Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
93/09.5GBOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP00043180
Relator: DONAS BOTTO
Descritores: PENAS DE SUBSTITUIÇÃO
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Nº do Documento: RP2009112593/09.5GBOAZ.P1
Data do Acordão: 11/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: ALTERADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 602 - FLS 202
Área Temática: .
Sumário: I - Estando o arguido activo e socialmente inserido e sendo a prisão a última ratio das consequências jurídicas do crime, deve o tribunal esgotar todas as penas substitutivas, permitindo que àquele não sejam cortados os laços familiares e sociais.
II - A prestação de trabalho a favor da comunidade constitui um meio de expiação do ilícito criminal que alivia a comunidade dos encargos económicos inerentes à pena de prisão e fomenta no condenado o sentimento de pertença e de membro útil e activo na comunidade em que se insere.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.n.º 93/09.5GBOAZ.P1



Acordam em Conferência no Tribunal da Relação do Porto


Relatório:

Sentença

A Digna Magistrada do Ministério Público acusou, em autos de processo sumário com intervenção do Tribunal Singular, B………, estucador, filho de C………. e de D………., divorciado, nascido em 03-10-1976, natural da freguesia de ………., nacionalidade Portuguesa, portadora do BI - …….., residente na ………., N.º .., ……, ………., ….-… Maia, imputando-lhe a prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3°, n.º 2 do DL 2/98 de 3/1, por com referência art° 121 ° do C.E.
O arguido não contestou.
Não ocorrem nulidades ou irregularidades, nada obstando a que se conheça do mérito dos autos.
Procedeu-se à audiência de julgamento com observância do formalismo legal.

Factos Provados:
1) No dia 24 de Fevereiro de 2009, pelas 16:50 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-MJ, na Rua ……….., em ………., sem que para o efeito fosse titular de carta de condução que lho permitisse fazer.
2) O arguido queria agir da forma como agiu bem sabendo as características da via onde conduzia e que não podia conduzir um veículo motorizado sem possuir habilitação legal para o efeito, no entanto, não se absteve de o fazer.
3) O arguido é estucador há cerca de 1 ano e meio, para um Sr. que identifica como E………. em ………., auferindo mensalmente a quantia de 556,00€;
4) É divorciado, vive sozinho numa casa de rende pela qual paga 250,00€ mensais.
5) Apesar se ter inscrito há uns anos atrás numa Escola de Condução, apenas frequentou algumas aulas, mas nunca chegou sequer a fazer Exame de Código.
6) O arguido foi condenado no proc. nº …/99.5PVLSB do . ° Juízo da Pequena Instância Criminal de Lisboa, pela prática um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo n° 2, do art° 3° do D.L. 2/98 de 3 de Janeiro, em pena de multa que foi declarada prescritas por despacho proferido em 18-10-2008; no processo n° …/04.0GBOAZ, no .° Juízo Criminal deste Tribunal de Oliveira de Azeméis, por um crime de maus tratos a cônjuge ou análogo, por factos praticados em 21-08-2004, na pena de 14 meses prisão suspensa por 2 anos por sentença transitada em julgado em 02-11-2005; no processo nº …/05.SGBOAZ, no .° Juízo Criminal deste Tribunal de Oliveira de Azeméis, por um crime de condução sem habilitação legal, por factos praticados em 21-05-2005, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 3,00€, por sentença transitada em julgado em 11-01-2006; no processo n° …/05.4GBOAZ, no .° Juízo Criminal deste Tribunal de Oliveira de Azeméis, por um crime de maus tratos ou análogo, por factos praticados em 21-02-2006, na pena de 1 ano de prisão suspensa por 1 ano e 6 meses, por sentença transitada em julgado em OS-03-2006 e ainda no processo na …./0S.5PTPRT no .º Juízo de Pequena Instância Criminal no Tribunal do Porto, por um crime de condução sem habilitação legal, por factos praticados em 01-10-200S, na pena de 6 meses de prisão suspensa por 1 ano, por sentença transitada em Julgado 11-11-2008.
8) Fazendo fé nas declarações do arguido este não tem outros processos crime pendentes.

Motivação:
O Tribunal formou a sua convicção nas declarações prestadas pelo Arguido, em audiência de julgamento, acerca das suas condições pessoais e antecedentes criminais, porquanto se mostraram verdadeiras e dignas de confiança e em especial na confissão na integra e sem reservas dos factos constantes da acusação.
Baseou-se, ainda, nos documentos juntos aos autos, todos devidamente examinados e o Certificado de Registo Criminal a fls. 21 a 25.

Decisão:
Pelo exposto, decido condenar o arguido B……….:

1. Como autor material de um crime de condução ilegal, por falta de título, previsto e punido pelo artigo 3°, n.º 2 do Decreto - Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, com referência ao artigo 121 ° do Código da Estrada, na pena de 180 dias de prisão, a cumprir em dias livres, correspondente a 36 períodos, cada um deles com a duração de 36 horas, e início no 2° fim-de-semana posterior ao trânsito em julgado desta decisão.
2. Condena-se, ainda, o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 144,00€ (já reduzida a metade por força da confissão) em 1/4 desse valor a procuradoria. Acresce 1 %, a favor da APAV.
Após trânsito, e nos 10 dias imediatos, envie aos Serviços Prisionais e Direcção Geral de Reinserção Social cópia da presente sentença, para que seja comunicado a este Tribunal o Estabelecimento Prisional em que a pena haverá de ser cumprida.
Cumpra-se ainda o disposto no n° 3 do art. 487° do Código de Processo Penal.
Notifique.
Remeta boletim à D.S.I.C.
Deposite.
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Inconformado com esta decisão, veio o arguido dela recorrer para esta Relação, cujas conclusões se passam a transcrever:
O Tribunal a quo não apresenta uma justificação para a não aplicabilidade da substituição da pena por trabalho a favor da comunidade, limitando-se a referir que o arguido demonstra um comportamento delituoso grave, sem especificar, e que estamos num quadro de elevadas exigências de prevenção geral; estando dado como provado que o arguido está laboralmente activo e aparentemente socialmente integrado.
O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a substituição da pena pela obrigatoriedade de permanência na habitação, ou seja, a possibilidade de substituição da pena de prisão efectiva por trabalho a favor da comunidade ou por obrigatoriedade de permanência na habitação não foi devidamente considerada na sentença recorrida, e, segundo os artigos 43° e 70° do Código Penal, o julgador tem o poder-dever de, consideradas as exigências de cada caso concreto, preterir as penas privativas da liberdade, e, no âmbito destas últimas, a de obrigação de permanência na habitação, face às não privativas da liberdade, o que não se verificou, sendo desproporcionada e desadequada a aplicação de uma pena de prisão efectiva, no caso concreto dos presentes autos.
Deste modo, para além de não se poder afirmar que só a pena de prisão cumprirá as finalidades de prevenção geral e de ressocialização, como sendo a pena de prisão a ultima ratio das consequências jurídicas do crime, mal andou o Tribunal a quo ao condenar o arguido na pena de prisão substituída por dias livres, uma vez que não encontravam esgotadas todas as penas substitutivas.
Termos em que, deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, substituindo-se a douta sentença recorrida por outra em que, aderindo aos argumentos supra expostos, aplique ao arguido, pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal, p.p. art. 3°, n.º 1 do DL 2/98 de 03 de Janeiro, pena de trabalho a favor da comunidade ou, se assim não for entendido, obrigatoriedade de permanência na habitação.
Ao fixar uma pena de 180 dias de prisão, que substituiu por prisão por dias livres, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 43°, 44°, 58° e seguintes, 70° e 71 ° do Código Penal;

Termos em que, julgando o presente recurso procedente c, em consequência, revogando a douta sentença, farão V. Excias, Exmos Desembargadores, a necessária e habitual
JUSTIÇA.
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O MP em 1ª Instância, é de parecer que o recurso merece parcial provimento, devendo ser substituído a pena de prisão pelo regime de permanência na habitação.
Já nesta Relação, o Sr. PGA é de parecer que o recurso merece provimento, aplicando-se a pena de trabalho a favor da comunidade.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Pretende o arguido ver alterada a pena de prisão, a cumprir por dias livres, pela prestação de trabalho a favor da comunidade.

Vejamos

Dispõe o artigo 58º, do C. Penal, que “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a 2 anos, o tribunal substitui-a por prestação a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
O tribunal só deve negar a aplicação desta pena, ou outra de substituição, quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela pena.
Nas penas de substituição (multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da prisão…), são ainda considerações de prevenção especial de socialização, que na hipótese se façam sentir e da forma mais adequada de as satisfazer, que devem decidir qual das espécies de penas de substituição, abstractamente aplicáveis, deve ser a escolhida.

Efectivamente, resulta do art. 40.º n.º1 do Código Penal que a aplicação de penas visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes por outros cidadãos (prevenção geral positiva), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos em geral.
Ora, a reintegração do agente na sociedade é um dos meios de realizar o fim do direito penal, que é a protecção dos bens jurídicos (ao contribuir esta reinserção social para evitar a reincidência – prevenção especial positiva), sendo certo que a intimidação do condenado constitui também uma função da pena, que não é incompatível com a função positiva de ressocialização, procurando dissuadir através das privações que a pena naturalmente contém, a fim de reforçar no condenado o sentimento da necessidade de não reincidir.
São conhecidas as considerações negativas traçadas em torno das penas curtas de prisão, pelos seus efeitos criminógenos e fortemente estigmatizantes, pugnando-se pela restrição da aplicabilidade da pena de prisão à criminalidade mais grave e pela diversificação das penas não privativas da liberdade, pelo que é forte a incidência da lei nas penas de substituição, e a apreciação com vista à aplicação destas penas é um poder-dever que vincula o tribunal sempre que se mostrem preenchidos os pressupostos legais da sua admissão.
Aliás, de acordo com o disposto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”
As exigências de prevenção geral impõem um esforço sério no sentido da reabilitação social do arguido e mesmo da co-responsabilização da sociedade nessa reabilitação. A tarefa do sistema jurisdicional penal não se esgota, afinal, na determinação dos factos criminosos e dos seus agentes: cumpre-lhe, ainda, encontrar e aplicar as melhores e mais adequadas soluções punitivas que assegurem a protecção dos bens jurídicos e também a reintegração do agente na sociedade.
Assim, convém referir, no caso que nos interessa, que a prestação de trabalho a favor da comunidade evita a execução de penas de prisão de curta duração e promove a assimilação da censura do acto ilícito mediante a construção de um trabalho socialmente positivo, a favor da comunidade, assente na adesão do próprio arguido, apelando ainda a uma co-responsabilização social e de reparação.
Com efeito, para além do papel activo do condenado, chama também a comunidade, ao fornecer o trabalho, a participar no restabelecimento da paz jurídica, vendo ainda aliviado o erário público dos encargos inerentes ao cumprimento da pena de prisão.
Estas penas alternativas não se esgotam, assim, do lado de quem as cumpre, num sofrimento passivo da pena, mas que possam representar uma prestação activa em favor da comunidade.
Como refere Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequência Jurídicas do Crime, p. 72 “... só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal a conferir fundamentos e sentido às reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas de prevenção positiva ou de integração, isto é de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face á violação da norma ocorrida”.
No aspecto da censura do facto, deve vigorar não a censura estigmatizante e criminogénea, mas antes uma censura reintegradora que transmite ao arguido e à sociedade a reprovação do facto cometido e aponta já para gestos de reconciliação e reaceitação do arguido na comunidade, assim permitindo o restabelecimento da paz jurídica e das expectativas comunitárias, para além da socialização do arguido.
Facilitando a manutenção de laços positivos com a sociedade que também é chamada a fornecer o trabalho, repetimos, beneficiando com o seu produto e com a correspondente diminuição dos encargos económicos que representa a pena de prisão, evitando por último os maus hábitos que a prisão cria, pela ociosidade e contactos viciosos com autores de delitos graves.
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No caso concreto, ao arguido foi aplicada uma pena de prisão de seis meses pela prática do crime de condução sem habilitação legal.
Dos factos dados como provados, vimos que o arguido já foi anteriormente condenado pelo mesmo crime em pena de multa e em pena de prisão suspensa, bem como pelo crime de maus tratos a cônjuge ou análogo, também condenado em prisão com pena suspensa.
Actualmente, o arguido já se encontra divorciado, vivendo sozinho.
Está a trabalhar como estucador, há cerca de ano e meio, auferindo mensalmente a quantia de 556,00€, e paga de renda pela casa onde reside, 250,00€.
O arguido já esteve inscrito numa Escola de Condução, tendo frequentado aulas, mas não chegou a fazer qualquer exame.
Assim, o arguido está laboralmente activo e integrado socialmente, como se diz na decisão recorrida.
Ora, se a suspensão da pena deve ser excluída, por inadequada, face ás anteriores condenações do arguido, como alternativa à pena de prisão, o mesmo não podemos dizer da pena de trabalho a favor da comunidade.
Na decisão recorrida, pode ler-se, quanto a esta pena, que «Apesar das virtualidades desta pena, que implica um papel activo do condenado na sua execução e chama a comunidade a fornecer o respectivo trabalho, entende-se que esta não satisfaz igualmente as finalidades da punção, pois, que o arguido demonstra um comportamento delituoso grave, estando além do mais num quadro de igualmente elevadas exigências de prevenção geral».
Para além de esta justificação ser muito vaga e abstracta, sabemos que as penas curtas de prisão colocam o condenado no meio criminógeno, altamente estigmatizante, que, por obedecer a valores e principias próprios, é capaz de corromper e perverter os objectivos pretendidos com a sanção aplicada ao agente.
Assim, se o arguido está activo e socialmente inserido e a pena de prisão é a ultima ratio das consequências jurídicas do crime, há que tentar esgotar todas as penas substitutivas, permitindo assim que não sejam cortados os laços familiares e sociais, sem esquecer, no caso que nos interessa - prestação de trabalho a favor da comunidade – que esta medida, como dissemos, constitui um meio de expiação do ilícito criminal praticado pelo agente, alivia a comunidade dos encargos económicos inerentes à pena de prisão e fomenta no condenado o sentimento de pertença e de membro útil e activo na comunidade em que se insere.
O arguido deu o seu expresso consentimento a esta pena.
Por isso, a decisão recorrida deveria ter considerado a possibilidade de ao arguido ser aplicada uma pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, sendo desproporcionada e desadequada a aplicação de uma pena de prisão efectiva, mesmo em dias livres, pelo que não foi dada preferência à pena não privativa da liberdade, capaz de realizar, no caso concreto, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não afectando, de forma considerável, a vida pessoal do arguido, nem lhe criando roturas, sendo a que melhor contribui para a sua ressocialização.

Nos termos expostos, acorda-se em julgar procedente o recurso, substituindo-se a pena de 180 dias de prisão, em regime de dias livres, aplicada nos autos ao arguido, pela prestação de trabalho gratuito a favor da comunidade durante 180 (cento e oitenta) horas, a ser cumprida durante os dias úteis após o horário normal de trabalho sem exceder em cada dia o permitido pelo regime de horas extraordinárias, aos sábados, domingos e feriados (art. 58º n.º 4 do CP), no Hospital/Centro de Saúde da área da sua residência.

Cumpra-se, oportunamente, em 1ª instância, o previsto no n.º1 e no n.º3 do art. 496º do CPP.

Sem custas

Porto, 25-11-09
Pedro Álvaro de Sousa Donas Botto Fernando
Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves