Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
245/16.1GBSVV-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: NOMEAÇÃO DE DEFENSOR
ESCUSA
INTERRUPÇÃO DO PRAZO EM CURSO
Nº do Documento: RP20180404245/16.1GBSVV-A.P1
Data do Acordão: 04/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 13/2018, FLS.246-253)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos conjugados dos artigos 39.º e 42.º da Lei 34/2004 de 29 JUL, que aprovou o regime de acesso ao direito e aos tribunais, com as alterações introduzidas pela Lei 47/2007 de 28 AGO e 66.º C P Penal decorre que a nomeação de defensor ao arguido e a sua substituição são efectuadas nos termos do C P Penal, sendo que enquanto não for substituído o defensor nomeado para um acto se mantém para os actos subsequentes.
II - Tendo o arguido – julgado na sua ausência - sido notificado do acórdão condenatório a 11 NOV e tendo o defensor dado entrada de requerimento, no processo, a 13 DEZ a dar conta que nessa data dirigiu à Ordem dos Advogados um pedido de escusa e, tendo a AO informado o processo a 29 DEZ da nomeação do novo defensor, que na mesma data deu entrada no processo de requerimento em que pretendia que fosse considerado interrompido o prazo de recurso ou que lhe fosse concedida a prorrogação do mesmo, já há muto se havia esgotado o prazo a sua interposição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc nº 245/16.1GBSVV-A.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
1. No Processo Comum (Colectivo) nº 245/16.1GBSVV (a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Criminal de Aveiro – Juiz 1), por acórdão proferido no dia 30.10.2017 (depositado nessa mesma data), o arguido B… foi condenado - pela prática de cinco crimes de furto qualificado, cinco crimes de condução sem habilitação legal, um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e um crime de resistência e coacção sobre funcionário - na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão e, bem assim, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 ano e 6 meses (cfr. fls. 3 a 32 destes autos de recurso em separado).
Tal acórdão apenas foi pessoalmente notificado ao arguido no dia 13.11.2017 (cfr. fls. 33 destes autos de recurso em separado)

2. Em 13.12.2017 o seu, então, defensor oficioso (Dr. C…) veio informar os autos que, naquela mesma data (13.12.2017), “requereu junto da Ordem dos Advogados a sua escusa como defensor conforme comprovativo que se anexa” (tendo anexado cópia do mero “Detalhe de Vicissitude” comprovativo de tal pedido de escusa que endereçou à Ordem dos Advogados no dia 13.12.2017, às 12h.53m e 37ss) – cfr. fls. 36 e 37 destes autos de recurso em separado.

3. Perante tal informação, na conclusão que lhe foi aberta no dia 15.12.2017, nesta mesma data, a Sra. Juíza proferiu o seguinte despacho:
“Oficie à Ordem dos Advogados solicitando, nos termos legais, informação sobre a decisão do pedido de escusa apresentado pelo Defensor do arguido com a indicação de novo defensor no caso de deferimento do mesmo pedido.
Deverá informar-se que o pedido de escusa deu entrada nos autos no último dia do prazo de recurso do acórdão proferido nos autos, circunstância que deve ser, desde logo, feita saber ao eventual Defensor nomeado.
Informe o arguido de que o seu defensor pediu escusa do cargo e de que estão a ser levadas a cabo diligências no sentido de assegurar a sua representação e defesa em juízo.”

4. Por ofício datado de 29.12.2017, e nessa mesma data também enviado para o processo por correio electrónico, a Delegação D… da Ordem dos Advogados, em substituição do Sr. Dr. C…, nomeou a Sra. Dra. E… como defensora do arguido (cfr. fls. 40 e 41 destes autos de recurso em separado)

5. Em 29.12.2017 esta nova defensora do arguido dirigiu aos autos o seguinte requerimento que consta de fls. 47 destes autos de recurso em separado (transcrição parcial):
E…, advogada nomeada ao arguido B…, vem expor e requerer a V.ª Ex.ª o seguinte:
1 - Foi a ora requerente nomeada ao arguido, em substituição do Colega Dr. C…, no dia de hoje, dia 29/12/2017;
2 - Pelas 16:38 horas, recebeu a requerente email enviado por este tribunal, do qual constava a sua nomeação, o acórdão e despacho de fls,
3 – Após leitura do referido email e seus anexos, constatou a ora requerente que o arguido fora notificado do acórdão no dia 13/11/2017, começando nesta data a contar o prazo de recurso;
4 – 30 dias depois, ou seja, no dia 13/12/2017, o Dr. C… pediu escusa (no ultimo dia de prazo);
5 – Pelo que a ora requerente leu do acórdão, deduz que este seja um processo complexo e extenso, sendo que será necessário tempo para proceder á sua consulta e para falar com o arguido que, segundo informações dadas por este tribunal se encontra em estabelecimento prisional;
6 – Tratando-se de arguido preso, os prazos não se suspendem em férias judicias;
7 – Embora entenda a ora requerente que, com o pedido de escusa, o prazo de recurso começa a correr de forma integral, iniciando-se, com a sua nomeação, um novo prazo de 30 dias, á cautela, e caso esse não seja o entendimento deste tribunal,
- Vem a exponente requerer a V.ª Ex. cia se digne conceder um prazo não inferior a 30 dias, afim de se poder consultar o processo, conversar com o arguido e, caso assim se entenda, apresentar as alegações de recurso.
Pede deferimento
(…)” – cfr. fls.

6. Perante tal requerimento, a Sra. Juíza proferiu o seguinte despacho que é o objecto do presente recurso (transcrição):
“Requerimento com a referência 6585841:
A Ilustre Advogada nomeada defensora ao arguido, vem requerer que se reconheça que, com a sua nomeação, se iniciou a contagem de novo prazo para recurso do acórdão proferido nos autos, ou não sendo esse o entendimento do tribunal, que lhe seja concedido novo prazo de 30 dias para o efeito, por forma a poder conferenciar com o arguido e consultar o processo.
O Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos: “Considerando que o prazo para interposição do recurso se (re)inicia a partir do momento em que a Exª defensora foi nomeada ao
arguido em substituição do anterior defensor, p. se informe a requerente nessa conformidade, nessa medida se considerando prejudicado o pedido (de prorrogação do prazo) formulado em alternativa.”
Cumpre apreciar, começando por referir os elementos que constam do processo e que importa ter em consideração.
O arguido foi julgado na ausência, tendo sido representado pelo defensor, oportunamente nomeado para o efeito (Sr. Dr. C…).
Em 30-10-2017, foi lido o acórdão que, para além do mais, condenou o arguido numa pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Na sequência da sua detenção, interrogatório e sujeição à medida de prisão preventiva, o arguido foi notificado pessoalmente do acórdão em 13-12-2017[2].
Com data de registo do correio de 07-12-2017, o arguido remeteu aos autos (entrado em 11-12-2017) um requerimento manuscrito onde dá conta de que pretende recorrer do acórdão mas que, não lhe tem sido possível contactar com o defensor já que o mesmo não atende as suas chamadas, indicando o arguido o número de telefone de que dispõe para o efeito.
Com data de 13-12-2017, o defensor fez chegar aos autos requerimento onde dá conta ao Tribunal de que, nessa mesma data, dirigiu à Ordem dos Advogados pedido de escusa.
Com data de 02-01-2018[3] deu entrada nos autos ofício através do qual a Ordem dos Advogados faz saber que nomeou como defensor do arguido, em substituição do Sr. Dr. C…, a Srª Drª E….
Com data de 29-12-2017, a Sr.ª Dr.ª E… deu entrada do requerimento que ora se aprecia.
São duas a questões que cumpre apreciar e decidir.
Por um lado, a questão de saber se o pedido de escusa em causa tem qualquer influência na contagem do prazo de recurso, concretamente, se o suspende ou interrompe.
Por outro lado, se é possível, dadas as circunstâncias, conceder à defensora nomeada, novo prazo de recurso.
Em relação à primeira questão, se pronunciou o STJ no seu acórdão datado de 23-06- 2015, cujo sumário se transcreve:
“I - Se, em geral, a nomeação de patrono se inclui no âmbito do apoio judiciário, já o correspondente regime geral é inaplicável à nomeação de defensor ao arguido, dispensa e substituição de patrono no âmbito do processo penal, dada a especialidade que
decorre dos artigos 42.º a 47.º deste diploma [DL 387.B/87 de 29-12] e, antes, dos arts 42.º e ss. (Disposições especiais sobre processo penal) da Lei 30-E/2000 de 20-12. E o mesmo se diga do pedido de escusa (ou, em processo penal, de dispensa do patrocínio: art. 66.º, n.º 2 do CPP) do defensor nomeado. Com efeito, a nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio, substituição e remuneração são feitas nos termos do Código de Processo Penal (...) (arts. 42.º, n.º 1 da Lei 30-E/2000 e 39.º, n.º 1 da Lei 34/2004 de 29-07).
II- O art. 66.º, nºs. 2 e 3 do CPP (que prevê a dispensa do defensor a pedido deste e a substituição do defensor a pedido do arguido), o art. 66.º, n.º 4 do mesmo diploma (que determina que o defensor nomeado se mantenha para os actos subsequentes do processo enquanto não for substituído) e os arts. 42.º e ss. da Lei 30- E/2000 (Disposições especiais sobre processo penal) e 39.º e ss. da Lei Lei 34/2004 (idem) não prevêem, no âmbito do incidente de substituição do defensor, a interrupção dos prazos em curso. Pelo contrário, os arts. 42.º, n.º 3 e 45.º, n.º 2 da Lei 30-E/2000 e 39.º, n.º 4 e 42.º, n.º 3 da Lei 34/2004 dispõem, especialmente, que, em processo penal, o requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta a marcha do processo e enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo.
III- Daí que não suspenda o prazo de interposição de recurso o pedido de escusa, de substituição ou de dispensa do defensor oficioso apresentado, no seu decurso, pelo próprio ou pelo arguido.”[1]
Com efeito, a Lei nº34/2004 de 29/07 (na redação em vigor dada pela Lei nº47/2007 de 28-08), estabelece o regime de acesso ao direito e aos Tribunais e, contém um regime específico no que toca ao processo penal.
São do seguinte teor, os artigos 39º e 42º da mesma lei, na parte que é pertinente ao caso dos autos:
Artigo 39º
“1 - A nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e a substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal, do presente capítulo e da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º”
Artigo 42º
“1 - O advogado nomeado defensor pode pedir dispensa de patrocínio, invocando fundamento que considere justo, em requerimento dirigido à Ordem dos Advogados.
2 - A Ordem dos Advogados aprecia e delibera sobre o pedido de dispensa de patrocínio no prazo de cinco dias.
3 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo.
4 - Pode, em caso de urgência, ser nomeado outro defensor ao arguido, nos termos da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º”
Quanto ao Código de Processo Penal, há que ter em consideração o teor dos artigos 61º nº1 alínea e) e 66º nº4.
Artigo 61º
“1 - O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de:
(…)
e) Constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor;”
Artigo 66º
“(…)
4 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo.”

Resulta destas disposições legais a necessidade, no âmbito do processo penal, de assegurar que o arguido nunca estará desacompanhado de defensor, pois só assim se garante o seu direito de defesa, constitucionalmente consagrado (artigo 32º nº1 da CRP).
Por isso, não existe, para o processo penal, norma idêntica ao artigo 34º nº2 da Lei nº34/2004 de 29/07, que prevê a interrupção do prazo em curso quando ocorra pedido de escusa do patrono (que não do defensor) nomeado, sendo que a mesma não é aplicável, atento tudo quanto vem de se referir.
Voltando ao caso concreto e considerando o disposto no artigo 411º nº1 alínea a) do Código de Processo Penal, o prazo de interposição de recurso esgotou-se em 13-12-2017.
O recurso ainda poderia ser interposto, mediante o pagamento da respetiva quantia, nos termos do disposto no artigo 107º-A do Código de Processo Penal, até ao dia 18-12-2017.
Este prazo decorreu integralmente, antes de ao arguido ser nomeada nova defensora (a requerente). Por outro lado, atento o exposto, consideramos que o pedido de escusa (formulado no último dia do prazo) não o suspendeu nem interrompeu.
Na verdade, o defensor que pediu escusa manteve essa sua qualidade até ao momento em que ao arguido foi nomeado defensor em sua substituição e cabia-lhe assegurar plenamente, nesse período, a defesa do arguido.
O arguido esteve sempre representado por Advogado, não ocorrendo qualquer diminuição das suas garantias de defesa.
Em suma, a primeira questão decide-se no sentido de considerar que o prazo de recurso se esgotou em 13-12-2017.
Quanto à segunda questão suscitada.
Não se nos afigura existir qualquer fundamento legal, para conceder à requerente novo prazo de recurso, aliás, a própria não cita qualquer dispositivo legal para fundamentar essa sua pretensão.
Atento tudo o exposto, decide-se indeferir o requerido.
Notifique.
Dê conhecimento da presente decisão ao defensor substituído.”

7. Inconformado com o assim decidido, no dia 12.01.2018, o arguido, por intermédio desta sua nova defensora, interpôs recurso (constante de fls. 55 a 58 destes autos de recurso em separado), finalizando a respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“1 – O presente recurso é interposto do douto despacho proferido a fls., , com a ref.ª 100292120, de 04-01-2018, que indeferiu o requerimento apresentado pela defensora do arguido, onde é requerido se reconheça que, com a sua nomeação, se inicia a contagem de novo prazo para recurso do acórdão proferido nos autos, ou não sendo esse o entendimento do Tribunal, lhe seja concedido novo prazo de 30 dias, de forma a poder consultar o processo, conversar com o arguido e, caso assim entenda, apresentar as alegações de recurso.
2 - Decidiu-se no sentido de que o prazo decorreu integralmente, considerando-se que o pedido de escusa formulado no ultimo dia de prazo não o suspendeu e nem interrompeu e, por isso, considerou que o prazo de recurso se esgotou no dia 13 de Dezembro de 2017.
3 - Entende o arguido que numa situação particular como a presente, em que o defensor do arguido pede escusa no ultimo dia de prazo para recorrer e numa situação em que o próprio arguido já tinha manifestado o interesse em o fazer, deve ser interrompido, o qual só ocorrerá de novo após a nova nomeação.
4 - O pedido de escusa e consequente substituição de defensor deve constituir uma causa de interrupção do prazo, iniciando-se um novo prazo com a notificação ao novo defensor.
5 - Uma decisão contrária a esta irá impedir a utilização de um direito crucial á defesa do arguido: o direito ao recurso, que constitui uma garantia fundamental em qualquer processo judicial, mormente em processo-crime, quando está em causa um bem jurídico tão importante como a liberdade do arguido.
6 - O arguido não poderá ser prejudicado pelo pedido de escusa do defensor nomeado, nem os seus interesses serem atropelados, causando-lhe prejuízos!
7 - O arguido se encontra suficientemente representado ou acompanhado em juízo por um defensor com quem já se rompeu o fundamental vinculo de confiança entre advogado e cliente, e nem quando fica dependente de um novo defensor que ainda mal teve tempo de se familiarizar com o arguido e com o processo...isso é anular o efectivo direito á defesa, e, no presente caso, o direito de recurso a que o arguido tem direito.
8 - Enquanto não é substituído, o defensor que requereu escusa só se mantém nomeado, mas só formalmente! Porque, na verdade, a relação de confiança arguido/cliente encontra-se ferida!
9 - O acompanhamento do arguido por defensor é uma garantia fundamental deste - não pode ficar reduzida a uma aparência formal da defesa, subvertendo-se a sua real garantia substancial consagrada nos art'ºs 61°, nº 1, al, e), f) e i), 64° e 66° do CPP, e 20°, n.º 1 e nº2 da Constituição da República Portuguesa.
10 - O regime de substituição de defensor nomeado que tenha pedido escusa, terá que dar lugar à interrupção do prazo que se encontre em curso, embora, paralelamente, se registe a obrigação do defensor que pediu escusa se manter nos autos, mas só praticando os actos que se revelarem necessários, até que haja a decisão do seu pedido!
11 - Com efeito, só através de tal interpretação se salvaguardará devidamente o princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa.
12 - Assim a apresentação do pedido de escusa terá que implicar a interrupção do prazo que se encontrava a correr, apenas devendo o mesmo ser iniciado após a notificação da nomeação da nova defensora (atento o disposto no art.º 34.º, n.º 2 da LAJ), o que apenas ocorreu em 29 de Dezembro!
13 - O despacho ora posto em crise, violou o exarado nos artigos 61º, nº 1, al. i) do CPP, artigo 32º, nº 1, da C.R.Portuguesa, artigo 34º, nº 2, da Lei 34/2004, de 29 de Julho, aplicável ao defensor, em processo penal, ex vi artigo 44º, nº 1, do mesmo diploma, nº 2 do artigo 20º e 13º da C.R.Portuguesa, sendo que estas normas deviam ter sido interpretadas, pelo tribunal recorrido, no sentido de não estarmos perante o trânsito em julgado da sentença proferida contra o arguido, concedendo-se ao mesmo prazo para interpor o seu recurso.
Nestes termos e nos melhores de direito, e face a todas as considerações supra expostas no presente recurso, deve ser dado provimento ao presente, e consequentemente deve o despacho de que agora se recorre ser revogado, em toda a sua extensão, o qual deverá ser substituído por outro que não estabeleça o cumprimento do trânsito em julgado do acórdão em causa e que notifique o recorrente para, no prazo legal, interpor o seu recurso;
ASSIM SE FAZENDO A JÁ ACUSTUMADA JUSTIÇA”
*
8. O recurso foi admitido, por despacho datado de 15.01.2017, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo (cfr. fls. 60 destes autos de recurso em separado).
9. A magistrada do Ministério Público, junto da 1ª instância, respondeu ao recurso, concluindo no sentido de que ao mesmo deve ser negado provimento e confirmado o despacho recorrido (cfr. fls. 61 a 64).
10. Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, a fls. 70 a 72, emitiu parecer no sentido de que “o presente recurso não merece provimento”.
11. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.
12. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo, pois, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito.
No caso vertente, vistas as conclusões do recurso, a questão essencial nele suscitada consiste em saber se, como pretende o arguido, o pedido de escusa apresentado pelo seu primitivo defensor tem, legalmente, a virtualidade de interromper o prazo que se encontrava em curso para interposição de recurso do acórdão condenatório.
2. Apreciando
Definida a questão a tratar, e dando aqui por reproduzido quer o despacho recorrido (já transcrito no ponto 6 do antecedente Relatório) quer o demais iter processual relevante até à prolação do mesmo (também já enunciado nos pontos 1 a 5 do antecedente Relatório) - para não tornar demasiado extenso o presente aresto – logo se vê que a sua simplicidade dispensa aturadas considerações jurídicas e que nenhuma razão assiste ao recorrente.
Vejamos, pois.
Como bem se pode concluir da leitura do despacho recorrido, da conjugação do estatuído nos arts. 39º e 42º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho (Regime de acesso ao direito e aos tribunais), com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto, e no art. 66º do Código de Processo Penal, decorre, sem margem para dúvidas, que a nomeação de defensor ao arguido e a sua substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal, sendo que, enquanto não foi substituído, o defensor nomeado para um acto mantém para os actos subsequentes.
Com efeito, aquela mencionada Lei, no âmbito do seu Capítulo IV (que tem por epígrafe “Disposições especiais sobre processo penal”), estabelece, no seu art. 39º, nº 1, que “A nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e a substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal, do presente capítulo e da portaria referida no nº 2 do artigo 45º.
E mais acrescenta o nº 10 de tal art. 39º que “O requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta a marcha do processo.”(sublinhado nosso).
Também o art. 42º daquela mesma Lei estabelece o seguinte:
“1 - O advogado nomeado defensor pode pedir dispensa de patrocínio, invocando fundamento que considere justo, em requerimento dirigido à Ordem dos Advogados.
2 - A Ordem dos Advogados aprecia e delibera sobre o pedido de dispensa de patrocínio no prazo de cinco dias.
3 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo.” (sublinhado nosso)
Por sua vez, o art. 66° do CPP, que tem por epígrafe “Defensor nomeado”, estatui que:
“1 - A nomeação de defensor é notificada ao arguido e ao defensor quando não estiverem presentes no acto.
2 - O defensor nomeado pode ser dispensado do patrocínio se alegar causa que o tribunal julgue justa.
3 - O tribunal pode sempre substituir o defensor nomeado, a requerimento do arguido, por causa justa.
4 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo.” (sublinhado nosso)
Ora, desta conjugação de normas reguladoras do regime da substituição de defensor, resulta efectivamente, tal como já supra havíamos deixado consignado, que no âmbito do processo penal, o defensor nomeado se mantém para os actos subsequentes do processo, enquanto não for substituído.
E esta asserção tem toda a razão de ser pelo facto de, como é por demais consabido, a especificidade própria da matéria penal exigir a intervenção de um defensor, o que se coaduna com a obrigatoriedade plasmada, entre outras, nas alíneas e) e f) do nº 1 do art. 61º do CPP, de o arguido estar sempre assistido por defensor, em qualquer momento, mormente a partir do momento em que contra o mesmo é deduzida uma acusação (cfr. nº 3 do art. 64º do CPP), tudo isto em função da garantia constitucional da salvaguarda dos seus direitos, como também resulta do art. 32º nºs 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa.
Face a tal princípio garantístico percebe-se então que, ao contrário do que o recorrente pretende insinuar, para o processo penal existem normas especiais que afastam a regra geral do, pelo recorrente, invocado art. 34º nº 2 da Lei nº 34/2004.
A não ser assim, poder-se-ia cair no ridículo de, em face de um pedido de escusa ou de um pedido de substituição de defensor, um arguido poder estar temporariamente desprotegido das mais elementares garantias de defesa mesmo até quando se encontrasse - como o recorrente até se encontra – sujeito à mais gravosa das medidas de coacção (a prisão preventiva). Não faria qualquer sentido, nem a lei processual penal o prevê, nem permite, uma tal desprotecção. Cabe, pois, ao respectivo defensor, enquanto não for substituído, continuar a assegurar as funções, para que foi nomeado/incumbido, da defesa do arguido. Não pode esquecer-se que a lei concede prazos aos sujeitos processuais (neste caso, ao arguido) e não às pessoas que os representam!
Por isso, tal como entendeu a Sra. Juíza a quo, e decorre daquelas transcritas normas, é por demais manifesto que o pedido de escusa ou de substituição do defensor do arguido não interrompeu (nem suspendeu) o prazo de interposição de recurso que estava em curso aquando do mencionado pedido de escusa.
Aliás, neste mesmo sentido de que o pedido de escusa ou de substituição de defensor nomeado ao arguido não é susceptível de interromper ou de suspender os prazos em curso (e não desconhecendo nós o teor do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09.02.2009, proferida no Proc. 2606/08, e a decisão, impropriamente apelidada pelo recorrente como acórdão, proferida no dia 17.03.2010, pelo Exmo Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito da Reclamação nº 625/04.GALNH-A.L1-3) é bem maioritária a nossa jurisprudência, podendo ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos, cujos sumários assim rezam:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.06.2005[4] (Proc. n.º 2251/05 - 5.ª Secção, relator Carmona da Mota, acessível através do endereço www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=19747&codarea=2):
I - Se, em geral, a nomeação de patrono se inclui no âmbito do apoio judiciário, já o correspondente regime geral é 'inaplicável' à 'nomeação de defensor ao arguido, dispensa e substituição de patrono no âmbito do processo penal', 'dada a especialidade que decorre dos artigos 42.º a 47.º deste diploma [DL 387.B/87 de 29-12]' e, antes, dos arts 42.º e ss. ('Disposições especiais sobre processo penal') da Lei 30-E/2000 de 20-12. E o mesmo se diga do pedido de escusa (ou, em processo penal, de 'dispensa do patrocínio': art. 66.º, n.º 2 do CPP) do defensor nomeado. Com efeito, 'a nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio, substituição e remuneração são feitas nos termos do Código de Processo Penal (...)' (arts. 42.º, n.º 1 da Lei 30-E/2000 e 39.º, n.º 1 da Lei 34/2004 de 29-07).
II - O art. 66.º, nºs. 2 e 3 do CPP (que prevê a dispensa do defensor a pedido deste e a substituição do defensor a pedido do arguido), o art. 66.º, n.º 4 do mesmo diploma (que determina que o defensor nomeado se mantenha para os actos subsequentes do processo 'enquanto não for substituído') e os arts. 42.º e ss. da Lei 30-E/2000 ('Disposições especiais sobre processo penal') e 39.º e ss. da Lei Lei 34/2004 (idem) não prevêem, no âmbito do incidente de substituição do defensor, a interrupção dos prazos em curso. Pelo contrário, os arts. 42.º, n.º 3 e 45.º, n.º 2 da Lei 30-E/2000 e 39.º, n.º 4 e 42.º, n.º 3 da Lei 34/2004 dispõem, especialmente, que, em processo penal, 'o requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta a marcha do processo' e 'enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo'.
III - Daí que não suspenda o prazo de interposição de recurso o pedido de escusa, de substituição ou de dispensa do defensor oficioso apresentado, no seu decurso, pelo próprio ou pelo arguido.”

- Acórdão da Relação de Coimbra de 18-12-2013 (Proc.139/96.5TATND.C1, relatora Olga Maurício, in www.dgsi.pt):
“1.- A nomeação de defensor em processo penal é regulada pelas normas do Código de Processo Penal;
2.- O prazo de interposição de recurso não se suspende com o pedido de escusa, de substituição ou de dispensa do defensor.”

- Acórdão da Relação de Coimbra de 07-12-2016 (Proc. 8785/13.8TDPRT-A.C1, relatora Alcina da Costa Ribeiro, in www.dgsi.pt):
“Os prazos em curso no âmbito do processo penal não se interrompem por via da substituição de defensor nomeado ao arguido.”

- Acórdão da Relação de Évora de 30-06-2015 (Proc. 28/08.2GBCCH.E1, relator Renato Barroso, in www.dgsi.pt):
“Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se em funções para os actos subsequentes, incluindo o recurso.”

- Acórdão da Relação de Guimarães de 25-05-2015 (Proc. 1715/12.6GBBCL.G1, relator António Condesso, in www.dgsi.pt):
“Não suspende ou interrompe o prazo de interposição de recurso o pedido de escusa da defensora do arguido, comunicado ao tribunal, sete dias após a leitura e depósito da sentença.”

- Acórdão da Relação de Guimarães de 20.03.2017 (Proc. 102/15.0T9TBRG.G1, relatora Ausenda Gonçalves, in www.dgsi.pt):
“I - Por força do disposto nos arts. 66º, do CPP, e 39º, nº 1, e 42º da Lei nº 34/2004, de 29/7, com a alteração introduzida pela Lei 47/2007, de 28/8 (alteração do regime de acesso ao direito e aos tribunais), o defensor nomeado para um acto, enquanto não for substituído, mantém-se para os actos subsequentes do processo, pelo que os sucessivos pedidos de escusa apresentados pelos vários defensores nomeados ao arguido não teriam, legalmente, a virtualidade de interromper o prazo que se encontrava em curso para apresentação de recurso.
(…)”
Por outro lado, importa também não esquecer que conforme também referiu, a dado passo, o Tribunal Constitucional no seu acórdão nº 314/2007 (publicado no Diário da República nº 125/2007, Série II, de 02.07.2007): “O prazo de interposição de recurso é atribuído ao arguido e não à pessoa do seu defensor, não exigindo a necessidade de garantia de um efectivo direito ao recurso em processo penal, que se concedam tantos prazos distintos quantos os defensores que se sucedam na assistência ao arguido”.

Ora, na decorrência do tudo o atrás referido, e regressando ao caso dos autos, tendo o arguido sido notificado do acórdão condenatório no dia 13.11.2017 e apesar do seu, na altura, defensor ter pedido escusa junto da Ordem dos Advogados no dia 13.12.2017 (ou seja, precisamente no último dia do prazo de 30 dias para interposição de recurso do acórdão condenatório – cfr. disposições conjugadas dos arts 410º nº 1 e 333º nº 5, ambos do CPP – sendo que, com o acréscimo do pagamento de multa a que se reporta o art. 107-A al. c) do CPP, quanto muito o recurso poderia ser apresentado até ao dia 18.12.2017), aquando da apresentação do requerimento apresentado pela nova defensora oficiosa do arguido no dia 19.12.2017 - em que esta pretendia que fosse considerado interrompido o prazo de recurso ou que lhe fosse concedida a prorrogação do prazo de 30 dias para poder interpor recurso - já há muito se havia esgotado o prazo de interposição de recurso.
Por isso, precludido que já estava o direito (pelo decurso do respectivo prazo em que poderia ter sido exercido) do arguido interpor recurso, nenhuma censura merece a decisão recorrida que indeferiu quer a pretendida interrupção do prazo quer a pretendida concessão de novo prazo de recurso.
Aliás, até têm todo o sentido as palavras da magistrada do Ministério Público da 1ª instância quando, na resposta que apresentou ao recurso, a dado passo refere: “Ora, salvo o devido respeito, o recorrente parece confundir o direito a estar representado por defensor ou o direito de acesso ao direito com o direito a impor ou condicionar a atividade, ainda que técnica, do mesmo defensor; confunde o direito de recurso com o direito ao desrespeito das regras processuais de recurso, mormente no que ao prazo concerne.
Na verdade, o facto de existir direito a recurso não implica que ele seja sempre exercido, isto é, que ponderadas as razões de facto e de direito de cada caso concreto, seja considerada inviável ou inoportuna a sua apresentação. E não é por esse motivo que o arguido deixou de estar representado e com efetiva oportunidade de defesa.
Por outro lado, se o arguido optasse por constituir mandatário, também este teria que a aceitar o processo no estado em que o encontrasse, não se achando, pois, razão para se interpretar as normas processuais penais de forma diferente consoante o tipo de defesa.
Por último ainda se dirá que, para além do recorrente nem sequer ter indicado que concreta norma aplicada pelo tribunal a quo padeça de alguma inconstitucionalidade (mormente violadora do alegado princípio da igualdade plasmado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa), do despacho recorrido também não descortinamos que a interpretação dada ao elenco das normas com base nas quais foi indeferida a pretensão do recorrente seja violadora ou atentatória do invocado princípio da igualdade ou até dos, ainda que apenas insinuados, princípios da legalidade ou até do direito ao processo justo e equitativo.

Assim, em síntese conclusiva, não se mostrando violados quaisquer princípios ou preceitos constitucionais ou quaisquer preceitos legais ordinários, designadamente os invocados pelo recorrente - terá o recurso que improceder, sendo de confirmar o despacho recorrido.
III. DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, confirmar o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s (arts. 513º nºs 1 e 3 do Código de Processo Penal e 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado este com a Tabela III anexa a tal Regulamento).
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(Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos signatários)
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Porto, 4 de Abril de 2018
Luís Coimbra
Maria Manuela Paupério
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[1] Conforme decorre da certidão de notificação de fls. 33 destes autos de recurso em separado, e que corresponderão a fls. 909 dos autos principais, a data correcta de tal notificação é 13.11.2017, e não 13.12.2017 como por lapso foi mencionado em tal despacho.
[2] Conforme decorre de fls. 40 destes autos de recurso em separado, a data correcta de tal ofício e da entrada do mesmo no tribunal a quo é 29.12.2017, e não 02.01.2017 como por lapso foi mencionado em tal despacho.
[3] Neste mesmo sentido, vejam-se, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-12-2013 e de 07-12-2016, do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-05-2015 e do Tribunal da Relação de Évora de 30-06-2015, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt
[4] E não 2015 como, certamente por lapso tinha sido mencionado no despacho recorrido.