Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2676/15.5T8PNF-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: TRANSAÇÃO JUDICIAL
DECISÃO E HOMOLOGAÇÃO
INTERPRETAÇÃO
Nº do Documento: RP202109202676/15.5T8PNF-C.P1
Data do Acordão: 09/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PENDENTE; ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I- A transação exarada no processo, que põe termo ao litígio entre as partes, constitui um contrato processual, concretizando um negócio jurídico efetivamente celebrado pelas partes intervenientes na ação, correspondente àquilo que estas quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita.
II- A decisão judicial corporizada na homologação da transação, constituindo um ato jurídico, deve interpretar-se segundo os princípios legalmente impostos e acomodados para os negócios jurídicos e, neste contexto, terá o intérprete de indagar qual a vontade das partes aí exteriorizada, de tal modo que, encontrada esta, todas as circunstâncias envolventes do processo possam ser clarificadas e tomem um sentido definitivamente exato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 2676/15.5T8PNF-C.P1
Tribunal: Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel
Apelante: B…, S.A.
Apelado: C…
_______
Relator: Nélson Fernandes
Adjuntas: Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
Acordam na Secção Social do
Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
1. Nos autos de processo com o n.º 2676/15.5T8PNF, sendo Autor C… e Ré B…, S.A., aquando da prolação do despacho saneador, foram considerados como factos assentes os seguintes:
“A) O A. nasceu no dia 25.02.1958 e casou com D… no dia 17.12.1983.
B) No dia 09.10.2014, cerca das 11:00 horas, em Paredes, o A. foi vítima de um acidente de trabalho quando exercia as funções de auxiliar de armazém sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade “E…, S.A.”, mediante a retribuição anual de €635,50 x 14 + €147,20 x 11.
C) O acidente ocorreu quando estava dentro de um contentor a engatar paletes, quando as mesmas ao serem mobilizadas provocaram a oscilação da palete, condicionando a queda de uma outra sobre o A..
D) À data de 09.10.2014, a responsabilidade da sociedade “E…, S.A.” por acidentes de trabalho em que fosse interveniente o A. mostrava-se transferida para a R. mediante contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho na modalidade de prémio variável titulado pela apólice nº …/……../…, pela totalidade da retribuição anual referida em B).
E) Do acidente resultou para o A. uma incapacidade temporária absoluta (ITA) desde o dia 10.10.2014 até ao dia 08.04.2017.
F) Desde o dia 24.10.2014 até ao dia 03.05.2017, o A. necessitou da assistência diária de terceira pessoa.
G) Desde o dia 24.10.2014 até ao dia 03.05.2017, a R. pagou ao A. a quantia mensal de €209,00 a título de prestação suplementar provisória para assistência de terceira pessoa.
H) A R. pagou ao A. a quantia de €20.968,52 a título de indemnização pelo seguinte período de incapacidade temporária absoluta (ITA) por ela fixado: desde o dia 10.10.2014 até ao dia 03.05.2017.
I) D… tem rendimentos mensais inferiores ao valor da pensão social.
J) Na fase conciliatória do processo, a tentativa de conciliação teve lugar no dia 15.06.2018.”

2. Prosseguindo os autos os seus termos subsequentes, consta da ata de audiência final, realizada no dia 14 de julho de 2020, o seguinte (transcrição):
“(…) Após, a Mm.ª Juiz tentou a conciliação das partes.
Então, após demoradas conversações, o autor, a mandatária do autor e a mandatária da ré disseram que o autor e a ré estão de acordo em pôr fim ao litígio em causa nos autos nos termos da seguinte:
TRANSAÇÃO
1º- O autor e a ré aceitam os factos constantes do despacho saneador de fls. 332 a 344 como “FACTOS ASSENTES”.
2º- O autor e a ré aceitam que do acidente resultaram para o autor as seguintes lesões: fratura da bacia com rotura do anel pélvico e lesão da uretra.
3º- O autor e a ré aceitam que do acidente resultou para o autor uma incapacidade temporária absoluta (ITA) desde o dia 09.04.2017 até ao dia 15.01.2019.
4º- O autor e a ré aceitam que a consolidação médico-legal das lesões resultantes do acidente ocorreu em 15.01.2019.
5º- O autor e a ré aceitam que, em consequência direta e necessária do acidente, resultou para o autor uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 80,19% (com a atribuição do fator 1.5 pela idade) com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
6º- O autor e a ré aceitam que o autor tem dificuldades em deslocar-se numa casa sem casas de banho adaptadas, que a casa de habitação do autor não tem casas de banho adaptadas e que o autor terá que gastar €2.695,00 + IVA para readaptar a casa de banho da sua habitação.
7º- A ré obriga-se a pagar ao autor uma pensão anual, vitalícia e atualizável de €6.944,69, devida a partir de 16.01.2019, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 16.01.2019 até integral pagamento, a ser paga, adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo que os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, serão pagos, respetivamente, nos meses de junho e novembro.
8º- A ré obriga-se a pagar ao autor um subsídio por situações de elevada incapacidade permanente no montante de €5.205,00, acrescido dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 16.01.2019 até integral pagamento.
9º- A ré obriga-se a pagar ao autor a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta (ITA), a quantia de €33.138,70 (€7.360,95 + €25.777,75), acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 10.10.2014 até integral pagamento.
10º- A ré obriga-se a pagar ao autor um subsídio para readaptação de habitação no valor de €2.695,00 + IVA, ou seja, no valor de €3.314,85, acrescido dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 06.09.2018 (data da citação da ré) até integral pagamento.
11º- A ré obriga-se a pagar ao autor um subsídio para frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional que se refiram a uma profissão na área administrativa, sendo que o montante de tal subsídio corresponde ao montante das despesas que irão ser efetuadas pelo autor com a frequência de tais ações, sem prejuízo, caso se trate de ação ou curso organizado por entidade diversa do Instituto do Emprego e Formação Profissional, do limite do valor mensal correspondente ao valor de 1,1 IAS, sendo que tal subsídio é devido a partir da data do início efetivo da frequência das referidas ações, não podendo a sua duração, seguida ou interpolada, ser superior a 36 meses, salvo em situações excecionais devidamente fundamentadas, sendo que tal subsídio é de atribuição continuada ou periódica e sendo que tal subsídio e as prestações referidas nas alíneas a), b), c) e i), todas do nº 1, do artº 47º, da Lei nº 98/2009, de 04.09, não podem no seu conjunto ultrapassar, mensalmente, o montante equivalente a seis vezes o valor de 1,1 do indexante de apoios sociais (IAS), acrescido dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde a data do início efetivo da frequência das referidas ações até integral pagamento.
12º- Os pagamentos a efetuar pela ré em cumprimento do referido em “8º” a “10º” terão que ser efetuados até ao dia 31.08.2020 e através de transferência bancária para a conta do autor através da qual a ré vem pagando ao autor pensões provisórias.
13º- À indemnização referida em “9º” será descontada a quantia de €20.968,52 referida na alínea H) dos “FACTOS ASSENTES” do despacho saneador de fls. 332 a 344.
14º- À pensão referida em “7º” serão descontadas as quantias que tenham sido pagas ao autor pela ré a título de pensões provisórias.
15º- Custas pelo autor e pela ré, em partes iguais, prescindindo o autor e a ré de custas de parte.
*
Seguidamente, a Mm.ª Juiz proferiu o seguinte:
DESPACHO
Ao abrigo do artº 52º, nº 2, do C.P.T. (aplicável ex vi artº 70º, nº 2, do C.P.T., aplicável ex vi artº 131º, nº 3, do C.P.T.), certifico a capacidade das partes e a legalidade do resultado da conciliação, absolvendo e condenando nos precisos termos de tal conciliação.
Em consequência, dou sem efeito a data designada para a continuação da audiência final.
Fixo o valor da causa em €118.091,80 - cfr. artº 120º, nº 1, do C.P.T..
Custas nos termos acordados, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que o autor goza - cfr. artºs 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T., e 537º, nº 2, do C.P.C..
Registe e notifique.”

2.1. Posteriormente, no seguimento de junção pela Ré aos autos de documentos que disse comprovativo dos pagamentos efetuados ao Autor, apresentou este requerimento referindo o seguinte:
“1. A Ré disse juntar comprovativos de pagamento dos valores a que se obrigou, contudo, tal não responde à verdade, pelo que vão os documentos juntos impugnados por não terem a força probatória pretendida com a sua junção.
2. A Ré não junta qualquer comprovativo de pagamento o que demonstra que não cumpriu os termos do acordo alcançado.
3. Nos termos da transação, A Ré obrigou-se, até 31/08/2020, a proceder ao pagamento dos montantes abaixo transcritos, conforme resulta da ata junta a fls. dos autos:
“8º- A ré obriga-se a pagar ao autor um subsídio por situações de elevada incapacidade permanente no montante de €5.205,00, acrescido dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 16.01.2019 até integral pagamento.
9º- A ré obriga-se a pagar ao autor a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta (ITA), a quantia de €33.138,70 (€7.360,95 + €25.777,75), acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 10.10.2014 até integral pagamento.
10º- A ré obriga-se a pagar ao autor um subsídio para readaptação de habitação no valor de €2.695,00 + IVA, ou seja, no valor de €3.314,85, acrescido dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 06.09.2018 (data da citação da ré) até integral pagamento.(...)
12º-Os pagamentos a efetuar pela ré em cumprimento do referido em “8º” a “10º” terão que ser efetuados até ao dia 31.08.2020 e através de transferência bancária para a conta do autor através da qual a ré vem pagando ao autor pensões provisórias.(...)” (negritos nossos)
Assim, até 31/08/2020, deveriam ter sido pago pela Ré as seguintes quantias:
- 5205,00€, acrescidos juros de mora que, naquela data, perfaziam 342,25€
- 24.733,47€, acrescido de juros de mora que, naquela data, perfaziam 5.852,01€;
- 3.314,85€, acrescido de juros de mora que, naquela data, perfaziam 216,19€.
- tudo num TOTAL: 39.663,77€.
Acontece que Ré, até à presente data, não procedeu ao pagamento nos termos acordados, tendo-se entretanto vencido mais juros de mora.
Pagamento esse que já foi solicitado pelo Sinistrado junto da Ré, por diversas vezes, mas sempre sem qualquer sucesso.
Face ao exposto, e por forma a evitarmos a execução de sentença e demora no pagamento, requer-se muito respeitosamente a V.ª Ex.ª se digne a ordenar a junção aos autos pela Ré dos comprovativos de pagamento, sem prescindir do comprovativo dos juros de mora devidos até efetivo e integral pagamento, conforme resulta da transação, com as legais consequências.”

2.2. Respondeu a Ré, nos termos seguintes:
“1º Relativamente às diferenças de IT’s, até ao dia 15 de janeiro de 2019, a Ré estava obrigada a liquidar o valor de €12.170,18 [€33.138,70 - €20.968,52].
2º Contudo, a 04 de maio de 2017, começou a liquidar a pensão provisória ao sinistrado, no valor mensal de €600,92, conforme listagem que já se encontra junto aos autos,
3º Nessa mesma listagem, na 2ª página consta a rubrica de “Acertos de Pensões” de 04 de maio de 2017 a 31 de dezembro de 2018, que corresponde aos retroativos para perfazer o valor mensal de €600,92.
4º Assim, de 04 de maio de 2017 a 15 de janeiro de 2019, foi pago ao sinistrado, a título de pensão provisória, o total de €14.682,45, o que dá um montante superior aos acertos de IT’s, pelo que foi pago em excesso o valor de €2.512,27, nesse período.
5º Por outro lado, a pensão homologada tem o seu início a 16 de janeiro de 2019 e o valor anual de €6.944,69 que a dividir por 14 (catorze) meses, perfaz o valor de €496,04.
6º Acontece que, desde o dia 31 de agosto de 2020, a Ré pagou a pensão provisória no valor mensal de €600,92, o que representa uma diferença mensal em excesso de €104,88.
7º Assim, no período supra mencionado foi liquidado em excesso o total de €2.359,80.
8º Desta forma, tem a Ré a seu favor um saldo de €4.872,07, pelo que pretendia descontá-lo nos subsídios.
9º O subsídio de readaptação da habitação, no valor de €3.314,85 mais os juros de €253,20, perfazem a quantia de €3.568,05,
10º compensando com o valor liquidado em excesso, resta um saldo a favor da Ré de €1.304,02.
11º O subsídio de elevada incapacidade, no valor de €5.205,00 mais os juros de €322,28, totalizam o montante de €5.527,28
12º Ao subtrair o saldo de €1.304,02, ao valor acima referido,
13º O valor a liquidar pela Ré ao Sinistrado é de €4.223,26.
14º Valor que já se encontra pago pela Ré, conforme documento que ora se junta sob o nº 1 e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.”

2.3. A tal pronúncia respondeu o Autor, dizendo o seguinte:
“1. Salvo lapso da nossa parte, a Ré está a contabilizar no pagamento e suposta execução do acordo valores que não podem ser contabilizados naqueles termos.
2. Isto é, o Sinistrado esteve em situação de ITA até 15.01.2019, pelo que apenas poderão ser acertados a diferenças pagas a partir desta data, considerando que a partir daí lhe foi reconhecida uma pensão inferior à provisoriamente paga, no valor mensal de 104,88€.
3. Nos termos da transação celebrada, à indemnização definida no ponto 9 do acordo apenas poderá ser descontada a quantia de 20.96825, conforme resulta do ponto 13.
4. Por sua vez, nos termos do ponto 14, apenas à pensão referida em 7, serão descontadas as quantias pagas em excesso após 03.05.2019.
5. Nessa sequência, o raciocínio e pagamentos da R. não cumprem o acordado alcançado, incumprindo os pagamentos exigíveis, na presente
6. Pagamento que já foi solicitado pelo Sinistrado junto da Ré, por diversas vezes, mas sempre sem qualquer sucesso.
7. Face ao exposto, e por forma a evitarmos a execução de sentença e demora no pagamento, requer-se muito respeitosamente a V.ª Ex.ª se digne a ordenar a junção aos autos pela Ré dos comprovativos de pagamento, sem prescindir do comprovativo dos juros de mora devidos até efetivo e integral pagamento, conforme resulta da transação, com as legais consequências.”

2.4. Aberta vista ao Ministério Público foi exarada posição com o teor seguinte:
“Afigura-se-me que a posição assumida pelo sinistrado é mais consentânea com o teor do acordo dos autos, devendo por isso a companhia de seguros efetuar o pagamento das quantias devidas de acordo com o mesmo.”

3. Após, com data de 25 de janeiro de 2021, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“Determino que, com cópia de fls. 427, a R. seja notificada para, no prazo de 10 dias, vir aos autos demonstrar o pagamento ao A. das quantias que se obrigou a pagar-lhe, sendo certo que, face aos termos da transação efetuada, afigura-se correto o entendimento defendido pelo A. no seu requerimento de fls. 424 verso a 425 (de 17.12.2020).
Notifique e cumpra nos termos determinados.”

3.1. Notificada, apresentou a Ré requerimento de interposição de recurso, formulando no final das suas alegações as conclusões seguintes:
“1. A ora Apelante recorre do o teor do douto despacho proferido com a refª 84535755 dos autos porquanto não se conforma com o indeferimento da sua pretensão requerida a fls. ... dos autos e, por ser contrário ao fixado na sentença homologatória;
2. O presente recurso tem por objecto a alteração dos valores a liquidar pela ora Apelante dando o devido cumprimento ao estipulado no acordo homologado nos presentes autos;
3. Ficou acordado entre as partes na cláusula 14º que à pensão referida em “7º” serão descontadas as quantias que tenham sido pagas ao autor pela ré a título de pensões provisórias;
4. Em nenhuma parte da referida cláusula 14º ou mesmo no restante clausulado, se conclui que a ora Recorrente só pode descontar as pensões provisórias a partir do dia 03/05/2019, como é pretensão do sinistrado;
5. Desde o dia 04/05/2017 até ao dia 15/01/2019 a ora recorrente liquidou ao sinistrado a título de pensão provisória a quantia de 14.682,45€;
6. Considerando o valor global liquidado, a ora recorrente, à luz e semelhança de outro processos, sugeriu a compensação ao nível dos pagamentos de Incapacidades Temporárias e subsídios fixados;
7. Para além de ter sido indeferida a pretendida compensação, também foi indeferido o desconto das pensões provisórias tal como ficou estipulado na referida cláusula 14º, pois no requerimento apresentado pelo sinistrado a fls. 424 e 425 refere no ponto 4 que apenas à pensão referida em 7, serão descontadas as quantias pagas em excesso após 03.05.2019;
8. Ao fixar a data de 03/05/2019 está a permitir um enriquecimento sem causa do sinistrado no valor de 14.682,45€;
9. Deverá ser alterado o douto despacho, atendendo que, o sinistrado já recebeu todas as quantias a que tinha direito, devendo ser descontado à pensão anual até perfazer o valor de 14.682,45€, dando cumprimento ao acordado na cláusula 14º.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso e reparada o douto Despacho proferido pelo douto Tribunal "a quo", substituído por uma decisão que confirme o teor da cláusula 14º, procedendo a ora recorrente ao desconto do valor de 14.682,45€ correspondente ao valor global liquidado a título de pensões provisórias, com todas as legais consequências, fazendo-se desse modo, VERDADEIRA JUSTIÇA!”

3.2. Contra-alegou o Autor, constando das suas contra-alegações as conclusões que se seguem:
“A. Não assiste qualquer razão à Recorrente, outra não poderia ser a decisão tomada pelo Mm.º Juiz a quo, a transação celebrada, e já transitada em julgado, é clara e não deixa quaisquer dúvidas quanto às obrigações assumidas pela Recorrente.
B. Seja como for, o recurso é extemporâneo, devendo, em consequência, ser rejeitado por não preencher os requisitos legais para a sua admissão.
C. Mesmo que assim não se entenda, a Recorrente, pretende obviar ao cumprimento das suas obrigações para com o Sinistrado, ora Recorrido, que assumiu em Agosto de 2020 e que não cumpriu até à presente data, vindo agora dar o dito por não dito.
D. O recurso em resposta apenas demonstra a clara má-fé da Recorrente e até um abuso de direito, por forma a excluir-se dos pagamentos de que há mais de 6 meses é devedora ao Sinistrado.
E. Recorrente e Recorrida transigiram, em 31 de Agosto de 2020, tendo a Recorrente se obrigado a proceder ao pagamento dos montantes abaixo transcritos, conforme resulta da ata junta a fls. dos autos:
"8º- A ré obriga-se a pagar ao autor um subsídio por situações de elevada incapacidade permanente no montante de €5.205,00, acrescido dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 16.01.2019 até integral pagamento.
9º- A ré obriga-se a pagar ao autor a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta (ITA), a quantia de €33.138,70 (€7.360,95 +€25.777,75), acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 10.10.2014 até integral pagamento.
10º- A ré obriga-se a pagar ao autor um subsídio para readaptação de habitação no valor de €2.695,00 + IVA, ou seja, no valor de €3.314,85, acrescido dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 06.09.2018 (data da citação da ré) até integral pagamento.(...)
12º-Os pagamentos a efetuar pela ré em cumprimento do referido em “8º” a “10º” terão que ser efetuados até ao dia 31.08.2020 e através de transferência bancária para a conta do autor através da qual a ré vem pagando ao autor pensões provisórias. (...)" (negritos nossos.)
F. Assim, a Recorrente obrigou-se até 31 de Agosto de 2020, a proceder ao pagamento:
- 5205,00€, acrescidos juros de mora que, em 31.08.2020, perfaziam 342,25€;
- 24.733,47€, acrescido de juros de mora que, em 31.08.2020, perfaziam 5.852,01€;
- 3.314,85€, acrescido de juros de mora que, em 31.08.2020, perfaziam 216,19€;
- tudo num TOTAL: 39.663,77€.
G. O Recorrido/Sinistrado esteve em ITA até 15 de Janeiro de 2019, pelo que apenas poderão ser acertados a diferenças pagas a partir dessa data, considerando que a partir daí lhe foi reconhecida uma pensão inferior à provisoriamente paga, no valor mensal de 104,88€.
H. Nos termos do acordo, à indemnização definida no ponto 9 apenas poderá ser descontada a quantia de 20.96825, conforme resulta do ponto 13.
I. Bem como, nos termos do ponto 14, à pensão referida em 7, serão descontadas as quantias pagas em excesso após 03.05.2019.
J. Nessa sequência, o raciocínio da Recorrente está absolutamente desprovido de qualquer fundamento e não vai ao encontro do acordado que assumiu.
K. Concluindo, nos termos da transação celebrada, à indemnização definida no ponto 9 do acordo apenas poderá ser descontada a quantia de 20.96825, conforme resulta do ponto 13.
L. Por sua vez, nos termos do ponto 14, apenas à pensão referida em 7, serão descontadas as quantias pagas em excesso após 03.05.2019.
M. Não existem dúvidas de que a Recorrente está a contabilizar no pagamento e suposta execução do acordo valores que não podem ser contabilizados, nos termos acima expostos.
N. Razão pela qual deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o despacho recorrido e ordenando-se o pagamento acordado acrescido de juros vencidos até efetivo e integral pagamento.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V.S
EX.ªS MUITO DOUTAMENTE SUPRIRÃO:
Deve ser, por V.ªs Ex.ªs, negado provimento ao recurso.
Assim se fazendo JUSTIÇA”

3.3. O recurso foi admitido no Tribunal a quo nos termos do despacho seguinte:
“Fls. 431 a 434: Por a decisão ser recorrível, por o recurso ter sido interposto tempestivamente (no 3º dia útil subsequente ao termo do prazo com o pagamento da multa correspondente ao 3º dia útil subsequente ao termo do prazo), por a recorrente ter legitimidade e por o requerimento de interposição de recurso conter a alegação da recorrente, incluindo as conclusões, admito o recurso interposto pela R., o qual é de apelação, com subida em separado e com efeito meramente devolutivo - cfr. artºs 79º, alínea b); 79º-A, nº 2, alínea j); 80º, nº 2; 81º, nº 1; 82º, nº 1; 83º, nº 1; e 83º-A, nº 2, todos do C.P.T..
Determino que a secretaria extraia certidão das peças do processo indicadas a fls. 443 e, bem assim, de fls. 430 a 439 e do presente despacho e que, após, constitua com tal certidão um apenso de recurso em separado e que, após, remeta tal apenso ao Venerando Tribunal da Relação do Porto.
Notifique e cumpra nos termos determinados.”

4. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
***
Cumpre decidir:
II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, é a seguinte a única questão a decidir: saber se a decisão recorrida aplicou adequadamente a lei e o Direito / regime da transação judicial e sua aplicação ao caso.
*
III – Fundamentação
A) Fundamentação de facto
Os factos relevantes para a decisão do recurso resultam do relatório a que se procedeu.
***
B) Discussão
Tendo em vista a apreciação por parte deste Tribunal da Relação da questão colocada no presente recurso, assim sobre saber se o Tribunal a quo aplicou adequadamente a lei e o direito na decisão recorrida, importa desde já assinalar que dessa decisão, sem que aliás se faça referência a qualquer normativo legal, apenas consta o seguinte:
“Determino que, com cópia de fls. 427, a R. seja notificada para, no prazo de 10 dias, vir aos autos demonstrar o pagamento ao A. das quantias que se obrigou a pagar-lhe, sendo certo que, face aos termos da transação efetuada, afigura-se correto o entendimento defendido pelo A. no seu requerimento de fls. 424 verso a 425 (de 17.12.2020).
Em face, pois, dessa singela fundamentação, apenas se pode retirar a mera afirmação do Tribunal recorrido no sentido de que, em face dos termos da transação, se lhe afigurava correto o entendimento que havia sido defendido pelo Autor, em requerimento anteriormente apresentado, sem que, porém, para o que na nossa ótica apontaria a boa prática processual e mesmo das regras do CPC sobre fundamentação da decisão, se tenha explicitado, minimamente que fosse, essa posição, ou seja, sem que se tenha escrito no texto da decisão uma palavra que fosse no sentido de convencer sobre a razão por que se considerou correta a posição defendida pelo Autor, em contraponto com a defendida pela Ré (com sentido diverso daquela).
Cumprindo-nos apreciar, assim para efeitos de pronúncia no presente recurso, incluindo sobre a necessária verificação sobre se estamos ou não em condições de o fazer e nesse caso em que termos, importa que façamos previamente o devido enquadramento da questão que nos é colocada – até porque, como o dissemos já, sobre tal não se pronunciou o Tribunal a quo na decisão recorrida –, tarefa essa a que nos dedicaremos de seguida.
1. Da transação judicial
Resulta do disposto no artigo 1248º, n.º 1, do Código Civil (CC), que a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões.
Assim, como expressamente desse preceito resulta, a finalidade do contrato de transação consiste, precisamente, em prevenir ou terminar um litígio, ou seja, utilizando as palavras de Rodrigues Bastos[1], substitui-se através da transação “a incerteza sobre a questão controvertida pela segurança que para cada uma das partes resulta do reconhecimento dos seus direitos pela parte contrária, tal como ficam configurados depois da transação”.
Assim configurada, poderemos dizer que a existência de concessões recíprocas se constitui, afinal, como requisito constitutivo do contrato de transação, sendo deste modo deixados os termos da exigida reciprocidade à liberdade das partes e à avaliação que as mesmas façam da distribuição do risco do resultado do litígio. Agora também por apelo aos ensinamentos de Alberto dos Reis, poderemos então dizer que a transação situar-se-á, assim, a meio da desistência do pedido e da confissão[2].
Vistas agora as normas processuais (CPC), configurando-se a transação (tal como a confissão e a desistência) como causa de extinção da instância (como resulta da al. d) do artigo 277.º), dispondo-se no n.º 2 do artigo 283.º ser “lícito às partes, em qualquer estado da instância, transigir sobre o objeto da causa”, resulta depois do artigo 284.º que a mesma (à semelhança da confissão) modifica o pedido ou faz cessar a causa nos precisos termos em que se efetue.
Sendo efetuada em ata[3], nos termos previstos no n.º 4 do artigo 291.º, o juiz, caso verifique que a transação é válida pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, limita-se a homologá-la por sentença, ditada para a ata, condenando nos respetivos termos. Ou seja, como resulta da citada norma, dependendo é certo a eficácia da transação da prolação da sentença homologatória, constata-se que a função dessa sentença não é a de apreciar/decidir as razões e argumentos das partes sobre a respetiva controvérsia substancial e sim, apenas, diversamente, a de verificar/fiscalizar a regularidade e a validade do acordo, pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nele intervieram. Daí que, verdadeiramente, como de resto resulta do n.º 1 do artigo 1248º do CC, se possa dizer, sem grande margem para dúvidas, que a fonte real da resolução do litígio não é nestes casos propriamente a sentença homologatória e sim o ato de vontade das partes, mais propriamente a respetiva convergência no sentido de, mediante recíprocas concessões, terminam um litígio.
Isso mesmo tem sido evidenciado pela nossa Jurisprudência, ao pronunciar-se sobre o alcance da transação judicial, de que é exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de novembro de 2018[4], nos termos do qual, entendimento que também sufragamos, “«tal sentença não conhece do mérito da causa, mas chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transação, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. E uma vez transitada em julgado, como que corta, e definitivamente, o cordão umbilical que a ligava à transação de que nascera» (ASTJ de 4.11.93, apenas com sumário disponível em www.dgsi.pt e publicado em BMJ 431/417, realce acresc.; no mesmo sentido, transcrevendo o passo do acórdão, ASTJ, de 25.3.2004, publicado na página referida)”.
Vale assim a transação por si, como negócio das partes, sendo que “a intervenção do juiz é de mera fiscalização sobre a legalidade do objecto desse contrato e da qualidade das pessoas que o celebram, não conhecendo do mérito, antes sancionando a solução que as partes encontraram para a demanda, como que absorvendo o acertamento que esses sujeitos processuais deram ao litígio, no âmbito da autonomia privada e dentro dos limites da lei, convencionando o que bem entenderam quanto ao objecto da causa” – como se refere no Acórdão desta Secção da Relação do Porto de 21 de dezembro de 2006[5]. E, porque assim é, proferida a sentença homologatória qualquer eventual recurso que essa tenha por objeto apenas pode incidir sobre um vício de que enferme essa mesma decisão – e não pois sobre o mérito da transação que foi homologada, ou, dito de outro modo, sobre a validade intrínseca do contrato de transação que foi celebrado entre as partes –, sendo que, tal como resulta do regime processual vigente, a transação (tal como a confissão e a desistência) pode então ser declarada nula ou anulada como os outros atos da mesma natureza, não obstando pois o trânsito em julgado da sentença homologatória proferida a que se intente a ação destinada à sua declaração de nulidade ou anulação, ou, ainda, por outra via, que se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação[6] – não constituindo pois o recurso a interpor de uma sentença homologatória de uma transacção a sede própria para se pôr em causa a validade substantiva do contrato de transação sobre o qual aquela incidiu[7].
Dentro do regime antes mencionado, sem esquecermos ainda os efeitos do caso julgado e sua eficácia, porque a transação, como se viu, vale por si, dado o regime e finalidade do contrato de transação em geral – assim, no que para o caso importa, o de que as partes terminam um litígio mediante recíprocas concessões (artigo 1248º, n.º 1, do CC) –, que a mesma se configura como causa de extinção da instância (como resulta da al. d) do artigo 277.º) e que modifica o pedido ou faz cessar a causa nos precisos termos em que se efetue (artigo 284.º), apesar de ser de admitir que as partes possam celebrar uma qualquer transação judicial que não envolva todas as questões sobre as quais incide o litígio – ou seja, que possa ser celebrada transação parcial como forma de retirarem da discussão da causa questões sobre as quais tenham entretanto chegado a acordo e que o processo entre pois na discussão apenas quanto às questões ainda controvertidas –, sempre tal limitação terá de resultar, necessariamente, dos termos em que as partes formalizam essa intenção (de transigir pois apenas parcialmente), para o que importará, então, recorrer às regras da interpretação das declarações negociais, nos quadros do artigo 236.º do CC, assim, por apelo ao critério enunciado no seu n.º 1, ou seja, em traços muito genéricos, de que esse sentido terá de corresponder àquele que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, deduziria do teor das declarações que consubstanciam a transação (assim as suas cláusulas) e do contexto factual em que as mesmas foram emitidas – em face da teoria da impressão do destinatário que foi acolhida nesse preceito, está em causa uma interpretação objetiva, nos termos da qual a declaração negocial vale segundo a vontade exteriorizada pelo declarante e não segundo a sua vontade real, tendo no entanto presente que, como é consabido, a teoria adotada no preceito comporta duas exceções/limitações: a primeira ocorre quando o sentido que um declaratário normal deduziria da declaração não puder, razoavelmente, ser imputado ao declarante (art. 236.º, n.º 1, in fine); a segunda ocorre quando o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2 do art. 236.º).
Na verdade, a decisão judicial, corporizada na homologação do pacto afirmado pelas partes na ação, constituindo um ato jurídico, deve interpretar-se segundo os princípios legalmente impostos e acomodados para os negócios jurídicos.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de dezembro de 2016[8] (transcrição):
“I. A transacção exarada no processo, que põe termo ao litígio entre as partes, constitui um contrato processual, concretizando um negócio jurídico efectivamente celebrado pelas partes intervenientes na acção, correspondente àquilo que estas quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita - a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões - art. 1248.º, n.º. 1, do Cód. Civil.
Ao homologar tal acordo o Juiz, nos termos do disposto no art.º 290.º, n.º 3 e 4 do C.P.Civil, limita-se a fiscalizar a legalidade, a verificar a qualidade do objecto desse contrato e a averiguar a qualidade das pessoas que nele intervieram.
A exigida exigência da presença do Juiz na homologação da transacção faz com que se atribua ao negócio celebrado uma função jurisdicional, dando-lhe força executiva; não toma, porém, o Juiz posição acerca do negócio acordado, ficando de fora do sentido e alcance do acordo celebrado.
Ora, se é assim, a decisão judicial corporizada na homologação do pacto afirmado pelas partes na acção, constituindo um acto jurídico, há-de interpretar-se segundo os princípios legalmente impostos e acomodados para os negócios jurídicos (art.º 195.º do C.Civil).[1]
Neste contexto terá o intérprete de indagar qual a vontade das partes exteriorizada na transacção que o Juiz, ao homologá-la, jurisdicionalizou de tal modo que, encontrada esta, todas as circunstâncias envolventes do processo se clarificam e tomam um sentido definitivamente exacto - "as decisões, como os contratos, como as leis, como, afinal, todos os textos, têm de ser interpretados e não lidos; ler não é o fim; é o princípio da interpretação".[2]
Assumindo a transacção judicial a natureza jurídica de um autêntico contrato, há-de ela incluir-se no regime legal acomodado para o regime geral dos negócios jurídicos (artigo 217.º e segs. Do C.Civil), designadamente é permissível que se apure se, em especificada transação, ocorreu erro na declaração que a materializou, nos termos e pelo modo como está doutrinado e condensado nos artigos 247.º do Cód. Civil - quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
2. Aplicação ao caso do regime antes afirmado
Importando que apliquemos ao caso o regime antes afirmado, o que está em causa, como desse resulta, no que aqui importa, em face do objeto do presente recurso – no qual não se colocam quaisquer questões sobre eventual ocorrência de erro na declaração que materializou a vontade das partes (nos termos e pelo modo como está doutrinado e condensado nos artigos 247.º do CC) –, é de saber se a decisão recorrida, dando adequada aplicação ao regime legal aplicável, através da adequada indagação, atendeu àquela que teria sido a real vontade das partes, ao transacionarem do modo como o fizeram.
Nesse sentido, por não estar afinal em causa a decisão homologatória da transação, pois que essa não pode aqui ser sindicada, cingidos pois ao que pode ser objeto do nosso conhecimento, em face das conclusões apresentadas pela Recorrente, nas quais se afirmando o seu inconformismo com a decisão recorrida no pressuposto de que o aí afirmado seja contrário ao fixado na sentença homologatória, apreciando as questões expressamente colocadas, diremos o seguinte:
Desde logo, fazendo a Recorrente nas suas conclusões referência tão somente ao teor da cláusula 14.ª da transação firmada nos autos, em termos de interpretação da real vontade das partes, importa esclarecer que teremos de atender, também, ao exato teor das demais cláusulas dessa transação, das quais resulta, com relevância para esses efeitos, nomeadamente:
- Das cláusulas 3.ª e 4.ª, a aceitação pelas partes de que do acidente resultou para o autor uma incapacidade temporária absoluta (ITA) desde o dia 09.04.2017 até ao dia 15.01.2019 (e que nessa data ocorreu a consolidação médico-legal das lesões);
- Das cláusulas 5.ª, 7.ª e 14.ª, em face da aceitação de uma IPP de 80,19% (com a atribuição do fator 1.5 pela idade) com IPATH, o assumir pela ré da obrigação do pagamento de uma pensão anual, vitalícia e atualizável, de € 6.944,69, devida a partir de 16.01.2019 (acrescida dos respetivos juros de mora)[9], à qual deverão ser “descontadas as quantias que tenham sido pagas ao autor pela ré a título de pensões provisórias” (sublinhado nosso);
- Da cláusula 8.ª, o assumir pela ré do pagamento, desde 16.01.2019, de um subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, no montante de €5.205,00, acrescido dos respetivos juros de mora;
- Das cláusulas 9.ª e 13.ª, o assumir pela ré da obrigação de pagamento, referente ao período de ITA, da “quantia de €33.138,70 (€7.360,95 + €25.777,75), acrescida dos respetivos juros de mora”, à qual “será descontada a quantia de €20.968,52” (sublinhado nosso).
Pois bem, visto o modo como os direitos foram configurados e afirmados, nos termos antes descritos, em termos de interpretação de qual teria sido a real vontade das partes ao transigirem, por aplicação dos critérios antes enunciados, resulta para nós, com suficiente clareza, que a intenção foi a de fixar, assim com autonomia, por um lado os valores que seriam devidos por ITA, delimitando ainda o período temporal correspondente, assim até 15 de janeiro de 2019, e, por outro lado, os valores que seriam devidos por IPP, assim a respetiva pensão, como também, igualmente, o momento a partir do qual esta seria devida. Nesse contexto, a respeito pois das quantias que haveriam de ser descontadas, de um modo que mais uma vez nos parece evidente, ao ter-se contabilizado, expressamente, quanto às últimas, assim referentes a ITA, o montante concreto que seria descontado, ou seja o de €20.968,52 e não pois qualquer outro, tento presente que se definiu também o período que estava abrangido, assim até 15 de janeiro de 2019, então, por referência necessariamente a essa indicada data, apenas se pode ter como considerado, para efeitos de desconto, o que foi aí indicado, assistindo, assim, nesta parte, razão ao Apelado. De facto, caso a intenção tivesse porventura sido a de atender a quaisquer outros valores, tanto mais que as partes estavam em condições ao transigirem de o fazer, impunha-se que tal resultasse então do texto que se fez constar, o que, assim o consideramos, não se verifica. Deste modo, nessa parte, diversamente do que a Recorrente defende, não lhe é lícito, com base do que resulta dos termos transacionados, descontar quaisquer quantias que ultrapassem o valor de €20.968,52, ainda que, esclareça-se, porventura as tivesse pago. De facto, repete-se, nessa parte os termos transacionados, que delimitam o direito, indicam de modo a nosso ver suficientemente claro quer o período a atender, quer os valores a considerar, incluindo com indicação do que seria devido (através do desconto do montante que expressamente também as partes mencionaram).
Importando agora verificar dos valores devidos por IPP, não podendo esquecer-se, mais uma vez, que foi indicada, com autonomia em termos do clausulado, a IPP aplicável e momento a partir do qual seria devida, assim 16 de janeiro de 2019, percebe-se então, por aplicação dos critérios interpretativos a respeito de qual teria sido a vontade das partes, que a referência constante da cláusula 14.ª, assim de que “à pensão referida em “7º” serão descontadas as quantias que tenham sido pagas ao autor pela ré a título de pensões provisórias”, deve ser entendida, tanto mais que remete para a cláusula 7.ª, como referindo-se a pensões (provisórias) por IPP, pois que é apenas a essa, afinal, que se refere tal cláusula. E, sendo assim, nos mesmos teremos, deve então, por necessária referência à data que dessa cláusula consta, assim de 16 de janeiro de 2019, interpretar-se com o sentido de que estarão em causa apenas as pensões provisórias que tenham sido pagas a partir dessa data e não já, pois, quaisquer outras que porventura o tivessem sido antes, mas também, importa esclarecê-lo, sem que daí resulte uma qualquer data posterior, assim em particular a de 03.05.2019 que foi indicada pelo Apelado no processo – e que repetiu nas suas contra-alegações, assim na sua conclusão I) –, que veio afinal a ser atendida na decisão recorrida ao ter-se remetido para o que aquele havia defendido. De facto, sem prejuízo ainda de sequer resultar demonstrado quer do requerimento do Sinistrado quer da decisão recorrida o fundamento para a indicação dessa referida data, em face dos elementos de que este Tribunal da Relação dispõe, em particular o que resulta da transação firmada pelas partes, o teor da cláusula 14.ª, conjugada com as demais cláusulas, em particular a 7.ª, apenas nos permite concluir do modo como o fizemos anteriormente, assim no sentido de que deverão então ser apenas descontadas as quantias pagas em excesso a partir de 16 de janeiro de 2019.
Em face do exposto, improcedendo quanto ao mais, procede nesta parte o recurso, impondo-se que o Tribunal a quo, em conformidade com o antes afirmado neste acórdão, verifique posteriormente do adequado cumprimento dos direitos correspondentes.
As custas são da responsabilidade de Recorrente e Recorrido na proporção de vencimento / decaimento (artigo 527, do CPC).
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Sumário – a que alude o artigo 663º, nº 7, do CPC:
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IV – DECISÃO
Acordam os juízes que integram esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na procedência parcial do recurso, em revogar a decisão recorrida, na parte delimitada no presente acórdão e em conformidade com os termos que afirmámos, determinando-se que o Tribunal de 1.ª instância, dando-lhes aplicação, verifique do adequado cumprimento pela Ré dos direitos correspondentes.
Custas por Recorrente e Recorrido, na proporção de vencimento / decaimento.

Porto, 20 de setembro de 2021
(acórdão assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Dos Contratos em Especial, vol. III, 1974, pág. 221
[2] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, pp. 489 e ss
[3] Pode também sê-lo por documento autêntico ou particular, sem prejuízo das exigências de forma da lei substantiva, ou por termo no processo, como se dispõe no n.º 1 do artigo 290.º.
[4] Relator Conselheiro Cabral Tavares, in www.dgsi.pt.
[5] No âmbito do processo n.º 0633635, disponível na mesma base jurídico-documental.
[6] Cfr. artigo 291.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil
[7] É que (como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Dezembro de 2013 – processo 6898/11.0TBCSC.L1-1, também disponível www.dgsi.pt), “desde o momento que a intervenção do juiz – quando tem de decidir se homologa ou não a transacção – é de mera fiscalização sobre a legalidade do objecto desswe contrato e da qualidade das pessoas que o celebraram, tudo quanto pode pôr-se em crise – no recurso a interpor duma sentença homologatória duma transacção – é se o litígio versava ou não sobre direitos na livre disponibilidade das partes (já que, nos termos do artigo 1249.º do Código Civil, as partes não podem transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor, nem sobre questões respeitantes a negócios jurídicos ilícitos) ou se as pessoas que intervieram na transacção detinham ou não poderes para o efeito.”
[8] Relator Conselheiro Silva Gonçalves, in www.dgsi.pt.
[9] A ser paga, adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo que os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, serão pagos, respetivamente, nos meses de junho e novembro;