Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4425/11.8TBVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: CHEQUE
RECUSA DE PAGAMENTO PELO BANCO SACADO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO BANCO SACADO
Nº do Documento: RP201411254425/11.8TBVFR.P1
Data do Acordão: 11/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: É geradora da obrigação de indemnizar a recusa de pagamento de um cheque pelo Banco sacado, durante o período legal de pagamento, se não for fundada em justa causa (qualquer situação que afecte a vontade de emissão ou da entrega do cheque) averiguada com a máxima diligência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 4425/11.8TBVFR.P1
Do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira.
REL. N.º 953
Relator: Henrique Araújo
Adjuntos: Fernando Samões
Vieira e Cunha
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. RELATÓRIO

“B…, Lda.”, com sede no …, …, …, instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra C…, com sede na …, n.º .., Lisboa, e massa insolvente de “D…, Lda.” , representada pelo seu administrador da insolvência, E…, com domicílio na Rua …, n.º …., ..º Esq, Porto, pedindo a condenação da “Ré” no pagamento da quantia global de 19.807,83 €, acrescida de juros vincendos, à taxa legal.
Alega, em suma, que:
- A 1ª Ré recusou o pagamento dos cheques identificados nos autos, emitidos pela ora insolvente, para pagamento de produtos fornecidos pela Autora, a pedido daquela, titulados por facturas emitidas pela Autora, mediante revogação que lhe foi solicitada pela sacadora, com fundamento em vício na formação da vontade.
- Por força dessa revogação e da subsequente recusa da Ré em pagar os cheques apresentados em tempo a pagamento, que constitui acto ilícito, a Autora não recebeu, até à data, os montantes respectivos, o que corresponde a prejuízo de que deve ser ressarcida.

A 2ª Ré, massa insolvente de D…, Lda., foi citada e contestou, arguindo a sua ilegitimidade passiva e dizendo que, uma vez que havia sido declarada a sua insolvência, nenhum cheque por si emitido poderia ser pago, sob pena de tratamento preferencial dado à credora, aqui Autora, com prejuízo dos demais credores, razão pela qual não deverá ser responsabilizada nos termos pretendidos.

A 1ª Ré C… também contestou, afirmando que:
- A conta sacada estava bloqueada em virtude de se encontrar insolvente;
- Por essa razão, nenhum dos cheques podia ser pago, sob pena de violação da regra da igualdade de tratamento dos credores da insolvente;
- Por conseguinte, não deverá ser responsabilizada a contestante, pois o pagamento dos cheques sempre seria recusado com tal motivo, ainda que não tenha sido expressamente apresentado quando os cheques foram dados para pagamento;
- Além disso, à Ré foram apresentados pela ora insolvente argumentos válidos para justificar a revogação, de que não tinha razão para duvidar, não havendo nexo entre o seu comportamento e o prejuízo invocado pela Autora, devendo ser, por isso, absolvida do pedido.

A Autora respondeu, mantendo o alegado e pugnando pela improcedência das excepções invocadas nas contestações.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada procedente a excepção da ilegitimidade passiva da massa insolvente de D…, Lda., que foi absolvida da instância.

Dispensou-se a selecção da matéria de facto e realizou-se o julgamento.

Foi, depois, sentenciada a causa, julgando-se procedente a acção e condenando-se a Ré C… a pagar aos Autores a peticionada quantia de 19.807,83 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, a contar, sobre o montante de cada um dos cheques, desde as respectivas datas de devolução e até efectivo e integral pagamento.

A Ré C… interpôs recurso dessa sentença, que foi admitido como de apelação, com efeito devolutivo.

Nas alegações de recurso a apelante pede que se revogue a sentença e se julgue improcedente a acção, alinhando as seguintes conclusões:
1) A pretensão formulada pela Autora tem por base uma eventual responsabilidade civil extracontratual da Ré C…
2) A verificação dessa obrigação de indemnizar pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos substantivos: facto ilícito, porque ofensivo de um direito subjectivo de outrem ou violador de uma norma legal destinada a proteger interesses alheios; imputação desse facto ilícito ao seu autor a título dolo ou negligência; dano ocorrido na esfera jurídica do lesado; nexo de casualidade adequada entre aquele facto ilícito e o dano.
3) A revogação dos cheques pela C…, à luz da doutrina do Acórdão para Unificação de Jurisprudência do STJ de 28/2/2008 nunca justificaria, por si só, a condenação da Ré na obrigação de indemnizar a autora pelo valor dos cheques não pagos.
4) A doutrina imposta por aquele AUJ limita-se a reconhecer a existência de uma conduta ilícita na actuação do banco que aceita um pedido de revogação do cheque não tendo criado uma nova fórmula ou um novo princípio jurídico que, para o surgimento da obrigação de indemnizar com base em responsabilidade extracontratual, dispensasse a verificação dos demais pressupostos dessa obrigação.
5) Ao pedido de pagamento de um cheque, feito através da sua apresentação, não se segue, como consequência, normal, necessária e directa o seu pagamento, na medida em que o banco sacado só está obrigado a pagar o cheque se a conta tiver provisão.
6) Em abstracto, a causa adequada do dano seria pois, constituída não só pela recusa de pagamento do cheque por cumprimento da ordem de revogação, como também, cumulativamente, pela existência de saldo bastante na conta sacada.
7) A Autora não alegou, nem provou que a conta sacada estivesse, à data em que os cheques foram apresentados a pagamento, provisionada com saldo bastante para permitir o seu pagamento ou que, mau grado a falta de provisão, não fora a sua revogação, os mesmos seriam pagos porque o banco R aceitaria um descoberto em conta ou por qualquer outro motivo.
8) Para além disso, em face da prova de que na data de apresentação do primeiro dos cheques em causa já a sacadora tinha sido declarada insolvente conclui-se que revogados ou não, os cheques nunca seriam pagos à Autora, em face da insolvência da sacadora.
9) E assim, mesmo para quem sustente que a simples revogação de cheque seria causa necessária e directa do dano correspondente ao valor do mesmo cheque teria de concluir in casu pela improcedência da acção com base na relevância negativa da causa virtual, alegada e provada pela Ré.
10) Decidindo de modo diferente o tribunal a quo violou o disposto nos artºs 483, 563, 566 n.º 2 C.Civil e 81 nº 1 e 90 do CIRE

A apelada contra-alegou, batendo-se pela confirmação do julgado.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente, a única questão que, no fundo, se discute é saber se estão reunidos todos os pressupostos legais necessários para a responsabilização da apelante pelos danos alegadamente sofridos pela Autora/apelada.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

O tribunal da 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

A) A autora é uma sociedade comercial, por quotas, que se dedica ao fabrico e comercialização de materiais para a construção civil.

B) No exercício da sua actividade, entregou a D…, Lda., a pedido desta, produtos do seu comércio, descritos nas facturas n.ºs …845, de 25.11.2010, com o valor de 8.289,24 €, …866, de 26.11.2010, com o valor de 284,59 €, …048, de 14.12.2010, com o valor de 1.088,64 €, 110113, de 14.01.2011, com o valor de 7.762,48 €, …170, de 19.01.2011, com o valor de 831,73 €, e …444, de 10.02.2011, com o valor de 2.628,10 €.

C) A Autora emitiu a favor de D…, Lda. a nota de crédito n.º ……, de 16.12.2010, com o valor de 1.076,75 €.

D) Para liquidação dos valores das facturas referidas, descontado o valor da mencionada nota de crédito, D…, Lda., na pessoa de F…, emitiu e entregou à Autora os cheques a seguir identificados, que assinou, neles tendo sido aposto o carimbo da gerência, todos sacados sobre a conta n.º ………., sediada na Ré C…, e por aquela sociedade comercial titulada: cheques n.ºs ………., no valor de 5.000,00 €, datado de 30.04.2011, ……….., no valor de 3.585,72 €, datado de 10.05.2011; .........., no valor de 7.762,28 €, datado de 30.06.2011; e ………., no valor de 3.459,83 €, datado de 05.07.2011.

E) Cada um dos cheques identificados foi apresentado pela Autora a pagamento dentro dos oito dias seguintes às datas neles aposta.

F) A Ré C… recusou o pagamento dos cheques, tendo estes sido devolvidos com a menção, aposta no seu verso, de “falta ou vício na formação da vontade”.

G) D…, Lda., na pessoa de F…, emitiu e entregou à C… declaração, de 13 de Abril de 2011, ordenando a revogação dos mencionados cheques, por vício na formação da vontade, conforme consta de fls. 38 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

H) D…, Lda. foi declarada insolvente, no âmbito do processo n.º 1905/11.9TBVFR do 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, por sentença proferida no dia 04.05.2011, transitada em julgado a 09.06.2011.

O DIREITO

Não vêm postos em causa, no presente recurso, os factos que a 1ª instância deu como provados, sendo apenas sobre estes que deverá incidir a aplicação do Direito.
Dito isto, a acção proposta pela Autora “B…” baseia-se na responsabilidade civil extracontratual da Ré, ora apelante, C…, em virtude de esta ter recusado o pagamento de cheques de que aquela era portadora legítima, com fundamento na ordem de revogação dada pela sacadora dos mesmos.
O tribunal da 1ª instância considerou demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana e julgou procedente a acção, condenando a Ré no pagamento dos valores dos cheques cujos pagamentos foram recusados, acrescidos de juros.
No recurso, a apelante invoca essencialmente duas razões para a revogação da sentença: a inexistência de provisionamento de fundos na conta bancária sacada e a circunstância de a sacadora ter sido declarada insolvente.
A primeira dessas razões funcionaria, segundo se percebe, como causa virtual do não pagamento dos cheques, comprometendo o nexo de causalidade entre a ordem de revogação e esse não pagamento.
Vejamos:
O contrato de depósito bancário é aquele pelo qual uma pessoa entrega uma determinada soma em dinheiro a um banco, que adquire a respectiva propriedade e se obriga a restitui-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante.
Por seu lado, o contrato ou convenção de cheque, ligado funcionalmente ao contrato de depósito, consiste na permissão dada pelo banco ao seu cliente para a mobilização dos fundos disponíveis na sua conta, vinculando-se o banco à obrigação de satisfazer as quantias tituladas pelos cheques emitidos por aquele. Este contrato assume o tipo de prestação de serviço, sendo-lhe aplicáveis várias normas do contrato de mandato – cfr. artigo 3º da LUCH e 1154º e 1156º do CC.
Assim, por força deste contrato, o banco (mandatário) fica vinculado – como se disse – a cumprir as instruções do seu cliente (mandante) e, em particular, a proceder ao pagamento dos cheques emitidos por este – cfr. artigo 1161º, alínea a), do CC.
Porém, em relação aos cheques em causa nos autos, a empresa sacadora enviou ao banco sacado, em 13 de Abril de 2011, a ordem de revogação dos mesmos, invocando como motivo “vício na formação da vontade”. E, com base nessa ordem de revogação, o banco apelante recusou o pagamento desses cheques.
Revogar um cheque é proibir o seu pagamento; é dá-lo como não emitido. O sacador do cheque, depois de o fazer entrar em circulação, dá ordem ao banqueiro para que o não pague.
Segundo doutrinou o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2008, de 28 de Fevereiro[1]: “Uma instituição de crédito sacada que recusa o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no artigo 29.º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na primeira parte do artigo 32.º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legitimo portador do cheque, nos termos previstos nos artigos 14º., segunda parte, do Decreto n.º 13004 e 483.º, nº 1 do Código Civil”.
Com efeito, a validade e eficácia da revogação da ordem incorporada no cheque estão sujeitas às regras legais injuntivas que tutelam as relações cambiárias, em especial a do 32º da LUCH.
A 1ª parte desse artigo 32º, ao prevenir que a revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo de apresentação, radica assumidamente na protecção do portador do cheque, bem como na credibilização do próprio cheque como meio de pagamento.
Daí que, fixando o artigo 29º da LUCH o prazo de oito dias para o cheque ser apresentado a pagamento, a revogação da ordem de pagamento só produz efeito após o decurso daquele prazo, nos termos do que dispõe o citado artigo 32º, o que implica a sua irrevogabilidade durante o dito período. Assim, dentro do referido prazo, o banco deve satisfazer os cheques que lhe sejam apresentados a pagamento, salvo se não houver fundos na conta sacada. Se o não fizer, sem motivo justificativo, incorre em responsabilidade civil extracontratual.
Na verdade, como já se disse, através da convenção de cheque o banco assume um compromisso, no mercado em que actua, de honrar os cheques que forem emitidos sobre a conta de determinado cliente. Como refere Paulo Mota Pinto[2], “Ao recusar-se ilicitamente a fazê-lo, incorre em responsabilidade pelos danos que causar, sem prejuízo dos efeitos decorrentes da relação contratual. Esta interpretação – que conduz à responsabilidade extracontratual do banco quando recusa o pagamento do cheque, dentro do respectivo prazo de apresentação – é aquela que revela a compreensão mais adequada da Lei Uniforme (…)”.
Invoca, no entanto, a recorrente que, independentemente do dever de aceitação da ordem de revogação, os cheques nunca seriam pagos em virtude de a conta sacada não estar provisionada com fundos suficientes.
A primeira objecção que se pode lançar contra este argumento é a de que não resulta da matéria de facto qualquer alusão a essa falta de provisão, o que se compreende pela circunstância de só agora a C… a ela se referir, ao contrário do que consta da parte final da conclusão 9ª. Tratando-se, portanto, de questão nova, não cabe dela conhecer nesta instância de recurso, na medida em que, como é consabido, os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre[3].
O motivo da recusa de pagamento dos cheques pela Ré C…, todos eles apresentados a pagamento no prazo legal de 8 dias, foi simplesmente o indicado no verso de cada um desses cheques, ou seja, “falta ou vício na formação da vontade”. A aposição dessa causa de não pagamento teve origem na ordem de revogação que o seu cliente lhe comunicou através da vaga declaração de fls. 38, na qual não se explica – como bem se afirma na sentença –, com o mínimo de concretização, o motivo efectivo que levou à ordem de revogação.
De todo o modo – e sem prejuízo do que acima se exarou –, mesmo que coexistisse como motivo de não pagamento a falta de fundos na conta sacada, essa circunstância, funcionando como causa virtual do dano, não se sobreporia nunca à causa real, isto é, à ordem de revogação aceite acriticamente pela recorrente[4]. Até porque, ex abundanti, a falta de provisão de um cheque na data da apresentação a pagamento não é equivalente à absoluta falta de provisão, pois que, conforme se diz no citado acórdão 4/2008 “se o cheque apresentado a pagamento fosse recusado por falta de provisão, nada nos diz que o cheque não pudesse ser novamente apresentado a pagamento e obtivesse provisão”.
Como se acentua na fundamentação desse acórdão uniformizador, a injunção contida no artigo 32º não tem unicamente como destinatário o sacador. Com fundamento, precisamente, na convenção de cheque, não se dirige apenas àquele, mas também ao sacado. Este incumpre a injunção, e viola o comando legal, se, dentro do prazo de apresentação, acatar a ordem de revogação e recusar o pagamento do cheque.
A recusa de pagamento só será legítima, mesmo durante o período de pagamento, se fundada em justa causa nas situações concretas em que o sacador transmita ao banco o furto ou extravio do cheque, a sua falsificação ou qualquer outra situação que afecte a vontade da emissão ou da entrega do cheque ao portador. Nessa análise o banco sacado tem o dever de agir, com a máxima diligência, só aceitando os motivos justificantes para o não pagamento no período legal de apresentação, quando disponha de indícios sérios de que a situação comunicada pelo sacador se verificou ou, pelo menos, dadas as circunstâncias concretas de cada caso, tinha grande probabilidade de se ter verificado.
Não é suficiente para justificar a recusa, a ordem de revogação genérica transmitida pelo sacador em que alega “vício na formação da vontade”, sem qualquer sustentáculo factual válido. Se olharmos para a declaração de fls. 38, verificamos com a maior das facilidades que a situação que aí vem descrita não configura nenhuma das possíveis formas de vício na formação da vontade (simulação, reserva mental, falta de consciência da declaração, erro na declaração, erro na transmissão da declaração, erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio, erro sobre os motivos, dolo, coacção física ou coacção moral), mas tão só uma confessada situação de impossibilidade da sacadora cumprir os compromissos assumidos com os seus fornecedores, a quem emitira cheques, em consequência de se terem malogrado negócios com terceiros.

Em relação ao segundo fundamento do recurso, cabe apenas dizer que não é ao banco que incumbe a fiscalização e controlo dos actos do devedor insolvente ou dos seus credores. Para esse efeito existe um administrador da insolvência a quem competirá, entre o mais, fazer a apreensão para a massa de todos os activos do insolvente, designadamente depósitos bancários – artigos 149º e seguintes do CIRE.
Nota-se, aliás, uma incongruência entre este segundo fundamento e o primeiro: se não havia fundos na conta sacada, como poderia defender-se que o pagamento dos cheques redundaria em eventual prejuízo para os restantes credores da insolvente?

Concluindo:
A acção baseia-se na responsabilidade civil extracontratual da C…, S.A.
Os pressupostos de que a lei civil faz depender essa responsabilidade são: o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo causal entre o facto ilícito culposo e o dano – artigo 483º do CC.
Ora:
O comportamento da apelante foi ilícito, porquanto recusou, sem causa justificativa, o pagamento de cheques apresentados no prazo legal, violando desse modo o disposto no artigo 32º da LUCH.
Foi também culposo, na medida em que o teor da declaração de fls. 38, integrando a ordem de revogação, foi leviana e acriticamente aceite, sendo certo que aquilo que nela vinha descrito nunca poderia configurar, aos olhos de qualquer entidade bancária, o erro de vício na formação da vontade. “O não pagamento ao portador do montante titulado por um cheque, no momento da apresentação a desconto, independentemente da causa que lhe esteja subjacente, vem a significar a falta de realização do valor correspondente ao quantitativo da prestação a que aquele, na qualidade de credor, tinha direito, com o consequente dano patrimonial verificado”[5]. Por isso, o dano que adveio para a apelada traduziu-se, obviamente, na privação das quantias tituladas nos cheques, sendo que a causa adequada desse dano radicou na recusa de pagamento dos cheques revogados.
Mostrando-se, assim, cumpridos todos os referidos pressupostos, a sentença que condenou a C…, S.A., no pagamento dos valores dos cheques e respectivos juros não merece qualquer censura.
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III. DECISÃO

Termos em que se decide julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas pela apelante.
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PORTO, 25 de Novembro de 2014
Henrique Araújo
Fernando Samões
Vieira e Cunha
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[1] Publicado no DR 1ª Série, n.º 67, de 4 de Abril de 2008, páginas 2058 e seguintes.
[2] Citado na Revista “Ab Instantia”, Abril 2013, Ano I, n.º 1, em anotação ao acórdão do STJ de 06.12.2012, página 149.
[3] Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3ª edição, páginas 133/134.
[4] Sobre a irrelevância negativa da causa virtual, cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 15.03.2005, no processo n.º 05A380, e de 21.03.2013, no processo n.º 4591/06.4TBVNG.P1.S1, ambos em www.dgsi.pt.
[5] Cfr. acórdão do STJ de 12.10.2010, na CJSTJ, Ano XVIII, Tomo III, páginas 124 a 131.