Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2394/15.4T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
BENEFICIÁRIOS DO SINISTRADO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
TRIBUNAL COMPETENTE
Nº do Documento: RP202010212394/15.4T8PNF.P1
Data do Acordão: 10/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Pretendendo-se fazer valer o direito à reparação especialmente previsto na legislação de acidentes de trabalho - a atribuição de uma pensão anual -, o tribunal de trabalho é igualmente competente para conhecer do pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
II - Não invocando o Autor, Pai do trabalhador falecido a qualidade de beneficiário do sinistrado nos termos da Lei dos Acidentes de Trabalho, a competência para julgar a ação em que o mesmo peticiona o pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais com fundamento na inobservância das regras sobre saúde e segurança no trabalho pertence ao tribunal comum.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2394/15.4T8PNF
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto,
Juízo do Trabalho de Penafiel– Juiz 2
Recorrente: B…
Recorridas: C…, S.A.
D…, Ldª
Relatora: Teresa Sá Lopes
1ª Adjunta: Desembargador António Luís Carvalhão
2º Adjunto: Desembargador Domingos Morais
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório:
O Autor, B… intentou a presente ação contra as Rés A. D…, Lda e C… – Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação solidária das mesmas a pagarem-lhe a indemnização global no montante de €134.900,00, acrescida do montante correspondente aos juros moratórios, calculados à taxa legal em vigor, desde a data da citação até à data do efetivo e integral pagamento.
Analisada a petição inicial constata-se que o pedido global formulado resulta do somatório dos seguintes pedidos:
- €10.000,00 pelo dano moral sofrido pela própria vítima E… no período de cerca de seis horas que mediou entre o momento do acidente e a sua morte.
- €100.000,00 pela perda do direito à vida do E…, sendo €80.000,00 correspondentes ao dano morte e €20.000,00 pelo facto de o falecido ser filho único.
- €9.900,00 a título de dano patrimonial futuro do pai do falecido, aqui Autor, em virtude de a vítima ajudar o Autor em todas as despesas da casa, inclusive na renda, contribuindo mensalmente com o valor de €250,00, tendo em conta que o seu pai (aqui Autor) à data do acidente auferia o salário mensal de €343,00.
- €15.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos pelo Autor em consequência da morte do seu filho único.
Para tanto alegou, em síntese, que é pai e único herdeiro do seu único filho E…, falecido no dia 24 de Agosto de 2015, em consequência de acidente de trabalho ocorrido quando prestava trabalho sob a autoridade, direção e fiscalização da sociedade A. D…, Lda, aqui 1ª Ré, a quem estava vinculado por contrato de trabalho.
Tal acidente foi causado por inobservância de regras de segurança e saúde no trabalho por parte da 1ª Ré.
Em consequência de tal acidente, para além da perda da vida do seu filho, o Autor sofreu os danos patrimoniais e não patrimoniais que melhor especifica.
Mais alega que à data do acidente a responsabilidade infortunística da sociedade empregadora encontrava-se validamente transferida para a sociedade C… – Companhia de Seguros, S.A., aqui 2ª Ré, nos termos do contrato de seguro titulado pela apólice de acidentes de trabalho nº ……………, de 1 de Agosto de 2015.
A Ré Entidade empregadora deduziu contestação, impugnando parcialmente a versão apresentada pelo Autor, concluindo por dever ser a mesma absolvida do pedido formulado pelo Autor.
A Ré Seguradora deduziu contestação, concluindo no sentido de dever a mesma ser absolvida e, ainda que condenada em alguma parte desse pedido, ser sempre sem prejuízo do seu direito de regresso contra a 1ª Ré entidade patronal.

Em 31.03.2020, foi proferida a sentença recorrida, a qual terminou com o seguinte dispositivo:
“Nesta conformidade, julgo a excepção dilatória da incompetência, em razão da matéria deste Tribunal, para conhecer da presente acção, procedente por provada e, em consequência, absolvo as Rés da presente instância.
Custas pelo Autor, sem prejuízo da modalidade do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Valor da causa: €134.900,00”.

Inconformado, o Autor recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1ª – A Mma. Juíza a quo julgou o Tribunal do Trabalho de Penafiel incompetente materialmente para conhecer da matéria constante dos presentes autos, tendo, em consequência, absolvido as Rés daquela instância, por entender que a ação proposta pelo Autor configura-se como uma normal ação de responsabilidade civil por factos ilícitos, cuja apreciação e julgamento compete aos Tribunais comuns;
2ª – Fundamentando a sua douta decisão, mormente, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2013, no sentido de que o art. 18º da actual Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei nº 98/2009, de 4.9), aplicável ao caso dos autos, prevê um caso de competência por conexão e não de competência própria e direta em função da matéria da causa, sendo que, a referida competência por conexão só funcionará quando a pretensão principal que foi formulada tem em vista exercitar o direito à reparação especialmente prevista na lei laboral;
3ª - E como o Autor, ora Recorrente, não visa neste processo a atribuição daquela que é a reparação típica nestes casos – uma pensão anual, mas, apenas, pretende que lhe sejam concedidos montantes indemnizatórios relativos a danos não patrimoniais e, no que aos danos patrimoniais diz respeito, uma indemnização pelo dano patrimonial futuro, não pode existir a dita extensão da competência material do Tribunal de Trabalho, prevista no n.º 2 do Art.º 18º da L.A.T., em virtude de não existir um pedido de reparação típica ao qual pudesse ser conexionado os pedidos efetuados pelo Autor, em suma, não existe uma conexão entre pedidos para que a competência do Tribunal do Trabalho pudesse ser estendida.
Contudo,
4ª - Salvo o devido respeito, que é muito, que nos merece o entendimento e a ciência jurídica expendida pela Meritíssima Juíza a quo ao longo da douta sentença, afigura-se ao Autor, ora Recorrente, que a douta sentença, objeto do presente recurso, não deve manter-se, pelas razões que se passam a expor:
5ª - Desde já se invoca aqui jurisprudência atualizada aplicável aos presentes autos constante do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/04/2019, proferido no âmbito do proc. 100/18.0T8MLG-A.G1.S1, e cujo respetivo sumário se passa a transcrever:
I. A competência do Tribunal, como pressuposto processual que é, determina-se pelos termos em que o autor estruturou o pedido e a causa de pedir.
II. Dispõe o artigo 126º da Lei 62/2013, de 26 de Agostos (LOFT), no que respeita à competência cível dos tribunais de trabalho: «1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: (…) c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;».
III. O exercício do direito de regresso por parte de uma seguradora – a Autora aqui Recorrida - contra uma entidade patronal – a Ré aqui Recorrente -, por haver satisfeito uma indemnização a um trabalhador desta, vitima de um acidente de trabalho, no âmbito das obrigações existentes entre ambas em sede de contrato de seguro de acidentes de trabalho, na medida em que lhe imputa o incumprimento das normas de segurança no trabalho, com a violação de normas imperativas destinadas à proteção e segurança dos trabalhadores, não visa discutir uma situação autonomizada – o direito de crédito da Recorrida acionado em sede de regresso -, mas antes a factualidade consubstanciadora que conduziu a esse direito, isto é, o acidente de trabalho.
IV. Nos termos do artigo 40º, da LOFT, os Tribunais judiciais têm uma competência residual, apenas intervindo quando as causas não estejam atribuídas a outra ordem jurisdicional e a situação dos autos está expressamente afeta à jurisdição laboral, ex vi do artigo 126º, nº1, alínea c) do mesmo diploma, tendo em atenção o pedido e a causa de pedir.
V. Seria uma incongruência concluir-se que o Tribunal de Trabalho era o competente para se aferir da responsabilidade da entidade seguradora nesta sede, por via da transferência das responsabilidades através da celebração obrigatória do contrato de seguro havido com a entidade patronal em sede de acidentes de trabalho, e, já não o seria, para averiguar, afinal das contas, se teria ou não ocorrido uma efetiva responsabilidade funcional desta na ocorrência do sinistro, por forma a desonerar aquela das obrigações assumidas, porquanto o que está em causa, a jusante e a montante, é o acidente de trabalho e as circunstâncias em que o mesmo se verificou.
VI. Consagra-se, assim, o princípio da absorção das competências, o que equivale a dizer que tendo os Tribunais de trabalho a competência exclusiva para a apreciação das problemáticas decorrentes dos acidentes de trabalho, a eles competirá, mutatis mutandis, igualmente, o conhecimento de todas as questões cíveis relacionadas com aqueles que prestem apoio ou reparação aos respetivos sinistrados, já que, o cerne da discussão se concentra na ocorrência do sinistro e eventual violação por banda da entidade empregadora das regras de segurança.
6ª - Este douto acórdão, s.m.o., perfilha pela manutenção das regras da competência material do Tribunal do Trabalho para todas as questões emergentes dos acidentes de trabalho, consagrando, desta forma, o princípio da absorção das competências.
7ª - Pelo que, face a tudo o supra exposto e a toda a factualidade alegada pelo Autor, s.m.o., deve ser acolhido o entendimento de que o conflito a dirimir nos presentes autos, constitui matéria da competência do Tribunal do Trabalho.
Sem prescindir
8ª - Além do mais, este entendimento já estava consagrado na L.O.F.T.J., cfr. resulta do seu art. 85º, al. c), que consagra que têm competência abstrata para conhecer das ações deduzidas por trabalhador (ou, em caso de morte deste, pelos seus familiares) contra a entidade patronal (ou representante desta), a fim de obter indemnização por danos não patrimoniais ligados por nexo de causalidade adequada a acidente de trabalho quando este tenha sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultante de falta de observância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho;
9ª - Não fazendo esta norma de competência (art. 85º, c) da L.O.F.T.J.) qualquer ressalva ao atribuir a competência aos Tribunais de Trabalho para conhecer das questões emergentes de acidentes de trabalho, terá de se entender que todas as questões emergentes desses acidentes cabem medida da sua (Tribunais de Trabalho) jurisdição.
10ª - Para o caso concreto, importa, ainda levar em consideração que apesar da entrada em vigor da Lei da Organização do Sistema Judiciário n.º 62/2013, de 26/08, em matéria de definir a competência da Jurisdição do Trabalho e da Jurisdição Cível e no que ao caso releva, se manteve igual.
11ª - Com efeito, o n.º 1, al. c), do art. 126º da citada lei continua a dispor que compete às secções de trabalho conhecer, em matéria cível, das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais sem qualquer ressalva, designadamente não se encontra ressalvada a situação de o Autor não ter a qualidade de “beneficiário” na ação intentada no Tribunal do Trabalho nem a possibilidade de o mesmo não reunir os requisitos especiais previstos, designadamente no artigo 57º da L.A.T., única e exclusivamente, para os danos de cariz patrimonial nela previstos.
12ª - Pelo que, face a tudo o supra exposto e a toda a factualidade alegada pelo Autor, s.m.o., deve ser acolhido o entendimento de que o conflito a dirimir nos presentes autos, constitui matéria da competência do Tribunal do Trabalho.
Ainda sem prescindir
13ª - Mesmo que ainda se possa acolher o entendimento da Mma. Juíza a quo, quanto à necessidade da competência própria e direta, não podemos olvidar que no caso dos presentes autos ela existe porquanto subjacente a pelo menos um dos pedidos do Autor – a condenação da companhia de seguros C…, está subjacente o contrato de seguro, invocado pelo Autor, que é de acidentes de trabalho e que, por isso, importa ter em consideração a legislação laboral e não a legislação aplicável aos contratos de seguro de responsabilidade civil.
14ª - Assim, a causa de pedir da presente ação não pode qualificar-se como integrando a responsabilidade aquiliana, porquanto os factos concretos alegados confinam a causa dentro da relação jurídica laboral.
15ª - Pelo que, face a tudo o supra exposto e a toda a factualidade alegada pelo Autor, s.m.o., deve ser acolhido o entendimento de que o conflito a dirimir nos presentes autos, constitui matéria da competência do Tribunal do Trabalho.
Direito
16ª - A douta sentença aqui em crise violou a Lei da Organização do Sistema Judiciário n.º 62/2013, de 26/08, designadamente do art. 126º, nº 1, al. c);
17ª - Violou, ainda, a Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, designadamente do art. 18º, nº 2.
18ª Violações estas da lei substantiva que levaram ao erro de julgamento dos presentes autos, consubstanciado na interpretação e determinação da norma aplicável e da aplicação do direito, cfr. ressalta da douta sentença e de tudo o que acima ficou dito.
19ª - Pelo que, face a tudo o supra exposto e a toda a factualidade alegada pelo Autor, s.m.o., deve ser acolhido o entendimento de que o conflito a dirimir nos presentes autos, constitui matéria da competência do Tribunal do Trabalho.” (sublinhado nosso).
Em remate, manifestou-se no sentido do despacho recorrido ser revogado e substituído por decisão que considere o Juízo do Trabalho competente em razão da matéria e ordene o prosseguimento dos autos com prolação de despacho saneador.
Não houve contra-alegações.
O Exmo. Procurador Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de nenhum reparo ou censura merecer a decisão recorrida, que, deverá ser confirmada, respeitando a mesma decisão a jurisprudência que tem sido firmada.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 657º, nº 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil.
Objecto do recurso:
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação da Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigo 87º do CPT e artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nºs 1 e 2 e 640º, do Código de Processo Civil e importando conhecer de questões e não de razões ou fundamentos, a questão a decidir e apreciar é a competência material do tribunal do trabalho.
2. Fundamentação:
2.1. Fundamentação de facto:
Tem-se como assente o que consta do relatório precedente.
3. Fundamentação de direito:
3.1. Da incompetência material do Tribunal do Trabalho
Na decisão recorrida considerou-se ser o Tribunal do Trabalho materialmente incompetente para a presente ação, do que discorda o Recorrente pelas razões que invoca.
Lê-se na decisão recorrida: “O art. 126º, nº 1, al. c) da actual Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), correspondente ao art. 85º, al. c) da anterior Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), estabelece que «compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível (…) das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais.».
No caso sub judice, o Autor propôs a presente ação, alicerçando-a na ocorrência, em 24 de Agosto de 2015, de um acidente de trabalho que causou a morte do seu filho, E…, o qual alegadamente foi provocado pela inobservância de regras de segurança por parte da 1ª Ré, na qualidade de empregadora daquele.
É indiscutível que estamos perante questões que radicam na ocorrência de um acidente de trabalho, mas o Autor, tal como configura a ação na petição inicial, não visa neste processo a atribuição daquela que é a reparação típica nestes casos – uma pensão anual. Aliás, tal compreende-se, uma vez que face ao alegado pelo Autor no artigo 42º daquele articulado inicial – nos termos do qual, à data do acidente, o Autor auferia o salário mensal de €343,00 (trezentos e quarenta e três euros) – forçoso é concluir que o Autor não reúne as condições exigidas pelas disposições conjugadas dos artigos 49º, nº1, al. d), 57º, nº1, al. d) da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro e da Portaria nº 286-A/2014 (€201,53), de 31 de Dezembro de 2014, para poder reclamar pensão por morte do seu filho.
Com efeito, tendo em conta que o valor da pensão social fixada para 2015 (ano do óbito) é de €201,53 (Portaria 286-A/2014 de 31 de Dezembro), constata-se que o Autor auferiria, desde logo de acordo com a sua alegação, rendimentos superiores aos indicados na alínea d), do nº 1, do artigo 49º, da Lei 98/2009 de 4 de Setembro e, por isso, não assume a qualidade de beneficiário nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 57º da citada Lei.
Diferentemente, o que o Autor pretende através desta ação é que lhe sejam concedidos montantes indemnizatórios relativos a danos não patrimoniais e, no que aos danos patrimoniais diz respeito, uma indemnização pelo dano patrimonial futuro, que calcula em €9.900,00.
É certo que o art. 18º da actual Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei nº 98/2009, de 4.9), aplicável ao caso dos autos, permite que no processo resultante do acidente de trabalho, para além da atribuição de uma pensão anual, seja também considerada a totalidade dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais ocorridos, se o acidente tiver sido provocado pelo empregador ou resultar da falta de observância de regras sobre a segurança e saúde no trabalho.
No entanto, na linha do entendimento perfilhado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2013, proferido no âmbito do proc. 2796/10.2 TBPRD.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt, entendemos que tal norma prevê um caso de competência por conexão e não de competência própria e direta em função da matéria da causa, e que só funcionará quando a pretensão principal que foi formulada tem em vista exercitar o direito à reparação especialmente prevista na lei laboral.
Como aí se pode ler “A extensão da competência material do Tribunal de Trabalho prevista no n.º 2 do Art.º 18º da L.A.T. é uma típica competência por conexão e não uma competência própria e direta em função da matéria em causa.
Consequentemente, só funcionará tal extensão de competência, quando a pretensão principal que se quer fazer valer tenha em vista exercitar o direito à reparação especialmente prevista na lei laboral.
Então, se para além desse direito, o sinistrado ou os seus familiares beneficiários, pretendem, ainda, obter uma indemnização por danos morais, sendo competente o Tribunal de Trabalho, em razão da matéria, para conhecer do pedido principal, não haveria razão válida, até por uma questão de economia processual, para obrigar a parte a recorrer ao foro comum para se ver ressarcida dos danos morais a que se arroga, daí que a lei estenda a competência do Tribunal de Trabalho, por força da conexão entre os pedidos, caso em que, no que respeita aos danos morais, o Tribunal de Trabalho irá aplicar as normais gerais de responsabilidade civil (nos termos da lei geral, como se diz no preceito).
Mas, diferentemente, se a parte não pretende fazer valer o direito à reparação tipicamente contemplado na lei laboral (porque não quer, ou porque não lhe assiste esse direito, como por exemplo acontecerá se os familiares da vítima não estiverem em condições de serem considerados beneficiários para efeito de obterem a pensão por morte prevista no Art.º 20º da L.A.T.), mas apenas quer exercitar o direito à indemnização por danos morais, nos termos da lei geral, não se vê qualquer razão para ter de intentar a ação no Tribunal de Trabalho, que não tem competência direta para apreciar tal matéria a não ser por via da conexão acima referida, que na situação hipotetizada (e que é coincidente com a situação concreta dos autos) não existe.
Nem sequer vale aqui o princípio da especialização, que está na base da instituição de diversas espécies de tribunais organizados em razão das matérias a apreciar, porquanto, no que respeita aos peticionados danos morais, o Tribunal de Trabalho teria de decidir de acordo com os critérios gerais da responsabilidade civil, tal como o tribunal comum.
Portanto, não estando em causa a qualidade de beneficiário para efeitos do disposto no Art.º 20º da L.A.T. nem a atribuição da pensão por morte ali contemplada, há-de considerar-se que o pedido formulado se situa fora do âmbito do processo especial de trabalho, nada tendo a ver com a reparação específica prevista na L.A.T..
Como se observa no Ac. da R.L. de 26/2/2008, citado no saneador sentença, em caso semelhante ao dos autos, “... tudo se passa no quadro de uma acção em que é pedido o ressarcimento de danos morais decorrentes de um acidente de trabalho, causado por culpa da entidade empregadora, como poderia ter ocorrido no âmbito de um qualquer outro evento que tivesse, na sua causa, uma situação de responsabilidade civil por factos ilícitos.”
Perfilhámos um tal entendimento, aliás na linha do já defendido no Acórdão da Relação do Porto de 9.10.2012, proc. 2796/10.2 TBPRD.P1, Acórdão da Relação de Lisboa de 26.2.2008, proc. 546/2008-7 e Decisão Singular do Tribunal da Relação de Évora de 22.1.2015, proc. 1294/11.1 TBTNV.E1, todos disponíveis in www.dgsi.pt., sendo as considerações ali tecidas aplicáveis ao caso em análise.
Ou seja, o que verdadeiramente define a competência do tribunal de trabalho é a determinação sobre se nos encontramos, ou não, perante a reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho a que o trabalhador e seus familiares tem direito nos termos do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho.
E, para tal, não basta que o acidente em causa se possa qualificar como de trabalho, sendo ainda necessário, em caso de morte do trabalhador, que o requerente seja um dos beneficiários previstos no art. 57º da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro (caso contrário, pura e simplesmente, a situação encontrar-se-á fora da “reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho) e que se encontre em causa a típica reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho – a compensação pela perda da capacidade de ganho da vítima, sob a forma de pensão anual.
Desde que se imponha a competência do tribunal de trabalho por se encontrar em causa a atribuição da típica reparação por acidente de trabalho, este será igualmente competente para conhecer da eventual indemnização por danos não patrimoniais a suportar pela entidade patronal.
Mas tal não sucede no caso em análise.
Com efeito, o Autor não pretende o reconhecimento da sua qualidade de beneficiário, aliás, face ao que alega é evidente que não reúne as condições para tal, pelo que é legítimo concluir que intenta a presente acção não naquela qualidade de beneficiário do sinistrado, mas antes de seu herdeiro – como aliás alega logo no artigo 1º da petição inicial –e, nessa medida, entendemos que não é este o Tribunal materialmente competente.
Ou seja, o Autor reclama o pagamento de uma indemnização que funda não no direito laboral, mas antes na responsabilidade civil em geral.
Significa isto que a presente ação não busca o seu enquadramento jurídico na legislação especial concernente aos acidentes de trabalho.
Surge, outrossim, como uma ação de responsabilidade civil em que, embora radicando na ocorrência de um acidente configurado como sendo de trabalho, o Autor não reúne nem a qualidade de sinistrado nem pode ser reconhecido como beneficiário do sinistrado em termos da legislação laboral, pelo que sempre será de considerar que os pedidos formulados se situam fora do âmbito laboral.
É assim de excluir a competência do Tribunal de Trabalho para o conhecimento da presente ação, porquanto, como se pode ler no Acórdão da Relação do Porto de 9.10.2012 (proc. nº 2796/10.2 TBPRD.P1, disponível in www.dgsi.pt) “O que verdadeiramente define a competência do tribunal de trabalho é a determinação sobre se nos encontramos, ou não, perante a reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho a que o trabalhador e seus familiares têm direito nos termos da LAT e da legislação complementar.”
Ora, repete-se, para tal não basta que o acidente em causa se possa qualificar como de trabalho, sendo ainda necessário, em caso de morte do trabalhador, que o Autor seja reconhecido como beneficiário do sinistrado nos termos da Lei dos Acidentes de Trabalho e que se encontre em causa a típica reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho – a compensação pela perda de capacidade de ganho da vítima sob a forma de pensão anual.
E impondo-se a competência do Tribunal de Trabalho por se encontrar em causa a típica reparação por acidente de trabalho, será este igualmente competente para conhecer de eventual indemnização por danos não patrimoniais peticionada pelos beneficiários do sinistrado.
Contudo, como temos vindo a expor, não é essa a situação que se verifica no caso dos autos.
A ação proposta pelo pai do falecido E… configura-se, antes, como uma normal ação de responsabilidade civil por factos ilícitos, cuja apreciação e julgamento compete aos tribunais comuns.
Como tal, concluímos pela incompetência material deste Tribunal do Trabalho para conhecer da presente ação” (realce e sublinhado nossos).
Desde já se adianta que acompanhamos o assim decidido, onde se contrariam as conclusões do Apelante, nada de relevante tendo a acrescentar.
Contudo, em complemento da jurisprudência referenciada na decisão recorrida, refere-se que esta Relação se pronunciou sobre a questão em apreço, numa situação em que também estava em causa um acidente de trabalho causado por culpa da entidade empregadora, ainda no Acórdão de 12.01.2016 (Relator Desembargador Rodrigues Pires, in www.dgsi.pt, citado no parecer do Exmº Procurador-Adjunto), que acompanhamos de perto, aí se lendo ,“(…) tudo se passa no âmbito de uma ação em que é pedido o ressarcimento de danos não patrimoniais que decorrem da verificação de um acidente de trabalho, causado por culpa da entidade empregadora, também tudo se poderia passar no âmbito de um qualquer outro evento que tivesse, na sua causa, uma situação de responsabilidade civil por factos ilícitos.[4]
É assim de excluir a competência do tribunal de trabalho para o conhecimento da presente ação, sendo, porém, de realçar, em sintonia com o Acórdão da Relação do Porto de 9.10.2012 (proc. nº 2796/10.2 TBPRD.P1, disponível in www.dgsi.pt) que esta competência não é afastada pela circunstância de o pedido assentar na responsabilidade subjectiva, nem sequer pelo facto de se encontrarem em causa, unicamente, danos não patrimoniais, uma vez que tais circunstâncias se acham abrangidas pelo alargamento da responsabilidade consagrado no art. 18º da atual Lei dos Acidentes de Trabalho.
O que verdadeiramente define a competência do tribunal de trabalho é a determinação sobre se nos encontramos, ou não, perante a reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho a que o trabalhador e seus familiares têm direito nos termos da LAT e da legislação complementar”.
(…)”
Ora, para tal não basta que o acidente em causa se possa qualificar como de trabalho, sendo ainda necessário, em caso de morte do trabalhador, que os autores sejam reconhecidos como beneficiários do sinistrado nos termos da Lei dos Acidentes de Trabalho e que se encontre em causa a típica reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho – a compensação pela perda de capacidade de ganho da vítima sob a forma de pensão anual.
E impondo-se a competência do tribunal de trabalho por se encontrar em causa a típica reparação por acidente de trabalho, será este igualmente competente para conhecer de eventual indemnização por danos não patrimoniais peticionada pelos beneficiários do sinistrado.
(…)
[4] Cfr. Ac. Rel. Lisboa de 26.2.2008, proc. 546/2008-7, disponível in www.gsi.pt..” (sublinhado e realce nossos).
Refere Carlos Alegre que (menção incluída na nota 15 do acórdão desta Relação de 09.10.2012, Relatora Desembargadora Maria João Areias, in www.dgsi.pt,citado naquele acórdão desta Relação e na decisão recorrida), encontra-se em causa, não tanto a perda do direito à vida ou a brusca extinção de laços familiares ou afetivos, mas o desaparecimento de uma entidade produtiva: “não é, portanto, a perda do direito à vida que a legislação infortunística pretende salvaguardar, mas uma determinada expectativa de rendimento que a prestação do trabalho e a sua contrapartida remuneratória cria no agregado familiar próximo do sinistrado” – “Acidentes de Trabalho”, anotação ao artigo 20º da Lei 100/97, pág. 110.
No caso em apreço, é “(…) indiscutível que estamos perante questões que radicam na ocorrência de um acidente de trabalho”, como referido na sentença recorrida, sendo que atenta a data em que ocorreu o acidente – 24.08.2015 - é aplicável a Lei nº 98/2009 de 04.09.
A causa de pedir da pretensão formulada é, pois, um acidente de trabalho, correspondendo os pedidos à reparação de danos sofridos pelo Autor na qualidade de Pai e único herdeiro do seu falecido filho.
Sob a epígrafe “Atuação culposa do trabalhador”, estipula o artigo 18º da mesma Lei:
1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido.
3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele.
4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição;
b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.
5 - No caso de morte, a pensão prevista no número anterior é repartida pelos beneficiários do sinistrado, de acordo com as proporções previstas nos artigos 59.º a 61.º
6 - No caso de se verificar uma alteração na situação dos beneficiários, a pensão é modificada, de acordo com as regras previstas no número anterior.», (sublinhado e realce nossos).
O artigo 18º da anterior Lei que contemplava o Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, preceito revogado Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro, sob a epígrafe “Casos especiais de reparação”, previa que:
1 - Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e de morte serão iguais à retribuição;
b) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, terão por base a redução de capacidade resultante do acidente.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade por danos morais nos termos da lei geral nem a responsabilidade criminal em que a entidade empregadora, ou o seu representante, tenha incorrido.
3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante da entidade empregadora, esta terá direito de regresso contra ele.», (sublinhado e realce nossos).
Em ambos os diplomas a fixação de uma prestação/pensão destinada a reparar a morte, “igual à retribuição” é a “típica reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho – a compensação pela perda de capacidade de ganho da vítima sob a forma de pensão anual”, como se lê no referido Acórdão desta Relação de 12.01.2016 e continuando a acompanhar a fundamentação do mesmo “(…) o art. 18º da atual Lei dos Acidentes de Trabalho (…) (Lei nº 98/2009, de 4.9), aplicável ao caso dos autos, permite que no processo resultante do acidente de trabalho, para além da atribuição de uma pensão anual, seja também considerada a totalidade dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais ocorridos, se o acidente tiver sido provocado pela entidade patronal ou resultar da falta de observância de regras sobre a segurança e saúde no trabalho.
Trata-se aqui de um caso de competência por conexão e não de competência própria e direta em função da matéria da causa e que só funcionará quando a pretensão principal que foi formulada tem em vista exercitar o direito à reparação especialmente prevista na lei laboral.
Com efeito, se para além desse direito, o sinistrado ou os seus familiares beneficiários pretendem ainda obter uma indemnização por danos não patrimoniais, sendo o tribunal de trabalho o competente em razão da matéria para conhecer do pedido principal, não se vislumbra razão válida, até por motivos de economia processual, para obrigar a parte a recorrer ao foro comum a fim de ver ressarcidos tais danos não patrimoniais, o que explica a extensão, nestas situações, da competência do tribunal de trabalho.[2] [3]
De qualquer modo, tal extensão de competência pressupõe sempre o reconhecimento da qualidade de beneficiário do sinistrado (…)
(…)
[2] A extensão da competência material dos tribunais de trabalho também já se encontrava prevista no âmbito da anterior Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei nº 110/97, de 13.9 – art. 18º).
[3] Cfr. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 24.9.2013, proc. 2796/10.2 TBPRD.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt.”.
Ora também no caso, em apreço, não está em causa a atribuição de uma pensão anual, não tendo o Autor invocado, sequer, a qualidade de beneficiário por preenchimento dos requisitos, antes tendo formulado tão só pedidos indemnizatórios relativos a danos não patrimoniais e, no que aos danos patrimoniais diz respeito, uma indemnização pelo dano patrimonial futuro.
Uma vez mais servindo-nos da fundamentação do acórdão de 12.01.2016, “Significa isto que a presente ação não busca o seu enquadramento jurídico na legislação especial concernente aos acidentes de trabalho. Surge, outrossim, como uma ação de responsabilidade civil em que, embora radicando na ocorrência de um acidente configurado como sendo de trabalho, os autores não reúnem nem a qualidade de sinistrados nem foram reconhecidos como sendo beneficiários do sinistrado em termos da legislação laboral”.
Concluímos assim que o tribunal do trabalho não é materialmente competente para o conhecimento da presente ação, cujos pedidos – ainda que relativamente à 2ª Ré, tendo implícito o contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado com a 1ª Ré - se situam fora do âmbito laboral, tratando-se de uma ação de responsabilidade civil por factos ilícitos, cuja apreciação e julgamento compete aos tribunais comuns.
Consigna-se que o Acórdão do STJ de 30.04.2019, in www.dgsi.pt, citado pela Apelante, tem subjacente questão distinta, uma vez que se tratou ali de considerar que o Tribunal, considerado já competente para aferir da responsabilidade da entidade seguradora, por via da transferência das responsabilidades através da celebração obrigatória do contrato de seguro havido com a entidade patronal em sede de acidentes de trabalho, o seria também para aferir se houve uma efetiva responsabilidade funcional desta na ocorrência do sinistro, por forma a desonerar aquela das obrigações assumidas, atento o princípio da absorção de competências.
Improcede como tal a Apelação.
4. Decisão:
Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, conformando-se a decisão recorrida. Custas pela Recorrente

Porto, 21.10.2020
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
Domingos Morais