seja, que o arguido, estando em condições de prestar alimentos aos seus filhos menores, intencionalmente se furte a esse pagamento. Não se logrou apurar, que para além do vencimento de 520,33 que o arguido declara esta tenha outros rendimentos que permitam efetuar o pagamento da prestação de alimentos.

Nenhuma das testemunhas ouvidas nesta fase conseguiu demonstrar mais do que já tinha sido apurado em inquérito. O quinhão hereditário a que o arguido tinha direito foi cedido a um irmão, o veiculo em que se desloca está em nome da empresa, e as fotografias constantes dos autos, nada revelam sobre os seus rendimentos. Por outro lado, os depoimentos das testemunhas ouvidas em inquérito também neste particular aspecto, não demonstraram um conhecimento direto dos factos mas apenas o relato do que ouviram dizer ou do que lhes pareceu através do visionamento das redes sociais.

Por conseguinte, para o preenchimento de tipo legal não basta que a prestação não seja paga, mas que a pessoa a ela obrigada a possa cumprir, esteja em condições de cumprir a sua obrigação, o que in casu não resultou apurado.
*
De acordo com o disposto no art° 308° do C.P.P. chegou o momento de analisar o processo e verificar se foram recolhidos indícios suficientes que apontem para uma possibilidade razoável de o arguido, em sede de julgamento, ser condenado pelos crimes que lhe são imputados.
A lei processual considera "suficientes" os indicios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança -.Cfr.artº 283° n°2 do C.P.P.
Compulsados os autos e analisada a prova neles produzida, quer em fase de inquérito, quer nesta fase em de instrução entendemos que deve ser proferido despacho de não pronúncia.
Apesar da prova produzida em fase de inquérito e nesta fase de instrução a assistente não logrou demonstrar os factos enunciados no requerimento de abertura de instrução não resultando indícios suficientes que permitam imputar a prática ao arguido do crime de violação da obrigação de alimentos pelo que se impõe a conclusão de que o cometimento deste crime não se encontra suficientemente indiciado, não se justificando, com as provas recolhidas no inquérito e bem assim nesta fase que o arguido seja submetido a julgamento.
A lei define no art° 283° n°2 do C.P.P. o que considera indícios suficientes, ou seja, o conjunto de elementos dos quais resulte a probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
A prova indiciária não conduz a um julgamento de certezas. A prova indiciária contém apenas, um conjunto de factos conhecidos que permitirão partir para a descoberta de outro/outros, que deixarão de se mover no campo das probabilidades para entrarem no domínio das certezas. Contudo, o indício é (em si) um facto certo, do qual, por interferência lógica baseada em regras de experiência, consolidadas e fiáveis, se chega á demonstração de um facto incerto, a provar segundo o esquema do chamado silogismo judiciário.
Por indiciação suficiente, entende-se a possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, em razão dos meios de prova existentes, uma pena ou medida de segurança.
Conforme dispõe o art° 286° n° 1 do C.P.P. "A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige a prova no sentido da certeza moral da convicção de que existe uma probabilidade razoável de que foi cometido o crime pela arguida. Contudo, essa possibilidade, é uma certeza mais positiva do que negativa, sendo que o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forme convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido".
Do já citado art° 308° do C.P.P. conjugado com a noção de indícios suficientes dada pelo art° 283°n°2 do C.P.P., resulta pois, que a lei só admite a submissão a julgamento desde que da prova dos autos resulte uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela, uma pena, ou uma medida de segurança, não impondo porém, a mesma exigência de verdade requerida no julgamento final. Analisada a prova dos autos e atentas as razões supra referidas, entendemos deve ser proferido despacho de não pronúncia.
Da análise da prova constante dos autos e tida em conta nesta fase processual subsiste quanto a nós a dúvida da verificação desses indícios o que resultará como muito provável (probabilidade como já supra referimos positiva), de o arguido, em sede de julgamento não lhe vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança.
A prova constante dos autos é assim manifestamente insuficiente para legitimar uma decisão de pronúncia.
Assim, porque os autos não fornecem indícios da prática pelo arguido do crime referido na acusação alternativa da assistente determino NÃO PRONUNCIAR: C…, determinando, em consequência o oportuno arquivamento dos autos.
*
Custas pela assistente sem prejuízo da decisão sobre apoio judiciário.
Notifique, oportunamente, arquive» [4].

Inconformada com o decidido, em tempo a ASSISTENTE interpôs RECURSO pela Declaração de interposição com MOTIVAÇÃO a fls 352-375 II rematada com as sgs 38 CONCLUSÕES [5]:

1. No decorrer do inquérito, por requerimento remetido no dia 30 de Abril de 2015, veio a Assistente requerer a inquirição de duas testemunhas - a saber K… e J… - inquirições essas que reputou como sendo um ato essencial e determinante para a descoberta da verdade material.

2. Tal inquirição jamais veio a ser efetuado no decorrer do inquérito.

3. Razão pela qual se verifica a existência da nulidade de insuficiência do inquérito, nos termos do art. 120°/2/d) do CPP, por omissão de diligência de investigação essenciais para a descoberta da verdade material.
Sem prescindir,

4. No âmbito dos presentes autos foi proferido, após realização de instrução, despacho de não pronúncia do Arguido, pelo prática do crime de violação da obrigação de alimentos, p. e p. no art. 250° do CP.

5. Tal despacho, com o devido respeito, e s.m.o., padece de errada valoração da prova produzida nos presentes autos.

6. Errada valoração essa que não poderá prevalecer, mesmo perante o princípio da livre apreciação da prova concedido ao julgador.

7. Considera o douto despacho recorrido como estando indiciariamente provado que "o arguido era titular de um quinhão hereditário correspondente a ¼ da meação da herança por óbito da sua mãe e correspondendo a 1/8 do valor total do imóvel, ou seja €9.830,00, mas que o arguido cedeu a um irmão como forma de o compensar pelo empréstimo que este lhe fizera de €10.000,00"

8. O único meio de prova enunciado do douto despacho recorrido que poderá sustentar o facto transcrito no n.° anterior é o "Requerimento de fls. 297/298 no qual é referido que o valor da herança da mãe do arguido era apenas de €39,220,00 como aliás já se inferia do documento remetido pela AT, sendo o quinhão hereditário do arguido apenas de ¼ daquela meação e correspondendo a 1/8 do valor total do imóvel, ou seja €9.830,00, mas que o arguido cedeu a um irmão como forma de o compensar pelo empréstimo que este lhe fizera de €10.000,00".

9. Assim, a prova indiciária de tal facto, segundo o douto despacho recorrido, decorre de meras alegações efetuados pelo próprio Arguido, em requerimento por si apresentado aos autos.

10. Com efeito, o requerimento apresentado a fls. 297/298 dos autos, corresponde a um documento em que o Arguido se limita a alegar vários factos para justificar o injustificável - a cedência gratuita do quinhão hereditário - sem no entanto apresentar qualquer prova para os factos que alega.

11. Não existindo assim nos autos qualquer meio de prova consistente que sustente o facto supra transcrito.

12. Com efeito, os únicos meios de prova dos quais se poderá retirar alguma conclusão relativamente ao quinhão hereditário do Arguido são a informação da AT de fls. 21 7/220 dos autos e a escritura de fls. 282/286 dos autos.

13. Em função de tais documento, apenas se constata que o Arguido recebeu um quinhão hereditário que, segundo o próprio, ascende a um valor superior a€9.000,00, tendo cedido tal quinhão, gratuitamente, a um irmão, por escritura pública datada de 20 de Agosto de 2015.

14. Assim, o facto dado como indiciariamente provado pelo despacho decorrido, segundo o qual "O arguido era titular de um quinhão hereditário correspondente a ¼ da meação da herança por óbito da sua mãe e correspondendo a 1/8 do valor total do imóvel, ou seja €9.830,00, mas que o arguido cedeu a um irmão como forma de o compensar pelo empréstimo que este lhe fizera de €10.000,00", deverá passar a ter a seguinte redacão: "O arguido era titular de um quinhão hereditário correspondente a ¼ da herança por óbito da sua mãe, e que foi cedido gratuitamente a um irmão".

15. Tal alteração à matéria de facto dada como indiciariamente provada pelo douto despacho recorrido, é requerida não só em face da falta de sustentação probatória para a redação atual, como decorre da análise dos meios probatórios tidos em consideração pelo Tribunal a quo, como também em virtude da prova documental, não impugnada, constantes dos autos, nomeadamente a informação da AT de fls. 217/220 dos autos e a escritura de fls. 282/286 dos autos.
Acresce que,
16. Foi dado como indiciariamente provado pelo douto despacho recorrido que "por sentença datada de 06/12/12 o arguido foi declarado insolvente".

17. Assim, na data da transmissão gratuita do quinhão hereditário, por parte do Arguido, este encontrava-se insolvente, não podendo assim dispor livremente dos seus bens.

18. Com frustração de outros créditos, como a obrigação de alimentos devida aos seus filhos.

19. Razão pela qual se requer desde já extração de certidão do despacho ora recorrido, para remessa ao M.P. e instauração do devido inquérito crime para investigação da prática, por parte do Arguido, dos crimes públicos de Frustração de créditos, p. e p. no art. 227°-A do CP ou o Favorecimento de Credores, p. e p. no art. 229° do CP.

20. Por outro lado, em face dos elementos já constantes dos autos, a Assistente não se conforma com a conclusão de que não se encontra indiciariamente provado que "o arguido esteja em condições de satisfazer a obrigação, optando voluntariamente por não o fazer".

21. Isto porque, a capacidade económica do obrigado a prestar alimentos não é aferida unicamente pelo montante que os mesmos possuem ou auferem.

22. Nos presentes autos, a prova de que o Arguido tem condições económicas para proceder ao pagamento da pensão de alimentos a que está adstrito perante os seus filhos é manifestamente extensa, impondo assim uma decisão distinta daquela proferida no despacho ora recorrido.

23. M…, filho do Arguido, refere peremptoriamente que não percebe o porquê do seu Pai não efetuar a prestação de alimentos a que está obrigado perante os seus dois irmãos, uma vez que sabe que o mesmo tem possibilidades para tal - cfr. fls. 91 e 92 dos autos.

24. Tal depoimento, com o devido respeito e s.m.o., ao contrário do considerado pelo Tribunal a quo, revelou um conhecimento direto, e na primeira pessoa, das condições sócio-económicas do Arguido.

25. Realçando-se ainda o facto de que a referida testemunha é filho do Arguido, mantendo com o mesmo um contacto direto e pessoal.

26. E…, namorada do filho mais velho do Arguido, refere que não percebe o porque de o Arguido não cumprir com a sua obrigação, uma vez que leva uma vida sem qualquer tipo de problemas financeiros, acrescentando ainda, peremptoriamente, que o Arguido "tem possibilidades de pagar e só o não faz porque não quer" - cfr. fls. 147 e ss. dos autos.

27. Tal conhecimento deriva de uma convivência direta e na primeira pessoa entre a testemunha e o Arguido.

28. As testemunhas K… e J… vieram confirmar que o Arguido é o único comercial da sociedade D…, não estando a empresa a atravessar qualquer tipo de dificuldades, tendo um grande volume de trabalho, nomeadamente de vendas para a Madeira - cfr. depoimentos gravados em suporte digital juntos a fls. 272 e 289 dos autos.

29. Durante a maioria do período em que o Arguido se coartou a pagar as prestações alimentar a que está adstrito perante os seus filhos, era ainda sócio gerente, de facto e de direito, da sociedade "D…, Unipessoal, LDA" - cfr. certidão comercial de fls. 81 e 82 dos autos.

30. Durante todo esse período, o Arguido publicitou ainda a sua vida faustosa e dispendiosa, nomeadamente através de publicações de fotografias na rede social "facebook" - cfr. fls. 85 a 90 dos autos.

31 Sendo certo que, para além dos rendimentos declarados à SS pelo Arguido, este aufere comprovadamente outros, em montante não apurado e não declarado, mas que lhe permitiram fazer face às obrigações a que está adstrito perante os seus filhos.

32. Em função do supra descrito, o facto não indiciado pelo despacho ora recorrido, de que "o arguido esteja em condições de satisfazer a obrigação, optando voluntariamente por não o fazer" deverá ser eliminado.

33. Passando a constar, consequentemente, dos factos indiciariamente provados o seguinte: "O Arguido apresenta condições económicas para satisfazer as obrigações a que está adstrito perante os seus filhos, optando voluntariamente por não o fazer".

34. Em função do supra descrito, encontram-se totalmente preenchidos todos os requisitos de que depende a verificação da prática, pelo Arguido, do crime de violação da obrigação de alimentos, p. e p. pelo art. 250º/3 do CP.

35. Sendo ainda certo que, no pressuposto meramente académico, e que não se concede, de se considerar que o Arguido não possui, de todo, condições para fazer face às obrigações a que está adstrito perante os seus filhos, certo é que obteve comprovadamente possibilidades para tal quanto herdou um quinhão hereditário que, segundo o próprio, ascende a um valor superior a €9.000,00.

36. Tendo o Arguido alienado gratuitamente tal quinhão, colocando-se assim numa situação de impossibilidade de fazer face às obrigações perante os seus filhos.

37. Circunstância essa subsumível no n.° 4 do art. 250° do CP.

38. Razões pelas quais, sempre deverá o despacho ora recorrido ser revogado e substituído por outro que pronuncie o Arguido pela prática do crime de que vem indiciado.

● NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V.AS EX.AS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, REQUER-SE SEJA O PRESENTE RECURSO CONSIDERADO INTEGRALMENTE PROCEDENTE, POR PROVADO E, CONSEQUENTEMENTE, SEJA O DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA, ORA RECORRIDO, REVOGADO, E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE PRONUNCIE O ARGUIDO PELA PRÁTICA DE UM CRIME DE VIOLAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS, P. E P. NO ART. 250° DO CP» [6].

ADMITIDO o Recurso a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo para este TRP ut arts 399, 401-1-b-II, 406-1, 407-1-2-a-i, 408 a contrario e 427 do CPP por Despacho a fls 400 II notificado aos Sujeitos Processuais inclusive nos termos e para os efeitos dos arts 411-6 e 413-1 do CPP:

O MP apresentou RESPOSTA a fls 409-416 II propugnando a «… confirmação do despacho recorrido e, consequente improcedência do recurso» por considerar:

● «Sobre a persistência no mito improdutivo da nulidade de insuficiência de inquérito» - «pela não perfectibilização da nulidade projectada na al. d) do nº 2 do art.120.º do CPP»:

Por um lado, que «Apenas a falta de inquérito, quando esta fase processual inexista de facto ou de direito, consubstancia a nulidade insanável, a que se reporta o art. 119°, al. d), do CPP (Ac. do STJ de 11.07.2006, proc. nº 11.07P1610)»;

● Por outro, que «o Ac. do STJ de 07.1220051 sentenciou que “A insuficiência de inquérito só ocorre quando se omita acto que a lei prescreve como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diversa” » [7];

● Sobre a questão «… saber se na altura do encerramento do inquérito existiam indícios da prática do crime de que pretende a assistente que seja pronunciado o arguido» que:

«[…] O tipo objectivo do ilícito em causa consiste no incumprimento da obrigação legal de prestação de alimentos, estando o visado em condições de o fazer, ou na colocação na impossibilidade de o fazer, causando de um ou outro modo um perigo à satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais de quem a ela tem direitos. E desde logo não se contra preenchido o tipo objectivo.

Mesmo quanto ao elemento subjectivo, não foi possível colher elementos que o arguido não tinha intenção de não prestar alimentos embora se “fique” com algumas dúvidas, por causa das declarações de fls. 91 e 92, do também filho do arguido M… que porém não concretiza em que medida o seu pai, o arguido poderia p[a]gar os alimentos devidos aos menores, seus irmãos.

Assim, documentalmente resulta dos autos que o arguido está associado à “D…” e que aufere uma remuneração mensal de 529 Euros. Podemos achar estranho que um gerente ganhar só isso, mas cabia ao MºPª provar que o arguido possuía outros rendimentos e não pagava os alimentos devidos aos menores, porque não quer ou porque se colocou na situação intencional de incumprimento para obstar a tal pagamento.

[…] De acordo com o tipo legal, é pressuposto típico que o agente, além de estar obrigado a prestar a obrigação, esteja em condições para o fazer. Devem considerar-se os meios que o obrigado poderia dispor, desde que tal se contenha nos quadros do exigível

A situação fáctica dos autos evidencia objectivamente uma situação de incumprimento da obrigação de prestar alimentos, mas resulta que o arguido possui como ordenado 529 Euros, o chamado salário mínimo.
Mas será esse incumprimento injustificado?

Na situação dos autos, não subsistem indícios suficientes de que o arguido se colocou na situação dos rendimentos conhecidos com o objectivo de se furtar ao pagamento da obrigação de alimentos, ou um meio de retorção ou mera vingança em relação à assistente.

Nestes termos, porque justificado, o comportamento do arguido não é ilícito, à luz do tipo-norma do n.º 4 do artigo 250.º do Código Penal, pelo que bem andou a MªJIC ao proferir despacho de não pronúncia» [8].

O ARGUIDO apresentou RESPOSTA a fls 417-419 II afirmando «… que não assiste qualquer razão à recorrente …» por considerar:

● Sobre «Da nulidade do inquérito», que:

«O despacho de não pronuncia é eloquente neste aspecto e nenhum reparo merece. Na verdade, Atentando na boa fundamentação para a qual remete, é nítido o acerto da decisão que se pretende pôr em crise. E, como tal não merece qualquer reparo»;

● Sobre a «Revogação do despacho de Não Pronúncia», que:

«Não ficou minimamente indiciado que o arguido estava (ou está) em condições de satisfazer a obrigação alimentar e que tenha optado por não o fazer. E tal conclusão emerge da análise serena e ponderada, feita pela Mma. Juiz, de toda a prova documental constante dos autos, conjugada com os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de inquérito e de instrução.

O despacho recorrido elenca todos os documentos sindicados e todos os depoimentos testemunhais analisados (até á exaustão) e explica, de modo claro e preciso, porque chegou à conclusão a que chegou. Sem dúvidas ou tibiezas, numa construção perfeita que permite alcançar de forma, também, clara, porque é que assim se decidiu e não em sentido inverso.

E, factos apurados ou apurada a inexistência de factos, a conclusão teria que ser aquela a que,a final, se chegou no despacho posto em crie: não se justifica que, com as provas recolhidas no inquérito seja submetido a julgamento, á luz interpretativa do comando do artgº. 283.º nº. 2 do CPP e em obediência ao consignado no artgº. 286º., nº. 1 do mesmo diploma legal.

“A prova constante dos autos é assim manifestamente insuficiente para legitimar uma decisão de pronúncia” é a conclusão lógica do acerto interpretativo de todos os princípios subjectivos e objectivos que informam e conformam o nosso ordenamento adjectivo» [9].

Em Vista ut art 416-1 do CPP o Exmo Procurador Geral Adjunto emitiu a fls 425-426 II o PARECER, «… no sentido da improcedência do… recurso» após expressar que:

«… acompanhamos a bem estruturada resposta do nosso Ex.mo Colega da primeira instância e também [por] considerarmos que a decisão instrutória em análise se acha bem fundamentada e não merce qualquer censura. Na verdade, não se mostra suficientemente indiciado um dos elementos objetivos do tipo legal previsto no art. 250.º do Cód. Penal, ou seja, o devedor da obrigação de prestar alimentos estar em condições de o fazer».

NOTIFICADOS os demais Sujeitos Processuais ut art 417-2 do CPP apenas o ARGUIDO apresentou RESPOSTA a fls 431=432 que:

«… a decisão instrutória em análise se mostra bem fundamentada e não merece qualquer censura já que não se acha suficientemente indiciado um dos elementos objectivos do tipo legal previsto no artgº. 250.º do Código Penal, ou seja, “o devedor da obrigação de prestar alimentos estar em condições de o fazer”. | E, por isso, impõe-se a imprudência do recurso como bem sustenta o Digmo. Magistrado do Mº.Pº. da primeira instância (fls. 404 e segs.) em cujos fundamentos nos revemos».

Na oportunidade – após demais serviço premente quando não urgente - efectuado EXAME PRELIMINAR e colhidos os VISTOS LEGAIS os autos foram submetidos à CONFERÊNCIA.

PARTE II - APRECIANDO O RECURSO DA ASSISTENTE

A 1ª questão recorrida – a nulidade «… insuficiência do inquérito …, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade» do art 120-2-d do CPP

Contra o indeferimento a quo da arguição de tal nulidade invectivou a Recorrente que:

«Decidiu o douto despacho recorrido pela não verificação da nulidade de insuficiência do inquérito, prevista no art. 120°/2/d) do CPP porque, segundo o entendimento do Tribunal a quo, em fase de inquérito não terão sido omitidas diligências de investigação legalmente obrigatórias.
Para sustentação de tal entendimento, o Tribunal a quo subscreve e enuncia uma corrente jurisprudencial e doutrinal segundo a qual a nulidade prevista no art. 120°/2/d) do CPP apenas se verifica quando o ato omitido seja prescrito pela Lei como obrigatório.
No entanto, com o devido respeito, a Assistente não poderá subscrever tal entendimento, pelas razões a aduzir infra.
Vejamos,
Através do expediente processual de reabertura do inquérito, veio a Assistente, por requerimento de fls... dos autos, remetido no dia 30 de Abril de 201 5, requerer a inquirição de duas testemunhas - a saber K… e J… - inquirições essas que reputou como sendo um ato essencial e determinante para a descoberta da verdade material.
Acrescendo ainda que a identidade das referidas testemunhas tinha já sido carreada para os autos no decorrer do inquérito, em função do testemunho de E…, prestado a fls... dos autos.
No entanto, sucede que as testemunhas supra citadas não foram inquiridas antes do encerramento do inquérito, mesmo apesar de a Assistente ter identificado concretamente a identidade das mesmas, e ter especificamente requerido a sua inquirição, em fase de inquérito, reputando a mesma como sendo essencial para a descoberta da verdade material, na medida em que se tratavam de funcionárias da sociedade da qual o Arguido é gerente e que certamente poderiam ter informações quanto aos rendimentos deste.
Ora, a Assistente, não sendo alheia à redação do disposto na alínea d) do n.° 2 do art. 120° do CPP, segundo a qual constitui uma nulidade dependente de arguição "a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade", não poderá deixar de firmar e sustentar que a interpretação mais condizente com tal preceito será a de que constitui nulidade a omissão de qualquer diligência de investigação que se possa reputar adequada à descoberta da verdade material, e não apenas aquelas que sejam consignadas como legalmente obrigatórias.
Com efeito, tal interpretação decorre não só da própria redação do art. 120°/2/d) do CPP, mas também da existência da nulidade insanável de falta de inquérito, prevista na alínea d) do art. 119° do CPP, essa sim reservada para omissão absoluta de atos de inquérito legalmente obrigatórios.
Nesse sentido veja-se, v.g., o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15 de Junho de 2011, proferido no proc. n.° 1645/08.6PIPRT.P1 e que teve como Relatora a Exma. Sra. Juíza Desembargadora Ana Paramés (disponível em www.dqsi.pt). que apresenta as seguintes conclusões:
“(…)
II - A nulidade insanável da falta de inquérito [art 119.°, al. d), do CPP] refere- se à falta do conjunto de diligências ou actos compreendidos no art. 262.°, n.° 1, do CPP: ocorre quando se verifica ausência absoluta ou total de inquérito ou falta absoluta de actos de inquérito.
III - A insuficiência do inquérito [art. 120.°, n.° 2, al. d), do CPP], por sua vez, consubstancia a omissão da prática de alguns actos legalmente obrigatórios, ou a omissão de algumas diligências que pudessem reputar-se essências para a descoberta da verdade." (sic). negrito e sublinhado nosso.
Assim, uma vez que, em fase de inquérito, foram omitidas a realização de diligências de investigação, que apesar de não serem legalmente obrigatórias, eram essenciais para a descoberta da verdade material, verifica-se a existência da nulidade de insuficiência do inquérito, nos termos do art. 120°/2/d) do CPP, nulidade essa oportunamente invocada pela Assistente, e que deveria ter sido reconhecida pelo Tribunal a quo.
Nesse sentido, requer-se a V.as Ex.as. que declarem procedente a supra citada nulidade, sendo revogada a decisão do Tribunal a quo no que a esse particular concerne, com todos os devidos e legais efeitos» [10].

O MP ad quem sufragou o MP a quo propugnando a subsistência do decidido a quo porque:

« Em inquérito é obrigatório, pelo menos, o interrogatório do arguido – art. 272.º n.º 1, do CPP, salvo quando não for possível notificá-lo [11], sendo legalmente inadmissível o despacho de arquivamento nos termos do art. 277.º, n.º 1, do CPP, sem a realização das necessárias diligências – Ac. da RL de 14.05.2008.

Como refere o Prof. Germano M. Silva - Curso de Processo Penal, III, p. 91- na senda de Luís Osório - in Comentário ao Código do Processo Penal Português, 2.° vol. II, p 186 - «A insuficiência do inquérito é uma nulidade genérica que só se verifica quando se tiver omitido a prática de acto que a lei prescreve como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha deforma diversa. A omissão de diligências de investigação não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, pois a apreciação da necessidade dos actos de inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público».

O inquérito tem por finalidade essencial investigar a notícia do crime e compreende o conjunto das diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e respectivas responsabilidades bem como recolher todas as provas indispensáveis àquela decisão (cfr. art. 262,°, n,° 1).
Daí que a apreciação da necessidade dos actos a praticar, com vista à decisão de acusação ou de não acusação — actos de inquérito ou de desenvolvimento - seja da competência do Ministério Público.

Não obstante o STJ — Ac. de 19.10.1994, in proc. n,° 46.315/3ª secção — ter decidido que «A falta de um acto de inquérito, ordenado pela entidade que o dirige, integra a nulidade de insuficiência de inquérito, prevista no art. 120.° n.° 1 e 2 al. d), do CPP, e não nulidade do acto, porque este não existiu», aderimos à posição do Prof. Germano M. Silva — Do Processo Penal Preliminar, p. 176 — quando refere que «pode questionar-se a insuficiência do inquérito no que respeita à omissão de actos obrigatórios, quando a lei não impõe, em geral, a prática de quaisquer actos típicos de investigação».

No Ac. de 24.2.93 — in CJ, XVIII, 1993. Tomo 1, p. 160 - a R. Lisboa decidiu que «As deficiências de investigação no inquérito apenas podem obter satisfação através de reclamação hierárquica».
Também o Ac. da Rel. Évora de 11.7.95- in CJ, tomo IV, p. 287 - seguido pelo Ac. da mesma Relação 13.05.97 - in CJ, XXII, III, 282 - enunciou que «Não é admissível ao juiz censurar o modo como tenha sido realizado o inquérito e devolver o processo ao M°P° para prosseguir a investigação deforma a abranger outros factos, e/ ou outros agentes, ou, simplesmente, para reformular a acusação».

O conhecimento amplo e alargado dos factos que interessam à correcta aplicação do direito penal determina a atipicidade das diligências a efectuar no inquérito, tal como sucede em relação aos meios de prova, apenas limitada pelo princípio da legalidade.

De resto, nem a falta de constituição de arguido no inquérito, apesar de obrigatória - art.59.° n.° 1 do CPP - determina a nulidade insanável do art. 119.° al. d) do CPP - como decidiu o Ac. da Rel. Coimbra de 11.05.94. - in CJ, XIX, 3, 48 - mas tão só a nulidade prevista no art. 120°. n 2. al. d) e sendo possível a notificação do arguido - Ac. do STJ n.° 1/2006, de 23.11.2005, in D.R. n.° 1, Série I A, de 2.01.2006.

Apenas a falta de inquérito, quando esta fase processual inexista de facto ou de direito, consubstancia a nulidade insanável, a que se reporta o art. 119°, al. d), do CPP (Ac. do STJ de 11.07.2006, proc. nº 11.07P1610)

Concomitantemente, a obrigatoriedade de realização de actos de inquérito reconduz-se, na lição do Prof. Germano M. Silva - Curso de Processo Penal, vol. III, p. 90 - «à notificação do acto de encerramento que tem de ser sempre notificado ao arguido, ao assistente, ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente e às partes civis - arts. 277.º, n.° 3, e 283.°, n.° 3 - e é também obrigatória a junção aos autos das «exposições, memoriais e requerimentos do arguido e do assistente» - arts 98°. n.° 1, 61.º e 69.° - e o interrogatório do arguido - art. 272°)».

Na mesma senda, o Ac. do STJ de 07.1220051 sentenciou que “A insuficiência de inquérito só ocorre quando se omita acto que a lei prescreve como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diversa”.

Termos em que se conclui que pela não perfectibilização da nulidade projectada na al. d) do n.º 2 do art. 120.º do CPP» [12].

Ora, considerando que a Recorrente motivou mediante mix da 1ª com a 2ª partes como que para alargar o âmbito de aplicação do art 120-2-d do CPP, precisa-se que o PEDIDO de revogação ad quem do indeferimento a quo da arguição de «nulidade sanável» do art 120-2-d do CPP por falta de inquirição no Inquérito de K… e J… – inquiridas em Instrução pela Mma JIC, aquela em 26-01-2016 ex vi Acta a fls 270 e esta em 17-02-2016 ex vi Acta a fls 287 - é IMPROCEDENTE por não serem aplicáveis:

O segmento do 120-2-d-I do CPP «A insuficiência do inquérito …, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios …» por não se descortinar no CPP uma disposição legal que permita a compreensão da omissão de inquirição de Testemunhas no Inquérito como «… actos legalmente obrigatórios …» como são, no ensinamento do Conselheiro HENRIQUES GASPAR, «… no inquérito, v.g., a constituição de arguido (artigos 58º, nº 1, e 59º: «é obrigatória a constituição de arguido»), o interrogatório do arguido, sendo possível notificá-lo (artigo 272º, nº 1); as declarações do ofendido para memória futura, nos casos de crime contra a autodeterminação sexual (artigo 271º, nº 2); validação de actos de apreensão pelos órgãos de polícia criminal (artigo 178º, nº 5); na instrução, acto obrigatório é o debate instrutório (artigo 289º, nº 1)» [13];
O segmento do 120-2-d-II do CPP «… a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade» cujo âmbito de aplicação é diverso do entendido pela Recorrente, no ensinamento do Conselheiro HENRIQUES GASPAR «A «omissão posterior de diligências» que sejam essenciais refere-se às fases de julgamento e recurso: «posterior» ao inquérito e à instrução; diligências essenciais significa, no contexto, que são absolutamente indispensáveis, no sentido de susceptíveis de condicionar a finalidade do processo e a decisão. São omissões «essenciais» que podem ocorrer na fase de julgamento, v.g., a falta de exame sobre a personalidade do arguido se forem suscitadas dúvidas sobre a imputabilidade; a falta de indagação de factos e circunstâncias determinantes para a escolha e fixação da medida da pena. Na fase de recurso, v.g. a audição do arguido quando a questão a decidir exija uma «apreciação directa» do testemunho «pessoal» (cf. acórdão TEDH 5 de Julho de 2011, no caso MOEIRA FERREIRA c. PORTUGAL – anotação ao artigo 61º, ponto 4)» [14].

A 2ª questão recorrida – da indiciação do crime doloso do art 250 do CP

A Assistente concluiu o Requerimento de Abertura de Instrução infra RAI para lograr Pronúncia do Arguido «… enquanto autor material, do crime de violação da obrigação de alimentos, p.p. pelo art.250º do CP» sem nunca referir por qual dos quatro «tipos legais» do art 250-1 ou 250-2 ou 250-3 ou 250-4 do CP pretendia a Pronúncia mas apenas que «São pressupostos do referido tipo legal de crime (1) a obrigação legal do Arguido de prestar alimentos, (2) a não entrega da referida prestação, (3) a colocação em situação de risco da pessoa a quem são devidos os alimentos e (4) as possibilidades económicas do Arguido para o pagamento das prestações» que repetiu na Motivação de Recurso onde alude na CCS 24 ao «art. 250º/3» e na CCS 37 ao «n.º 4 do art. 250.º».

Ora os quatro tipos legais são bem distintos como se segue: 1. «Quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação no prazo de dois meses seguintes ao vencimento…»; 2. «Quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação no prazo de dois meses seguintes ao vencimento …» por «… prática reiterada …»; 3. «Quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação, pondo em perigo a satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais de quem a elas tem direito…»; 4. «Quem, com a intenção de não prestar alimentos, se colocar na impossibilidade de o fazer e violar a obrigação a que está sujeito criando o perigo previsto no número anterior» que é o «… perigo [d]a satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais de quem a elas tem direito …».

Sobre os diversos quid incriminados no art 250 teve-se ensejo noutra sede de adiantar que:

«2. No que toca aos interesses protegidos, a ideia base que tem sido adiantada tem a ver com a satisfação de “necessidades fundamentais” do titular do direito a alimentos, Pinto de Albuquerque, 2010, p. 741; predominam contudo, até no modo de construir o ilícito, os aspetos patrimoniais decorrentes de uma obrigação jurídica individual.

3. Autor do crime (crime específico próprio) é a pessoa obrigada por lei a prestar alimentos. A obrigação pode resultar diretamente da lei ou de obrigação legal, ACTAS, 1993, p. 292, nomeadamente de acordo decorrente de imposição legal. Constitui conduta ilícita a falta de prestação de alimentos, mesmo sem prévia condenação judicial em alimentos, também Pinto de Albuquerque, 2010, p. 742.

A pessoa obrigada a prestar alimentos há de estar “em condições de o fazer”. Deverá o julgador ter em atenção os meios que o alimentante efetivamente tem à sua disposição e os que poderá reunir por forma que não contrarie o direito; não está por isso obrigado nem ao exercício da prostituição (nem ao seu incremento) como também não está obrigado a enveredar por uma carreira criminosa.

4. As modalidades do crime de violação da obrigação de alimentos previstas nos nºs 3 e 4 desenham-se na forma de incumprimento da obrigação legal de prestação de alimentos, estando o sujeito em condições de os prestar, bem como na colocação na impossibilidade de o fazer. Exige a lei que de qualquer dessas formas se cause um perigo à satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais de quem a eles tem direito (incluindo as do nível de subsistência deste como as inerentes ao seu modo de vida normal).

5. As modalidades do crime de violação da obrigação de alimentos previstas nos nºs 1 e 2 consistem no incumprimento da obrigação legal de prestação de alimentos no prazo de dois meses seguintes ao vencimento. O crime do nº 2 comete-o o agente com a prática reiterada, portanto a partir do segundo incumprimento.

7. O alimentante pode não se encontrar em condições de prestar alimentos, caso em que o não cumprimento é atípico. “O obrigado a alimentos não pode eximir-se à sua responsabilidade com a simples alegação de que tem trabalho precário ou de que está desempregado”, Ac. TRP de 3/02/1999, CJ 1999, I, p. 238; no caso, o arguido estava vinculado por lei a prestar alimentos à filha menor, arts. 1878º/1 e 2009º/1 CC; a correspondente obrigação alimentar fora mesmo defi nida judicialmente.

8. A colocação do alimentando em situação de incapacidade de incumprimento representa uma outra forma (pré-ordenada) de incumprir a obrigação de alimentos.

9. Na modalidade prevista no nº 3, o crime é de perigo concreto. Este crime “contra a família” começa com o “pôr em perigo” a satisfação das necessidades fundamentais de quem tem direito à prestação e termina com o “cumprimento da obrigação”. Enquanto a satisfação das necessidades do alimentando não for realmente (“concretamente”) posta “em perigo”, o crime não estará perfeito. Os factos integradores dessa colocação em perigo terão de ser provados em tribunal para se poder sustentar que o perigo se concretizou e que, consequentemente, o ilícito se consumou.

A lei acentua o pôr em perigo a satisfação das necessidades fundamentais de quem tem direito aos alimentos, sem auxílio de terceiro. O auxílio de terceiro deve porém encontrar-se numa relação causal interna com a recusa de alimentos. Esse nexo faltará naqueles casos em que o alimentando encontra a segurança das suas necessidades noutras fontes a que possa ter acesso, por ex., recorrendo ao próprio avô (contra, porém, Pinto de Albuquerque, 2010, p. 742, que refere o Ac. TRP de 18/10/2006, CJ 2006, IV, p. 207).

10. A Lei 61/2008, de 31-10, aditou o nº 4, dispondo que na pena de prisão até dois anos ou de multa até 240 dias incorre quem, com a intenção de não prestar alimentos, se colocar na impossibilidade de o fazer e violar as obrigações a que está sujeito criando o perigo previsto no número anterior. Trata-se ainda de um crime de perigo concreto, em que a intenção desempenha um papel fundamental, por desencadear dois resultados: o de o agente se colocar na impossibilidade de não prestar alimentos, e efetivamente não os prestar, violando a obrigação a que está sujeito.

11. Subjetivamente, admite-se qualquer modalidade de dolo» [15].

Seguidamente anotou PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE mais analiticamente:

«2. O bem jurídico protegido pela incriminação é a satisfação das “necessidades fundamentais” do titular do direito a alimentos. Por necessidades fundamentais entendem-se não apenas as necessidades do nível da subsistência, mas também as necessidades inerentes ao modo de vida normal do alimentado, desde que não sejam sumptuárias.

3. O crime de violação da obrigação de alimentos, nas modalidades previstas nos nºs 3 e 4, é um crime de perigo concreto (quanto ao grau de lesão dos bens jurídicos protegidos) e de resultado (quanto à forma de consumação do ataque ao objeto da ação) (quanto à natureza de crime de perigo concreto, acórdão do TRP, de 20.2.2013, in CJ, XXXVIII, 1, 221, e MIGUEZ GARCIA e CASTELA RIO, 2014: 993 e 994, anotações 9.ª e 10.ª ao artigo 250.°). Coloca-se, pois, a questão da imputação objetiva do resultado à ação. A Lei n.° 61 /2008 de 31.10, criou uma nova modalidade: o crime de violação da obrigação de alimentos previsto nos n.°° 1 e 2 é um crime de perigo abstrato e um crime de omissão pura ou própria com a estrutura de um crime formal. Neste caso, o incumprimento da obrigação vencida de alimentos é punível independentemente da verificação de perigo para a satisfaço das necessidades fundamentais do alimentado.

4. As modalidades do tipo objetivo previstas nos nºs 3 e 4 consistem no incumprimento obrigação legal de prestação de alimentos, estando o agente em condições de o fazer, e na colocação na impossibilidade de o fazer, causando de um ou de outro modo um perigo à satisfação, sem auxilio de terceiro, das necessidades fundamentais de quem a eles tem direito. As modalidades do tipo objetivo previstas nos nºs 1 e 2 consistem apenas no referido incumprimento único ou reiterado da obrigação legal de prestação de alimentos no prazo de dois meses seguintes ao vencimento. Portanto, aquando do primeiro incumprimento de uma obrigação de alimentos o obrigado comete o crime do n.° 1, cometendo o crime do n.° 2 a partir do segundo incumprimento daquela mesma obrigação de alimentos.

5. O agente do crime de violação da obrigação de alimentos tem uma qualidade especial: está obrigado pela lei a prestar alimento. Este é um crime específico próprio.

6. A obrigação de alimentos resulta das disposições do direito da família, por força do casamento ou de relações de filiação ou parentesco, incluindo os alimentos provisórios. A obrigação pode resultar diretamente da lei, de sentença judicial transitada em julgado (ACTAS CP/FIGUEIREDO DIAS, 1993: 292) ou de acordo decorrente de imposição legal. Portanto, constitui conduta ilícita a falta de prestação de alimentos, mesmo que não haja prévia condenação judicial em alimentos (acórdão do TRE, de 23.3.1997, in CJ, XXI, 1, 289, e acórdão do TRP, de 3.2.1999, in CJ, XXIV, 1, 238, e na doutrina, MIGUEZ GARCIA e CASTELA RIO, 2014: 992 e 993, anotação 3.ª ao artigo 250.°). Ou seja, os alimentos previstos no artigo 150.° incluem as prestações devidas a título de contribuição para os encargos da vida familiar, porque estes encargos têm a natureza legal de alimentos (artigo 1874.° do CC) e são determináveis (artigo 2004.° do CC) (concorda, MAIA GONÇALVES, 2007: 870, mas discorda, DAMIÃO DA CUNHA, anotação 23.ª ao artigo 250.°, in CCCP, 1999).

9. A pessoa legalmente obrigada a prestar alimentos pode não se encontrar em condições de o fazer, caso em que fica afastada a tipicidade do incumprimento. Para avaliar a capacidade do agente para prestar alimentos o juiz deve ponderar a situação económica, patrimonial e financeira e os encargos pessoais do obrigado, bem como os rendimentos que este deixou de auferir, podendo normalmente auferi-los. Não constitui fator suficiente para eximir o obrigado a circunstância de ele ter trabalho precário ou de estar desempregado (acórdão do TRP, de 3.2.1999, in XXIV, 1, 238). De igual modo, não exime o obrigado a circunstância de um terceiro, no caso um avô do menor, ter passado a auxiliar na satisfação das necessidades do neto em face do incumprimento do agente (acórdão do TRP, de 18.10.2006, in CJ, XXXI, 4, 207, mas contra, MIGUEZ GARCIA e CASTELA RIO, 2014: ao artigo 250.°).

10. O incumprimento da obrigação inclui o não pagamento no momento próprio da prestação devida, a frustração da própria possibilidade de cumprimento (por exemplo, quando o agente foge ao contacto com o beneficiário dos alimentos) e a criação de uma situação de incapacidade de incumprimento (por exemplo, quando o agente se despede do seu emprego). Portanto, a colocação em situação de incapacidade de cumprimento não é mais do que uma forma preordenada de incumprir a obrigação de alimentos, tendo a Lei n.° 59/2007 um efeito meramente esclarecedor do sentido da lei anterior.

11. O perigo da satisfação das necessidades fundamentais do beneficiário dos alimentos constitui uma situação de perigo concreto (sobre este conceito ver a anotação ao artigo 10.ª e a NOTA PRÉVIA ao artigo 272.°; sobre a constitucionalidade da exigência legal de um perigo concreto, o acórdão do TC n.° 62/99). Esta situação de perigo não é afastada se o beneficiário dos alimentos não sofreu prejuízo das suas necessidades fundamentais por causa do auxílio de um terceiro, incluindo o Estado e outras entidades públicas (concorda, acórdão do TRP, de 20.2.2013, in CJ, XXXVIII, 1, 221, e acórdão do TRL, de 14.11.2013, in CJ, XXXVIII, 5, 138).

12. A consumação do crime verifica-se quando cessa (definitiva ou transitoriamente) a obrigação de alimentos ou cessa a situação de perigo, uma vez que o crime de violação da obrigação de alimentos é um crime permanente. Exemplo de cessação transitória da obrigação é a do desemprego involuntário do obrigado a alimentos. Assim, só haverá cometimento de novo crime pelo mesmo agente contra o mesmo alimentado se tiver havido uma renovação da obrigação de alimentos. No exemplo dado, o agente comete um crime se não cumpriu a obrigação, podendo fazê-lo enquanto esteve empregado, e volta a cometer outro crime, quando depois de despedido conseguiu novo emprego, mas não cumpriu de novo a obrigação.

13. O tipo subjetivo admite qualquer modalidade de dolo. O tipo do n.° 2 inclui um elemento subjetivo típico: a “intenção” de não prestar alimentos. Este elemento típico subjetivo nada acrescenta ao dolo de “não cumprir a obrigação”. O erro sobre o elemento normativo do tipo (dever jurídico de prestar alimentos) é um erro que afasta o dolo (artigo 16.°, n.º 1)» [16].
De Direito Penal explicitado o objecto dos quatro tipos legais de «Violação da obrigação de alimentos» do art 250-1-2-3-4 do CP, de Direito processual Penal sói precisar que:

Apesar do CPP de 01.01.1988 ter sofrido no ínterim 29 alterações a última pela Lei 130/2015, certo é que o art 283-2 quanto a «Acusação pelo Ministério Público» continua a estatuir apenas que «Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança» aplicável a «Despacho de pronúncia ou de não pronúncia» ex vi art 308-2-I do CPP.

Porém, a concretização de «indícios suficientes» para pronunciar tal como para acusar redun da numa cláusula geral e abstracta com conceitos indeterminados que tem reclamado atenção da Doutrina e preocupação da Jurisprudência porque a dedução de uma Acusação ou Pronúncia infundada probatoriamente redunda em absolvição de um Arguido submetido a final sem propriedade a Julgamento sujeito a escrutínio público pela prática de um crime que não se demonstrou e pelo qual até pode ter estado preso preventivamente durante meses até tal Decisão Final.

Donde a persistência dos esforços doutrinal e jurisprudencial de compreensão de tal cláusula geral e abstracta com conceitos indeterminados, sendo possível condensar, pelo critério dos diferentes graus em que assentam quanto a «possibilidade» versus «certeza», três compreensões distintas sobre sentido / objecto / alcance de «indícios suficientes»:

I - quando existe uma simples possibilidade, ainda que mínima, de condenação do agente, após produção da prova em Audiência, assim bastando que a submissão do Arguido a Julgamento não constitua “um acto manifestamente inútil e clamorosamente injusto” mas tão só uma mera possibilidade, ainda que reduzida, de condenação;

II – quando deles resulte uma maior probabilidade de condenação do Arguido após produção da prova em Audiência, do que a sua absolvição, assim, recorrendo ao conceito matemático de probabilidade associado a um juízo de prognose, vg GERMANO MARQUES DA SILVA e JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, sendo possível afirmar que o juízo indiciário a formular no final de Inquérito ou Instrução será menos exigente que o formulado na Decisão Final;

III – quando existe uma possibilidade particularmente forte de uma futura condenação, quando dos elementos probatórios recolhidos em Inquérito e Instrução resultar a convicção de que foi cometido um crime, o Arguido foi o seu agente e por ele será condenado em Julgamento.

A I compreensão não se adequa ao texto legal porque «possibilidade razoável» é mais do que uma «possibilidade mínima» por aquela exigir uma «possibilidade mínima» dir-se-á «agravada» com um grau de verosimilhança qualificável não de «possível» mas de «verificável».

Ao texto da lei, como fundamento e limite do resultado de uma possibilidade de interpretação, parece adequar-se melhor a II compreensão como uma «posição razoável» que sugere a realização de uma ponderação entre as perspectivas de condenação versus absolvição futuras, mostrando-se apenas «razoável» quando a balança pender para a condenação.

Porém, hodiernamente já não se subscreve uma tal perspectiva (dir-se-á) perfunctória e redutora da compreensão da citada cláusula geral e abstracta com conceitos indeterminados, por háver que buscar sua compreensão na consideração doutras cláusulas gerais e abstractas com conceitos indeterminados quanto a «indícios» que por demais pululam no CPP para definir os níveis de convicção da decisão judiciária de acusar / pronunciar / condenar verbi gratie:

« 4. A CRP e a lei distinguem vários graus de convicção no processo penal:
a. Prova além da presunção da inocência (artigo 32.°, n.º 2, da CRP tal como o artigo 6.°, § 2.°, da CEDH)
b. Indícios fortes (artigo 27.°, n.° 3, al.ª b), da CRP, artigos 200.°, n.° 1, 201.°, n.° 1, e 202.°, n.° 1, al.ª a), do CPP)
c. Sinais claros (artigo 256.°, n.°s 2 e 3, do CPP)
d. Indícios fundados (artigo 174.°, n.° 5, al.ª a), do CPP)
e. Indícios suficientes (artigos 277.°, n.° 2, 283.°, n.° 1, 285, n.° 2, 298.°, 302, n.° 4, 308.°, n.° 1, 391.°-A, n.° 1, do CPP)
f. Prova bastante (artigo 277.°, n.° 1, do CPP)
g. Indícios (artigos 171.°, n.° 1, 174.°, n.ºs 1 e 2, 246, n.° 5, al.ª a), do CPP)
h. Imputação (artigos 1.º, al.ª f, 197.°, n.° 1, 198.°, n.° 1, e 199.°, n.° 1, do CPP)
i. Suposição (artigo 210.° do CPP)
j. Fundado receio (artigos 142.°, n.° 1, 227.°, n.° 1, 228.°, n.° 2, 257.°, n.° 2, al.ª b), do CPP), fundado motivo para recear (artigo 272.°, n.º 3 alª b), do CPP)
k. Suspeitas fundadas (artigos 58.°, n.° 1, a), 250.°, 272.°, n.° 1, do CPP)
l. Suspeito (artigo 27.°, n.° 1, al.ª g), da CRP, e artigo 1.º, al.ª e), do CPP)

5. A multiplicidade de expressões não corresponde a igual número de graus de convicção relevantes no processo penal. Efectivamente, distinguem-se quatro níveis de convicção no direito Português:
a. Indícios para além da presunção da inocência, correspondente ao crivo do direito internacional criminal de guilt beyond reasonable doubt
b. Indícios fortes ou sinais “claros”, correspondente ao crivo da clear evidence ou dringende Tatverdacht
c. Indícios suficientes ou prova bastante, correspondente ao crivo da reasonable suspicion ou probable cause ou hinreichende Tatverdacht
d. Indícios, indícios fundados, suspeitas, suspeitas fundadas, fundado receio, imputação do crime, correspondente ao crivo da bona fide suspicion ou Anfangsvefrdacht

7. Indícios para além da presunção de inocência são as “razões” que sustentam e revelam uma convicção indubitável de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento de prolação da sentença, um facto se verifica.

8. “Indícios fortes” são as “razões” que sustentam e revelam uma convicção indubitável de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento de prolação de uma decisão interlocutória, um facto se verifica. Este grau de convicção é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os mesmos do momento da decisão interlocutória. A diferença entre um e outro reside apenas na variação da base dos elementos conhecidos no momento da decisão interlocutória e no momento da sentença. Por esta razão, o legislador só consagra o crivo dos indícios fortes para a aplicação das medidas cautelares mais graves, que implicam uma limitação de tal maneira intensa da liberdade que constituem, no plano fáctico, uma antecipação dos efeitos negativos da condenação pelos factos (artigo 193.°, n.° 1)

10. “Indícios suficientes” são as “razões” que sustentam e revelam uma convicção sobre a maior probabilidade de verificação de um facto do que a sua não verificação. Indícios suficientes dos factos da acusação são as “razões” que sustentam e revelam que é mais provável que os ditos factos se tenham verificado do que não se tenham verificado (assim também, FIGUEIREDO DIAS, 1974: 133, GERMANO MARQUES DA SILVA, 1990: 348, e 2000 b: 179, e, na jurisprudência, o caso paradigmático do acórdão do TRC, de 9.3.2005, in CJ, XXX, 2, 36, mas diferentemente NORONHA E SILVEIRA, 2004: 171, ADÉRITO TEIXEIRA, 2004: 160, e FERNANDA PALMA, 2005: 122, que se referem a uma probabilidade “forte”, “alta” ou “particularmente qualificada”).

12. “Indício”, “suspeita”, “receio” são “razões” que sustentam e revelam uma convicção sobre a probabilidade, mesmo mínima, de verificação de um facto. Esta “razão” liga a circunstância indiciadora e o facto a provar e é constituída por uma inferência lógica baseada numa máxima de experiência ou numa lei científica (PAOLO TONINI, 2007: 176)» [17].

Assim se apreende, mais por compreensão do que por impressão, um critério operativo de Acusação ou Pronúncia que se funda no juízo positivo de verificação de:

«I - Indícios suficientes…os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado; são vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que alguém determinado é o responsável, de forma que, logicamente relacionados e conjugados formem um todo persuasivo da culpabilidade; enfim, os indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito (e na instrução), os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado.

II - A suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos probatórios e de convicção constantes do inquérito (e de intrução) que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento; mas se logo a este nível do juízo no plano dos factos se não puder antever a probabilidade de futura condenação, os indícios não são suficientes, não havendo prova bastante para a acusação (ou para a pronúncia).

III - O juízo sobre a suficiência dos indícios, feito com base na avaliação dos factos, na interpretação das suas intrínsecas correlações e na ponderação sobre a consistência das provas, contém sempre, contudo, necessariamente, uma margem (inescapável) de discricionariedade.

IV - Não se exigindo o juízo de certeza que a condenação impõe - a certeza processual para além de toda a dúvida razoável -, é mister, no entanto, que os factos revelados no inquérito ou na instrução apontem, se mantidos e contraditoriamente comprovados em audiência, para uma probabilidade sustentada de condenação» [18].
Ora, tendo presente que « I – Um dos elementos constitutivos do crime de violação da obrigação de alimentos reside na capacidade do agente para cumprir a obrigação alimentar ao tempo em que entrou em incumprimento. II – A afirmação de que o arguido teve (ou não teve) possibilidade de pagar as prestações alimentares a que estava obrigado, não constitui um facto empiricamente verificável, mas sim um juízo conclusivo e valorativo. III – Assim, o libelo acusatório só poderá desempenhar plenamente a sua função de garantia do direito de defesa se fizer referência a um mínimo de dados sobre a situação económica do arguido devedor de alimentos, no momento em que incorra em incumprimento, em termos de poder concluir-se que ele tinha possibilidade de cumprir essa obrigação, à face da lógica e da experiência comum, mas também daquilo que é razoável ser-lhe exigido. IV – A falta de indicação de factos integradores, seja do tipo objetivo do ilícito, seja do tipo subjetivo, implicando, assim, o não preenchimento do tipo de ilícito incriminador, deve conduzir à absolvição do arguido, se verificada em audiência de julgamento» [19] e não se questionando que «Os tribunais têm admitido que a capacidade económica dos pais não se avalia só pelos rendimentos declarados, mas também pela capacidade de gerar proventos, pelo nível de vida ou padrões de consumo que efectivamente têm e pelos rendimentos de actividades profissionais por conta própria mesmo que não sejam declarados» [20],

O Recurso da Assistente para Pronúncia do Arguido não merece provimento por persistir insanável dúvida razoável quanto à indiciação factual de «… um mínimo de dados sobre a situação económica do arguido devedor de alimentos, no momento em que incorra em incumprimento, em termos de poder concluir-se …, à face da lógica e da experiência comum…», pelo segmento normativo «…em condições de o fazer…» relevante ut art 250-1 e 250-2 e 250-3 do CP, porquanto:

O depoimento a TJA em 10-3-2014 a fls 91-92 de M…, filho maior do Arguido, «… que o seu pai é pessoa que tem possibilidades para ajudar os seus dois irmãos menores. Que o mesmo é pessoa que anda sempre a passear, pois tem conhecimento, através de pessoas que conhece o seu pai e que lhe contam. Sabe que o seu pai trabalha na empresa D…, pois das muitas vezes que passa por lá vê o seu pai à porta e, o carro estacionado ali ao lado. Que não entende a razão pela qual o seu pai não respeita com a pensão de alimentos, para com os seus dois irmãos, pois o mesmo tem uma situação financeira satisfatória. Que a sua mãe vive das ajudas dos seus avós maternos já com 80 anos de idade e, das do depoente. Gostava que o seu pai comparticipa-se com algum dinheiro, pois a sua irmã padece de uma doença nos olhos que tem elevado custo (divergência de conversão), do qual é do conhecimento do seu pai, pois já existia quando viviam juntos», invocado pela Recorrente nas CCS 23 a 25, não é determinante de um juízo positivo de indiciação segundo o sobredito critério de «probabilidade sustentada de condenação» mas de uma insanável dúvida razoável de indiciação factual de que o Arguido dispunha «… das possibilidades financeiras … para proceder ao pagamento das prestações…» e «O Arguido tem possibilidades de provir ao pagamento das prestações a que está obrigado, só não o fazendo por opção própria» que são as proposições imputadas in RAI para Pronúncia por verificação do segmento normativo «… em condições de o fazer…» relevante ut art 250-1-2-3 do CP, por aquele depoimento ser mais expressivo de uma convicção pessoal anteriormente consolidada do que objectivador de factos suporte daquela por não concretizar quais as «possibilidades» reais e efectivas do Arguido suportar o pagamento desde 08-12-2012 de 400€ mensais de alimentos a dois menores, além de metade das despesas com instrução / assistência médica e medicamentosa e extracurriculares, ut acordo de 25-6-2012 ex vi fls 7-9 e 10-15: por não adiantar que passeios de maior ou menor dimensão nacional, continentais e ou insulares, e ou internacional, o Arguido fez à custa dele, vale dizer, suportou com dinheiros próprios, designadamente uma «… vida faustosa e dispendiosa…», falada pela Recorrente na CCS 30 mas que não se vislumbra; o Arguido auferiu em ABR 2015 o rendimento declarado de 520,33€ ex vi informação da Segurança Social a fls 168 como gerente de D…, Lda, matriculada em 27-9-2011 tendo I… como sócio gerente até alteração do contrato de sociedade para F… como sócia e gerente e o Arguido como gerente desde 20-12-2013 ex vi print out de 10-12-2013 a fls 80 e 84 por que o Arguido pode pela sócia gerir a sociedade mas não dispor de bens dela como se fossem bens próprios dele; segundo o print out de 25-10-2013 a fls 45 então inexistiam veículos automóveis registados em nome do Arguido; segundo a informação de 19-02-2014 a fls 77 o Mercedes Benz ..-..-ZQ está registado desde 25-10-2011 a favor de D…, Lda, por que não integra o património do Arguido que não pode dispor dele contra a Sociedade;

O depoimento de E… a TJA em 13-4-2015 a fls 147-148 que «A depoente sempre conviveu com o denunciado e família, já de foi de férias com os mesmo, sendo que actualmente namora com o filho mais velho. Tem conhecimento que o mesmo tem uma empresa em nome da companheira, de nome F…denominada “D… em … – Valongo. Sabe que o mesmo faz uma vida sem quaquer tipo de problema, pois mediante o facebooK o mesmo publica fotos do mesmo em férias na Madeira e em outros locais. Inclusive pergunta ao filho do meio que se chama I… se o mesmo quer ir passar férias com ele, e oferece-lhe telemóveis. Que para além deste filho, tem o namorado da depoente que tem 25 anos e uma filha com 14 anos que está a estudar. Quem assume as despesas quer da casa quer dos estudos dos dois filhos, que estão dependentes dos pais, é a depoente e o namorado e os avós maternos que já têm uma idade avançada na casa dos 80. Que a filha da queixosa precisa de mudar de lentes, pois desde pequenina que tem problemas nos olhos, mas não há possibilidades para tal. A depoente como amiga que é da família, sente injusto os mesmo passarem por dificuldades, uma vez que o pai tem possibilidades de pagar a pensão de alimentos, só não o faz porque não quer. É colega de 3 funcionárias da referida firma, e tem conhecimento que ele é o patrão das mesmas» invocado pela Recorrente nas CCS 26 e 27, não é determinante de um juízo positivo de indiciação segundo o sobredito critério de «probabilidade sustentada de condenação» mas de uma insanável dúvida razoável de indiciação factual de o Arguido dispunha «… das possibilidades financeiras … para proceder ao pagamento das prestações …» e «O Arguido tem possibilidades de provir ao pagamento das prestações a que está obrigado, só não o fazendo por opção própria» que são as proposições relevadas do RAI para Pronúncia por verificação do segmento normativo «… em condições de o fazer…» relevante ut art 250-1-2-3 do CP, por aquele depoimento ser mais expressivo de uma convicção pessoal anteriormente consolidada do que objectivador de factos suporte daquela por não concretizar quais «possibilidades» reais e efectivas do pai Arguido suportar o pagamento desde 08-12-2012 de 400€ mensais de alimentos a 2 menores, além de metade das despesas com instrução / assistência médica e medicamentosa e extracurriculares, ut acordo de 25-6-2012 ut fls 7-9 e 10-15: apesar de aludir a viagem à Madeira publicitada no facebook, não adianta que tal passeio e outros de maior ou menor dimensão nacional, sejam continentais e ou insulares, e ou internacional, o Arguido fez à custa dele, vale dizer, suportou com dinheiros pró-prios, designadamente uma «vida faustosa e dispendiosa» falada pela Recorrente na CCS 30 mas que não se vislumbra; também não adianta causa / circunstância / facto / motivo / razão do contexto económico suporte do convite ao I… para passar férias nem da oferta de telemóveis; o Arguido auferiu em ABR 2015 o rendimento declarado de 520,33€ ex vi informação da Segurança Social a fls 168 como gerente de D…, Lda, matriculada em 27-9-2011 tendo I… como sócio gerente até alteração do contrato de sociedade para F… como sócia e gerente e o Arguido como gerente desde 20-12-2013 ex vi print out de 10-12-2013 a fls 80 e 84 por que o Arguido pode gerir a sociedade como entender competir mas não dispor de bens dela como se fossem bens próprios dele;

O depoimento à Mma JIC em 26-01-2016 de K…, «… brunideira na empresa D… [que] tendo sido confrontada com o documento de fls.158/161 e explicou ao Tribunal a cedência de posição contratual entre a empresa L… e D… bem como quem são os seus atuais gerentes. Referiu ter conhecimento que o arguido exerce na D… o cargo de vendedor sendo que em muitas situações tem também poderes de decisão. Desconhece qual o salário do arguido, apenas esclarecendo que apesar de se tratar de uma pequena empresa não aparenta passar por dificuldades de ordem económica, escoando os produtos para o mercado nacional, sobretudo madeira e encontrando-se os salários dos trabalhadores em dia. Mais disse ter visto o arguido deslocar-se numa carrinha de marca mercedes mas que pensa pertencer á empresa já que o arguido não é o único a utilizar tal veiculo» na inquestionada síntese a quo, e o depoimento à Mma JIC em 17-02-2016 de J… que «… disse desconhecer o vencimento do arguido, confirmando no mais o teor do depoimento da anterior testemunha no concernente à situação da empresa apenas acrescentando no tocante ao veiculo automóvel em que se faz transportar o arguido que pelo menos desde 2004 que é o mesmo não lhe tendo conhecido outro veiculo» na inquestionada síntese a quo, ao que o Recorrente relevou na CCS 28 que «… o Arguido é o único comercial da sociedade D…, não estando a empresa a atravessar qualquer tipo de dificuldades, tendo um grande volume de trabalho, nomeadamente de vendas para a Madeira» e na CCS 31 que «… para além dos rendimentos declarados à SS pelo Arguido, este aufere comprovadamente outros, em montante não apurado e não declarado, mas que lhe permitiriam fazer face às obrigações a que está adstrito perante os seus filhos», são inconsequentes à formulação de um juízo positivo de indiciação segundo o sobredito critério de «probabilidade sustentada de condenação» de indiciação factual de o Arguido dispunha «… das possibilidades financeiras … para proceder ao pagamento das prestações …» e «O Arguido tem possibilidades de provir ao pagamento das prestações a que está obrigado, só não o fazendo por opção própria» que são as proposições relevadas do RAI para Pronúncia por verificação do segmento normativo «…em condições de o fazer…» relevante ut art 250-1-2-3 do CP, por aqueles depoimentos nada revelarem quanto a «possibilidades» reais e efectivas do Arguido suportar o pagamento desde 08-12-2012 de 400€ mensais de alimentos a 2 menores, além de metade das despesas com instrução / assistência médica e medicamentosa e extracurriculares, ut acordo de 25-6-2012 ex vi fls 7-9 e 10-15, nem sequer adiantarem ao já sabido com certeza apenas que: o Arguido auferiu em ABR 2015 o rendimento declarado de 520,33€ ex vi informação da Segurança Social a fls 168 como gerente de D…, Lda, matriculada em 27-9-2011 tendo I… como sócio gerente até alteração do contrato de sociedade para F… como sócia e gerente e o Arguido como gerente desde 20-12-2013 ex vi print out de 10-12-2013 a fls 80 e 84 por que o Arguido pela sócia pode gerir a sociedade mas não dispor de bens dela como se fossem bens próprios dele; segundo o print out de 25-10-2013 a fls 45 então inexistiam veículos automóveis registados em nome do Arguido; segundo a informação de 19-02-2014 a fls 77 o Mercedes Benz ..-..-ZQ está registado desde 25-10-2011 a favor de D…, Lda, por que não integra o património do Arguido que não pode dispor dele contra a Sociedade.

Assim improcedem os pedidos in CCS 32 e 33 da eliminação ad quem do facto a quo «não in-diciado» que «O arguido esteja em condições de satisfazer a obrigação, optando voluntariamente por não o fazer» e do julgamento ad quem «indiciado» que «O arguido apresenta condições económicas para satisfazer as obrigações a que está adstrito perante os seus filhos, optando voluntaria mente por não fazer» que nem constava qua tale do RAI donde se citaram redacções diferentes, que o Arguido dispunha «… das possibilidades financeiras…para proceder ao pagamento das prestações» e «O Arguido tem possibilidades de provir ao pagamento das prestações a que está obrigado, só não o fazendo por opção própria», por não emergir da conjugação dos meios de prova supra referidos que o Arguido tivesse suportado com dinheiros próprios uma «… vida faustosa e dispendiosa…» sic CCS 30 nem que tivesse efectivamente auferido, «…para além dos rendimentos declarados à SS pelo Arguido, comprovadamente outros, em montante não apurado e não declarado, mas que lhe permitiram fazer face às obrigações a que está adstrito perante os seus filhos».

Para lograr Pronúncia do Arguido pela «…prática do crime de violação da obrigação de alimentos, p.p. pelo art. 250º do CP» sem discriminar no RAI por qual dos tipos legais do art 250-1 ou 250-2 ou 250-3 ou 250-4 do CP a Assistente invocou no § 65 do RAI que «É do conhecimento da Assistente que a mãe do Arguido faleceu recentemente, tendo deixado um elevado património do qual o Arguido é sucessor» que culminou no julgamento a quo «indiciado» que «O arguido era titular de um quinhão hereditário correspondente a 1/4 da meação da herança por óbito da sua mãe e correspondendo a 1/8 do valor total do imóvel, ou seja €9,830, 00, mas que o arguido ce-deu a um irmão como forma de o compensar pelo empréstimo que este lhe fizera de €10.000,00» por ter valorado que «Foi oficiado à AT que informasse se o arguido havia recebido recentemente algum rendimento a titulo de herança, cuja informação se mostra junta a fls.217/220, designadamente informando que o arguido consta como herdeiro na relação de bens apresentada por óbito de G…, constando ainda ter sido efectuada escritura de cessão de quinhão hereditário em 20/08/2015 análise da prova produzida em fase de inquérito. | Foi junta aos autos pela assistente a certidão matricial do imóvel que integra a herança cujo valor patrimonial ascende a €78.640,00 e ainda cópia da escritura de cessão de tal quinhão pelo arguido. Cfr. fls. 282 /286. | Em face de tal requerimento e junção de documentos, respondeu o arguido através do requerimento de fls.297/298 alegando em síntese que contrariamente ao invocado, o valor da herança da mãe do arguido era apenas de €39,220,00 como aliás já se inferia do documento remetido pela AT, sendo o quinhão hereditário do arguido apenas de ¼ daquela meação e correspondendo a 1/8 do valor total do imóvel, ou seja € 9,830,00, mas que o arguido cedeu a um irmão como forma de o compensar pelo empréstimo que este lhe fizera de €10.000,00».

Ora, para lograr Pronúncia do Arguido a Assistente pediu o julgamento ad quem indiciado apenas que «O arguido era titular de um quinhão hereditário correspondente a ¼ da herança por óbito da sua mãe, e que foi cedido gratuitamente a um irmão» importando a eliminação ad quem dos segmentos a quo «… e correspondendo a 1/8 do valor total do imóvel, ou seja €9,830,00 …» e «… como forma de o compensar pelo empréstimo que este lhe fizera de €10.000,00» e a inserção ad quem do segmento «…gratuitamente…» no ponto próprio da redacção advinda a quo.

Se este pedido de inserção é procedente por constar da Escritura Pública de 20-8-2015 a fls 285-286 que o «… primeiro outorgante … cede gratuitamente ao segundo outorgante, irmão deste, o quinhão hereditário que a este pertence na herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de sua mãe, G…, falecida no dia trinta e um de janeiro de dois mil e quinze…» bem como se pode e deve inserir os segmentos «…em 31-01-2015…» e «…20-8-2015…» para se balizar temporalmente o período da titularidade do «quinhão hereditário»,

Aqueloutro pedido de eliminação é improcedente por reflectir o teor da pronúncia do Arguido pelo seu Mandatário em 16-3-2016 a fls 297-298 que «Efetivamente o valor patrimonial do imóvel que pertenceu a seu pai e sua mãe é de €78.640,00. Porém, O valor da herança da mãe era apenas de €39.220, como se colhe de demais documentos já juntos aos autos (em 20.11.2015), a fls 217 e segs.. É que o imóvel pertencia à finada mãe do arguido e ao pai, cônjuge sobrevivo, também herdeiro, além de meeiro. O objecto da herança era, pois, a meação da mãe do arguido, G…. E o quinhão hereditário do arguido era apenas ¼ daquela meação, como resulta do documento de fls 218, Correspondendo a 1/8 do valor total do imóvel referido, ou seja, o equivalente a €9.830,00 ! » que o Tribunal a quo relevou como podia e devia no processo de formação da sua convicção quanto a «indiciado» e «não indicado» porque:

Aquela pronúncia do Arguido pelo seu Mandatário em 16-3-2016 a fls 297-298 concretiza o exercício pela defesa do «princípio do contraditório» ut art 165-2 do CPP conforme o qual «Fica assegurada, em qualquer caso, a possibilidade de contraditório, para realização do qual o tribunal pode conceder um prazo não superior a oito dias» que é especialmente relevante in casu por se ter seguido Debate Instrutório em 12-4-2016 ut Acta a fls 316-319 na qual o Arguido não compareceu nem os Sujeitos Processuais então requereram a sua audição verbi gratiae quanto à matéria do «quinhão hereditário» mormente a Assistente que em 05-4-2016 a fls 310 não questionou a estruturação lógica de defesa do Arguido supra citada mas apenas veio «… manifestar a mais profunda estranheza por tal alegado “negócio”, uma vez que, se por um lado, o Arguido se encontrava então, como actualmente judicialmente declarado insolvente – com todas as implicações daí decorrentes ao nível da disposição patrimonial, por outro, com tal invocada “compensação” ao Sr. seu Irmão”, em benefício de alimentos prejudicou os respectivos credores (mormente os créditos de alimentos que não se mostram abrangidos pela exoneração do passivo restante)».

Assim julgado «indiciado» que « O arguido era titular de um quinhão hereditário correspondente a 1/4 da meação da herança por óbito em 31-01-2015 da sua mãe e correspondendo a 1/8 do valor total do imóvel, ou seja €9.830,00, mas que o arguido em 20-8-2015 cedeu gratuitamente a um irmão como forma de o compensar pelo empréstimo que este lhe fizera de €10.000, 00», apesar disso não se pode concluir pela querida Pronúncia do Arguido pelo crime doloso de «violação da obrigação de alimentos»:

Do art 250-1 ou 250-2 ou 250-3 do CP por não indiciação factual do segmento normativo «…em condições de o fazer…» desde 31-01-2015 por se tratar da cessão de um mero quinhão hereditário abstracto ou ideal [21] que nunca chegou a ser partilhado de modo a ter o Arguido efectivamente realizado liquidez ou disponibilidade económico financeira efectivas possibilitantes de cumprimento apesar disso não efectuado, como importa de facto a Direito Penal independentemente da problemática cível da eficácia da Escritura Pública relativamente à «massa insolvente» a resolver nos meios próprios segundo o Direito da Insolvência além do Direito Civil;

Do art 250-4 do CP conforme o qual «Quem, com a intenção de não prestar alimentos, se colocar na impossibilidade de o fazer e violar a obrigação a que está sujeito criando o perigo previsto no número anterior» que é o «… perigo [d]a satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais de quem a elas tem direito …», por persistir irresolúvel dúvida insanável quanto a indicação factual do segmento normativo «…com a intenção de não prestar alimentos …» que não decorre directa e imediatamente do facto objectivo da Escritura Pública de «Cessão de Quinhão Hereditário» considerando a indefinição da real motivação ou razão da sua celebração, se apenas a compensação do crédito do irmão, se também a intenção de não prestar alimentos por colocação na impossibilidade de os prestar, sendo que aquela motivação ou razão do Arguido para a dita cedência vale tanto quanto a afirmação genérica da Assistente em 13-6-2013 a fls 19-20 e confirmada em 10-3-2014 a fls 72-73 de que «… o mesmo tem possibilidades para pagar a pensão de alimentos e, só não o faz porque não quer», quais concretamente não se vislumbram verbi gratiae a «vida faustosa e dispendiosa» e o «elevado património … sucessor» e, «… para além dos rendimentos declarados à SS pelo Arguido, comprovadamente outros, em montante não apurado e não declarado, mas que lhe permitiram fazer face às obrigações a que está adstrito perante os seus filhos» que a Assistente tem referido mas pretendendo «… é que o mesmo comparticipe com alguma quantia monetária, em prol dos seus filhos menores», assim, a cópia do requerimento inicial do processo de «cumprimento efectivo da prestação de alimentos» como apenso ao «processo especial de regulação das medidas parentais» documentado pela Assistente a fls 10-15.

Ora as dúvidas quanto à indiciação do segmento «…em condições de o fazer…» relevante ut art 250-1 e 250-2 e 250-3 do CP, mais, quanto à indiciação dos segmentos «…com a intenção de não prestar alimentos, se colocar na impossibilidade de o fazer e violar a obrigação a que está sujeito criando o perigo …» de «… satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais de quem a eles tem direito» relevante ut art 250-4 do CP, resolvem-se não contra mas a favor – vale dizer, no sentido da não pronúncia – do Arguido Recorrido tendo presente que:

O princípio do in dúbio pro reo [22] «…decorre do princípio da culpa e, em última instância, do princípio do Estado de Direito (artigo 2° da CRP). Ele complementa o princípio da presunção da inocência, mas não se confunde com este. Numa das suas vertentes, o princípio da presunção da inocência rege o processo de formação da convicção, estabelecendo regras para a valoração da prova. Ao invés, o princípio do in dubio pro reo dispõe que, finda a valoração da prova, a dúvida insanável sobre os factos deve favorecer o arguido. Isto é, o princípio do in dubio pro reo só intervém depois de concluída a tarefa da valoração da prova e quando o resultado da valoração da prova não é conclusivo. O princípio do in dubio pro reo não é, pois, um princípio de direito proba-tório, mas antes uma regra de decisão na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos (CLAUS ROXIN; 1998: 75 e 106, e ULRICH EISENBERG, 1999: 97) »[23],

Consabido que «A presunção de inocência é também uma importantíssima regra sobre a apreciação da prova, identificando-se com o princípio in dubio pro reo, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. A dúvida sobre a culpa bilidade do acusado é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado o esforço proces sual para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de ónus de prova a seu cargo baseado na prévia presunção da sua culpabilidade (veja-se, entre outros, neste sentido, o Ac n.° 172/92). Se a final da produção da prova permanecer alguma dúvida importante e séria sobre o acto externo e a culpabilidade do arguido impõe-se uma sentença absolutória (D. 48, 19,5: Satius enim esse impu nitum relinqui facinus nocentis quam innocentem damnare)» [24].

Idem um Despacho de Não pronúncia porque a presunção de inocência «… não tem reflexos apenas num ou noutro instituto processual, mas há-de projectar-se no processo penal em geral, na organização e funcionamento dos tribunais, no direito penitenciário e até porventura no direito penal. O Tribunal Constitucional reconhece ao princípio este âmbito genérico. Como manifestações deste entendimento podemos referir a inadmissibilidade da exclusão do “princípio in dúbio pro reo da valoração da prova que subjaz à decisão de pronúncia”, porque assim “se reduz desproporcionada e injustificadamente as garantias de defesa, nomeadamente a presunção de inocência do arguido”. (Ac. n.º 439/02)» [25].

A final afigura-se não ter cabimento o pedido na CCS 19 de «… extração de certidão do despacho ora recorrido, para remessa ao M.P. e instauração do devido inquérito crime para investigação da prática, por parte do Arguido, dos crimes públicos de Frustração de créditos, p. e p. no art. 227°-A do CP ou o Favorecimento de Credores, p. e p. no art. 229° do CP»: quanto ao crime de «frustração de créditos», por “falhar” a «condição objectiva de punibilidade» sequer mencionada pela Recorrente que é «A instauração de uma acção executiva, com o resultado final de nela não serem inteiramente satisfeitos os direitos do credor…» pois que «Satisfeito o crédito na acção executiva, não é punido o agente, mesmo que tenha cometido atos típicos do crime (neste sentido, também, SÁ PEREIRA e ALEXANDRE LAFAYETTE, 2008: 610, anotação 4º ao artigo 227.º-A, e MIGUEZ GARCFIA e CASTELA RIO, 2014: 960, anotação 4ª ao artigo 227º-A)» [26];quanto ao crime de «favorecimento de credores» porque, consumando-se a conduta criminosa «… num momento em que se encontra já numa situação fáctica de insolvência ou na sua iminência» [27] sendo que «A insolvência é “iminente” quando o pagamento da dívida ou a prestação da garantia constituem causa adequada do défice patrimonial do devedor» [28], a cessão gratuita do quinhão hereditário em 20-8-2015 é muitíssimo posterior à decretação em 17-12-2012 da insolvência pessoal.

PARTE III - DECIDINDO

1. Nega-se provimento ao Recurso da Assistente B….

2. Decaída in totum condenam-a em 5 UC de taxa de justiça ut arts 515-1-b-I do CPP e 8-9 e tabela III do RCP.

3. Notifiquem-se os Sujeitos Processuais conforme art 425-6 do CPP.

4. Transitado, para execução do decidido remeta-se o processo a título definitivo ao Juiz 5 da 1ª Secção de Instrução Criminal da Instância Central do Porto.

Porto, 08 de Março de 2017
Castela Rio
Ligia Figueiredo
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[1] Conforme scanerização pelo Relator.
[2] Conforme scanerização pelo Relator.
[3] Admitida como Assistente por Despacho de 06-11-2015 a fls 212.
[4] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital enviado.
[5] Delimitadoras de objecto de Recurso e poderes de cognição deste TRP ut consabidas Jurisprudência reiterada dos Tribunais Superiores e Doutrina processual sem prejuízo do conhecimento de questão oficiosa verbi gratiae JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V, pgs 362-363, ASTJ de 17.9.1997 in CJS 3/97, ASTJ de 13.5.1998 in BMJ 477 pág 263, ASTJ de 25.6.1998 in BMJ 478 pág 242, ASTJ de 03.2.1999 in BMJ 484 pág 271, ASTJ de 28.4.1999 in CJS 2/99 pág 196, GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, 3ª edição, Verbo, 2000, pág 347, ASTJ de 01.11.2001 no processo 3408/00-5, SIMAS SANTOS, LEAL HENRIQUES, Recursos em Processo Penal, 7ª edição, Rei dos Livros, Maio de 2008, pág 107.
[6] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital gentil e oportunamente disponibilizado pela Autora.
[7] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital oportunamente enviado com o processo.
[8] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital oportunamente enviado com o processo.
[9] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital oportunamente enviado com o processo.
[10] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital gentil e oportunamente disponibilizado pela Autora.
[11] « O Acórdo do STJ n.º 1/2006, publicado no DR, I – A S, de 02.01.2006, fixou jurisprudência no sentido de que «A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a sua notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal».
Evidentemente, no caso dos autos, parece-nos que tal nulidade, sanável e relativa – art. 120.º, n.º 3, al. c) – não se verifica, pela simples razão de que não correu qualquer inquérito.»
[12] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital oportunamente enviado com o processo.
[13] Conselheiro HENRIQUES GASPAR, § 2 da anotação 6 ao art 120, AUTORES VÁRIOS, Código de Processo Penal, Almedina, Coimbra, 1ª edição, Fevereiro de 2014, pág 400.
[14] Conselheiro HENRIQUES GASPAR, § 3 da anotação 6 ao art 120, AUTORES VÁRIOS, Código de Processo penal, Almedina, Coimbra, 1ª edição, Fevereiro de 2014, pág 400.
[15] M MIGUEZ GARCIA, J M CASTELA RIO, Código Penal. Parte geral e parte especial, Almedina Coimbra, 2ª edição, SET 2015, pgs 1042-1043.
[16] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, 3ª edição, Universidade Católica Portuguesa, NOV 2015, pgs 917-918.
[17] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2ª edição, Lisboa, Maio de 2008, pgs 330-331 [negritos do Relator].
[18] Expressivas formulações do ARC de 10.9.2008 de ALBERTO MIRA no processo 195/07.2GBCNT. C1 in www.dgsi.pt/jtrc, Acórdão que relevou JORGE NORONHA E SILVEIRA, O Conceito de Indícios Suficientes no Processo Penal Português, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Coordenação Científica de Maria Fernanda Palma, Almedina, pág 171.
[19] ARE de 12-4-2016 de Sérgio Corvacho com João Amaro no processo 243/12.4TACTX.E1 in www.dgsi.pt.
[20] MARIA CLARA SOTTOMAYOR, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos casos de Divórcio, Almedina, 5ª edição, 2011, pág 301, tal como invocado pela Recorrente com negritos e sublinhados.
[21] O ASTJ de 09-02-2012 de Silva Gonçalves (Relator) com Ana Paula Boularot e Pires da … no processo 2752/07.8TBTVD.L1. S1 in www.dgsi.pt, esclareceu que:
«1. A transmissão do direito à meação e bem assim do direito ao quinhão hereditário fazem operar a passagem para a esfera jurídica dos compradores o conteúdo de um direito abstractamente considerado e idealmente definido, com expressão patrimonial ainda incerta e cujas demarcação e abrangência também se patenteiam inseguras.
2. O que aos adquirentes destes direitos fica atribuída é a possibilidade de poderem exercer naquela universalidade jurídica um seu direito próprio perante os restantes interessados no "direito à meação” e no “quinhão hereditário”, designadamente legitimando-os a, com vista a concretizar esta sua prerrogativa, se e quando assim o entenderem, darem os passos necessários tendentes a haver para si a quota-parte dos bens determinados que integram tal herança.
3. Enquanto se não constatar a efectiva titularidade de algum (ou alguns) bem concreto que constitui tal universalidade jurídica, os protegidos com esta venda não desfrutam do atinente direito sobre certo e determinado bem».
O ARG de 05-6-2014 de Manuel Bargado com Helena Gomes de Melo e Heitor Gonçalves no processo 253/13.4TBEPS-C.G1 in www.dgsi.pt esclareceu que:
«I - A herança é uma universalidade jurídica de bens, pelo que cada interessado não tem uma quota-parte em cada um de todos esses bens mas uma quota referida àquela universalidade, ao conjunto de todos os bens, só pela partilha se determinando aqueles em que se concretiza a quota-parte ou quinhão de cada interessado.
II – Assim, o que ficou atribuído ao insolvente foi a possibilidade de poder exercer naquela universalidade jurídica um seu direito próprio perante os restantes interessados no quinhão hereditário que possui na herança, ilíquida e indivisa, aberta por óbito do seu pai, legitimando-o, se e quando assim o entender, a dar os passos necessários tendentes a haver para si a quota-parte dos bens determinados que integram tal herança.
III - Enquanto se não constatar a efectiva titularidade de algum bem concreto que constitui o acervo da herança, os protegidos com esta venda não desfrutam do atinente direito sobre certo e determinado bem da herança.»
[22] Apontado com os princípios da livre apreciação da prova, da imediação, da presunção de inocência e do caso julgado ou do caso decidido como «princípios relativos à decisão ou sentença».
[23] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Portuguesa, 2ª edição, Lisboa, Maio de 2008, pgs 51-52 [sublinhados do Relator].
[24] GERMANO MARQUES DA SILVA e HENRIQUE SALINAS, Anotação XII ao art 32 da CRP in JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª edição, Wolters Kluwer & Coimbra Editora, Maio 2010, pgs 724-725.
[25] GERMANO MARQUES DA SILVA e HENRIQUE SALINAS, Anotação XI ao art 32 da CRP in obra citada, pgs 723-724.
[26] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, UCE, LSB, NOV 2015, 3ª edição, pág 881.
[27] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, UCE, LSB, NOV 2015, 3ª edição, pág 884.
[28] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, UCE, LSB, NOV 2015, 3ª edição, pág 884.