Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8786/13.6TDPRT-B.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: ARRESTO PREVENTIVO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE SANÁVEL
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
Nº do Documento: RP201612218786/13.6TDPRT-B.P2
Data do Acordão: 12/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 1040, FLS.166-179)
Área Temática: .
Sumário: I – O exercício do contraditório consagrado no artº 61º 1 b) CPP não estabelece um direito de audição pessoal, o qual existe apenas se previsto na lei e só nesse caso configura a nulidade insanável do artº 119º1 CPP.
II – O decretamento do arresto preventivo ao abrigo do artº 228º CPP não carece de audição previa do arguido.
III – A falta de fundamentação do despacho de decretamento do arresto preventivo, enquanto medida de garantia patrimonial, está sujeita ao regime do artº 194º6 CPP, que traduz uma nulidade sanável, não lhe sendo aplicável o regime das nulidades da sentença.
IV- O exame crítico das provas não é exigido pelo artº 194º CPP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª Secção Criminal
Proc. nº 8786/13.6TDPRT-B.P2
Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

Nos autos de inquérito (Actos Jurisdicionais) nº 8786/13.6TDPRT a correr termos na Comarca do Porto, Instância Central 1ª secção Instância Criminal J3, em que é Assistente B…, SA e arguida C…, a Assistente requereu que seja decretado contra a arguida “o Arresto Preventivo,” sem prévia audição da Requerida nos bens acima identificados, e dos demais que oportunamente se indicarão, para segurança do Crédito da Requerente no valor global até à data apurado de €417.549,70, acrescido de juros vincendos sobre o capital, até integral e efectivo pagamento.
Por despacho de 26/12/2014 foi ordenado Arresto Preventivo requerido, cfr. fls673ss. do qual, e após cumprimento do disposto no artº 366ºnº6 do CPC foi interposto recurso pela arguida, o qual foi admitido, vindo então a ser proferido o despacho de fls.216ss em 20/1/2016, que nos termos do artº 414º nº4 do CPP reparou a decisão, julgando “improcedente o requerido arresto preventivo nos temos do artº 228º do CPP e consequentemente ordenar o levantamento do arresto que havia sido decretado a fls.678”..
Deste despacho de reparação foi interposto recurso pela Assistente B…, o qual foi admitido com efeito meramente devolutivo e apreciado por ac desta Relação de 4/5/2016 no qual foi decidido:
Pelo exposto acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto ela recorrente B…, S.A. e, em consequência revogar a decisão proferida, a fls.216 a 219, substituindo-a por outra que ordene a produção da prova requerida pela assistente, com consequente decisão.”
Baixados os autos à 1ª instância, e após inquirição das testemunhas arroladas no requerimento do Arresto Preventivo, a fls.9, foi então proferida a seguinte decisão de 12/7/2016 nos seguintes termos:
(…)
Nos presentes autos de NUIPC nº 8786/13.6TDPRT-0603, veio a lesada B…. a fls. 568 a 576, requerer o arresto preventivo dos valores/saldos das contas bancárias tituladas pela arguida C…, melhor identificadas no art. 26° do requerimento e ainda da sua meação na fracção autónoma correspondente ao r/c esquerdo do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Travessa …, nº …, da freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 01245, a fim de assegurar o reembolso da quantia de €417.549,70, que a requerente teve de desembolsar para depositar nas contas bancárias tituladas pelos seus clientes, que foram espoliados pela actuação delituosa da arguida.
Cumpre decidir.
Com interesse para a decisão a proferir, este tribunal considera suficientemente indiciados os seguintes factos:
1)A arguida casou catolicamente com D… em 23/10/1976, no regime supletivo da comunhão de adquiridos - cfr. fls. 205 e 207 e 502 destes autos;
2) Em 3/10/1988, o dito D…, adquiriu, por compra, o prédio composto por 2 pavimentos e logradouro, denominado por lote no …, sito na Rua …, nº .., na freguesia …, concelho de Matosinhos - cfr. fls. 204 e 205 deste Apenso;
3) A arguida e seu marido residem no prédio referido em 3) - cfr. f1s. 90, 412, 506 a 509;
4) A arguida C… foi trabalhadora da requerente B…, desde 15/9/1980 e, em 22/1/2003, foi colocada na agência de B1…, desempenhando as funções de gestora de diversos clientes, até 30/6/2009, data em que se reformou - cfr. f1s. 194, 195, 240 a 242, 244 a 246, 266 a 269, 290, 296, 316, 349;
5) No exercício dessas funções, a arguida apropriou-se ilegitimamente, para seu benefício próprio, ou de familiares e amigos, de diversos valores pertencentes aos seguintes clientes da B…: E… (€43.078,25); F… (€20.118,36); G… (€36.613,18); H… (€32.850,92); I… (€517,57); J…. (€270,00); K… (€900,00); L… (€2.570,00); M… (€148,93); N… (€116.981.14); O… (€61.908,35); P… (€28.341,43); Q… (€980,00); S… (€49.921,45); T… (€22.350,12) - cfr. fls. 145 a 172 do inquérito;
6) Cerca de 50% do valor total de que a arguida se apropriou, no montante de €208.184,88 foi obtido através de resgates de apólices da U…, pertencentes aos clientes E…, F…, H…, N…, K…, S… e T… - cfr. f1s. 170 e 171, 535 a 558 do inquérito;
7) Para o efeito, a arguida utilizou descritivos falsos, simulando compras, subscrição de aplicações financeiras, transferências, cobrança de comissões, transferências de obrigações e acções sem contrapartida ou por um preço substancialmente superior àquele que as acções valiam à data, beneficiando-se a si e a familiares, induzindo os clientes em erro sobre os motivos dos débitos efectuados nas suas contas, pelo modo melhor descrito a fls. 535 a 558 - cfr. fls. 253, 295 a 297, 492 a 494, 496 a 498, 535 a 558 do inquérito;
8) Na grande maioria dos casos, a arguida utilizou a conta nº ………………, titulada pela sua amiga V…, para depositar valores de que se apropriou ilegitimamente _ cfr. fls. 372 a 375 do inquérito;
9) A arguida procedeu do modo descrito em 5 a 7), sem autorização e com o desconhecimento dos referidos clientes - cfr. fls. 271 a 273, 289 a 291, 295 a 297, 302 a 304, 309, 310, 312, 313, 315, 316, 348 a 350, 356 a 358, 366, 367 do inquérito;
10) Sendo que quanto ao cliente N…, falecido em 18/2/2009, sem herdeiros legitimários e/ou legítimos, a arguida processou o resgate de ……. de B2… e a transferência do respectivo valor de €39.981,14, dois dias após a morte daquele, para a conta nº ………......, titulada por H…, pelo método descrito a fls. 147 do inquérito;
11) O montante total dos valores subtraídos pela arguida aos clientes da B…. entre 1/1/2007 e 25/2/2009, ascende a €417.549,70 - cfr. fls. 168 do inquérito;
12) Uma parte das quantias pecuniárias obtidas ilegitimamente pela arguida, ainda se encontram na sua posse;
13) A arguida é titular dos valores ou activos financeiros no montante de €170.946,52, constantes de fls. 662 a 664 do inquérito, proveniente dos desvios de dinheiro ilegitimamente efectuados;
14) A arguida foi proprietária até 29/7/2013, juntamente com o seu cônjuge, da fracção autónoma designada pela letra "J", correspondente ao r/c esquerdo do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Travessa …, nº …, da freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 01245 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o nº 3317 - cfr. fls. 665 a 668 do inquérito;
15)Sobre esta a fracção autónoma (identificada pela letra "J" do prédio sito na Travessa … nº … e …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia - cfr. fls. 665 a 668 do inquérito) já existe uma hipoteca - fr. fls. 99 deste Apenso de Arresto;
16) Em 6/3/2012, a requerente B…, unilateralmente, cativou os valores constantes das contas de activos financeiros e de poupança tituladas pela arguida, no valor global de € 170.946,52 - cfr. fls. 89, 402,482 a 484, 487, 583 a 655 do inquérito;
17) Porém, os juros que se forem vencendo em tais aplicações financeiras, são automaticamente lançados/depositados na conta à ordem titulada pela arguida e esta, pode movimentá-los a seu bel-prazer e usufruir deles em proveito próprio - cfr. fls. 409;
18) A B…. comunicou o facto referido em 16) à arguida, por carta expedida por correio registado em 6/3/2012, com aviso de recepção ­cfr. fls. 90 deste Apenso ( fls. 67 e 68 do inquérito) e 392 do inquérito;
19) Inicialmente, ou seja, por carta expedida em 18/12/2012, a arguida havia concordado ressarcir a B…. do seguinte modo: pelo produto dos valores financeiros actualmente cativos, no montante de €170.946,52; e ainda pela subscrição de uma livrança - cfr. fls. 169 do inquérito;
20) A arguida pretendia que a B… aceitasse que a arguida lhe devolvesse o montante de €170.946,52 e não participasse criminalmente contra ela, nem contactasse com os clientes lesados, aos quais a arguida nada queria restituir - cfr. fls. 409 destes autos;
21) Porém, a B…. não aceitou esta proposta da arguida - cfr. fls. 409;
22) E a arguida desistiu de subscrever a Iivrança, para os fins referidos em 17) - cfr. fls. 409;
23) Em 27 de Julho de 2013, a arguida apresentou na agência B1…, no Porto, da B…. o requerimento de fls. 487 e 488, do seguinte teor: "Exm?« Senhores: Eu, C…, titular do Empréstimo Habitação nº …………., solicita a V. Excias passagem de uma declaração, conforme minuta anexa, para a data de 30/7/2013 do valor da dívida. Mais informo, que a conta a debitar as despesas com a passagem de declaração é: …./……/…. Com os melhores cumprimentos, Porto, 25 de Julho de 2013 C… B.I. ……. " - cfr. fls. 487 e 488 destes autos;
24) A Declaração de fls. 488, é do seguinte teor: "Declaração A B…, S.A., com sede em Lisboa, na Av. …, …. - …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o número único de pessoa colectiva ………, com o Capital Social de Euros 5.900.000.000,00, declara para os devidos e legais efeitos que, por contrato celebrado em 22/04/2008, foi concedido a C… e D…, um empréstimo de Nivelamento Bancário-Habitação Secundária, com a Ref.ª n.º …………. pelo prazo de 216 meses no montante de Euro: 65.000,00 ( sessenta e cinco mil euros ). Mais se declara que, o referido empréstimo tem como Hipoteca o prédio descrito sob o n" 3317 da freguesia de …, da 1a Conservatória do
Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sendo o valor em dívida à data de 30n12013, de Euro: ,00 ( ... )" - cfr. fls. 488 destes autos;
25) O objectivo da declaração referida em 23), requerida pela arguida, seria o de vender o imóvel referido em 14) e/ou pelo menos, o divórcio - cfr. fls.409;
26) Em 29 de Julho de 2013, a arguida e seu marido D… separaram-se judicialmente de pessoas e bens na lª Conservatória do Registo Civil do Porto no processo nº 2349 12013, por decisão transitada na mesma data, por terem renunciado ao correspondente direito de recurso, previsto no art. 6810 do c.P.c. - cfr. fls. 502 a 509 destes autos;
27) Porém, a arguida e seu marido continuam a coabitar um com o outro, mantendo a relação que sempre tiveram de comunhão de mesa, leito e habitação - cfr. fls. 412; 28) Na partilha do Património Conjugal no referido processo, as verbas nºs 1 a 4, correspondentes a dois bens imóveis (referidos em 2) e 13)), ao recheio desses imóveis e a um veículo automóvel da marca Volvo, modelo …, de matrícula ..-GU-..., este no valor atribuído de €5.000,00, foram todos adjudicados aos cônjuge marido da arguida - cfr. fls. 506 a 509 destes autos;
29) Nessa partilha por mútuo acordo, as verbas nºs 5 a 7, compostas por dívidas contraídas pelo casal junto da B…. e de particulares, também foram adjudicadas ao cônjuge C… da arguida - cfr. fls. 506 a 509 destes autos;
30) Nessa partilha, nada foi adjudicado à arguida - cfr. fls. 506 a 509 destes autos;
31) Em 29/7/2013, pela Ap. 1211, o marido da arguida fez registar a aquisição, em seu nome, do direito de propriedade sobre o prédio urbano descrito em 2) - cfr. fls. 405,406, 493 a 509 e 120 destes autos;
32) Em Março/ Abril de 2014, chegou ao conhecimento da DAI (Direcção de Auditoria Interna) que a arguida andava a contactar alguns clientes lesados (W…, G… e a O…), tendo em vista a celebração de acordos de indemnização/regularização de responsabilidade, sendo sua alegada intenção que tais acordos fossem cumpridos mediante a libertação, conforme necessário, dos valores cativos pela B… - cfr. fls. 531 do inquérito;
33) A arguida, pretenderia restituir aos lesados os valores subtraídos, mas sem juros - cfr. fls. 531 do inquérito e 409 do presente Apenso de arresto;
34) Os clientes da B…. lesados, não aceitaram tal proposta - cfr. fls. 531 in fine e 532 do inquérito e 409 destes autos de arresto;
35) A arguida não aceitou a proposta da B…. com vista ao ressarcimento desta, através da constituição de uma hipoteca genérica sobre todo o seu património imobiliário e dos valores dos saldos que se encontram cativos - cfr. fls. 532 do inquérito e 409 destes autos de arresto;
36) Em 17/10/2014, a requerente B…. reembolsou os ditos clientes pelos prejuízos sofridos com a actuação ilícita da arguida, no montante de €428.743,88 (que engloba os juros) - cfr. fls. 482 a 484, 487, 488, 583 a 655 do inquérito;
37)A arguida, já procedeu ao levantamento dos juros (no montante de €300,00) que se venceram em 2 aplicações financeiras que se encontram cativas e que foram directamente depositados na conta à ordem da arguida, dispondo desse montante em seu próprio benefício - cfr. fls. 409 destes autos;
38) Nomeadamente, em 31/5/2016, ocorreu o vencimento da conta B3… nº …………., no valor de €34.897,97 - cfr. 522, 523 destes autos;
39) O valor dos juros, no montante de €315,67 foi creditado na conta de depósitos à ordem associada nº …………. às 03.08 horas do dia 31/5/2016 e transferido pela arguida, através do serviço B4… (contrato nº …….), para a conta nº …………. às 7.31 horas do mesmo dia - cfr. fls. 523 a 528 destes autos;
40) Desde 15/6/2012 até 4/7/2016, a arguida vem fazendo consultas à sua conta bancária, tendo feito mais de 10.000 consultas neste período de tempo, através do serviço B4…, e através deste meio, é ­lhe possível retirar da sua conta à ordem quaisquer valores que aí forem sendo depositados, nomeadamente, o valor dos juros que se forem vencendo das aplicações financeiras por si tituladas e que se encontram cativas - cfr. fls. 409, 520, 523 a 528 e conteúdo da pen drive de fls. 532;
41) E a utilizar esses valores pecuniários em seu próprio benefício, privando a B…. de se apoderar de tais quantias para se ressarcir do valor referido em 36) despendido no reembolso dos clientes lesados com a actuação ilícita da arguida - cfr. fls. 409, destes autos;
42)Teor do douto Ac. da R.P. de 31/10/2013, proferido no processo nº 585/13.1TVPRT.Pl instaurado pela B…. contra a arguida por causa dos factos descritos no NUIPC nº 8786-13.6TDPRT, de que estes autos são Apenso - cfr. fls. 456 a 471 destes autos.
Motivação da decisão de facto:
A convicção do tribunal quanto aos factos supra descritos, teve por base os elementos de prova que adiante se deixaram indicados.
O Direito
Os factos supra descritos, indiciam a prática, pela arguida em autoria material e na forma consumada, dos crimes de abuso de confiança agravado p. e p. pelo art. 2050 ns 1, 4 a) e b) e 5, em concurso efectivo com crime de falsificação de documento p. e p. pelos arts. 2550 e 2560 nºs 1 c), 3 e 4, todos do Cód. Penal.
Comete o crime de abuso de confiança" Quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade ( ... ) - art. 205° nº 1 do c.P.
São elementos do tipo objectivo
a) a apropriação ilegítima; b) de coisa móvel;
c) entregue por título não translativo de propriedade o elemento característico do abuso de confiança é a existência de um acto de entrega da coisa ao agente do crime, por parte do proprietário ou do legítimo detentor da coisa em causa ou ainda de terceiro mandatado pelo proprietário.
Essa entrega ocorre por causa da relação fiduciária entre aquele que entrega a coisa e aquele que a recebe.
Conforme se exarou no Ac. da R.P. de 15/12/2010e), " A relação de fidúcia entre quem entrega e que recebe, manifesta-se no facto de o dono da coisa confiar no agente e lha entregar, sem abdicar do seu título, traduzindo-se o abuso de confiança na violação do regime concreto daquela relação por parte de quem recebeu.
Neste sentido o abuso de confiança é um delito especial, concretamente na forma de delito de dever, pelo que o autor só pode ser aquele que detém uma qualificação determinada, resultante da relação de confiança que o liga ao proprietário da coisa que lhe foi confiada, que foi recebida por título não Por isso, o abuso de confiança distingue-se do furto, porque naquele crime, o agente não necessita de subtrair a coisa alheia porque já a tem na sua posse, por causa da dita relação de fidúcia.
Então o agente, que no início, recebe validamente a coisa alheia, passando a possuí-la ou detê-la licitamente, a título precário ou temporário, vem posteriormente, a alterar, arbitrariamente, o título de posse ou detenção, passando a dispor da coisa uti dominus. Deixa, a partir daí, de possuir em nome alheio e faz entrar a coisa no seu património ou dispõe dela como se sua fosse, com o propósito de não a restituir, ou de não lhe ar o destino a que estava ligada.
Como se diz ainda no citado Ac. da R.P. de 15/12/2010, "(...) Quando isto acontece, (•••) faz todo o sentido, que apenas possa ser censurado penalmente, aquele que direcciona a apropriação, para a violação da relação de confiança que em si depositou o proprietário da coisa".
Já antes o Ac. da RC. De 10/2/2º10, proferido no proc. nº 1137/06.8PBFIG.C1e), decidiu que " O tipo criminal de abuso de confiança, conforme decorre do art. 2050 n° 1 do C. Penal, estrutura-se no facto de alguém, ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por não título translativo de propriedade. (...) a questão essencial delimitattva do tipo criminal decorre da inversão do título de posse da coisa efectuada pelo agente, « que recebera a coisa uti alieno, passa em momento posterior a comportar-se relativamente a ela _ naturalmente, através de actos objectivamente idóneos e concludentes, nos termos gerais - uti dominu. É nesta inversão do título que se encontra o núcleo essencial que permite a identificar o elemento essencial «apropriação» para si, a que se refere aquele artigo 2050 do C. Penal.
No que respeita ao elemento do tipo subjectivo, decidiu o Ac. da Rel. do Porto de 5/1/2000e), que"(...) ao elemento de índole subjectiva, dir-se-á que o dolo consiste na vontade do agente em inverter o título de posse, por se querer transformar de possuidor alieno domine em possuidor alieno dominas, com a consciência de agir contra o direito, quer não restituindo a coisa, quer não lhe dando o destino devido. Todavia, só através de acto ou actos objectivos reveladores de que o agente se apropriou da coisa, é admissível concluir pela inversão do título de posse e, a partir daí, formular juízo de censura".
No mesmo sentido pronunciou-se o Ac. da R.L. de 16/10/1992 no proc. nº 0044725(4) dizendo que" Para que se verifique o crime de abuso de confiança, necessário se torna a concretização de elementos de natureza objectiva, como seja o recebimento lícito de uma coisa, com a obrigação de a restituir; descaminho por parte de quem a recebe; prejuízo ou crime de prejuízo para o proprietário, possuidor ou detentor da coisa entregue, e um elemento subjectivo, dolo, consubstanciado em o agente saber que o objecto material do crime se encontra em seu poder por título que implica obrigação de restituir, ou apresentar o objecto, ou o valor equivalente e em querer descaminhá-lo ou dissipá-lo em prejuízo ou possibilidade de prejuízo para o seu proprietário e dispondo desse objecto como se fosse seu".
No caso destes autos, existia essa relação de fidúcia entre a arguida C… e a B…, que era entidade patronal daquela, e a arguida, enquanto sua trabalhadora subordinada, tinha acesso ao dinheiro pertencente à dita instituição bancária; e foi no decurso de tal relação laboral, que a arguida C… se apropriou da quantia global de €417.549,70, pertencente à aqui requerente B….
Com efeito, como ensina Abel Delgado(s) citando F. Abranches Ferrão in Resumo de Direito Comercial, pág. 91, apud A. Pires Machado in Sistema Bancário, pág. 22, " Depósito bancário é a operação pela qual o Banco recebe capitais dos particulares para guardar e que ele aproveita no exercício do seu comércio.
Pelo depósito bancário, o banco adquire a propriedade do dinheiro e não é, assim, obrigado a restituir em espécie" - carregado nosso.
No mesmo sentido, decidiu o douto Ac. da R.P. de 31/10/2013 junto a estes autos, exarando que " o depósito bancário é o contrato pelo qual uma pessoa entrega determinada quantidade de dinheiro a um banco, que adquire a respectiva propriedade e se obriga a restituí-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante. O banco adquire a propriedade e a disponibilidade do dinheiro, e o depositante um direito de crédito sobre o banco. Trata-se de um depósito irregular a que são aplicáveis, na medida do possível, as normas relativas ao contrato de mútuo (arts. 1185°, 1205º e 12060 do Código Civil). (….) o contrato de depósito bancário caracteriza-se por uma dupla disponibilidade das quantias entregues ao banco. Por um lado, este adquire a propriedade dos fundos depositados, o que implica que deles pode livremente dispor, sem ter de prestar contas ao depositante. Por outro lado, o depositante conserva a disponibilidade dos fundos depositados, ou seja, pode, a todo o momento, ou no momento acordado na celebração do contrato, exigir a sua restituição, ou deles dispor livremente a favor de terceiro".
E citando-se nesse aresto Pires de Lima em anotação ao Ac. do S.TJ. de 12/1/1968 in R.LJ., Ano 101/ pág. 368/ "há que considerar o dinheiro depositado pertencente ao património do estabelecimento bancário e não ao património do depositante"; (...) assim, ao efectuar um depósito bancário, a pessoa que deposita no banco o seu dinheiro transfere para a propriedade do banco as quantias depositadas. O banco passa a poder dispor dessas quantias como seu proprietário, embora onerado com especiais deveres de cuidado e diligência que são próprios do mercado bancário e financeiro, ficando obrigado a restituir ao titular da conta o montante equivalente aos fundos que nesta foram depositados, acrescido da remuneração acordada, em conformidade com as cláusulas e termos do contrato de depósito celebrado. (...) o contrato de depósito bancário tem como partes o depositante e o depositário, o que vale dizer o titular dos fundos que os deposita no banco onde são inscritos numa conta bancária e o banco que recebe o depósito, que gere os fundos depositados, inscrevendo os respectivos movimentos a crédito e a débito na conta, e se obriga a restituir o valor do saldo e a remuneração acordada logo que o depositante o solicite ou apenas no fim do prazo acordado – carregado nosso.
No exercício da sua actividade bancária, o Banco serve-se dos seus funcionários e agentes que actuam em representação, como era o caso da aqui arguida, por conta e no interesse do Banco(6); a arguida C…, por conta e no interesse da B…., exercia tais funções desde 22/1/2003/ na agência de B1…, desempenhando as funções de gestora de diversos clientes, até 30/6/2009/ data em que se reformou.
A arguida, no exercício das suas funções de trabalhadora subordinada da requerente B…, quebrou a relação de fidúcia existente entre ela e a B…, retirando da propriedade desta, quantias monetárias cujo montante global ascende a €417.549,70, que contra a vontade e com o desconhecimento da B…, integrou no seu património e usou em proveito próprio; ou seja, a arguida inverteu o título da posse sobre o dinheiro pertencente à B…, deixando de o deter em nome alheio, passando a comportar-se em relação a esse dinheiro como se fosse dona dele.
Como se afirma ainda no citado Ac. da R.P. de 31/10/2013, junto a estes autos, os ".. funcionários ou agentes não assumem perante os clientes do Banco quaisquer obrigações próprias ou deveres que os responsabilizem pessoalmente perante aqueles. O Banco é que é responsável perante os respectivos clientes pelos actos dos seus funcionários ou agentes, em virtude da relação de comissão que esse vínculo funcional gera entre o Banco e os respectivos funcionários.
Daqui resulta também que é ao Banco que o cliente lesado pelos actos dos funcionários ou agentes do Banco pode exigir directamente responsabilidade. Com efeito, existindo entre eles uma relação contratual, o Banco responde directamente pela obrigação de entrega das quantias depositadas, presumindo-se inclusivamente a sua culpa pela não entrega.
Por isso, o Banco não se exonera de responsabilidade mediante a mera alegação de que um funcionário seu, ainda que ao arrepio das instruções e autorizações fornecidas, retirou das contas do cliente valores que ali constavam inscritas, reduzindo ou eliminando o saldo. Ainda que assim haja sucedido, o Banco continua a responder, contratualmente, pelas quantias depositadas pelo cliente e obrigado a restituir o valor do saldo real dos movimentos efectuados pelo cliente ou por este autorizados.
No âmbito da sua relação com o funcionário ou agente incumpridor o Banco terá um direito de ser indemnizado ( de génese extracontratual, portanto) das quantias que este ilícita e culposamente subtraiu ao Banco. (...). O Banco é credor do funcionário, a título de responsabilidade delitual, porque o acto do funcionário constitui per se um facto ilícito culposo praticado contra o património do Banco e gerador da obrigação de indemnizar o dano causado. Tal como cliente do Banco é credor do Banco, a título de responsabilidade contratual, porque o Banco assumiu perante o cliente a obrigação de lhe restituir o valor depositado ou o saldo real dos movimentos efectuados pelo cliente na conta.
Acresce que a obrigação de indemnização do Banco sobre o funcionário se constituiu logo que o facto ilícito foi praticado e sobreveio o dano a que deu causa. E isso não pode ter deixado de ocorrer instantaneamente quando o funcionário se apropriou de quantias inscritas na conta de um cliente do Banco, pois foi nesse momento que ficou concretizado o facto ilícito e consumada a subtracção do património do Banco. Logo, estando privado dessas quantias, o Banco não pode deixar de ser considerado já neste momento titular de um crédito sobre o funcionário".
No caso dos autos, em 17/10/2014 a requerente B… já despendeu a quantia monetária de €417.549/70, para reembolsar os seus clientes lesados pela actuação delituosa da arguida, acrescida dos juros devidos à data da regularização, supra referida, no total de €88.602,13 - cfr. arts. 1187° a) e c), 1195°, 500° ns 1 a 3, 562° e 563° todos do Cód. Civil.
Encontra-se, pelo acima exposto, perfectibilidade o requisito da existência de um direito de crédito da requerente B…. sobre a arguida - cfr. arts. 483º nº 1 e 498° nº 3 do Cód. Civil e arts. 205º nº 5, 1180 nº 1 b) e 1190 nº 1 do Cód. Penal.
O art. 619° nO 1 do Cód. Civil estabelece que" O credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo”.
Dispõe o art. 3910 nº 1 do C.P.C. que" O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto dos bens do devedor".
O art. 2280 nO 1 do C.P.P. reza que" A requerimento do (..) lesado, pode o juiz decretar o arresto nos termos da lei do processo civil, ( ... )".
Resta agora averiguar se no caso dos autos também se verifica o risco de perda da garantia patrimonial do crédito da B….
De acordo com o disposto no art. 601° do Cód. Civil" Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios".
De acordo com o disposto nos arts. 1721° e 1724° b) do Cód. Civil, no regime supletivo da comunhão de adquiridos, são bens comuns do casal, os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio ( ... ) e, consequentemente para o que no caso destes autos interessa, o prédio composto por 2 pavimentos e logradouro, denominado por lote nº…, sito na Rua …, nº .., na freguesia da …, concelho de Matosinhos e a fracção autónoma designada pela letra "J", correspondente ao r/c esquerdo do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Travessa …, n.º …, da freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 01245 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o nº 3317, ambos adquiridos após o casamento da arguida com D…, celebrado em 23/10/1976.
Por sua vez o art. 1692° do Cód. Civil que tem por epígrafe «Dívidas da responsabilidade de um dos cônjuges», estabelece que" São da exclusiva responsabilidade do cônjuge a que respeitam: b) As dívidas provenientes de crimes e as indemnizações, (...) devidas por factos imputáveis a cada um dos cônjuges ( ... )".
E o art. 1696° do Cód. Civil acrescenta no seu nº 1 que" Pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns".
No caso dos autos, a arguida bem ciente dos crimes que indiciariamente sabe que cometeu, apressou-se a requerer, com o consentimento do seu cônjuge, a separação judicial de pessoas e bens na 1º a Conservatória do Registo Civil do Porto, nº processo nº 2349/2013, que foi decretada em 29 de Julho de 2013, por decisão transitada em julgado na mesma data, pelo facto de os cônjuges terem declarado que renunciavam ao direito de recurso previsto no art. 681° do CP.C.
Pese embora tal separação judicial, a arguida e o seu cônjuge D…, mantêm vida em comum, continuando a partilhar a mesa, leito e a coabitar, como até aí vinham fazendo, no prédio composto por 2 pavimentos e logradouro, denominado por lote nº …, sito na Rua …, nº .., na freguesia da …, concelho de Matosinhos.
Da prova indiciária produzida, indicia-se que tal separação judicial de pessoas e bens, não se destinou a salvaguardar a meação do marido da arguida nos bens comuns, nos termos previstos nos arts. 293º a 295º e 740º e 741° do CP.C, mas a fazer desaparecer bens susceptíveis de ser arrestados e penhorados para satisfação do crédito da B…, pois como se pode ver da partilha do património conjugal de fls. 506 a 509 destes autos, o cônjuge marido D… adquiriu a totalidade dos bens imóveis e dos móveis, estes últimos constituídos pelo recheio daqueles prédios e pelo veículo automóvel da marca Volvo, que constituíam os bens comuns do casal, não se limitando a receber a sua meação em tais bens; nessa partilha, a arguida C… nada recebeu.
Mais resultou indiciado que a arguida desde 15/6/2012 vem fazendo acessos, on-line, através da B4…, às suas contas bancárias, sendo-lhe possível movimentar e retirar da conta de depósitos à ordem, os valores que aí forem depositados, como sucedeu em 31/5/2016 e pode continuar a suceder com os juros produzidos pelas contas de activos financeiros e de poupança por si tituladas e que são automaticamente lançados/depositados nessa conta de depósitos à ordem; a arguida, apesar de bem saber que o valor de €170.946,52 que a B… em 6/3/2012 unilateralmente cativou, é insuficiente para se ressarcir do valor de €428.743,88 que já despendeu a reembolsar os seus clientes pelos prejuízos sofridos com a actuação ilícita da arguida, e de bem conhecer a arguida da sua obrigação de indemnizar a B…. pelo prejuízo causado pela sua actuação ilícita-típica, não se coibiu de retirar o valor dos juros produzidos pelas contas de activos financeiros e de poupança entretanto vencidos, no montante de €315,67, o que nos leva a concluir que a arguida assim continuará a proceder se tiver a real possibilidade, através do serviço B4… online, movimentar a sua conta de depósitos à ordem, dali transferindo os valores que forem depositados para outras contas bancárias ou até para o estrangeiro. É que no caso concreto, a arguida dispõe dos necessários conhecimentos para fazer tais operações, pelo facto de ter sido funcionária bancária durante vários anos ao serviço da B…. e até se reformar em 30/6/2009.
Encontra-se também verificado o perigo de insatisfação do direito de crédito da requerente B….; esse justo receio da perda da garantia patrimonial, tanto pode resultar de haver indicação de o devedor estar em risco de se tornar insolvente, como de estar a ocultar o seu património ou de tentar alienar bens de modo que se torne consideravelmente difícil ao credor promover a cobrança coactiva do seu crédito.
Em suma, no caso destes autos, encontram-se reunidos todos os requisitos previstos nos arts. 619° nº 1 do Cód. Civil, 391° nº 1 do C.P.C. e 228° nº 1 do C.P.P. para que o arresto requerido pela B… seja decretado.
Pelo exposto e sem necessidade de outros considerandos, este tribunal decide:
a) Ordenar o arresto preventivo de todos os bens que sejam encontrados em poder da arguida, nomeadamente, as contas bancárias e apólice da U…, melhor identificadas nos arts. 26° e 27° do requerimento de f1s. 1 a 9 (correspondentes a f1s. 568 a 576 do inquérito) e na meação da fracção autónoma melhor identificada no art. 29° daquele requerimento, em valor suficiente para assegurar o reembolso à lesada B… da quantia global de €417.549,70, que teve de despender para ressarcir as contas bancárias dos clientes afectados com os actos delituosos da arguida, acrescida dos juros vincendos até integral pagamento;
b) ordenar o cumprimento do disposto nos arts. 391° nº 2, 755º, 756°, 757º, 758º, 762º, 764º, 768º, 773º, 779º, 780°, todos do C.P.C ..
(…)
*
Inconformada, a requerida/arguida C… interpôs recurso, no qual formula as seguintes conclusões:
(…)
1 - Na decisão recorrida o tribunal deu por verificado o risco de perda da garantia patrimonial, fundamentando tal juízo na matéria que considerou indiciariamente demonstrada nos itens 1 a 13, 17,20 a 27,34 e 35, 37 e 39 a 41.
2 - Conforme decorre da CRP e da lei ordinária, as decisões judiciais devem ser fundamentadas, devendo a fundamentação ser expressa, clara, coerente e suficiente e deve ser adequada à importância e circunstância da decisão cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa anotada, Tomo III, 2007, pág. 70 e 72-73) e um dever legal e uma exigência derivada da transparência e sindicabilidade das decisões, correlativa do direito das partes conhecerem, em concreto, os motivos que influíram na decisão do juiz, não bastando uma mera referência tabelar, genérica ou vazia de conteúdo quanto aos motivos da sua decisão (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 4.3 Edição revista e ampliada, 2010, pág. 234-235 e nota 409).
3-De acordo com a lei processual penal (artigos 97.°, n.º 5, e 374,°, n.º 2, do CPP) e com a lei processual civil (artigo 607.°, n.º 4, e 615.°, n.º 1, al. b), do CPC), o juiz deve na fundamentação da sentença analisar criticamente as provas e especificar os demais fundamentos que foram decisivos para formar a sua convicção.
4- A exigência legal de motivação da decisão sobre a matéria de facto não se satisfaz com a mera referência aos meios de prova que o julgador considerou decisivos para a formação da sua convicção, devendo indicar as razões que, na sua análise crítica, relevaram para a formação da sua convicção, expondo o processo lógico e racional que seguiu, por ser esta a única forma de tomar possível o controlo da razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto, e de convencer os destinatários sobre a sua convicção.
5 - Para fundamentar a resposta à matéria de facto indiciariamente considerada nos sobreditos pontos 3, 17, 20, 21, 22, 25, 27, 34, 37 e 41, o tribunal limitou-se a remeter para fls. 409 e 412, que mais não são do que actas das diligências de inquirição das testemunhas arroladas pela B…, X… e Y…, e sem que das mesmas conste sequer uma súmula das declarações prestadas.
6- Desse modo, o despacho recorrido é totalmente omisso relativamente ao exame crítico dos depoimentos prestados pelas testemunhas identificadas a fls. 409 e 412 e dos documentos de fls. 90, 487, 488, 506 a 509, 520, 523 a 528 e 532 do apenso de arresto e 531 e 532 dos autos de inquérito, e às razões pelas quais aqueles depoimentos e documentos foram fundamentais ou decisivos para formar a convicção do tribunal.
7 - Aquela mera referência genérica não obedece, nem respeita o principio legal de motivação da decisão sobre a matéria de facto.
8 - Desse modo, o despacho que ordenou o arresto é nulo por violação dos preceitos dos artigos 205.° da CRP; 97.°, n.º 5, e 374.°, n.º 2, ambos do CPP, e 607.º, n.º 4, e 615.°, n.º 1, al. b), ambos do CPC.
9 - Para a hipótese, meramente académica, de se entender que o vício imputado ao despacho recorrido constitui uma mera irregularidade, o que se não concede, importa trazer à colação a lição de Paulo Pinto de Albuquerque: “ por maioria de razão o recurso pode ter por fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de irregularidade que não deva considerar-se sanada" - Comentário ao Código de Processo Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3. a Edição Actualizada, pág. 1112.
10- Nestes termos, a decisão sob censura padece do apontado vício de nulidade ou de irregularidade, o que se impõe que seja reconhecido e declarado, revogando-se o despacho ora em crise.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, assim, ser reconhecido e declarado o invocado vício de nulidade (ou de irregularidade) e revogar-se o despacho ora em crise,

A requerida anteriormente havia já interposto o recurso de fls.512ss. do despacho de fls. 408, admitido a fls. 554 “com subida diferida, conjuntamente com o recurso que vier a ser interposto da decisão a proferir na presente providência cautelar”no qual formulou as seguintes conclusões:

1-A fIs. 104 e ss. foi proferida decisão que decretou o arresto de bens da arguida pedido pela B….
2- Nessa sequência, foram arrestadas diversas contas bancárias da arguida, cujos montantes se mantêm até hoje indisponíveis.
3- A arguida foi notificada nos termos e para os efeitos do artigo 366.°, n.º 6, do CPC.
4- Pelo que, à luz do artigo 372.°, n.º 1, al.. a), do CPC, apresentou recurso jurisdicional da decisão referida em 1).
5- A fls. 216 e ss., o tribunal a quo reparou o despacho de fIs. 104 e ss., julgando improcedente o arresto.
6- Desta decisão recorreu a B… para o Venerando Tribunal da Relação do Porto, o qual, na procedência do mesmo, revogou a decisão de fls. 216 e ss. e ordenou a produção da prova indicada pela B… no requerimento de arresto de fls. 1 e ss.
7- A arguida, na pessoa do seu defensor, foi notificada da data designada para a inquirição das testemunhas, bem como dos despachos de fls. 392 e 397.
8- Contudo, no dia da diligência da inquirição das testemunhas, 4/07/2016, a Sra. Juiz decidiu que a arguida "não tem nem deve intervir na inquirição de testemunhas para hoje designada.", com o fundamento de que a intervenção da arguida só poderia ter lugar nos termos do artigo 372.° do CPC.
9- Acontece, porém, que o despacho ora em crise é nulo.
10- De facto, a arguida já tinha sido notificada para os termos do artigo 366.°, n.º 6, do CPC, razão pela qual a partir desse momento já lhe foi conferido com carácter definitivo o direito ao contraditório.
11- Nessa medida, a arguida recorreu do despacho que ordenou o arresto, o que o fez à luz do disposto no artigo 372.° do CPC.
12- Assim, resta concluir pela ilegalidade do fundamento invocado no despacho para excluir a arguida da diligência de produção de prova, ou seja a não notificação da arguida nos termos do artigo 372.° do CPC.
13.- Acresce ainda que o acórdão referido em 6) não revogou o despacho referido em 1),
14- Razão pela qual continuam arrestados os bens indicados em 2).
15.Nesse sentido, os alegados direitos de crédito invocados pela B… não se encontravam desprotegidos se fosse reconhecido o direito ao contraditório por parte da arguida, pois os invocados interesses patrimoniais da B… já se mostravam perfeitamente assegurados.
16. Assim, não se mostram aplicáveis ao caso concreto as razões de eficácia subjacentes ao princípio legal do decretamento da medida cautelar de arresto sem contraditório prévio da parte contrária.
17- Termos em que o despacho sob censura viola o disposto no artigo 61.°, al. a), f) e g), do CPP, o que conduz, directa e necessariamente, à sua nulidade insanável e à nulidade de todos os actos subsequentes (artigo 119.°, al. c), do CPP).
(…)

O Magistrado do Ministério Público respondeu a fls. 614ss. e fls.709 e ss, pugnando pela improcedência de ambos os recursos.
Também a requerente B… respondeu a fls.610 ss.e 728 ss.pugnando pela improcedência de ambos os recursos e pela manutenção das decisões recorridas.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer, por considerar a “ilegitimidade do Ministério Público para se pronunciar sobre o mérito dos recursos”.
*
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
*
Do despacho recorrido de fls. 408 consta o seguinte:
(…)
Efectivamente não foi ordenado pelo Tribunal a notificação da arguida para estar presente na diligência para hoje designada, o que só ocorreu por iniciativa e lapso da secretaria.
Nos termos dos Art.s 391º a 393º do CPCivi,l na senda do disposto no Artº 228º, nºs 1 a 3 do CPPenal, o arresto será decretado, ou não, sem audiência da parte contrária; Para a intervenção da parte contrária na diligência, antes da decisão da providência cautelar requerida, seria necessário que o Tribunal, expressamente tivesse ordenado nos termos do artº 366º nº2 do CPCivil a citação da requerida para deduzir oposição e na audiência final a produção das provas englobariam também as apresentadas pela requerida na dita oposição , o que não ocorreu no caso dos autos
No caso concreto a intervenção da requerida só tem lugar nos termos do Artº 372º do CPCivil.
Pelo exposto, a requerida não tem, nem deve intervir na inquirição das testemunhas para hoje designada.
(…)

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso. Apenas essas são pois as questões a decidir pelo tribunal
*
II - FUNDAMENTAÇÃO:
Recurso de fls. 512ss do despacho de fls.408.

O recorrente coloca e em síntese a questão de saber se o despacho recorrido enferma da nulidade insanável do artº 119º al.c) do CPP por violação do artº 61ºal.a) f) e g) do CPP.
Para tal invoca, e em suma, que na sequência da primeira decisão que decretou o arresto requerido pela B…, a “arguida foi notificada nos termos e para os efeitos do artigo 366º nº6 do CPC; Pelo que à luz do artº 372º nº1 al.a) do CPC , apresentou recurso jurisdicional da decisão referida em 1).”
Pelo que defende a recorrente que a partir do momento em que foi notificada para os termos do artº 366º nº6 do CPC, “já lhe foi conferido com carácter definitivo o direito ao contraditório.”
Alega ainda que tendo recorrido nos termos do artº 372º do CPC, haveria que concluir “pela ilegalidade do fundamento invocado no despacho para excluir a arguida da produção de prova, ou seja a não notificação da arguida nos termos do artº 372º do CPC ” e que “não se mostram aplicáveis ao caso concreto as razões de eficácia subjacentes ao princípio legal do decretamento da medida cautelar sem contraditório prévio da parte contrária”.
A questão colocada pela recorrente parece então concretizar-se em saber se o despacho recorrido é nulo, por não ter sido concedido o prévio contraditório à requerente, no caso através da presença e intervenção do seu ilustre mandatário na inquirição das testemunhas.
Comecemos então pelas normas que a recorrente alega terem sido violadas.
Nos termos do artº 119º nº1 al.c) do CPP, constitui uma nulidade insanável que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento «A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência».
No artº 61º do CPP als a), f) e g) dispõe-se:
O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de:
a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;
(..)
f) Ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar, e quando detido comunicar, mesmo em privado com ele-;
g) Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias”.
O princípio do contraditório tem consagração constitucional no artº 32º nº5 da CRP, e o seu exercício encontra-se expressamente consagrado no artº 61º nº1 al.b) do CPP, entendido no sentido de que o juiz deve ouvir as razões das partes em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão, e expressamente quanto ao arguido consagrado no artº 61º nº1 al.b) do CPP.
Mas este exercício do contraditório, não se encontra, salvo nos casos expressamente previstos na lei, estabelecido como um direito de audição pessoal, sendo que só nesses casos configura a nulidade insanável do artº 119º nº1 do CPP.
Ora, afigura-se, se bem apreendemos o exposto pela recorrente, que esta faz derivar a alegada nulidade do artº 119º c) do CPP na ausência da presença e participação do ilustre mandatário na inquirição das testemunhas, e não na ausência da arguida em tal diligência.
Porém, os únicos casos em que o arguido tem obrigatoriedade de assistência por defensor, são os casos previstos no artº 64º do CPP, e só nestes casos a falta de defensor consubstancia a nulidade insanável prevista no artº 119º nº 1 al.c) do CPP. Como tal e não estando a inquirição das testemunhas no decurso da produção de prova de procedimento cautelar prevista no referido artº 64º do CPP, nesta vertente a nulidade invocada é improcedente.
Mas considerando que a questão colocada, de violação do exercício do contraditório, não se confina legalmente às normas invocadas pela recorrente, para a resolução da mesma importa considerar que o arresto preventivo, requerido nestes autos, é uma medida de garantia patrimonial prevista no artº 228º do CPP no qual se dispõe “A requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto nos termos da lei do processo civil; se não tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial”.
Sendo que os princípios e normas gerais de aplicação das medidas de coacção e garantia patrimonial, encontram-se previstas no título I do livro IV do CPP.
E nesta sede e face à questão suscitada releva o disposto no artº 194º nº1 e 4 do CP, o qual dispõe:
1. À excepção do termo de identidade e residência, as medidas de coacção e de garantia patrimonial são aplicadas por despacho do juiz, durante o inquérito a requerimento do Ministério Público e depois do inquérito mesmo oficiosamente ouvido o Ministério Público, sob pena de nulidade.
(…)
4.A aplicação referida no nº1 é precedida de audição do arguido, ressalvados os casos de impossibilidade devidamente fundamentada, e pode ter lugar no ato de primeiro interrogatório, aplicando-se sempre à audição o disposto no artº 141º nº4 do CPP.
Por sua vez nos termos da lei do processo civil para a qual remete o artº 228º do CPP dispõe o artº 393ºnº2 do CPC que “(..) o arresto é decretado sem audiência da parte contrária , desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais.
A questão que se coloca é pois saber se o arresto decretado enquanto medida de garantia patrimonial em processo penal, pode ser determinado sem audição prévia do arguido.
Desde já adiantamos entendermos ser essa a solução que resulta da unidade do regime jurídico supra exposto e aplicável ao decretamento do arresto como incidente do processo penal.
Efectivamente, o artº 228º do CPP estabelece que o juiz decreta o arresto nos termos da lei do processo civil, e como tal nos termos expressamente previstos no CPC para o processamento do Arresto nos artºs 391º do CPC, e que são próprios desta providência cautelar especificada e que como tal prevalecem sobre o procedimento cautelar comum previsto nos arts 362º e ss, designadamente sobre o artº 366º nº1 quando ai se dispõe em matéria de contraditório que “ O tribunal ouve o requerido excepto quando a audiência puser em risco o fim ou eficácia da providência”. É o que resulta do regime de subsidiariedade previsto no artº 376º do CPC para os procedimentos nominados.
Esta interpretação mereceu já acolhimento Constitucional, no Ac. 724/2014 que decidiu “ não julgar inconstitucional a norma constante do artº 228º nº1 do Código de Processo Penal, segundo a qual remetendo a referida disposição para o regime processual civil, se permite o decretamento do arresto sem audição prévia do arguido.
Também no ac. da Rel. de Coimbra de 25/9/2013 proferido no proc. 559/12.0JACBR-AC” se havia já decidido que “ Razões de eficácia subjacentes à providência cautelar impõem que o visado, ainda que tenha no processo penal a posição de arguido, apenas deva ser notificado após a decisão determinativa do arresto”.
E ainda na doutrina, expende Pinto de Albuquerque[1] “O arresto preventivo é determinado nos termos do Código de Processo Civil, isto é, a aplicação de arresto preventivo depende da comprovação de um justificado receio da perda da garantia patrimonial e não é antecedida de audição do arguido ou do responsável civil, nos termos dos artigos 406º e 408º nº1 do CPC (…) . Uma de duas: ou o arresto preventivo tem lugar depois de a caução ter sido fixada e não ter sido prestada, e neste caso o requerido já foi ouvido, ou o arresto preventivo tem lugar depois de a caução ter sido fixada e não ter sido prestada, e neste caso o requerido não deve ser ouvido, pois só o sigilo da providência cautelar protege o interesse do requerente no arresto preventivo.
Por outro lado, não assiste razão ao recorrente quando alega que o despacho recorrido invocou como fundamento a não notificação da arguida nos termos do artº 372º do CPC.
Efectivamente aquilo que se escreveu no despacho recorrido foi antes que “.No caso concreto a intervenção da requerida só tem lugar nos termos do Artº 372º do CPCivil”, afirmação que se mostra correcta, uma vez que o procedimento seguido foi o exercício do contraditório subsequente ao decretamento da providência na sequência da notificação efectuada nos termos do artº 366º nº2 do CPC.
A circunstância de o acórdão desta Relação de 4 de Maio de 2016, ter decidido “revogar a decisão proferida a fls. 216 a fls.219, substituindo-a por outra que ordene a produção da prova requerida pela assistente, com consequente decisão”, não faz recuar o processamento ao momento da audição do requerido, inexistente no arresto face ao já mencionado artº 393º nº1 do CPC, mas tão só à determinada produção das provas, nos termos do artº 366º nº1 do CPC.
Assim, e não sendo a audição prévia do arguido obrigatória no decretamento do arresto preventivo ao abrigo do disposto no artº 228º do CPP, ao não proceder a tal audição não foi cometida a nulidade insanável do artº 119º nº1 al.c) do CPP.
Improcede pois o recurso

Recurso de fls.555 e ss. da decisão de fls.555/573 que decretou o arresto preventivo.

Como resulta das conclusões do recurso a única questão trazida à apreciação deste tribunal é nos termos expostos pela recorrente, saber se “o despacho que ordenou o arresto é nulo por violação dos preceitos dos artigos 205º da CRP; 97º nº5, e 374º nº2, ambos do CPP, e 607º nº4 e 615º nº1al.b) ambos do CPC.” (Conclusão 8).
Subsidiariamente alega o recorrente que: “Para a hipótese meramente académica, de se entender que o vício imputado ao despacho recorrido constitui uma mera irregularidade, o que se não concede, importa trazer à colação a lição de Paulo Pinto de Albuquerque: “por maioria de razão o recurso pode ter por fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de irregularidade que não deva considerar-se sanada" - Comentário ao Código de Processo Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3. a Edição Actualizada, pág. 1112..” (Conclusão 9)
Concluindo a final “Nestes termos, a decisão sob censura padece do apontado vício de nulidade ou de irregularidade, o que se impõe que seja reconhecido e declarado, revogando-se o ora despacho recorrido.” (Conclusão 10.)
Antes de mais importa clarificar a ambiguidade da alegação da recorrente ao por um lado referir-se à decisão recorrida como “despacho” e logo de seguida invocar na arguição de nulidade as normas privativas da sentença, ainda que subsidiariamente equacione a verificação de irregularidade.
Como se deixou já exposto na apreciação do recurso anterior, o arresto preventivo é uma medida de garantia patrimonial prevista no artº 228º nº1 do CPP, a qual é processada nos termos do CPC.
Mas sendo uma medida de garantia patrimonial prevista no CPP é nos termos do artº 194º nº1 do CPP aplicada por despacho. É pois a lei processual penal, que define a forma do acto decisório em causa, qualificando-o como despacho.
E sendo um despacho, não é aplicável ao mesmo o regime da sentença previsto nos arts.374º nº2 e 379 nº1 do CPP. Porém daqui não decorre como parece entender a recorrente que a alegada falta de fundamentação a existir integra uma irregularidade nos termos do artº 123º do CPP.
Na verdade nos termos do artº 194º nº6 do CPP “ A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade:
a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo lugar e modo;
b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;
c) A qualificação jurídica dos factos imputados;
d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos da aplicação da medida, incluindo os previstos nos artºs 193º e 204º do CPP.
Como tal a existir falta de fundamentação no despacho que decretou o arresto preventivo, tal vício configuraria uma nulidade sanável, a qual não se integra em nenhuma das nulidades previstas no artº 120º nº2 do CPP, e que como tal devia ter sido arguida no prazo geral de 10 dias - artº. 105º do CPP- e perante o tribunal recorrido, uma vez que apenas para as nulidades da sentença previstas no artº 379º do CPP está prevista a sua arguição directamente no recurso interposto da sentença.
Tal nulidade a existir mostra-se pois sanada, não podendo o recorrente invocá-la no presente recurso.
De todo o modo, e ainda que assim não se entendesse, a omissão do exame crítico dos depoimentos prestados pelas testemunhas identificadas a fls 409 e 412 e dos documentos indicados na decisão, não faz parte dos requisitos previstos no artº 194º do CPP, que apenas se refere à “enunciação dos elementos do processo” não exigindo o exame crítico dos mesmos, pelo que sempre tal nulidade seria improcedente.
Improcede pois o recurso.
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III – DISPOSITIVO:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento aos recursos interposto pela recorrente C… do despacho de fls. 408 e do despacho de fls. 555-573.

Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.

Para os fins tidos por convenientes envie certidão desta decisão aos autos de recurso em separado nº 8786/13.6TDPRT-C.P2 cfr. fls.656.

Elaborado e revisto pela relatora.

Porto, 21/12/2016
Lígia Figueiredo
Neto de Moura
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[1] Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3º edição actualizada Universidade Católica Editora pág.628.