Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0846523
Nº Convencional: JTRP00042353
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: BURLA
Nº do Documento: RP200903250846523
Data do Acordão: 03/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 363 - FLS 76.
Área Temática: .
Sumário: São os seguintes os elementos do tipo objectivo da burla:
a) o emprego de astúcia pelo agente;
b) a verificação de erro ou engano da vítima devido ao emprego da astúcia;
c) a comprovação da prática de actos pela vítima em consequência do erro ou engano em que foi induzida;
d) a existência de prejuízo patrimonial da vítima ou de terceiro, resultante da prática dos referidos actos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 6523/08
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e Maria Elisa Marques,
- após conferência, profere, em 25 de Março de 2009, o seguinte
Acórdão
I - RELATÓRIO
1. No processo comum (tribunal colectivo) n.º …../99.9TDLSB, da .ª Vara Criminal do Porto, em que é assistente B………., S.A., e arguido C………., foi proferido acórdão que decidiu nos seguintes termos [fls. 2660-2661]:
«(…) Condenar o arguido C………., como autor material de um crime de burla agravada, previsto e punido pelas disposições dos artigos 217º e 218º nº 2 al. a), ambos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão.
(…)»
2. Inconformado, o arguido recorre, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões [fls. – após convite ao aperfeiçoamento]:
«1 – Há erro notório, por colidir com “regras de experiência comum” – artigo 127º do C.P.P. -, quando, se diz, em sede de matéria não provada - a fls. 28 -, que “não se provou que a actuação do arguido fosse do conhecimento dos seus superiores”, mas, por outro lado, se dá como assente que:
a) - o “esquema” usado pelo recorrente era prática corrente no próprio Banco, que o utilizava, desde os tempos das obrigações “D……….” e “E……….” até finais de 1998 –, como decorre dos depoimentos do Dr. F………. ao referir – (cassete nº 1 da audiência de julgamento de 23-05-2007, desde o nº 2457 do lado A ao nº 3717 do lado B) fls. 52/53 da douta decisão que: “entre 1995 e 2000 tive estas obrigações G………. ou E……….” e do Dr. H………. - depoimento a fls. 1038 -, não se pode pensar que seja algo diverso ”de uma política financeira da banca no sentido de captar clientes e fluxos financeiros, tanto mais que foi um dos seus administradores que me falou nesse assunto” (Sic)
b) - esses movimentos eram levados ao “sistema central”, perceptíveis, pois, no “jornal electrónico” referido a fls. 1158, demais que, como consignado na douta decisão -, nº 24 da matéria provada – todo o depósito tem uma saída, registada no extracto da conta à ordem, ainda que sem indicação do “verdadeiro destino”.
E essa inferência, afasta-se das regras de experiência comum, tendo em conta o que se vê do nº 8 da matéria de facto provada (fls. 6), documentos a fls. 843, 2151 e depoimentos de I………. (ver fls. 41), Dr. J………. (fls. 42), “credibilizada” testemunha Dr. K………. em acta de 22.02.08), da síntese do depoimento de I………. a fls. 41 da douta decisão, como do ressalta que referiu que sabia que “a agência das Antas tinha problemas administrativos, mas era de relevo financeiro”;
- demais que um dos depositantes–aplicadores é um Administrador do mesmo banco (!!) que, não só obteve a prática dessa remuneração - fls. 1915-, como aconselhou a que de tal participasse o .Dr. H………., Director de outro banco (!!) - depoimentos de L………. (cassete nº 2 do lado A da audiência de 10-05-2007 e lado B da cassete nº 3 da acta de audiência de 10-05-2007, respectivamente), e depoimento da testemunham M………., que entrou para Agência pela mão e a pedido (!!) do Director do N……… (!!) que lhe garantiu taxas competitivas – fl.48 da douta decisão;
Ocorre, pois, um vício expresso do nº 2 do art. 410º do C.P.P.
2 – Há contradição insanável ou obscuridade inultrapassável da douta decisão, à face das regras da experiência comum, e dos próprios termos da douta decisão, ao dar como provado que o arguido representou o prejuízo da Banca - nº 59 e 60 da matéria provada -, já que sabia dos riscos ínsitos aos negócios efectuados no Mercado de Valores Mobiliários…”- nº 35 da matéria de facto, quando, por outro lado,
assente está que sabia que o “retorno oferecido pelo Mercado de Valores Mobiliários apresentava índices muito altos em relação aos produtos tradicionais”- nº 7 e 44 dos factos provados –, “permitindo, num curto prazo ganhos elevados”- nº 26 dos factos provados – sendo que esses “títulos depois de vendidos, considerando a conjuntura, à época, favorável a este tipo de aplicação, obter ganhos com os quais foi conseguindo pagar as taxas de juros contratadas” - nº 31 da matéria provada – , e a fls. 1100, se pode ler que: “foram repartidos por títulos de forma a remanescer uma pequena percentagem que garantia pelo menos a remuneração dos juros especiais prometidos por C……….”.
(Tal também decorre do depoimento da O………. junto do lado A da cassete nº 2 da acta de audiência de julgamento de 23-05-07: “o destino era a compra de títulos e habitualmente também ficava um remanescente da conta…as mais valias ficavam na conta paralela”)
Há, pois, um vício constante do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., que se traduz em erro de julgamento em matéria de facto.
3 – Se se dá como provado - nº 28 da matéria de facto (fls. 12) – que o arguido usou dinheiro dele e assim o queria aplicar – “próprio arguido fez, em seu nome, este tipo de aplicação financeira” (sic – com sublinhado nosso) –, concluir que o arguido “alcançou um enriquecimento que sabia não ser legítimo e só possível à custa do prejuízo do N……….” (sic a fls. 72), porque “obteve para si ….quantias em dinheiro às quais deu o destino que bem quis e entendeu” – nº 57, a fls. 25 -, sem poder precisar qual fosse esse montante pessoal que assim aplicou,
é, s.m.o, incorrer em contradição ou obscuridade, manifestas, entre a fundamentação e a conclusão lógico – histórica
4 – Viola o regime da livre convicção em face das regras de experiência comum – artigo 127 do C.P.P., a contrariedade em termos de convicção.
Esta ocorre quando, se dá como provado que “tais (fossem) apenas do conhecimento do arguido e de funcionários da agência, surgindo no sistema informático central do banco como contas autónomas sem relação com qualquer outra, relativamente ao modo como o banco “visualizava as contas paralelas” - ponto 19 da matéria de facto –
mas, em 23 da mesma matéria de facto já se diz que “… se evidenciavam como contas de títulos associadas ás contas á ordem” e, do depoimento da Drª O………. - cassete 2, lado A, na acta da audiência de 23-05-07: “o banco vê uma conta associada aquele cliente…uma conta de depósito à ordem que tinha associada um dossier de títulos”
São, pois, os elementos dos autos, de per si, a contrariar a conclusão em sede fáctica e dar como provado que tal prática não era desconhecida nem ocultada do Banco.
5 – Dar como provado “ter havido engano dos depositantes” porque “certamente haveria muitos, que se soubessem que o seu dinheiro, ou parte dele, assim ia ser aplicado não o teria entregue porque não quereriam correr o risco bolsista”,
sem que se refira um único caso em que essa situação condicional (“haveria”, “teria”, “quereria”) – fls. 68 da douta decisão - sequer se tenha verificado,
- demais depois de ter que reconhecer que o contrário resulta da versão das testemunhas P………. (fls. 43 da douta decisão), que “continuaria a confiar desde que …garantisse que, no final do prazo, lhe restituía o dinheiro aplicado, acrescido de juros”, Q……….. – resumida a fls. 44 - versão condensada, a fls. 53 da mesma decisão (depoimento da testemunha S………..), e H……….., Director de um banco concorrente, esta espelhada a fls. 49,
- é violação da regra da “certeza histórica” .
Esta conclusão equivale a preterir o princípio da livre convicção, e sempre a ideia da “presunção de inocência”, e o seu corolário do “in dubio pro reo”, acabando por ser interpretação ferida de inconstitucionalidade do artigo 32, nº 2 da C.Rep (cfr. fls. 34 e 35 do douto parecer nos autos).
Violou–se, pois, o regime dos artigos 127º do C.P.P. e 32º, nº 2 da C.Rep.
6 – Dar como provado que o recorrente “não estava autorizado, pelos clientes...a usá-lo, todo ou parte dele, em negócios em bolsa…” “sequer estava autorizado a decidir qual o melhor modo e mais rentável de aplicar e investir o dinheiro dos clientes” e dizendo da conduta do arguido que tal fazia “escondendo dos clientes o verdadeiro destino do dinheiro entregue” – nºs 16, 17 e 24 da matéria provada (fls. 8 e 10 da douta decisão), sem que se aponte um único facto que tal suporte, e havendo a prova contrária, p.ex. do depoimento do Dr. H………. – que nem era Cliente angariado pelo arguido, e era Director de um banco! (cassete nº 2 do lado A da acta de audiência de 10-05-2007, rotações desde o nº 0900 ao nº 3110) -
é fazer errada interpretação das regras dos artigos 127º do C.P.P. e 32º, nº 2 da C.Rep., bem como do conceito jurídico de depósito bancário – (cfr Ac. Rel. Porto 200403080356996 (rel. Cunha Barbosa), 200111300050652 (Rel. Santos Carvalho) que cita Acs. STJ de 77.07.07 (BMJ. 269/137), RL de 83.03.17 (C.J.VIII,II/11)-, Acs. R.L. 82.03.18 (CJ.VII, III/97) STJ 86.06.17( BMJ 358/365). e Paula Ponces Camanho, Do contrato de depósito bancário, 1988, pág. 153 – pois, após o depósito, o banco “poderá dela (quantia) dispor livremente”, já que há “transmissão da propriedade da quantia para o banco”.
7 – Sendo o objecto da acusação a imputação ao arguido da responsabilidade por captação de “dinheiro para aplicação financeira” – nº 18 da matéria provada -, que “pôde gerir e aplicar como lhe aprouve” – nº 30 da matéria provada - após o que “umas vezes adquiria títulos ou fundos comercializados no Mercado de Valores Mobiliários de Lisboa…”..”outras transferindo montantes diversos para contas de certos clientes…recebendo apenas por vezes,…como garantia cheques pré – datados” – nº 31 da matéria dada como provada - (sic),
7.1. -fazer englobar no valor quantificado como sendo a do prejuízo do assistente, a matéria que se descreveu como - “impedi-lo (ao Banco) de dispor desse dinheiro” (sic – a fls. 73 da douta decisão),
- “impedindo assim a instituição bancária de obter lucros e ganhos que só a este pertenciam” (sic, a fls. 15 da mesma)
- custos fiscais – nº 38 da matéria de facto provada -,
- e o crédito “mal parado” derivado dos empréstimos concedidos …apenas tendo como garantia cheques pré– datados”- nº 39 da matéria provada - “sem a contrapartida de garantias que o N……….. exigia que fossem dadas para mutuar tais montantes” – nº 57 da matéria provada –,
7.2. – como o decorrente de eventual “descoberto” dos “clientes T……….”., ou seja, uma verba de 677.635.952$00 -, fls. 2382 e 2383 dos autos - respeitante a “Clientes T……….”, que é mais de metade daquele acima,
7.3 - quando, nesta outra situação se reporta a operação (operações) contratada(s) directamente entre depositantes do Banco e a T………., por força de eventuais saldos das “suas contas” (desses Clientes do Banco e da T……….) – fls. 59 da douta decisão e depoimentos de L………. – fls. 51 dos autos e (CD 11 da acta de audiência de julgamento de 06-06-2008 desde 1h:50m:34ss de gravação até 1h52m48ss e CD 12 da audiência de julgamento de 06-06-2008 desde o inicio da gravação até 6m45ss), e do “muito esclarecedor” – fls. 56 e 58 da douta decisão - depoimento do técnico da auditoria, K………., tal como decorre da versão extratada a fls. 59 da douta decisão em recurso.
- é interpretar erroneamente o elemento “prejuízo”, no tipo do crime assacado, pois eventual prejuízo referente a estes “clientes T……….”, não emerge “imediatamente a seguir à deslocação patrimonial”, nem é “por ela produzido” (ver autores e locais citados a fls. 31,33 e 43 do douto parecer junto).
Há, pois, violação das regras dos artigos, 217 do C. Penal, como 124º, 127º e 358º do C.P.P.
8 – Tendo em conta o que em sede de matéria fáctica se deu e deve dar como provado, como se aponta acima nas conclusões 4, 6 e 7, bem como o que resulta do depoimento resumido a fls. 13, do tal caso – modelo, subsumir esta conduta no crime de burla, que é “delito de execução vinculada”, pressupondo um meio enganoso tendente a induzir outrém em erro, e com base nesse erro, a praticar actos de que ocorram prejuízo patrimonial, em benefício do agente ou de terceiros,
- é fazer errada interpretação do nº 1 do artigo 217º do C. Penal e assim, fazer interpretação que fere o “mandamento constitucional da legalidade/tipicidade, nullum crimen sine lege (C.Rep., artigo 29, nº1) – apud fls. 8 e 20 e notas 10 e 11 do douto parecer, para além do que decorre dos textos doutrinais que se citaram, na douta decisão e acima em 26.
9 – Dar como provado – nº 51 da matéria de facto – como já decorria do artigo 70º da douta acusação - que “os clientes da agência que subscreveram as sobreditas aplicações financeiras não se encontram lesados”, (sendo que muitos deles estariam ressarcidos antes mesmo de instaurado o procedimento.- nºs 45 e 47) e não extrair daí consequências quanto à subsistência do procedimento,
- é, fazer errónea interpretação dos nº 4 do artigo 217º e nº 1 do artigo 206º do C. Penal, designadamente do conceito “prejuízo patrimonial” entendido que este tal como se aponta a fls. 30 do douto parecer entretanto junto e como se refere em A.M. Almeida Costa, em estudo inserto no Comentário Conimbricense II, 283, citado por Manuel Lopes Maia Gonçalves em anotação ao art. 217º do Código Penal Português, Anotado e comentado, 18º ed.- 2007.
10 – Assente que, quer nem na douta acusação se fala em apropriação (!!), antes somente em “uso de capitais alheios” (sic) – artigo 51º - e que o que se assaca nas relações do recorrente com o assistente é que aquele “subtraiu a gestão de capitais vultuosos…… passando a gerí-los à total revelia deste, sem….conhecimento e autorização prévia dos serviços competentes daquele Banco ….”, – nºs 32, 57 e 59 da matéria de facto provada - sendo que o se lhe imputa em termo de intenção é que “previu e quis, (pois sabia que) estava a subtrair-lhe a disponibilidade e gestão dos elevados montantes assim aplicados pelos Clientes, sabia dos riscos ínsitos aos negócios efectuados no Mercado de Valores Mobiliários…”- nº 35 da matéria de facto dada como provada –com o que fez concessão de “financiamentos irregulares porque violavam o Regulamento interno”, – ou originando um “descoberto da sobredita conta” – nº 50 da matéria de facto –,
- falece a prova de qualquer acto de disposição patrimonial pelo Banco de que resultasse prejuízo, por autolesão inconsciente ou causação inconsciente de prejuízo para o mesmo – cfr. José António Barreiros em «Crimes contra o Património», ed. Universidade Lusíada de 1996). e fls. 32, 33 e 40 do douto parecer.
Ao considerar verificado o crime do artigo 217, nº1 do C.Penal, demais que este pressupõe erro causado e determinante e vontade de causar a alguém prejuízo patrimonial”- cfr. autores e locais citados nas notas 28 a 31 de fls. 33 do douto parecer - fez-se errónea interpretação daquele normativo, por lesão do princípio da tipicidade/ilicitude, levando a conclusão ferida de inconstitucionalidade por violação do normativo do artigo 29, nº1 da C.Rep.
11. – Tendo em conta o “pedaço de vida” descrito na douta acusação e dado como provado, nada aponta para que tenha havido consciência da ilicitude típica”- Prof. F. Dias, loc. cit. a fls. 12 a 17 do douto parecer – que, nos crimes contra a propriedade e património - salvo no caso dos artigos 208 e 224 do C.Penal – pressupõe ofensa à plenitude do direito do titular,
Imputar ao recorrente a autoria desse crime, considerando que “sabia que o seu comportamento era…proibido e punido por lei”, quando, até se fala em “violação de Regulamento interno” – matéria laboral ou do direito bancário – é ilicitude ilicitude fazer subsumir no artigo 217, esta conduta é interpretar erroneamente o artigo 17, nº1 do C.Penal e o princípio da tipicidade/ilicitude constante do artigo 29, nº1 da C.Rep.
Mesmo que se viesse a concluir – o que pelo exposto se não aceita – que haveria que subsumir a conduta no tipo legal que se consagrou na douta decisão, outros erros de interpretação e aplicação de normativos, em termos de prevenção, culpa e por isso, de medida e natureza da pena, haveria a considerar. De facto,
12 – Dar como assente, na fixação da medida da pena, dolo intenso e directo, face ao que se deu como provado em sede de matéria de facto – cfr. nºs 58 a 62 e 69 a 73 destas alegações é fazer errada interpretação dos nºs 1 e 2 do artigo 14º do C. Penal.
13 – Dar como assente intensa ilicitude do facto, se o arguido copiou um modelo existente no Banco, nunca representou prejuízo dos depositantes, e, quanto a “gestão”, não se ultrapassa o que fica dito acima, sendo sempre de excluir do prejuízo os “custos fiscais” e os “clientes T……….” – cfr. nºs 59 a 62 acima -, bem como o que consta de fls. 1151 e 1153 dos autos, quanto aos valores imprecisos a que chegou a auditoria, é fazer errónea interpretação deste conceito, mesmo em termos de gravidade objectiva medida pelo prejuízo, (Isto porque é o próprio acórdão, em sua nota 3, a escrever: “no domínio da acção do agente …há que apurar pois a amplitude da sua vontade na representação desse facto agravativo…” (sic, com sublinhado nosso).
14 – Se resulta de matéria dada como provada – nºs 29, 36 e 50- como a fls. 39 e 57 – e do depoimento da testemunha O………. – (junto do lado A da cassete nº 2 da acta de audiência de julgamento de 23-05-07) que:
a) - os movimentos estavam em sistema informático, a que o arguido acedia através da sua password que só ele conhecia (sic);
b) - foi o arguido que facultou essa “password”;
c) - os movimentos de reembolso aos depositantes se fizeram com base nos elementos até então em poder do arguido - vol I, fls. 28 a 30 e 58 a 73;
d) - o arguido fez entrega de cheques, sendo destes 322.116.765$00 de pré-datados – fls.1072 do vol. III,
e) - o arguido fez entrega do saldo da conta aberta em nome da U………. – nº 36 da matéria provada –, de 998.528.278$00 que se discrimina num quadro em 20 acima, (Folhas 27 do Anexo I e folhas 1515 e 1516); e,
f) - fez entregar ao Banco, em 22 de Abril de 1999, 194.095 títulos da W………, 610.375 de X………., 91.552 de Y………. e acções do Z……….,
há vício de decisão por não consideração de facto relevante – artigo 368º, nº 2 do C.P.P., - qual seja actividade relevante de colaboração no apuramento dos factos e reparação espontaneamente assumida pelo recorrente, traduzida em reparação parcial ao Banco e total aos depositantes, mesmo antes de instaurado o procedimento criminal.
Doutro modo, está-se perante errada interpretação e aplicação e) do nº 2 do artigo 71º do C.P, porque gera desconsideração de elementos atinentes à “prevenção, ligada à necessidade de pena” - cfr. Direito Penal Português, já na ed. de 1993, a págs. 254.
15) – Desconsiderar o “decurso do tempo”, no caso concreto mais de 9 anos, demais que o recorrente se manteve com uma actividade de administrador e bem integrado na família – fls. 26 e 27 – a merecer a recomendação de “passível de medida de substituição”, isto, tendo em conta o que se dá como provado em 29 da matéria de facto – os factos referidos a fls. 57 da douta decisão como no depoimento da O………. na acta de audiência de julgamento de 23-05-07 junto do lado A da cassete nº 2 – e, por isso, aos “ficheiros existentes no seu computador (por onde) efectuava um controlo aturado dos montantes …e “geria” – nº 45 da matéria de facto provada - fazendo antes tal funcionar como capaz de acentuar a necessidade de rigor punitivo” (sic – a fls.77 da douta decisão recorrida !!) - se se pode ver que o enxamear de documentos surge
a) - por iniciativa do assistente na fase de julgamento - que até teve que ter um tempo de preparação – vejam-se as actas de audiência de discussão e julgamento de 10-05-2007, 23-05-2007, de 12-06-2007 (onde requer a junção de sete dossiers), de 29-11-2007 e acta de 08-04-08 onde a testemunha K………. juntou inúmeros documentos -, na fase do inquérito retardou a prestação de elementos à entidade investigadora,
b) ou por iniciativa do tribunal – cfr. actas de audiência de discussão e julgamento de 07-05-2007 (onde suscitou a necessidade de rever 20 anexos juntos aos autos), e de 05-07-2007;
é interpretar erroneamente a alínea e) do nº 2 do artigo 71º do C.P, bem como al. d) do nº 2 do art. 72º do mesmo diploma por desconsiderar a pressão “física ou espiritual sobre o arguido, demais que esse prolongar no tempo, pelo que descrito fica, “excede a “mera táctica processual” – apud Direito Penal Português, já na ed. de 1993, a págs. 255. e a orientação do aresto SJ20080618009013, de 18-06-2008.
16 – Ter em conta o que se contém na súmula do depoimento de U………. – fls. 49 e acta de 10-05-07 – e V………. – fls. 51 da douta decisão e acta de 23-05-07 –– que o móbil era obter do Banco, para além do prestígio profissional, prémios e promoção” -relatório do Banco a fls.51 dos autos (sic) e a reconhecida – até na douta decisão – previsibilidade da conjuntura para, “com facilidade” (sic) - fls. 67 da douta decisão – “permiti(ndo)r, num curto prazo ganhos elevados” - nº 26 dos factos provados -
- e apesar disso, negligenciar o relevo destes factos na determinação do substrato da medida da pena, é desconsiderar o princípio regulativo da carência punitiva” – autor e loc. cit. pág. 233. É também interpretar erroneamente o artigo 71º, nº 2, c) do C. Penal.
17 – Fixar tão próximo do máximo legal a sanção, tendo em conta tal quadro, é violar o regime dos artigos 40 e 71 do C.P, bem como desprezar a tendencial uniformização e o regime do “suum cuique tribuere”, se tivermos em conta as penas fixadas para homicídio - SJ200810230012125, de23-10-2008 – tentativa de homicídio SJ20081126003548, de 26-11-2008.
18 – Demonstrado que, no caso concreto,
18.1. - não são muito elevadas as exigências de prevenção geral, designadamente a positiva
18.2. - as circunstâncias exógenas facilitaram a assumpção da conduta - nºs 67 a 72 destas alegações,
18.3 - e que, tratando–se de um arguido primário – fls. 27 da douta decisão –, tem um passado revelador de integração familiar e merecedor da confiança de terceiros, que o mantêm como gestor de interesses alheios - fls. 27 da douta decisão -fixar a pena em 6 anos de prisão e efectiva, numa moldura que vai de 2 a 8 anos de prisão, é avaliar a situação com pena, no caso, em medida extremamente elevada, para mais privativa da liberdade, esquecendo o entendimento jurisprudencial, segundo o qual “a prisão deve ser reservada aos crimes mais graves e a situações em que já não é possível, por outro meios, dissuadir o agente da prática de novos crimes”- Ac. da RP, de 28-05-2008 in www.dgsi.pt.
- demais que “uma pena de substituição seria já dissuasora e ainda mais intimidativa devido ao facto de o arguido ser oriundo de um estatuto social económico elevado, onde é maior o impacto da possibilidade da aplicação de uma pena, capaz de causar grande medo e pânico, bem como a elevada censura de quem o rodeia, satisfazendo assim as necessidades de prevenção especial” como se pode ler em A. TAIPA DE CARVALHO em «Direito Penal-parte geral – Questões Fundamentais» publicações Universidade Católica 2003, págs. 82 e 83,
Porque o arguido não foi sancionado por a comunicação social atentar que chama “C1……….”, foi “genro de F………” e/ou “administrador do Z……….” e teve relações profissionais com “líder” de um grupo da comunicação social rival do a que pertencem esses “fautores de notícia”, a aplicação de uma sanção de prisão efectiva, que, no caso, não se mostra indispensável para que não sejam postas em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias” – apud F.Dias, loc. cit., pág. 333 -, (cfr. SJ200704180011203, de 18-04-2007 ( rel. Soreto de Barros), Ac. de 11-01-2001, proc. n.º 3095/00-5, como já antes, Acs. do STJ, 11/05/1995, in proc. n.º 4777/3ª, de 27.06.1996 - este in CJ, Acs STJ IV, 2, 204 -, de 17/09/1997, proc. n.º 423/97-3 e de 29/03/2001, proc. n.º 261/01-5.)
seria, violar o regime dos artigos 71º, 218º e, sobremaneira, 40º, nº 2, 50, nº1 e 70º, todos do C. Penal.
Termos em que:
alterada a matéria de facto de modo a dar como provado que:
1 – a prática adoptada pelo arguido não era desconhecida nem ocultada do Banco. (conclusão A) acima;
2 – houve actividade relevante de colaboração no apuramento dos factos e reparação espontaneamente assumida pelo recorrente, mesmo antes de instaurado o procedimento criminal, - conclusão D) acima.
E como não provado:
3 – que “estas contas paralelas eram enquanto tais apenas do conhecimento do arguido e de funcionários da agência, surgindo no sistema informático central do banco como contas autónomas sem relação com qualquer outra”- conclusão A) acima;
4 – “ter havido engano dos depositantes” porque “certamente haveria muitos, que se soubessem que o seu dinheiro, ou parte dele, assim ia ser aplicado não o teria entregue porque não quereriam correr o risco bolsista…” – conclusão B);
5 – …”sequer estava autorizado a decidir qual o melhor modo e mais rentável de aplicar e investir o dinheiro dos clientes” e que tal fazia “ escondendo dos clientes o verdadeiro destino do dinheiro entregue” – conclusão C) e,
6 – visando ultrapassar a contradição insanável ou obscuridade inultrapassável, que se assinalou na conclusão I) acima.
- se poderá decidir que, para além de excessiva a pena decretada, quer na medida, quer na natureza, sem que fosse encarada uma pena de substituição, a mesma, no caso, era desnecessária, pois não foi preenchido o tipo do crime de burla e qualificada, nem nas relações com os depositantes, nem na conduta como funcionário em face do banco e deste para com os Clientes.
Assim se faria J U S T I Ç A, em termos de acto de soberania e de “suum cuique tribuere”.
(…)»
3. Na resposta, o assistente e o Ministério Público refutam todos os argumentos do recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls. 2794-2837 e 2841-2858].
4. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser alterada a configuração jurídico-penal – uma vez que, em seu entender, os factos integram a prática de um crime de Abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 4, alínea b), do Código Penal – mantendo, contudo, inalterada a medida e a espécie da pena fixada [fls. 2866-2876].
5. O recorrente juntou aos autos um Parecer subscrito pelo insigne Professor Doutor Manuel da Costa Andrade em que se conclui pela imperiosa absolvição do arguido quanto ao crime de Burla dada a “insuprível atipicidade dos factos provados, que não preenchem a factualidade típica, na pletora das suas exigências e pressupostos objectivos e subjectivos” [fls. 2880-2936].
6. O arguido e o assistente responderam ao parecer do Ministério Público, para reafirmar posições anteriormente assumidas [fls. 2965-2972 e 2973-2981].
7. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
8. O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação [fls. 2586-2645]:
«Factos provados:
1 - O arguido C………., doravante denominado apenas por C1………., mediante contrato de trabalho individual celebrado com o então N………., SA, foi funcionário daquela instituição bancária desde Setembro de 1995 até Março de 2000, altura em que foi despedido, exercendo, por conta e ao serviço daquele Banco, as funções de Director de Agência, funções que desempenhava com a categoria profissional de Sub-director da Direcção Comercial da Rede de Particulares.
2 - Tal actividade foi sempre exercida na Agência do N………. das ………., agência que estava integrada na ………. daquele Banco e que se situava na Rua ………., …, ………, nesta cidade e comarca do Porto.
3 - Sucede que, por força da operação de cisão e fusão registada no ano de 2000, o N………. foi integrado no B………., SA, (daqui em diante designado abreviadamente por B………, SA), que lhe sucedeu em todos os direitos e obrigações sendo, por isso, o actual ofendido e assistente nos autos.
4 - Do grupo financeiro a que pertencia o extinto N………. fazia parte uma sociedade financeira de corretagem designada por “X……….” que em 2001 foi incorporada, por fusão, no AB………., instituição do B………., SA especializada na actividade de banca de investimento e mercado de capitais.
5 - Através da X………. podiam ser introduzidas ofertas no sistema de negociação de Bolsa, isto é, através daquela sociedade negociavam-se títulos mobiliários (acções e obrigações) no mercado de capitais Português o qual, com o programa de privatizações, com a entrada de empresas de novas tecnologias e com o forte acréscimo dos mercados internacionais, na segunda metade da década de 90, em especial a partir de 1995, entrou numa fase de crescimento sem paralelo, em que a taxa de rentabilização média efectiva de curto prazo era muito elevada.
6 - Com efeito, a realização de determinadas ofertas públicas de venda (OPV) de várias e grandes empresas nacionais, como a AC………., a W……….., a AD………. e outras, permitiram que o mercado de capitais obtivesse uma dimensão que de outra forma seria impossível, razão pela qual, naquela segunda metade da década de 90, os bancos portugueses começaram a captar poupanças para aplicar na Bolsa de Valores.
7 - Foi neste contexto económico-financeiro que o arguido C1………., conhecedor de tal realidade, apercebendo-se de que o retorno oferecido pelo Mercado de Valores Mobiliários apresentava índices muitos altos em relação aos produtos tradicionais (por exemplo, os depósitos a prazo) e aproveitando-se das facilidades que lhe advinham do exercício das funções de Director da Agência ………. do N………., concretamente, valendo-se da circunstância de, por via disso, facilmente poder proceder informaticamente à abertura e movimentação entre contas bancárias, gizou um esquema com vista à obtenção, para si e para terceiros, de vantagens patrimoniais indevidas à custa do uso de capitais alheios.
8 – A execução desse plano assentou no “decalque” que o arguido fez de produtos existentes no Banco e por este oferecidos a alguns clientes “Obrigações N……….. (………)” e “Obrigações E……….”, obrigações de empresas do Grupo N1………. e que consistiam, num misto de depósitos a prazo e aplicações em Bolsa, mas em que o Banco garantia, aos subscritores desse produto, um rendimento fixo, sem risco, independente das flutuações de mercado, porque se houvesse desvalorização o Banco assumiria as perdas, sendo assim, apresentado ao cliente como um produto sem risco.
Na vigência deste produto a parte da aplicação em Bolsa era transferida para uma conta aberta em nome do cliente subscritor do produto, a partir da qual o Banco fazia a gestão (o investimento/ aplicação) desse dinheiro.
9- Conhecedor da existência desse produto o arguido, por si e/ou através de funcionários da agência ………. do N………., seus subordinados, que actuaram sempre de acordo com as instruções, ordens e/ ou orientações dele recebidas, desenhou o “esquema”, para ser executado na agência bancária de que era responsável, que implementou do modo seguinte:
10- O arguido oferecia aos clientes uma aplicação financeira segura, sem qualquer risco para estes, que consistia na imobilização de dinheiro por um período de tempo pré-fixado, tendo garantido, no final do período, a devolução do montante investido acrescido dos respectivos juros prometidos. Estes juros eram-no em taxas líquidas superiores às normalmente praticadas no mercado e às permitidas no N………. .
11 - Desta forma, os clientes acreditando estar a efectuar um depósito a prazo, entregaram, na agência de que o arguido era o responsável, a ele ou a qualquer outro funcionário, que estava por ele informado e autorizado para assim proceder, diversas e vultuosas quantias em dinheiro.
12- Para tanto o arguido criou, em suporte informático e para ser usado como modelo de todos os outros a emitir nas mesmas condições, um documento similar a um modelo em uso no N………. com o respectivo timbre e demais insígnias.
13 - Este documento certificava, sob o nome de aplicação financeira, o tipo de aplicação contratada e as suas condições - capital aplicado, prazo e taxa de juro fixada.
14 – Uma vez elaborado era subscrito pelo arguido, ou por funcionários da agência, actuando sempre sob a direcção e instruções dadas por aquele, sendo depois entregue ou enviado aos diversos clientes que efectuavam essa aplicação.
15 - Contudo o arguido, como bem sabia, não podia efectuar tais denominadas aplicações financeiras, pois não tinha poderes de representação para assumir em nome do E………. os compromissos de remuneração (taxas de juros) daqueles depósitos a prazo, não tendo autonomia, no âmbito das suas funções, nem de forma geral nem para os casos concretos, para negociar e conceder tais taxas de juros, nunca tendo sido autorizado, pelos órgãos competentes daquele Banco, a praticá-las, o que fez sempre sem a necessária e indispensável autorização e ao arrepio das regras de precário do E………. .
16- Por outro lado também não estava autorizado, pelos clientes que lhe entregavam dinheiro para efectuar essas aplicações, a usá-lo, todo ou parte dele, em negócios em bolsa, nem a transferi-lo para outras contas.
17- Sequer estava autorizado a decidir qual o melhor modo e mais rentável de aplicar e investir o dinheiro dos clientes, gestão que não lhe competia e que não cabia nas suas funções.
18 – Assim, quando o arguido, por si ou através dos outros funcionários da agência, seus subordinados, recebia dos clientes dinheiro para constituírem a prometida aplicação financeira, cuja entrada ficava registada na conta DO do cliente, sob o descritivo, constituição de aplicação, esse dinheiro era transferido de imediato, por regra, para uma conta “paralela”, aberta/criada informaticamente, à qual era dada, pelo sistema central do Banco, um número determinado e que ficavam domiciliadas na própria agência.
19 - Estas contas paralelas eram, enquanto tais, apenas do conhecimento do arguido e de funcionários da agência, surgindo no sistema informático central do N………., como contas autónomas, sem relação com quaisquer outras.
20 – Ao ficarem domiciliadas na agência ………. o arguido recebia e controlava os respectivos extractos e aos clientes nunca era revelada a sua existência.
21 - Depois, sempre sem o conhecimento dos clientes, transferia ou mandava transferir parte significativa ou a totalidade dos montantes depositados para essas “contas paralelas”, por seu alvedrio, indevidamente abertas.
22 - O que fazia com o intuito de esconder dos clientes a verdadeira aplicação final dada aos montantes depositados e de manter a aparência de que os mesmos haviam sido aplicados conforme o contratado, o que sabia não corresponder à realidade pois, posteriormente, os montantes transferidos para essas contas paralelas eram, por si ou por intermédio de outros funcionários da agência, usados, conforme seu critério.
23- Também com o intuito de, perante a Instituição Bancária e seus superiores hierárquico demonstrar normais procedimentos bancários, pois muitas dessas contas paralelas se evidenciavam como contas de títulos associadas às contas à ordem.
24 - Escondendo dos clientes o verdadeiro destino do dinheiro entregue, não lhes referindo que, com ele, iria efectuar negócios em Bolsa, mesmo àqueles clientes que eventualmente a esse destino não se opusessem, o arguido não ficava obrigado a pagar-lhes toda a rentabilidade obtida na Bolsa com o dinheiro investido, apenas lhes remunerando o investimento de acordo com a taxa inicialmente contratada.
25 – Fazendo crer ao Banco que das contas à ordem saíam montantes para aquisição de títulos, como se para esse fim tivesse havido a competente e necessária autorização dos clientes, o arguido subtraiu ao N………. a gestão efectiva das somas de dinheiro entregues.
26 – Ao tempo, os negócios em Bolsa permitiam obter, num curto prazo elevados ganhos, tanto maiores quanto maiores fossem os montantes investidos, ganhos esse com que o arguido se enriqueceu, deles se apoderando, fazendo deles e com eles o que muito bem entendeu.
27 - Assim foram pelo arguido atraídos e constituíram este tipo de aplicação financeira os clientes seguintes:
S……….., AE………., AF………., AH……….., AI………. e AJ……….., (co-titulares da mesma conta), AK………., AL………., AM………., AN……….., AO………., AP………., AQ………., AS………., AT……….., AU……….., AV………., AW………., AX……….., AY………., AZ………., M………., BB………., BC………., BD………., BE………., BF………., BG………., BH………., BI……….., BJ………., BK………., BL………., BM………., BN………., BO………., BP………., BQ……….., BS…………, BT………., BU………., BV………., BW………., BX……….., como legal representante da empresa “ BY………., S.A”, BZ………., CA………., CB………., CC………., CD………., CE………., CF……….., CG……….., CH………., CI………., CJ……….., CK………., CL………., CM………., CN………., como legal representante da empresa “CO………. S.A.”, CP………., CQ………., CS………., CT………., CU……….., CV………., CW………., na qualidade de legal representante da “CX……….”, CY……….., CZ………., EA………., EB………., EC………., EE………., EF……….., EG………., EH………., EI………., EJ………., “EK………., Lda”, EL………., EM……….., EN………., “EO………. da Segurança Social”, EP………., EQ……….., ES……….., ET……….., EU………., EV……….., EW………., EX………., EY………..,EZ………., FA………., “FB……….”, FC.………., FD……….., FE………., FF………., FG……….., Ldª, FH………., FI………., FJ………., FK………., FL………., FM………., FN………., FO………., FP………., “FQ……….”, FS………., FT………., FU………., FV………., FW………., FX………., FY………., FZ………., “GA……….”, “GB………., Lda”, GC………., GD………., GE………., GF………., GG………., GH……….., “GI……….”, GJ………., GK……….., e GL………. .
28 - O próprio arguido fez, em seu nome, este tipo de aplicação financeira.
29- Por regra, em todas as aplicações o arguido - ou os seus funcionários seguindo ordens suas - utilizou o mesmo procedimento que foi usado com o cliente AE………. .
A saber:
Em data que não concretamente determinada, mas que se situará nos meados de 1998, este cliente foi contactado no sentido de vir a efectuar uma aplicação financeira na agência ………. do N………., muito vantajosa por não ter qualquer risco, ter uma taxa de juro fixa e superior à que se praticava naquela data.
Aliciado por tais condições e disso convencido, AE………., pessoa cautelosa e que não efectuava investimentos com risco, dispôs-se a efectuar tal aplicação financeira de todo ciente que a mesma era remunerada com uma taxa de juro elevada e de que não tinha qualquer risco, razão pela qual decidiu contratar tal aplicação com o N………. e tornar-se seu cliente, pelo que foi aberta na referida agência ………. a conta de depósito à ordem nº ………., tendo-lhe sido atribuído o número de cliente …………… .
Logrou, deste modo, o arguido C1………. determinar AE………. a depositar na agência ………. do então N………. a quantia de 20.000.000$00 (vinte mil contos), convicto que seria para constituir uma aplicação financeira naquele montante, sem qualquer risco, pelo prazo de 365 dias e com uma remuneração de 1.200 contos, pois a taxa líquida era de 6%.
Para melhor disso o convencer e para dar a aparência de que, de facto, tal aplicação financeira havia sido constituída, depois de contratada, o arguido enviou àquele cliente uma carta com o timbre e demais insígnias do Banco, cuja cópia se encontra a fls. 59 do Anexo 2 e que se dá aqui por reproduzida (a qual foi extraída/imprimida do computador do arguido), carta esta datada de 26 de Junho de 1998, na qual se lê:
“Conforme instruções de Vª Exª foi constituída uma aplicação por débito da conta de depósito à ordem nº0333490017, nos seguintes termos: Montante inicial: 20.000.000$00; Prazo: 365 dias; Início em: 26/JUN/98; Vencimento em 26/JUN/98; Remuneração: 1.200 contos (taxa liq 6%.); Não mobilizável antecipadamente; Na data do vencimento creditaremos na sua conta de Depósito à Ordem, também acima indicada por: 21.200.000$00.
Porém, após contratar tal aplicação financeira, e sem o conhecimento do cliente AE………. e à revelia do N………., o arguido abriu, em nome daquele cliente, uma “conta paralela” com a configuração de uma conta de depósito à ordem, sem preencher qualquer suporte físico e que só existia no sistema informático, a que o arguido acedia através da sua “password” de acesso que só ele conhecia, o que lhe permitia actuar mais facilmente vindo depois a investir o capital depositado por aquele cliente (bem como o de muitos outros clientes) na Bolsa de Valores, o fez sem o conhecimento e autorização daquele e do N………. .
30- Desta forma o arguido conseguiu que os clientes tivessem entregue, convencidos que estavam a efectuar um depósito a prazo com juro garantido, mais de 20 milhões de contos que pôde “gerir” e “aplicar” como lhe aprouve;
31- O arguido, com os montantes assim angariados, por si ou através dos demais funcionários da agência ……….., umas vezes adquiria títulos ou fundos comercializados no Mercado de Valores Mobiliários de Lisboa (Bolsa de Valores) através da correctora X………., títulos que lhe permitiram depois de vendidos, considerando a conjuntura, à época, favorável a este tipo de aplicação, obter ganhos com os quais foi conseguindo pagar as taxas de juros contratadas, sem que o N………. disso se apercebesse, desta forma subtraindo a gestão de capitais vultuosos à administração daquele Banco, passando ele a geri-los à total revelia deste e como se ele próprio dum Banco se tratasse, impedindo assim a instituição bancária de obter lucros e ganhos que só a esta pertenciam;
Outras, transferindo montantes diversos para contas de certos clientes, transferências estas que constituíam financiamentos/empréstimos concedidos pelo arguido à revelia do N………., sem análise da capacidade de endividamento dos mutuários, sem conhecimento e autorização prévia dos serviços competentes daquele Banco, recebendo apenas, por vezes, dos beneficiários, como garantia, cheques pré-datados, em violação do Regulamento interno do N………. .
32- Com efeito o arguido, logo em 15/11/1995, (apenas dois meses depois de ter começado a trabalhar para o N……….) abriu nessa agência, em nome de sua mulher, GM……….., mas sem o seu conhecimento ou consentimento, uma conta com o nº ……….., conta esta que funcionava como uma conta “de maneio”, “conta bolo” ou “conta mãe” que era “alimentada”, quer por transferências de montantes de contas dos clientes (quer reais quer paralelas), quer com o produto da venda de títulos.
33 – Desta conta saíram diversos montantes que, o arguido, de forma irregular e à revelia do N………., emprestou a amigos, conhecidos, e à Z1………. da qual o arguido era administrador. A partir dela, como se disse, adquiria títulos na Bolsa de Valores.
34- Como era alta a rentabilidade assim obtida, e como dispunha de cheques e cartão de crédito desta conta, sempre que o quis, o arguido emitiu cheques, fez pagamentos e efectuou levantamentos, em proveito pessoal.
35 - O arguido bem sabia que desta forma causava ao N………. prejuízos patrimoniais, resultado este que previu e quis, pois sabia estar a subtrair-lhe a disponibilidade e gestão dos elevados montantes assim aplicados pelos clientes, sabia dos riscos ínsitos aos negócios efectuados no Mercado de Valores Mobiliários, já que, caso não obtivesse a rentabilidade esperada que lhe permitiria pagar os juros prometidos como se tinha obrigado em nome do Banco, este sempre ficaria obrigado a pagar aos clientes que viessem a ficar prejudicados a rentabilidade que lhes fora prometida, como veio a acontecer, como também o risco inerente à concessão de crédito sem a análise da capacidade de endividamento e sem garantias seguras.
36 – Com efeito, quando o arguido foi suspenso das suas funções, em Abril de 1999, os fundos investidos no Mercado de Valores Mobiliários que se encontravam nas contas de títulos paralelas, os montantes depositados nas contas DO paralelas, o saldo da conta de “maneio” da agência (conta aberta em nome de GM……….), os montantes recuperados mediante cheques pré-datados que o arguido tinha na sua posse (que se destinavam a “garantir” ou a pagar empréstimos irregularmente concedidos), todos estes montantes somados não permitiram repor integralmente o capital e os juros prometidos em cada uma das aplicações dos vários clientes do N………. que subscreveram as referidas aplicações financeiras.
37 – Por isso o N………. teve de pagar a cada um dos clientes o valor do capital e dos juros correspondentes às taxas de juros mais elevadas indevidamente prometidas pelo arguido, creditando na data do vencimento o capital investido e os respectivos juros prometidos, sendo a diferença entre os montantes recuperados e os montantes pagos no total de Esc. 617.159.174$39 = € 3.078.376,981.
38 - Ao valor assim obtido e o montante efectivamente pago aos clientes – sendo a diferença o valor acima referido de Esc. 617.159.174$39 - acresceu ainda para o Banco a obrigação de pagar 130.881.000$00 (€ 652.831,676), correspondente a custos fiscais suportados com a regularização de aplicações financeiras ilicitamente constituídas pelo arguido.
39 - E ainda 1.254.254.763$70 (€ 6.256.196,382) resultante de perdas com crédito “mal parado”, derivado dos empréstimos concedidos particularmente pelo arguido apenas tendo como garantia cheques pré-datados.
40 – O arguido efectuou de forma irregular empréstimos aos clientes e nos montantes seguintes:

……………………………………
……………………………………
……………………………………

41 - Estas pessoas singulares eram, ao tempo, das relações pessoais do arguido e tinham ligações ao Z………. ou à sua Z1………. da qual o arguido era, em 1998, administrador.
42 – Como já se referiu, o arguido efectuou tais financiamentos usando, para tanto, os montantes que os clientes do N………., por ele atraídos com taxas de juro altas, ali depositaram convictos que se destinavam à constituição de uma aplicação financeira consistente num depósito a prazo.
43 - Montantes esses, que o arguido depois transferiu para as mencionadas “contas paralelas”, de maneira a que os clientes/depositantes e o próprio N………. não se apercebessem do destino que dava a tais capitais, os quais, foram, em parte, transferidos para as contas dos beneficiários daqueles empréstimos, conforme tabela que segue:

……………………………………
……………………………………
……………………………………

44 - Como o Mercado de Valores Mobiliários (até à sua queda em 1999) era muito rentável e permitia mais-valias significativas, o arguido, para além destes financiamentos, através das aludidas “contas paralelas” dava inúmeras ordens de compra em Bolsa, subscrevendo acções e outros títulos mobiliários, como já se referiu.
45 - Através de ficheiros existentes no seu computador, o arguido efectuava um controlo aturado dos montantes transferidos para as contas paralelas, das datas de vencimentos das aplicações e dos valores a creditar nas datas dos respectivos vencimentos, e “geria “ a seu belo prazer os montantes conseguidos nas operações de Bolsa, que em regra, depositava na conta aberta em nome de GM………., sua mulher, com o nº ………/.., usando-a como uma conta de maneio (conta/bolo ou conta/mãe, como o arguido a ela por várias vezes se referiu em audiência).
46 - Assim passou também a transferir, para crédito nesta, não só montantes que debitava em contas de clientes como as mais-valias geradas pelo investimento em Bolsa
47 - Estas mais-valias permitiam ao arguido ter dinheiro para: creditar nas contas dos clientes que efectuaram as aplicações financeiras nas datas dos vencimentos; comprar novos títulos em Bolsa com os quais gerava outras mais-valias; emprestar dinheiro a quem e como decidisse, gerar ainda o pagamento de juros dessa conta que apresentava um elevado saldo médio, e, ainda, como o arguido tinha cheques e cartão de multibanco dessa conta, pagar despesas pessoais, fazer depósitos de cheques dessa conta noutras domiciliadas noutras instituições bancárias das quais era titular ou co-titular.
48 - Concretamente depositou cheques emitidos sobre esta conta, numa outra de que era titular, no então GO………., depois, GP………. nas datas e montantes seguintes:
No dia 14/01/98 um cheque no valor de 90 mil contos;
No dia 02/07/98 um cheque no valor de 100 mil contos;
No dia 08/10/98 um cheque no valor de 45 mil contos e
No dia 18/12/98 um cheque no valor de 50 mil contos.
49 – Através desta conta o arguido efectuou ainda transferências de e para a conta de outros clientes, a generalidade dos quais, clientes subscritores das aplicações financeiras que se referiram, a saber:

…………………………………
…………………………………
…………………………………

50 - Quando todo este esquema, gizado e concretizado pelo arguido, foi detectado, em 30/07/99, pelas instâncias próprias do Banco, na sequência de uma auditoria levada a cabo pela Direcção de Auditoria Interna do Banco, a sobredita conta apresentava um saldo negativo de 549.371.000$00, descoberto não autorizado de acordo com os regulamentos internos do Banco, saldo este que foi apurado depois de deduzido o valor da carteira de títulos que lhe estava associado.
51 – Os clientes da agência que subscreveram as sobreditas aplicações financeiras não se encontram lesados porque, na data de vencimento, foi-lhe creditado o capital inicial mais os juros contratados e na fase final, àqueles clientes que o comprovavam, exibindo o respectivo documento, o Banco cumpriu os contratos celebrados através da Agência ………., ou seja pagou aos clientes, no fim do período acordado o capital que tinham investido e os juros contratados pelo arguido.
52 - Apenas o cliente BS………., se considerou prejudicado pela conduta do arguido tendo vindo deduzir, contra ele, neste processo PIC, peticionando a condenação do arguido a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais causados, o montante global de 3.500,00 €.
53 – Este valor resultou do pagamento que efectuou pelo decaimento em acção cível que intentou contra o N………./B………., SA, onde peticionou quantia que entendeu ser-lhe devida pela remuneração de uma aplicação financeira contratada, nos termos sobreditos, e também de honorários pagos a advogado que mandatou.
54 - A agência ………., sendo o arguido seu gerente, foi sujeita a auditoria interna, realizada em 27/11/98 não tendo, os auditores, nessa ocasião detectado, no seu funcionamento, mais que irregularidades em certos procedimentos.
55 – Contudo, considerando o número e a qualidade dos clientes da agência e os montantes que estes aplicavam – supostamente para operações em Bolsa – que era o que se evidenciava, o desempenho do arguido e dos seus funcionários, foi mesmo alvo de elogios por parte de alguns elementos da direcção do N………. . Desta forma o arguido atingiu prestígio profissional e pessoal.
56 - Prestígio que granjeou igualmente junto das pessoas a quem de modo “expedito” e sem “exigências” concedia empréstimos, deste modo o favorecendo socialmente.
57 – O arguido, actuou de modo livre, deliberado e consciente com o propósito de:
- obter para si, como efectivamente obteve, quantias em dinheiro às quais deu o destino que bem quis e entendeu, designadamente as que usou para pagar despesas pessoais através de levantamentos com cartão Multibanco e de crédito e as que levantou com cheques e depois depositou noutras instituições bancárias em contas de que era titular ou co/titular
- de beneficiar conhecidos, familiares, amigos e o Z………. de cuja Z1………. era administrador, através da concessão de empréstimos em montantes muito superiores àquele para o qual o arguido tinha autorização para conceder sem necessidade de autorização superior, empréstimos esses que o arguido concedia sem a contrapartida de garantias que o N………. exigia que fossem dadas para mutuar tais montantes.
58 – Conseguiu tal desiderato através da actuação supra descrita, dessa forma enganando os diversos clientes que efectuaram as referidas aplicações financeiras, pelo modo que acima detalhadamente se descreveu.
59 – Previu o arguido que, com esta sua actuação, causava ao N………. prejuízo patrimonial uma vez que subtraiu à gestão do Banco os montantes que foram depositados pelos clientes com as referidas aplicações financeiras, tendo perfeito conhecimento, não só dos riscos ínsitos aos negócios que efectuava no Mercado de Valores Mobiliários, como também dos riscos inerentes aos empréstimos que concedia irregularmente.
60 – Quis a verificação de tal prejuízo como consequência da sua conduta, prejuízo que o arguido sabia ser consideravelmente elevado atendendo aos montantes vultuosos de dinheiro entregue pelos diversos clientes para as referidas aplicações financeiras.
61 – Para mais, o arguido tinha perfeito conhecimento dos riscos dos investimentos no Mercado de Valores Mobiliários bem sabendo que poderia haver uma quebra/um “crash” na Bolsa, como veio a suceder em 1999, e que, por via disso, poderia não obter os dividendos necessários para creditar as contas donde retirava o dinheiro que investia na Bolsa e assim causar prejuízos ao N………., que por ele havia sido obrigado perante os clientes.
62- Sabia que o seu comportamento era, como é, proibido e punido por lei.
Mais se provou que:
O arguido faz parte de uma fratria de cinco irmãos, oriundos de um agregado familiar de elevada condição sócio-económica e cultural. O pai, já falecido, era um reconhecido médico ortopedista da cidade do Porto e a mãe doméstica, dedicava-se aos cuidados da casa e educação dos filhos.
O seu processo educativo passou pela frequência do ensino particular, na Escola ……….., ensino oficial nos estudos secundários e novamente pelo particular, nomeadamente na frequência do Curso Superior de Gestão de Empresas na ……….. .
Aos 25 anos de idade, inicia a sua carreira profissional no B………., SA onde permaneceu de 1989 a 1991; daí transitou para o GQ………., onde permaneceu até 1995 e, finalmente foi trabalhar para o N………., onde se manteve até 1999.
O arguido manteve-se e mantém-se muito ligado à sua família de origem, de quem recebe total apoio e colaboração, tendo residido com os pais até à altura de contrair matrimónio, que sucedeu aos seus 28 anos de idade.
Desta relação não houve filhos e o casal divorciou-se há cerca de quatro anos. Após esta situação, regressa ao agregado familiar de origem, por causa da sua situação económica, para viver com a sua mãe.
Em termos profissionais, desde 2000, encontra-se ligado ao Z………. como administrador da área comercial, auferindo cerca de 3000€ mensais.
O arguido é primário.
Factos não provados:
Não se provaram outros factos que, alegados, estejam em contradição com os dados como provados.
Igualmente se não responde ao que alegado seja mera repetição de factos ou ideias a que anteriormente se tenha respondido já, ou que sejam conclusões a retirar de factos alegados ou de normas legais.
Não se provaram mais factos para além dos dados como provados, concretamente da contestação, não se provou, que o arguido não tivesse nada a ver com as aplicações financeiras efectuadas a clientes angariados ou acompanhados por outros funcionários da agência;
Não se provou que as aplicações financeiras a que acima (nos factos provados) se fez alusão e modo como o arguido decidiu remunerá-las fosse uma prática corrente do Banco;
Não se provou que o arguido tenha actuado de acordo com normas ou directivas da administração do Banco, “de modo a frustrar os limites legalmente impostos pelo Banco de Portugal, numa estratégia concorrencial agressiva”;
Não se provou que o arguido e a sua equipa tivessem actuado para concretizar essa política comercial “agressiva”, procurando dar resposta ao empenhamento dos corpos gerentes do Banco de então.
Não se provou assim que a actuação do arguido fosse do conhecimento dos superiores e que, por esse facto, pouco tempo depois de inaugurado o “balcão”, a equipa que o integrava tenha sido elogiada em boletim interno.
Não se provou que as operações financeiras (a que se alude nos factos provados e referidas às concretas “aplicações financeiras” aqui em apreço) efectuadas pelo arguido o fossem com ratificação, ao menos, a posteriori, resultando essa ratificação do acompanhamento do Director Comercial de Clientes Particulares, I………. de todos os movimentos da agência;
Não se provou que, com a sua conduta o arguido tivesse causado ao cliente BS………., prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, no montante global de 3.500,00 €.
Não se provou concretamente qual o destino dado ao dinheiro emprestado pelo arguido aos clientes que constam do quadro referido nos factos 41 dos factos provados.
Não se provou que GT………. tivesse feito uma das supra aludidas aplicações financeiras.
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa.
Motivação:
Os factos provados e supra elencados resultaram da análise crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência, feita segundo os critérios contidos no artigo 127º do Código Processo Penal.
Assim e desde logo a análise criteriosa dos documentos juntos:
VOLUME I:
Fls. 14 a 20 – Relatório de auditoria nº ../99; Fls. 21 – Mapas provisórios de apuramento de responsabilidades relativos aos clientes GL……….; fls. 22 – GM……….; fls. 23 – EG……….; fls. 24 – GU……….; fls. 25 – Z……….; fls. 26 – Z1……….; fls. 27 – Mapa resumo das responsabilidades apuradas em 22 de Abril de 1999 relativas a todos os clientes; Fls. 28 a 30 – Mapa provisório das cartas existentes no computador do arguido com os nomes dos vários clientes que efectuaram aplicações financeiras; Fls. 31 a 41 – Cartas das aplicações financeiras efectuadas pelo cliente S……….; Fls. 42 a 49 – Questões colocadas pela auditoria interna do Banco aos vários funcionários da agência ……….; Fls. 50 a 57 – Conclusões da auditoria realizada na agência ……….; Fls. 58 a 73 – Novos e mais actualizados mapas elaborados a partir de cartas existentes no computador do arguido; Fls. 74 a 241 – Tabelas das taxas de juro praticadas para as diversas aplicações financeiras existentes no banco e em vigor em vários períodos temporais, concretamente desde 10 de Abril de 1998 a 16 de Abril de 1999; Fls. 242 a 249, 251 e 252 – Tabelas evidenciando transferências de quantias em dinheiro entre várias contas de clientes da agência ………. do N………., que tinham efectuado aplicações financeiras e cujo montante é transferido para empréstimos a: GU………., EG……….., Z………., Z1………., GV……….., GL………., GM………., GW……….., Prof. GX……….., GY………. (mãe da sub-gerente da agência ……….); Fls. 250 – Transferências de e para a conta aberta em nome de GM………. – Mapa cuja versão final foi apresentada em audiência e que mais à frente se reproduz;
Fls. 253 a 256, 257 a 259, 260 a 263, 264 a 267, 268 a 271, 272 a 275, 276 a 278, 279 a 282, 283 a 286, 287 a 290 – Cópias de vários contratos de abertura de crédito irregularmente concedido pelo arguido a clientes diversos; Fls. 291 e 292 – Ficha de abertura de conta em nome de GM……….; Fls. 293 – Ficha de abertura de conta em nome de GM……….; Fls. 294 – Cópia de documento pessoal de GM………. – Cartão de Contribuinte; Fls. 296 a 312 – Cópias de vários cheques emitidos da conta aberta em nome de GM………. .
VOLUME II
Fls. 357 a 381 e 460 a 494 – Documentos para prova da operação de cisão e fusão do N………. no B………., SA; Fls. 498 a 500 – Relatório de auditoria de 26-4-1999, já referido; Fls. 501 a 508, 509 a 522 – Processo disciplinar instaurado ao arguido e documentos que o acompanham; Fls. 524 a 691 – As já referidas tabelas das taxas de juro em vigor para as operações passivas; Fls. 692 a 716 – Cópia do manual de directivas do N……….; Fls. 717 a 722 – Cópia de um contrato de mutuo; Fls. 723 a 735 – Documentos dando conta da regularização de várias contas efectuadas por ordem da direcção de auditoria interna do banco; Fls. 792 a 795 – Tabela dando conta do número das contas dos diversos clientes que subscreveram as “aplicações financeiras” oferecidas pelo arguido, com as datas de constituição de vencimento e os montantes aplicados num total de 20.030.892.276$20.
VOLUME III
Fls. 836 a 840 – Cartas/Modelos de constituição de aplicação financeira; Fls. 841 a 843 – Comunicação interna referindo o produto “Obrigações N………. (……….); Fls. 844 – Cópia de um contrato de compra de acções E……….., Lda; Fls. 1072 – Relação de cheques pré-datados, entregues pelo arguido ao N………. que se encontravam na sua posse e que lhe foram passados por clientes beneficiários de empréstimos “particulares”, como garantia desses financiamentos; Fls. 1073 – Relação dos processos judiciais intentados pelo N………. a diversos clientes para cobrança de créditos com indicação do montante reclamada a cada um deles, e o estado em que cada um desses processos se encontrava, evidenciando os cheques, a que anteriormente se aludiu que não foram pagos ; Fls. 1089 a 1096 – Documento comprovativo da admissão do arguido ao serviço do N………., com a respectiva data de admissão e condições remuneratórias; Fls. 1097 a 1110 – Cópia do processo disciplinar instaurado ao arguido e decisão de despedimento com justa causa.
VOLUME IV
Fls. 1269, 1270, 1272, 1274, 1275, 1276, 1277 – Cópias de fichas de abertura de conta em nome de respectivamente: GZ……….., HA………. (menores), Z1………., HB………. e GM……….; Fls. 1278 a 1346, Anexo 1 – Extractos da conta singular da conta de C1………., Fls. 1347 a 1350, Anexo 2 – Contas associadas à conta anterior; Fls. 1351 a 1368, Anexo 3 – Conta co-titulada por GZ………. (menor) e C1……….; Fls. 1369 e 1370, Anexo 4 – Conta de títulos associada à conta anterior; Fls. 1371 a 1393, Anexo 5 – Conta co-titulada por HA………. (menor) e C1……….; Fls. 1394 e 1395, Anexo 6 – Conta associada à conta anterior; Fls. 1396 a 1403, Anexo 7 – Conta colectiva do Z1……….; Fls. 1404 a 1461, Anexo 8 – Extracto de movimentos da conta singular de GM……….; Fls. 1462 a 1519, Anexo 9 – Extracto de movimento da conta de GM……….s; Fls. 1520 a 1522, Anexo 10 – Conta 1946 (em USD) em nome de GM……….; Fls. 1523, 1524, Anexo 11 – Conta de títulos associada à conta de GM………. (……….); Fls. 1525 a 1529, Anexo 12 – Conta associada à conta de GM……….. em ESP; Fls. 1529 a 1533, Anexo 13 – Conta de títulos associada à conta de GM………. .
VOLUME V
Fls. 1640 – Certificado de habilitações do arguido, dando conta da frequência no ano lectivo de 1990/1991 do 3º ano do curso superior de empresas.
VOLUME VI
Fls. 2115 a 2117 – Relatório Social elaborado para julgamento.
VOLUME VII
Fls. 2141 a 2144, documentos cuja junção foi requerida e determinada ao abrigo do Artº 340º do C. P. Penal na audiência de julgamento do dia 8 de Maio de 2007 – Extracto de conta do cliente BS……….., evidenciando que o dinheiro entregue por este cliente para constituição de uma aplicação/depósito foi usada para compra de acções; Fls. 2156 a 2247, documentos cuja junção foi requerida e determinada ao abrigo do Artº 340º do C. P. Penal na audiência de julgamento do dia 10 de Maio de 2007; Fls. 2299 a 2308, documentos cuja junção foi requerida e determinada ao abrigo do Artº 340º do C. P. Penal na audiência de julgamento do dia 12 de Junho de 2007 – Mapa resumo de todas as aplicações financeiras constituídas e/ou com contas constituídas; Fls. 2315 a 2338, documentos cuja junção foi requerida e determinada ao abrigo do Artº 340º do C. P. Penal na audiência de julgamento do dia 5 de Julho de 2007 – Documentos resumo de que a testemunha Dra. O………. se socorreu no depoimento que prestou; Fls. 2344 a 2360, documentos cuja junção foi requerida e determinada ao abrigo do Artº 340º do C. P. Penal na audiência de julgamento do dia 27 de Setembro de 2007 – Extractos de conta do cliente HC………..; Fls. 2371, documento cuja junção foi requerida e determinada ao abrigo do Artº 340º do C. P. Penal na audiência de julgamento do dia 5 de Novembro de 2007 – Mapa resumo de descobertos em conta de clientes T……….; Fls. 2382 a 2383, documentos cuja junção foi requerida e determinada ao abrigo do Artº 340º do C. P. Penal na audiência de julgamento do dia 29 de Novembro de 2007 – Mapa resumo de clientes com crédito mal parado; Fls. 2387 a 2393, documentos cuja junção foi requerida e determinada ao abrigo do Artº 340º do C. P. Penal na audiência de julgamento do dia 29 de Novembro de 2007 – Cópias de cheques passados e cartas de constituição de aplicação em nome do sogro do arguido, Sr. FY……….; Fls. 2414 a 2418, documentos cuja junção foi requerida e determinada ao abrigo do Artº 340º do C. P. Penal na audiência de julgamento do dia 24 de Janeiro de 2008 – Lista definitiva de clientes, montantes e destino das “aplicações financeiras” efectuadas pelo arguido bem como o montante final entre o dinheiro que o banco recuperou e o que teve de pagar aos clientes. Este mapa é a súmula dos documentos constantes das diversas pastas e anexos dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido:

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Fls. 2427 – Documento junto para determinação da taxa aplicada dos juros cobrados da conta de GM………. (nº ………..); Fls. 2446, documento cuja junção foi requerida e determinada ao abrigo do Artº 340º do C. P. Penal na audiência de julgamento do dia 22 de Fevereiro de 2008 – Fax remetido da agência das Antas do N………. para o arguido que se encontrava de férias pedindo-lhe indicações sobre procedimentos a tomar relativamente a transferência de saldos de uma conta de cliente para outro cliente, no qual o arguido é apelidado de “grande timoneiro”; Fls. 2450, documento cuja junção foi requerida e determinada ao abrigo do Artº 340º do C. P. Penal na audiência de julgamento do dia 13 de Março de 2008.
VOLUME VIII
Fls. 2467 a 2551, documentos cuja junção foi requerida e determinada ao abrigo do Artº 340º do C. P. Penal na audiência de julgamento do dia 8 de Abril de 2008 – Sendo o de fls. 2467 mapa resumo actualizado dos valores de crédito vencido e os restantes documentos comprovativos de depósitos efectuados pelo arguido em 19 de Abril de 1999, de cheques de depósitos efectuados pelo arguido no B………., SA e documentos comprovativos de mais movimentos realizados nos dias subsequentes àquele. Também talões comprovativos de depósitos efectuados pelo arguido entre 19 de Maio de 1998 e 9 de Novembro de 1998 numa conta de que era titular no B………., SA.
ANEXOS
Anexo 1: fichas de assinaturas de clientes do Banco das quais sobressaem a conta de DO nº ………. em nome de GM………. e a conta de DO nº……….., em nome de Z1………., que o arguido também podia movimentar, enquanto administrador daquela Z1………. (fls.10 do anexo 1); Anexo 1 - fls. 19 a 296: relatórios da auditoria (em especial tabelas de fls. 57 a 81 onde, com referência à fase de captação de recursos, se inventaria os clientes depositantes, datas da constituição e do vencimento das aplicações financeiras contratadas, taxas líquidas oferecidas, contas paralelas abertas depois pelo arguido e respectivo saldo, destino dado aos valores aplicados, movimentos entre contas de clientes, dossiers de títulos, etc); Anexos 2 a 16: documentos que serviram de suporte às conclusões da auditoria (valores transferidos, datas, contas de origem e de destino, etc.) vertidos nos relatórios constantes no anexo 1, ou seja: Anexo 2: cartas emitidas a estes clientes, a constituir as aplicações com taxas de juro majoradas, os extractos de movimentos de conta que reflectem essas aplicações e o destino dos valores entregues pelos clientes (débito nessas contas para crédito noutras); listagem de clientes de “A” a “G” - aplicações constituídas por estes e os diferenciais obtidos; Anexo 3, 4, 5 e 6 – idem de diversos clientes até “GM……….”, cujos extractos de movimentos de conta e respectivas aplicações constam de fls. 444 a 510 deste Anexo; Anexos 7 a 12 – extractos de movimentos de contas referentes aos anos de 1998 e 1999 e registos informáticos dos movimentos de títulos que fundamentam o teor de fls. 242 do Vol. I (transferências de contas de clientes depositantes – através das contas paralelas – para contas de outros clientes, a título de financiamentos); Anexo 12 a 16 – documentos de suporte às contas relacionadas a fls. 242 do Vol. I (transferências de contas de clientes depositantes, através das contas paralelas, para contas de outros clientes, a título de financiamentos); Anexo 13 e 14: fls. 3 a 180 - documentos relativos a movimentos da conta à ordem nº………, documentos relativos a outra conta; Anexos 18, 19 e 20: cópias certificadas de documentos (cheques) que serviram de suporte a movimentos de contas.
Em 12 de Junho de 2007 foi constituído um anexo constituído por sete pastas identificadas sequencialmente de 1A a 7A, contendo extractos de contas bancárias.
Ainda se ouviram os depoimentos prestados pelas testemunhas seguintes:
HD………., Legal Representante do B………., S.A. esta testemunha tomou conhecimento do teor dos relatórios que foram efectuados na sequência das auditorias realizadas na dependência bancária de que o arguido foi gerente.
Referiu que, tanto quanto se pôde aperceber desses relatórios, o arguido angariava para a agência novos clientes com elevados patrimónios financeiros, com a promessa de que estariam a efectuar depósitos a prazo, remunerados com taxas de juros superiores às que, na época, eram praticadas nas demais instituições bancárias, que se situavam entre os 2 a 3%. Depois dos clientes entregarem o dinheiro para constituição desses depósitos o arguido “abria” uma conta “paralela” para a qual transferia as quantias depositadas pelos clientes, conta que ficava domiciliada na própria agência e, a partir dela, o arguido comprava títulos (obrigações ou acções). Com os lucros gerados nestas aplicações o arguido pagava aos clientes a prometida taxa de juro e também lhe possibilitava a transferência de montantes para outras contas de outros clientes, aos quais concedia empréstimos, em montantes mais elevados do que lhe era permitido como gerente da agência e sem exigir desses clientes a prestação de garantias que o mútuo desses montantes exigia.
Quando a situação se despoletou o arguido fez a entrega de 90 cheques de alguns desses clientes, beneficiários desses empréstimos, e que o arguido tinha na sua posse.
No vencimento das aplicações havia um movimento dos títulos e com as mais valias geradas por essa aplicação o arguido pagava as taxas prometidas. As compras de títulos eram efectuadas através da “X………..” sociedade financeira de corretagem pertencente ao grupo N1………..
O arguido movimentava também elevados montantes das contas dos clientes para uma conta existente na agência em nome do seu cônjuge, conta essa que o arguido abriu falsificando a sua assinatura. Essa conta permitia-lhe ter cheques e usar um cartão de Multibanco, desta forma, o arguido tinha a possibilidade de emitir cheques e levantar elevadas quantias em dinheiro.
No conhecimento da situação o N………. vendeu os títulos e pagou a cada um dos clientes, na data de vencimento das respectivas aplicações, de acordo com a taxa que o arguido havia prometido. Ainda efectuou o desconto dos cheques que o arguido tinha na sua posse e que entregou.
Esta testemunha disse que, no final, o Banco teve um prejuízo de cerca de 600 mil contos, correspondente à diferença entre aquilo que conseguiu obter com a venda de títulos e os montantes que recuperou e o que teve de pagar aos vários clientes.
Drº AE………., médico. Disse não conhecer o arguido. Foi cliente da agência bancária do N………. durante os anos de 1996 e 1997. Esta testemunha disse que foi contactado, no seu consultório, por um funcionário dessa agência que lhe disse que o Banco lhe oferecia, num depósito a prazo de um ano, uma taxa de remuneração garantida de 6%. Como a rentabilidade prometida era superior à praticada noutros bancos e como não tinha riscos, decidiu efectuar um depósito de 20.000.000$00. No final do prazo acordado recebeu o dinheiro com a remuneração prometida.
I………., à data dos factos, director comercial da rede clássica do N………. .
Disse que chegou ao seu conhecimento, através de uma denúncia, que a agência ………. praticava taxas de juro muito superiores às legais e publicitadas pelos bancos e que publicitadas pelo banco. .
Depois referiu saber que o arguido efectuava aplicações, a partir das contas dos clientes, contas “ paralelas”, domiciliadas na própria agência.
Acabou por referir que, no N………., durante algum tempo, houve a prática da existência dessas contas paralelas para aquisição de um produto específico negociado pelo N………. mas que, a partir de 1998, a abertura deste tipo de conta foi vedada. Referiu assim que o arguido, usando esse expediente, conseguia movimentar o dinheiro da conta dos clientes para essas contas e, a partir daí, aplicava o dinheiro ou movimentava-o à revelia das instruções dos clientes.
Também referiu que o arguido concedia crédito, de moto próprio, utilizando para tanto, os montantes existentes em depósito na conta aberta na agência em nome da mulher do arguido.
Esta testemunha, como director comercial, tinha conhecimento dos elevados fluxos financeiros daquela agência, conhecimento que lhe vinha da análise de mapas de acompanhamento comercial da agência. Por isso sabia os montantes que eram depositados, os que eram aplicados em compra de títulos e os montantes dos financiamentos concedidos.
Drº J………., economista, administrador do N……….de 1995 a 1999, ligado à rede clássica.
Disse que pessoalmente não se apercebeu de nenhuma irregularidade que se estivesse a passar na agência ………. . Depois, porque chegou à administração uma carta de um cliente onde se reflectia a promessa de uma remuneração de um depósito a prazo muito superior ao que era praticado pelo banco, soube que houve uma auditoria a essa agência.
Referiu não ser regular a abertura de contas paralelas de clientes mas ter sabido que este era o expediente usado naquela agência (pelo arguido e pelos demais funcionários) para depois fazerem aplicações diversas daquelas que os clientes tinham autorizado. Que também dessa forma era possibilitada a concessão de crédito a determinados clientes, empréstimos concedidos sem os requisitos, quer a nível de autorização, quer de garantias, e dos quais a hierarquia do banco não tinha conhecimento. O dinheiro que passava para essas contas paralelas era depois utilizado em investimentos em bolsa.
Disse ainda que, durante um tempo determinado e para aquisição de obrigações “E……….”, se abriram, no N………., contas paralelas mas apenas para esse fim. Depois esta prática foi eliminada.
BS………., cliente da agência “levado” por um amigo que já era depositante nessa agência e que o aconselhou a mudar para lá as suas poupanças porque aí lhe era garantido melhor rendimento. Esta testemunha referiu concretamente que pensava estar a fazer um vulgar “ depósito a prazo” e não qualquer outro tipo de investimento. Quando recebeu um extracto onde viu reflectida a compra de acções deslocou-se à agência e falou com o arguido que lhe disse que tinha havido um lapso que imediatamente se prontificou rectificar.
Quanto ao PIC que deduziu e relativamente aos prejuízos que diz terem-lhe sido causados a testemunha explicou que intentou contra o N………. uma acção que não foi julgada totalmente procedente e que o valor peticionado, agora e aqui quanto ao arguido corresponde ao montante que teve de pagar nessa acção de custas, selos e honorários.
Engº AO………., disse não conhecer o arguido e que não era cliente da agência. Apenas fez uma aplicação nessa agência, porque o filho de um amigo (Sr. HE……….) lhe disse que esse banco oferecia uma remuneração melhor do que estava a ser praticada noutros bancos. Tratou de tudo no seu escritório sem se ter deslocado à agência. Aplicou 15 mil contos de uma vez e 10 mil de outra. Recebeu, nas datas contratadas, as remunerações prometidas.
AT………., disse conhecer o arguido e ter sido cliente da agência ………. do N……….. de 1997 a 1998 ficando tal facto a dever-se à circunstância de ter procurado um banco que melhor remunerasse o seu dinheiro. Explicou ainda que falou com o arguido, discutiram a taxa, propôs a taxa que pretendia para a aplicação e que o arguido não acedeu logo ao seu pedido, dizendo que “tinha de falar com Lisboa”. Só posteriormente foi contactado pelo arguido que lhe disse que lhe daria o que pretendia. Disse que era dessa forma que trabalhava com os bancos, que não achou nada de estranho no procedimento do arguido. Ainda referiu que ninguém lhe recomendou a agência, mas que a procurou por acaso.
Reiterou confiar no arguido e se, na altura, ele lhe tivesse dito que iria fazer qualquer tipo de aplicação com o seu dinheiro, fosse qual fosse, continuaria a confiar desde que o arguido lhe garantisse que, no final do prazo, lhe restituía o dinheiro aplicado, acrescido do juro acordado.
AX………., disse que conhecia o arguido do Z………. . Era, na altura, jogador de futebol nesse clube e soube, por outros colegas de profissão, que naquela agência se estava a praticar boas taxas de juros, razão pela qual lá fez o depósito de 50 mil contos. Entendeu que fez um depósito a prazo e no termo do período temporal acordado recebeu o seu dinheiro e a remuneração acordada. Já não se recordava da taxa de juros que lhe foi dada pelo seu depósito mas sabia que era boa.
Drº AS………., médico anestesista, foi cliente da agência. Disse que fez a aplicação do seu dinheiro naquela agência porque lhe foi prometida uma taxa de juro superior à que era praticada na época. No seu caso concreto foi-lhe garantida uma remuneração de 10% ao ano, para um depósito a prazo de um ano – que poderia, ou não, ser renovado -. Achou boa a taxa sem ser nada de extraordinário e, por isso, fez a aplicação. Tudo lhe foi pago integralmente e na data acordada. Disse que não “negociou” a taxa e que apenas referiu querer fazer a aplicação com a taxa que sabia ser corrente nessa instituição. A instâncias da defesa disse que nunca lhe pediram para fazer com o banco qualquer tipo de outro negócio. Só no final do prazo do seu depósito é que foi contactado telefonicamente por alguém do banco que lhe perguntou se não quereria fazer outras aplicações. Disse que foi procurar concretamente a agência ………. do N………., por indicação de outra pessoa, que não sabe precisar quem, onde estariam, segundo então lhe referiram, a praticar esse tipo de remunerações mais vantajosas para este tipo de aplicações.
AZ………., à época jogador do Z………. . Disse que fez a aplicação de dinheiro nessa agência porque, na altura, era a que melhor remuneração garantia para o seu dinheiro, não se recordando agora de que forma obteve essa informação. A testemunha depositava o seu dinheiro e era garantido, antecipadamente, o pagamento mensal da remuneração prometida para o final da aplicação e que lhe era depositada, na conta à ordem, do qual, portanto, a testemunha podia, de imediato, começar a dispor. Asseverou que este tipo de aplicação, embora com outras taxas de juro, já lhe tinha sido concedido no HP………. e que, depois de ter saído da agência ………. do N………., transferiu o seu dinheiro para o HG……….., onde lhe foram dadas as mesmas condições.
BC………., contactou o arguido por ser gerente do N………., mas esse contacto não foi pessoal. Fez uma aplicação nesse Banco de 9 mil contos no N………., com uma taxa de 6%. Disse que não se deslocou à agência, tendo tudo sido tratado por uma sua irmã e o sócio dela.
Engº BD……….., esta testemunha disse que já conhecia o arguido de quando ele trabalhava no GQ………. e que neste banco havia trabalhado com o arguido.
Disse ter sido contactado pelo arguido quando este mudou daquele banco para o N………. e “ofereceu-lhe condições “para que mudasse de banco e passasse a trabalhar com ele. Foi cliente desta agência desde 1995 a 1999.
Referiu que, sempre e só, fez depósitos a prazo. Disse que os bancos habitualmente, para depósitos de valores avultados, pagavam mais do que era o juro correntemente praticado e que em todos os bancos se discute a taxa e se conseguem aplicações mais rentáveis. Disse ainda que sempre lhe foi pago o juro contratado. A instância do assistente a testemunha respondeu que encontrou e ainda encontra disparidades entre as taxas de juros praticadas entre vários bancos para o mesmo tipo de produto (depósito a prazo com capital e juros garantidos).
BE……….., disse conhecer o arguido por ter contactado com ele no N………. .
Já conhecia o arguido quando ele trabalhava noutros bancos e foi por ele contactado para que passasse a trabalhar na agência.
Ofereceu-lhe “vários produtos” e a testemunha optou por aquele que entendeu ser mais seguro que foi o de um depósito a prazo com uma taxa de rentabilidade de 7% ou 7,5% ao ano. Tudo lhe foi pago de acordo com o contratado. Por seu intermédio outros clientes se dirigiram àquela agência.
HH………., esta testemunha, apresentada pela defesa do arguido, trabalhou com ele na agência ………. do N………., tendo-o feito desde 1996 a 13 de Setembro de 1999, exercendo as funções de gerente de conta e segunda responsável pela agência.
Relatou que, no ano de 1997, foi feita uma auditoria interna aos serviços da Agência ………., sendo Auditor Chefe (da UBP) o Srº HI………. e Director Comercial de particulares o Dr. HJ……….. . No relatório final foram feitos alguns reparos de procedimentos que, segundo afirmou, se ficavam a dever ao facto de o Banco não ter um manual pelo qual os funcionários se pudessem reger. Segundo disse as questões suscitadas tiveram mais a ver com aspectos de procedimentos formais. Na sequência destas questões, o arguido pediu uma reunião com o Drº HJ………. e este disse que ele mesmo se encarregaria de solucionar essas questões, mas que deveriam continuar o trabalho que vinham desenvolvendo, que era excelente. A agência e os seus funcionários foram muito louvados, pela direcção, depois também pelo Drº I………., que visitava a agência com frequência, sempre elogiando o trabalho desenvolvido. Chegaram a receber a visita do Presidente do Banco, por alturas do Natal, que elogiou o trabalho dos funcionários; tiveram inclusivamente prémios de produtividade, uma vez que era uma das agências do N………. que melhor cumpria os objectivos.
Esta testemunha disse ainda que os extractos de conta eram gerados pelos serviços centrais em Lisboa e que também era o sistema que gerava o número das contas. Falou ainda da existência de mapas diários do movimento da agência.
Esta testemunha referiu que a pressão exercida sobre os funcionários e o gerente da dependência no sentido de alcançar esses objectivos levava a que muitas vezes se fizessem determinadas operações sem o cumprimento estrito de todas as normas. Referiu mesmo que, pelo menos por uma vez, ela própria ligou para o Director Comercial, a testemunha já ouvida Drº I……….., pedindo instruções muito concretas sobre uma conta corrente caucionada relativamente a uma das empresas do Sr. GL………. que estaria atrasada, e dele recebeu a resposta “Faça-se, faça-se, não vamos perder a operação!”, tendo a testemunha comunicado ao Drº HE……….. esta afirmação.
Disse que, as taxas de juros praticadas na agência com grande parte dos clientes eram negociadas. E que era relativamente a este aspecto que existiam problemas porque o Banco não dispunha de muitos “produtos” para oferecer aos seus clientes, fora as obrigações “E……….” que eram um misto de aplicação em bolsa e depósito a prazo. Na altura o banco estava a fazer um esforço muito grande de captação de recursos.
Passou depois a esclarecer, de modo muito pormenorizado, como se processavam, à época, diversas operações de concessão de crédito, sempre referindo que havia necessidade de aprovação, por parte da administração do banco das operações de crédito mais vultuosas, tendo a dependência um “plafond” curto, de cerca de 2.500 contos, que o gerente poderia conceder sem necessidade de autorização superior.
M………., esta testemunha apresentada pela defesa, entrou para a agência como depositante/cliente do N………… pela mão do Srº Drº HK………. que era Director do Banco. Este pediu-lhe para se tornar cliente do Banco porque estavam em condições de lhe garantir taxas competitivas. Habituado a negociar com os Bancos as taxas pelas suas aplicações financeiras, só fazia depósitos em bancos que lhe garantissem uma boa rentabilidade, pois se a taxa oferecida não fosse competitiva, não lhe interessaria e procuraria outro que lhe desse mais vantagens. Sempre fez aplicações de dinheiro com rentabilidade garantida. Soube o que se passou pelos jornais e que ficou muito surpreendido porque a relação que tinha com o Banco sempre foi “ normal “; uma vezes o banco conseguia ganhar a operação, noutras perdia-a porque outros ofereciam mais e ganhavam estes a operação. A negociação das taxas eram muito “renhidas”, ao meio ponto percentual. Sempre se preocupou com a segurança do capital investido nunca tendo investido em produtos de risco.
Depois de ter despoletado a situação a testemunha disse que foi falar com a administração do Banco e que tudo lhe foi pago, tendo mesmo referido que as taxas praticadas eram as correntes no mercado e não eram “ disparatadas”.
Drº CJ………., amigo do pai do arguido, depositante no N………. e com responsabilidades na administração do B………., SA. Esta testemunha relatou ter sido contactado pelo telefone e que lhe foi dado conhecimento do “ produto” que entendeu atractivo e que, por essa razão, efectuou uma transferência para o N………. . Sempre lhe foi pago tudo o que havia sido acordado e só quando viu uma notícia no Jornal “HL……….” é que veio a tomar conhecimento dos problemas existentes. Disse ainda que a taxa que lhe foi proposta, ao tempo, era boa mas não de tal forma extraordinária que pudesse indiciar que algo de anormal se passasse. O que era importante era ser uma taxa de rentabilidade garantida que se mantinha e manteve apesar da baixa dos juros.
U………., esta testemunha disse ser amiga, de toda a vida, do arguido, já que ele é amigo dos seus filhos e conhece-o desde pequeno.
Foi cliente do N………. e nunca teve problemas com os depósitos que efectuou, recebendo sempre o que tinha contratado. Pelo que conhece do arguido acha-o incapaz de se apropriar de dinheiro que não lhe pertença e que tem sempre mantido o mesmo nível de vida.
L………., esta testemunha trabalhou na agência ………., de 1994 a 1999, sendo o arguido, seu superior hierárquico. Foi ouvida por duas vezes, reinquirida no dia 8/05/2008 a requerimento da defesa.
Referiu o modo como passou a trabalhar na agência, trazendo para ela clientes que já eram seus de quando prestava serviço na agência ………. . Esta testemunha disse ainda que a direcção comercial do banco fazia um acompanhamento muito próximo do trabalho desenvolvido na agência.
Falou que os clientes que “faziam parte da sua carteira de clientes” e dos demais daquela agência, para ela captados, procuravam sobretudo taxas e por isso lhes ofereciam as melhores de modo a conseguir que os clientes ali se fixassem. Perguntado pela defesa como era que “negociava” as taxas que oferecia aos clientes, a testemunha passou a referir as taxas de remuneração das obrigações, referindo-se, concretamente, às obrigações “E…………” “……….” ou acções “G……….”. Ou seja explicitou o procedimento usado na agência, como um decalque do que era feito com esses produtos próprios do Banco.
E mais disse que quando já não havia obrigações para oferecer aos clientes, faziam o mesmo tipo de aplicação com o dinheiro dos clientes, mas comprando e vendendo títulos em Bolsa, dizendo mesmo que bastava um ou dois dias de aplicação em bolsa para pagar a aplicação prometida ao cliente e que a rentabilidade dessa aplicação ia para a conta do banco/da agência/ da U……….., que era livre de acesso a toda a gente da agência e que dela retiravam os montantes que fossem necessários para cobrir saldos.
Assim até explicou de modo detalhado que depois dele e dos colegas da agência saberem que a cotação de determinados títulos de uma empresa iriam subir, decidiram comprá-los, para depois os venderem na alta. Usaram, para o efeito uma conta aberta em nome da sua mulher. Mas como não tinham dinheiro que lhes permitisse efectuar a compra, retiraram dinheiro da conta da GM………. e depois de terem vendido voltaram a colocar lá o dinheiro retirado! E disse-o com um à vontade assombroso, pois a conta da GM………. que o arguido abriu e que tão bem disse controlar e gerir no interesse único dos clientes, revelou servir também, nas palavras chãs desta testemunha, para enriquecer os colegas da agência!
Foi claro ao referir que os clientes não sabiam como era aplicado o seu dinheiro e de que também nada lhes era dito.
Esta testemunha depôs, misturando sempre o procedimento que o N………. tinha com os produtos por ele oferecidos e o “esquema” que o arguido resolveu implementar, fazendo-os equivaler.
No mais, concretamente relativamente ao descobertos em conta dos clientes “T……….” o depoimento da testemunha, confuso, pouco claro, não mereceu credibilidade, sobretudo depois da explicação que sobre este assunto já tinha sido dada ao Tribunal pela testemunha, auditor do “N……….”, Drº K………. .
Concretamente perguntado se a testemunha ou os outros “gestores de conta” tinham condições pessoais para garantirem aos clientes a rentabilidade das aplicações prometidas aos clientes, respondeu que não.
V………., amigo da família do arguido desde sempre. Foi cliente dos GQ………. e depois “N……….”. Referiu saber que o arguido era tido, no meio bancário, como uma pessoa cautelosa, incapaz de assumir riscos disparatados e muito ponderado na sua actividade profissional. O “N……….” quando surgiu na praça fê-lo com “novos métodos”, tratando os clientes de “forma mais personalizada”, tendo características que o distinguia dos outros bancos. Foi cliente do banco para obtenção de crédito e sempre achou que este lhe foi concedido com a exigência de prestação das garantias que eram habituais.
Disse ainda que toda a situação gerada com o processo trouxe grande abalo para o arguido e para a sua família. Considera o arguido emocionalmente estável. Referiu ainda que este caso teve e tem ainda alguma repercussão social, através dos jornais. Ainda que toda esta situação, segundo crê, terá trazido desgaste no casamento do arguido e que terá contribuído para o seu divórcio.
Drº F………., cunhado do arguido, conhece-o desde a sua adolescência.
Explicou que a sua família, concretamente seu pai, teve negócios com a família N1………. de quem era amigo. Esta testemunha e seu pai, sogro do arguido, foram ambos clientes do Banco “N……….”, tendo sido contactados por duas pessoas dessa instituição para ser clientes do “Private” do Banco. Tiveram, nesse banco, aplicações a prazo e também compraram obrigações “G……….” e “E……….”- estes contratos de compra e recompra de acções, produto este com remunerações previamente garantidas, que eram aplicações perfeitamente seguras. Disse a testemunha nesse produto aplicou cerca de 400 mil contos e que parte desse dinheiro foi aplicado num depósito a prazo normal e o restante era aplicado na compra de acções de empresas da família N1………. . Ao fim de um mês e um dia o banco dava a remuneração contratada e recomprava as acções. No depósito a prazo a remuneração da taxa de juro era superior à praticada noutras instituições bancárias. Em 21/10/99 a testemunha efectuou compra de um produto de “G……….”, que consistia na compra de acções de sociedades da família N1………., produto que lhe foi vendido pelo Banco. Recebia uma nota de aplicação financeira e só quando pretendia é que pedia lhe fossem enviados extractos de conta.
Sempre teve a noção que efectuou com o Banco aplicações “mistas” de aplicações a prazo e compra de acções aquando da compra destes produtos “ E……….” ou “ G……….”. Disse ainda que nunca se deslocou ao balcão ………., negociando sempre com o “ Private “ da ……….., mas que os extractos eram emitidos pelo balcão ………...
Esta testemunha referiu que quando vieram a público as notícias referentes a problemas com o arguido, foi uma tragédia para a família. Conhecia o arguido desde jovem e sempre o teve em conta de uma pessoa extremamente responsável, continuando a ter pelo arguido muito apreço pessoal e muita estima.
S……….; amigo do pai do arguido Disse que, provavelmente num jantar de amigos, soube que na agência ………. do N………., remuneravam depósitos a prazo a 8%. Achando um pouco exagerada perguntou por que razão ofereciam aquela taxa, ao que o arguido disse que o Banco estava a aplicar o dinheiro investido numas obrigações em mercados emergentes. Então fez, o que referiu ser, um depósito a prazo “ puro e duro “ e também aplicou o dinheiro de familiares seus. Não tem ideia de ter recebido, no tempo em que durou a aplicação, qualquer extracto de conta. Referiu, no entanto, que recebeu tudo o que lhe tinha sido prometido. Perguntado se tinha autorizado transferências da sua conta para outras contas, concretamente, de GL…………. ou GM………., a testemunha referiu que não deu ordem para esse efeito.
Referiu esta testemunha a instâncias da defesa que lhe era indiferente o destino do dinheiro, ou a aplicação que dele fosse feito, bastando-se com a credibilidade do N………. .
Mais disse esta testemunha que tinha na sua mão “ um documento sagrado” que obrigava o Banco porque estava assinado por dois procuradores. O negócio tinha sido efectuado num Banco e não num café, até referiu.
AY………., esta testemunha disse não conhecer o arguido. Nunca ter falado com ele. Disse que fez um depósito a prazo, porque disseram que davam juros bons. Era cliente de outros Bancos, HF……….e HM………. e que foi um amigo que o levou para a agência ………., porque davam bons juros. Esta testemunha disse que nunca foi à agência e que era contactado por funcionários do Banco em sua casa, acabando por referir o nome de L………. como tendo sido a pessoa que lá se deslocou para levar o dinheiro e para fazer a aplicação. Esta testemunha referiu que o montante da taxa da sua aplicação era de 6,3%.
Todas as testemunhas foram confrontadas com os documentos constantes dos autos, concretamente com as cópias dos contratos que entre eles e a agência do N………. foram outorgados.
Drª O………., efectuou a auditoria na agência ………. do N………., auditoria que foi essencialmente motivada pelo conhecimento que tiveram de uma “minuta de uma aplicação financeira” enviada por carta por um cliente, evidenciando a remuneração de um D.P. com taxas de juros superiores às que eram praticadas.
O depoimento desta testemunha, que se prolongou por várias sessões de julgamento, foi muito exaustivo, fazendo-se a análise detalhada dos documentos constantes do processo e de pastas e anexos, onde se evidenciam as transferências de diversos montantes da conta dos mais diferentes clientes para a conta aberta em nome de GM………. e desta para a conta daqueles, como também a transferência entre contas de clientes.
Começou por referir que a investigação na agência se iniciou na sequência da referida carta enviada pelo cliente S………., que referia a existência de uma aplicação (um depósito a prazo) que prometia uma rentabilidade muito superior às taxas praticadas pelo Banco. Logo constatou que existiam muitos movimentos de contas de clientes, para os quais não existiam as necessárias instruções por parte dos clientes.
Encontrou documentos elaborados na agência, na maior parte das vezes pelo arguido outras por outros funcionários da agência, onde era prometida uma aplicação a prazo com um juro garantido.
Foi esta Senhora Doutora que, minuciosamente, investigou os movimentos feitos pelo arguido, usando a conta aberta em nome de sua mulher. Então, com todo o detalhe, analisaram-se os documentos que evidenciaram os movimentos havidos entre as contas (reais umas, paralelas outras) dos diversos clientes e a conta aberta pelo arguido em nome de sua mulher com o nº ………./.. e desta conta para de outros clientes, bem como o destino que teve o dinheiro que entrou nessa conta; compra de acções, transferências para contas de outros clientes, algumas delas constituindo financiamentos. Movimentos que se encontram sintetizados num dos quadros constantes dos factos provados.
Disse ainda que muitos cheques desta conta foram passados em nome do próprio arguido, outros emitidos ao portador e por ele usados em depósitos que efectuou em contas que tinha abertas em seu nome no GO………., depois GP………. . Assim referiu o depósito, 04/07/1997 de um cheque no valor de 52 mil contos; em 14/01/1998 de um cheque de 90 mil contos; um cheque de 50 mil contos depositado em 18/12/1998, um outro de 45 mil contos depositados no dia 8/10/1998 e 100 mil contos na data de 2/07/1998. Esta testemunha referiu que, como apurou, o arguido em contas suas, abertas noutras instituições bancárias (contas em seu nome ou de que o arguido era co-titular), o arguido depositou cerca de 457.300. contos (desde 1997 a 16 de Abril de 1999). Também verificou levantamentos, por parte do arguido de diversas importâncias de valores mais pequenos para gastos pessoais.
Passou-se então à verificação, no concreto das transferências, efectuadas de e para outras contas dos clientes que se analisou, um a um, detalhadamente.
Drº K………., economista, técnico de auditoria, que de modo exaustivo e completamente esclarecedor prestou o seu depoimento.
Esta testemunha referiu que depois de se ter despoletado a situação no N………. (na sequência de uma queixa de um cliente de nome S………..) foi uma das pessoas a ir até à Sucursal ………., tendo ido buscar o disco rígido do computador do arguido.
Iniciou a auditoria à agência em Abril de 1999.
Começou por referir ter constatado que o arguido prometia a clientes da agência rentabilidades maiores do que as que eram as permitidas pelo banco.
Explicitou, então, de modo detalhado o esquema gizado pelo arguido para o efeito: forjando um tipo de impresso semelhante a um em uso no N………. efectuava, com clientes, aplicações financeiras, nas quais ficava a constar: o montante aplicado, o prazo de aplicação, a rentabilidade prometida.
Com o dinheiro assim obtido, o arguido “abria” contas “paralelas” para as quais transferia depois todo ou parte do dinheiro aplicado pelos clientes e a partir daí fazia aplicações variadas. Assim: transferia dinheiro para uma conta aberta em nome da mulher do arguido; concedia empréstimos a determinados clientes - em montantes superiores àqueles para os quais estava autorizada conceder sem autorização superior, sem as garantias obrigatórias para a concessão desses empréstimos, tendo contactado que alguns tinham sido concedidos pelo arguido mediante a emissão, por parte do beneficiário do empréstimo, apenas de cheques pré-datados -; comprava acções com as quais obtinha rentabilidades, que eram geridas pelo arguido e, nas datas dos vencimentos das diversas aplicações, o arguido voltava a transferir das contas paralelas o dinheiro aplicado pelos clientes acrescido da rentabilidade prometida.
Relatou a testemunha que, em consequência deste esquema, e segundo o apuramento que fizeram no âmbito da peritagem efectuada, o montante global do dinheiro, desta forma movimentado pelo arguido, foi cerca de 20 milhões de contos, (montante aplicada pelos clientes da agência nesse tipo de aplicações), documentos de fls. 58 e ss. do Volume I, sendo que 12 milhões se encontravam em conta de títulos (contas paralelas de títulos, contas estas de que os clientes não tinham conhecimento e para a compra dos quais não tinham dado ordem de compra).
Este montante, a que aludiu, refere-se apenas ao valor de aplicações que ainda não se tinham vencido, ou seja situações com clientes que se encontravam ainda «em aberto» não entrando em linha de conta com aplicações do mesmo jaez que se tivessem já vencido.
Mencionou ainda que depois de analisarem o disco duro do computador do arguido vieram a constatar que nele se encontravam para além de minutas dos “ contratos” efectuados pelo arguido com os clientes da agência, também extractos de contas de clientes.
Muitas das contas “paralelas” abertas estavam domiciliadas na agência, para que os extractos de conta emitidos centralmente em Lisboa, fossem, como foram remetidos para a agência. Constatou que, muitas vezes, o arguido “fabricava” no seu computador extractos de conta que enviava para os clientes, estes reflectindo o que com eles tinha sido acordado e, dessa forma ocultando o real e efectivo percurso do dinheiro.
Por esta testemunha foi exibido um documento, que o Tribunal, ao abrigo do disposto no art 340º do Código Processo Penal determinou a sua junção aos autos, sendo um mapa que dava conta dos clientes que subscreveram o aludido “produto financeiro”, (consistente em depósitos por determinado período, garantindo no final do período o reembolso do capital e dos juros prometidos) e cujos documentos – a cada um respeitantes - constam de cada uma das pastas de documentos, com a indicação, relativamente a cada um desses clientes, da existência de uma conta real e uma outra conta paralela, o “ resumo” do total das aplicações, os montantes existentes, quer em depósitos à ordem, quer em acções, quer de montantes transferidos para e da conta de outros clientes – dentre estes também para e da conta da GM…. .
Da análise deste mapa resumo concluiu-se o valor do prejuízo causado pela conduta do arguido ao N………. .
O seu depoimento que decorreu durante várias sessões de julgamento foi, para além de muito esclarecedor, prestado com conhecimento profundo do conjunto de actos praticados pelo arguido, de modo muito isento, coerente e credível.
Nomeadamente mesmo no que concerne aos clientes “T……….” muito falados, porque referidos, quer pelo arguido quer por testemunhas por ele apresentadas, como descobertos em contas de clientes gerados “fora da agência”, resultantes da compra de títulos, explicou que esses clientes, que tinham contas na agência, só poderiam continuar a comprar títulos através da “T……….” (uma corretora), independentemente de terem ou não dinheiro nas suas contas para cobrir essas ordens de compra se e enquanto a própria agência (o arguido como seu responsável), não desse conhecimento à “T……….r” para as aceitar ou não. Ou seja, independente da vontade do arguido e da sua autorização, só poderiam os clientes dar, por uma vez, uma ordem de compra de títulos sem terem nas suas contas dinheiro para tal, todas as outras, quando se efectuaram, foi porque o arguido permitiu, por acção ou omissão, que os clientes assim continuassem a comprar títulos, sem terem nas suas contas o dinheiro necessário para os pagar, funcionando assim essas compras “sem dinheiro” como empréstimos que eram concedidos aos clientes para negócios na Bolsa.
Com esta testemunha se analisaram exaustiva e pormenorizadamente os documentos dos autos, a partir dos quais se concluiu, para além do mais, o total do prejuízo causado pelo arguido ao “ N……….” com a sua actuação.
Depois também ainda se teve em consideração as declarações que o arguido decidiu prestar, reservando-se para o fazer já depois de uma boa parte da prova ter sido produzida, tendo assim o seu depoimento sido prestado nas audiências dos dias 27 de Setembro, 18 de Outubro e 5 de Novembro.
Em súmula disse:
Depois de 5 anos de trabalho na Banca, de 1989 a 1991 no B………, SA e de 91 a 95 no GQ……….., foi convidado para o cargo de Director de agência ………. do N………. . Que na altura o que lhe foi pedido foi que fizesse um esforço no sentido da captação de recursos. O arguido tinha, como referiu “uma boa carteira de clientes” que tinha angariado nas outras instituições e que tentou trazer para o N………. . Como? Oferecendo melhores condições, melhores taxas de juro. Concretamente perguntado se tinha autorização do N………. para oferecer essas taxas admitiu que eram superiores às que estava autorizado pelo Banco.
Explicou que conseguia dar aos clientes estas taxas aproveitando o facto de, na altura, a bolsa estar “ em crescendo “ e então comprando e vendendo títulos conseguiam a rentabilidade prometida.
Disse que, muitas vezes, com o dinheiro dos clientes que subscreviam as “aplicações financeiras”, num período curto de tempo, comprando e vendendo acções na Bolsa, alcançavam a rentabilidade prometida. Deois, dependia, poderiam “sair” da Bolsa, ou manter-se durante mais algum tempo para conseguir mais. Esse mais era depois depositado na conta paralela (da GM………. ou dos clientes), e servia para eventuais/posteriores renovações, tendo ali uma “ margem de conforto” para poder, caso fosse necessário, oferecer um pouco mais ao cliente para ele renovar a sua aplicação, ou para cobrir a remuneração prometida a outros clientes.
O arguido disse que no balcão todos faziam da mesma maneira. E questionado se tinha dado ordem ou autorização aos seus subordinados/ funcionários para proceder do mesmo modo o arguido, não obstante reconhecer que como director do balcão era o responsável pelo que se passava na agência, referiu que muitas das vezes, algumas aplicações em concreto eram feitas sem que o arguido delas tivesse conhecimento porque, muitas vezes, se ausentava da agência. Mas concretamente perguntado se os funcionários seguiam ou não o seu exemplo, com a sua concordância, sem que os impedisse de assim procederem, respondeu afirmativamente.
Quando perguntado que vantagens advinham para o N………. do dinheiro das aplicações que geria, o arguido disse que o Banco sempre ganhava; por exemplo, com a compra de títulos ganhava as comissões e a corretagem.
Relativamente à conta aberta em nome de sua mulher disse que a abriu em nome dela como podia ter sido aberta em nome de qualquer pessoa, porque funcionava como uma conta bolo do balcão, usada por todos os gestores de conta. Aqui o arguido referiu concretamente ter copiado este tipo de conta do produto “E……….”. E ainda explicitou, enumerando, o modo como esta conta era “alimentada” (sic); com entrada de clientes, familiares ou particulares, directamente das suas contas reais das contas “paralelas”, com os juros dos empréstimos concedidos. A conta da GM………. servia para tudo. Servia de “almofada” para “algumas coisas” que houvesse. Nela também era efectuado depósito de dinheiro do arguido e de seus familiares. Tinha a liberdade de negociar através dessa conta “montantes interessantes”. Para, por exemplo, através deles, poder conceder empréstimos a quem quisesse.
Disse concretamente que o depósito feito na agência, do cliente Segurança Social (que segundo disse nem sequer era um “seu” cliente), o dinheiro da aplicação feita por este cliente passou pela conta da GM………. para conceder o empréstimo ao Sr. GL………. . Disse ainda que este movimento foi feito por “um meu gestor (sic)” quando estava de férias.
O arguido, ao prestar as suas declarações assumindo, na sua essencialidade, todos os factos que lhe são imputados na acusação, demonstrou, com evidência não ter, relativamente a eles, qualquer juízo crítico, nem verberou arrependimento. O arguido falou de tudo o que fez, como fez, pretendendo demonstrar como foi hábil na “gestão do dinheiro que recebeu dos clientes”, como se estes lho tivessem entregue a si para esse fim. Falou sempre, quando prestou declarações, no plural, “nós fizemos, nós vendíamos, nós comprávamos, nós aplicámos”, como se se continuasse a ver como a própria Instituição. De relevo o modo como aceitou como normal a conta aberta em nome de sua mulher, e como aceitou como normal que houvesse uma conta/bolo da agência. Concretamente perguntado se uma agência tem uma conta que funcione como seu fundo de maneio, respondeu que não e daí a necessidade de abrir uma conta em nome de alguém.
O arguido voltou a referir que a conta da GM………. servia para efectuar empréstimos a clientes que tinham grande liquidez e que, quando um dia decidisse “encerrar” a conta o saldo iria para o Banco. Perguntado muitas vezes como é que faria essa transferência, não conseguiu explicar, mais uma vez servindo-se como exemplo da conta que existia para os produtos “E……….”.
Por fim, disse que tinha o controlo de todas as aplicações a prazo no seu computador, num ficheiro, a que acedia através da sua password. Disse que, cada um dos funcionários, tinham o controlo das contas dos seus clientes e das aplicações que eles faziam. Mas que também eles transferiam valores para a conta da GM………. e desta para as contas dos clientes, ou seja relativamente a algumas aplicações, não sabia a data de vencimento delas. Contudo, na continuação o arguido acabou por dizer que “ se calhar, por algumas vezes, delegou mal “.
Para além destes factos que em síntese se referem por demais reveladores do “esquema” montado pelo arguido, este falou de muitas outras coisas; clientes T………., cuja explicação dada para os descobertos de conta foi claramente infirmada pelas declarações prestadas pela testemunha Drº K………. .
O arguido quando confrontado com o montante do prejuízo causado ao Banco disse que, depois de já ter sido suspenso das suas funções, tinha escrito uma carta a um dos administradores do N………. dizendo-lhe para vender os títulos que tinham ficado na carteira de títulos dos clientes, porque “ se fossem vendido naquela altura “teríamos” menos prejuízo”!! quando foi confrontado com o valor do prejuízo apurado.
Ou seja, já numa situação em que tinha sido descoberto todo o estratagema por si delineado e executado, em virtude do qual se encontrava já suspenso das suas funções, ainda se continuava a achar mais expedito e estulto para minorar os efeitos da sua actuação, concluindo dizendo que, se o Banco teve o prejuízo que teve (resultante da diferença entre o que teve de pagar aos clientes e os montantes que conseguiu recuperar) foi porque “ não soube vender”.
(…)»

II – FUNDAMENTAÇÃO
9. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objecto do recurso, importa decidir as seguintes questões:
● Erro notório na apreciação da prova e contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão [artigo 410.º, n.º 2, alíneas c) e b), do CPP];
● Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto;
● Qualificação jurídica dos factos;
● Medida da pena.
I - Erro notório na apreciação da prova e contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
10. O recorrente começa por apontar situações susceptíveis de integrar os vícios previstos nas alíneas c) e b) do n.º 2 do artigo 410.º, do Código de Processo Penal: o erro notório na apreciação da prova e a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão. Ao mesmo tempo que produz tal alegação, apela a uma reformulação da decisão proferida sobre matéria de facto.
11. Como repetidamente se tem afirmado, os vícios referidos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal prevêem casos de flagrante e notória desconformidade formal e material evidenciada no próprio texto da decisão, a ponto de o tribunal de recurso deles conhecer mesmo que não tenham sido invocados. São incoerências reluzentes, perceptíveis até pelo cidadão médio na medida em que resultam do texto da decisão, por si só ou conjugadas com as regras da experiência comum, sem necessidade de se recorrer a elementos extrínsecos a esse texto [nesse sentido, entre muitos, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/04/2006 (Conselheiro Rodrigues da Costa), processo n.º 363/06–5, in www.pgdlisboa.pt e acórdão de 15/07/2008 (Conselheiro Souto de Moura), processo n.º 1787/08, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, in http://www.stj.pt/?idm=46 , ambos acedidos em Novembro de 2008].
12. Ora, o acórdão recorrido não patenteia esses vícios. Da sua leitura e ponderando as regras da experiência comum não resulta qualquer desconformidade evidente. Designadamente, não se detecta que os fundamentos estejam em contradição entre si ou que da fundamentação resulte uma decisão contrária àquela que foi proferida; nem se evidencia qualquer erro grosseiro na apreciação da prova.
13. Como a jurisprudência tem afirmado, a contradição insanável da fundamentação (ou entre esta e a decisão) supõe posições antagónicas e inconciliáveis entre si nos factos descritos ou entre essa descrição e fundamentação; e não configura o vício do erro notório o entendimento que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/07/2008 (Conselheiro Souto Moura), processo n.º 1787/08 - 5.ª Secção].
14. Ademais, o recorrente apoia a sua arguição em depoimentos concretos, procurando realçar aspectos que, em seu entender, tornam a decisão contrária ao juízo valorativo que tais depoimentos permitiriam extrair. Ora, esses aspectos prendem-se com a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto e serão objecto de apreciação detalhada no próximo item.
15. Em suma: a decisão proferida sobre a matéria de facto não enferma de qualquer dos vícios a que alude o n.º 2 do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, nem se detecta a inobservância de requisitos cominados sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada [n.º 3]. Com o que improcede este primeiro fundamento do recurso.
II - Impugnação da decisão sobre matéria de facto
16. O recorrente identifica vários pontos da matéria de facto que, em seu entender deveriam merecer decisão diferente, face à prova produzida. Procuraremos analisar esses pontos, seguindo a ordem de exposição que tiveram nas conclusões da motivação do recurso.
17. A. O acórdão recorrido consignou no capítulo dos “Factos Não Provados”:
Não se provou assim que a actuação do arguido fosse do conhecimento dos superiores [fls. 28 do acórdão].
18. O recorrente insurge-se, dizendo que tal afirmação contradiz o ponto 8. dos Factos Provados e os depoimentos das testemunhas F………. e H………. .
19. Não tem razão. O que se afirma no ponto 8. é que “A execução desse plano [gizado pelo recorrente] assentou no ‘decalque’ que o arguido fez de produtos existentes no Banco e por este oferecidos a alguns clientes (...)”. São coisas distintas: uns são produtos criados pelo Banco, e como tal, do seu conhecimento; outros são os “produtos” que o recorrente criou por decalque daqueles, e que, comprovadamente, não eram do conhecimento do N………. [Banco] – caso contrário, não precisava o arguido de recorrer ao “decalque”. Os testemunhos invocados referem-se aos primeiros – portanto aplicações institucionais, perfeitamente seguras. Mas mesmo que se referissem aos “produtos” criados pelo recorrente, não se vê que daí resultasse “que a actuação do arguido era do conhecimento dos superiores”.
20. Além disso, e por mérito do recorrente, o registo informático da saída dos depósitos efectuados pelos clientes não denúncia qualquer anomalia do seu procedimento, pelo que também por aqui a actuação do recorrente não chegou ao conhecimento dos seus superiores [ver pontos 19. a 25.].
21. B. O acórdão recorrido deu como provado:
59 – Previu o arguido que, com esta sua actuação, causava ao N………. prejuízo patrimonial uma vez que subtraiu à gestão do Banco os montantes que foram depositados pelos clientes com as referidas aplicações financeiras, tendo perfeito conhecimento, não só dos riscos ínsitos aos negócios que efectuava no Mercado de Valores Mobiliários, como também dos riscos inerentes aos empréstimos que concedia irregularmente.
60 – Quis a verificação de tal prejuízo como consequência da sua conduta, prejuízo que o arguido sabia ser consideravelmente elevado atendendo aos montantes vultuosos de dinheiro entregue pelos diversos clientes para as referidas aplicações financeiras.
22. Diz o recorrente que tal decisão contraria os pontos 7., 44., 26. e 31. dos mesmos Factos Provados, onde se referem ganhos elevados num curto prazo.
23. De novo, sem razão. As “aplicações” que o recorrente fez, em seu nome [ponto 28.], produziram “ganhos elevados” apenas durante algum tempo. Como se viu, quando o arguido foi suspenso das suas funções, os fundos investidos no Mercado de Valores Mobiliários [Bolsa] que se encontravam nas contas paralelas, mais os montantes depositados nas contas de depósito à ordem paralelas, o saldo da conta de “maneio”, os montantes recuperados mediante cheques pré-datados que o arguido tinha na sua posse (que se destinavam a “garantir” ou a pagar empréstimos irregularmente concedidos), todos estes montantes somados não permitiram repor integralmente o capital e os juros prometidos aos clientes que subscreveram tais “aplicações financeiras”, pelo que o Banco, no quadro da responsabilidade do comitente, teve de pagar os montantes em falta – pontos 36. e 37.
24. Assim, nada contraria o conhecimento, por parte do recorrente, dos riscos que a sua actividade gerava por estar inteiramente dependente das oscilações do mercado bolsista. São aliás proverbiais os enriquecimentos rápidos e os empobrecimentos instantâneos ligados a essa actividade. Pois bem: de tudo isto estava ciente o recorrente, como ciente estava que os prejuízos acumulados pelo conjunto das actividades que desenvolveu se repercutiam sobre o Banco que ele funcionalmente representava.
25. Com o que improcede mais este aspecto da impugnação deduzida.
26. C. O acórdão recorrido deu como provado:
28 - O próprio arguido fez, em seu nome, este tipo de aplicação financeira
57 – O arguido, actuou de modo livre, deliberado e consciente com o propósito de:
- obter para si, como efectivamente obteve, quantias em dinheiro às quais deu o destino que bem quis e entendeu, designadamente as que usou para pagar despesas pessoais através de levantamentos com cartão Multibanco e de crédito e as que levantou com cheques e depois depositou noutras instituições bancárias em contas de que era titular ou co/titular (…)
27. Diz o recorrente que constitui um “erro de julgamento” dar como provado esta matéria e depois afirmar, em sede de fundamentação de direito, que o arguido alcançou um enriquecimento que sabia não ser legítimo e só possível à custa do prejuízo do N………. .
28. A questão colocada não se traduz numa impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, mas antes numa discordância quanto à decisão jurídica alcançada – concretamente no que se refere ao enquadramento jurídico-penal dos factos –, que a seu tempo será apreciada.
29. D. O acórdão recorrido deu como provado:
19 - Estas contas paralelas eram, enquanto tais, apenas do conhecimento do arguido e de funcionários da agência, surgindo no sistema informático central do N………., como contas autónomas, sem relação com quaisquer outras.
23- [O que o arguido fazia] Também com o intuito de, perante a Instituição Bancária e seus superiores hierárquico demonstrar normais procedimentos bancários, pois muitas dessas contas paralelas se evidenciavam como contas de títulos associadas às contas à ordem.
30. Diz o recorrente que esta matéria contraria o depoimento da testemunha O………. quando, na audiência do dia 23 de Maio de 2007 disse: “o banco vê uma conta associada aquele cliente… uma conta de depósito à ordem que tinha associada um dossier de títulos”. Do que resulta, uma vez mais, que tal prática não era desconhecida nem ocultada do Banco.
31. Convenhamos que é uma fórmula demasiado simplista de impugnar a decisão de dar como não provado determinado facto – sobretudo quando, como é o caso, o acórdão se apoia em diversas fontes que o recorrente não analisa nem contesta. Desde logo, o recorrente não considera a matéria dada como provada nos pontos 18. a 25., onde é possível perceber os cuidados que ele teve não só na criação das contas paralelas mas também nas transferências realizadas, tudo “com o intuito de, perante a Instituição Bancária e seus superiores hierárquico demonstrar normais procedimentos bancários (...)” [23.], “Fazendo crer ao Banco que das contas à ordem saíam montantes para aquisição de títulos, como se para esse fim tivesse havido a competente e necessária autorização dos clientes (...)” [25.].
32. Com o que improcede mais este segmento da impugnação.
33. E. O recorrente volta a confundir passagens da fundamentação jurídica do acórdão com “Factos Provados” [conclusão 5]. Ao que julgamos, o recorrente refere-se ao facto de ter havido engano dos depositantes – circunstância de que nos falam os pontos 10. a 14., 22. e 29.
34. Diz o recorrente que as testemunhas P………., Q………. e H……… referem o contrário, ou seja, que “continuaria[m] a confiar [o seu capital] desde que... garantisse que, no final do prazo, lhe restituía o dinheiro aplicado, acrescido de juros” [conclusão 5, § 2º].
35. Como é evidente, não está em causa a confiança que as testemunhas mantêm nas aplicações financeiras do Banco. As testemunhas referem-se a produtos financeiros institucionais do Banco. Mas isso não autoriza a leitura que deles faz o recorrente. De facto, estes depoimentos não permitem concluir, como sugere o recorrente, que as testemunhas manteriam a mesma confiança... se soubessem que as “aplicações” eram realizadas da forma como foram, isto é, não pelo Banco mas pelo recorrente, a título pessoal, sem o conhecimento do Banco e portanto sem as garantidas institucionais próprias.
36. Como se vê, não há qualquer contradição e a decisão de dar como provados tais factos não merece censura.
37. F. O acórdão recorrido deu como provado:
16 - Por outro lado também não estava autorizado, pelos clientes que lhe entregavam dinheiro para efectuar essas aplicações, a usá-lo, todo ou parte dele, em negócios em bolsa, nem a transferi-lo para outras contas.
17 - Sequer estava autorizado a decidir qual o melhor modo e mais rentável de aplicar e investir o dinheiro dos clientes, gestão que não lhe competia e que não cabia nas suas funções.
24 - Escondendo dos clientes o verdadeiro destino do dinheiro entregue, não lhes referindo que, com ele, iria efectuar negócios em Bolsa, mesmo àqueles clientes que eventualmente a esse destino não se opusessem, o arguido não ficava obrigado a pagar-lhes toda a rentabilidade obtida na Bolsa com o dinheiro investido, apenas lhes remunerando o investimento de acordo com a taxa inicialmente contratada.
38. Diz o recorrente que tal matéria contraria o depoimento da testemunha H………., salientando, ainda, que o contrato de depósito bancário permite que o banco disponha livremente da quantia que lhe é entregue.
39. Mais uma vez, o recorrente gera um equívoco. É verdade que por via do contrato de depósito bancário o banco passa a poder dispor da quantia depositada. Acontece que, conforme repetidamente se tem afirmado supra, no caso dos autos o recorrente retirou ao Banco a possibilidade de gerir as quantias depositadas, transferindo-as para outras contas e depois para uma conta por si gerida [conta “de maneio” ou “conta mãe”], a partir da qual fez, em seu nome, as aplicações que lhe aprouveram.
40. Por outro lado, o depoimento invocado [mas não concretizado] não refere que tenha sido dada autorização ao recorrente para proceder a esse conjunto de operações financeiras, integradas no esquema por si criado.
41. Com o que improcede mais este segmento da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto.
42. G. Por último: o acórdão recorrido deu como provado:
18 – Assim, quando o arguido, por si ou através dos outros funcionários da agência, seus subordinados, recebia dos clientes dinheiro para constituírem a prometida aplicação financeira, cuja entrada ficava registada na conta DO do cliente, sob o descritivo, constituição de aplicação, esse dinheiro era transferido de imediato, por regra, para uma conta “paralela”, aberta/criada informaticamente, à qual era dada, pelo sistema central do Banco, um número determinado e que ficavam domiciliadas na própria agência.
30 - Desta forma o arguido conseguiu que os clientes tivessem entregue, convencidos que estavam a efectuar um depósito a prazo com juro garantido, mais de 20 milhões de contos que pôde “gerir” e “aplicar” como lhe aprouve;
31 - O arguido, com os montantes assim angariados, por si ou através dos demais funcionários da agência das Antas, umas vezes adquiria títulos ou fundos comercializados no Mercado de Valores Mobiliários de Lisboa (Bolsa de Valores) através da correctora X………., títulos que lhe permitiram depois de vendidos, considerando a conjuntura, à época, favorável a este tipo de aplicação, obter ganhos com os quais foi conseguindo pagar as taxas de juros contratadas, sem que o N………. disso se apercebesse, desta forma subtraindo a gestão de capitais vultuosos à administração daquele Banco, passando ele a geri-los à total revelia deste e como se ele próprio dum Banco se tratasse, impedindo assim a instituição bancária de obter lucros e ganhos que só a esta pertenciam;
Outras, transferindo montantes diversos para contas de certos clientes, transferências estas que constituíam financiamentos/empréstimos concedidos pelo arguido à revelia do N………., sem análise da capacidade de endividamento dos mutuários, sem conhecimento e autorização prévia dos serviços competentes daquele Banco, recebendo apenas, por vezes, dos beneficiários, como garantia, cheques pré-datados, em violação do Regulamento interno do N………. .
43. Diz o recorrente que, perante esta matéria, a decisão recorrida “interpretou erroneamente o elemento ‘prejuízo’ [do assistente]” ao englobar os danos decorrentes da não gestão dos fundos depositados, os custos fiscais por si suportados [ponto 38.], as importâncias relativas aos empréstimos irregulares [pontos 39. e 57.] e o eventual descoberto dos “clientes T………”.
44. Mais uma vez, o que o recorrente pretende é questionar a integração jurídico-penal elaborada pelo acórdão – aspecto que a seu tempo trataremos.
45. Por agora repete-se a indicação de que nada afecta ou prejudica a decisão de dar como provados os referidos factos.
46. H. Assim e em jeito de conclusão [parcial] relativa ao capítulo da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, cabe-nos referir que nenhuma das situações apontadas pelo recorrente impõe a reformulação do juízo valorativo feito pelo acórdão recorrido. Na verdade, os pontos identificados e a argumentação aduzida quando não são estranhos à dinâmica própria da impugnação, mostram-se assentes em interpretações equívocas e sempre incapazes de revelar que a decisão tomada é contrária às provas concretas produzidas em audiência e/ou viola as regras da experiência comum e da livre convicção do julgador em que se concretiza o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º, do Código de Processo Penal.
47. Com o que improcede este fundamento do recurso, mantendo-se inalterado o quadro factual apurado,

III - Qualificação jurídica dos factos
48. A. - O acórdão recorrido condenou o arguido, aqui recorrente, como autor material de um crime de Burla qualificada [artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal]. Baseia-se, para tanto, no quadro da actuação dado com provado, segundo o qual e de forma resumida [fls. 72 do acórdão]:
“[o arguido] Delineou e executou, de modo astucioso e cuidado, um esquema que lhe permitiu subtrair à efectiva gestão do N………. o dinheiro que os diversos clientes, subscritores do aludido “produto financeiro”, lhe confiaram, pensando estar a colocá-lo em depósito na Instituição Bancária; enganou os clientes, fazendo-os crer que era o Banco que lhes proporcionava aquela aplicação financeira, àquela taxa, com a segurança e a certeza que só uma instituição bancária pode dar; conseguiu, deste modo, que estes efectuassem na agência vultuosos “depósitos” de que o arguido dispôs, real e efectivamente, permitindo-se decidir o que fazer com o dinheiro assim obtido.
Tudo fez com o intuito de alcançar para si, como alcançou, um enriquecimento que sabia não ser legítimo e só possível à custa do prejuízo do N………. .”
49. A esta qualificação jurídica dos factos – que mereceu no acórdão um desenvolvimento longo e detalhado –, opõe-se o recorrente afirmando, no essencial, que a factualidade provada não preenche nem os pressupostos objectivos nem os pressupostos subjectivos do tipo de ilícito apontado.
50. Dispõe o Artigo 217.º, do Código Penal:
“1 - Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”
51. É incontornável afirmar-se que o crime de Burla:
● é um crime material ou de resultado, que apenas se consuma com a saída das coisas ou dos valores da esfera de disponibilidade fáctica do sujeito passivo ou da vítima [Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, 1999, pág. 276, em comentário da autoria de A. M. Almeida Costa];
● é um crime com participação da vítima, ou seja, um delito em que a saída dos valores da esfera de disponibilidade de facto do titular legítimo decorre, em último termo, de um comportamento do sujeito passivo [Maria Fernanda Palma/Rui Carlos Pereira, “O crime de burla no Código Penal de 1982-95”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XXXV (1994), p. 321 e ss.];
● o bem jurídico protegido pela norma é o património globalmente considerado.
52. Quanto aos elementos do tipo objectivo, a doutrina e a jurisprudência, com pequenas diferenças formais, têm apontado os seguintes:
● 1) o emprego de “astúcia” pelo agente;
● 2) a verificação de “erro ou engano” da vítima devido ao emprego da “astúcia”;
● 3) a comprovação da “prática de actos” pela vítima em consequência do “erro ou engano” em que foi induzida; e
● 4) a existência de “prejuízo patrimonial” da vítima ou de terceiro, resultante da “prática dos [referidos] actos”.
53. Assim, segundo alguma doutrina, em sede de imputação objectiva do evento à conduta do agente o crime de Burla comporta um “triplo nexo de causalidade” [Maria Fernanda Palma/Rui Pereira, antes cit.]; ou pelo menos, segundo outros, um “duplo nexo de causalidade” — entre a astúcia e o aparecimento, na vítima, de um estado de erro ou engano, e entre esse estado de erro ou engano e a prática, pela vítima, de actos lesivos do património [Beleza dos Santos in “A burla prevista no artigo 451.º do Código Penal e a fraude punida pelo artigo 456.º do mesmo Código”, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 76, pág. 291 a 325 e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-04-2008 (Conselheiro Souto de Moura), processo 06P3057, http://www.dgsi.pt/jstj, acedido em Fevereiro de 2009].
54. Já quanto aos elementos do tipo subjectivo apontam-se dois: a intenção de obter um enriquecimento ilegítimo, para si ou para terceiro; e o dolo de causar um prejuízo patrimonial ao sujeito passivo ou a terceiro, em qualquer uma das suas modalidades previstas [artigo 14.º, do Código Penal].
55. Em jeito de síntese [para a qual não dispensamos o Parecer do ilustre Professor], acompanhamos a afirmação de que, pela tipificação do crime de Burla, a ordem jurídica protege a vítima contra manifestações de autolesão patrimonial – contra actos lesivos de deslocação patrimonial levados a cabo por ela própria de forma inconsciente, porque em resultado do erro que o agente astuciosamente lhe criou. Deste modo, o agente concretiza os seus intentos através da acção da própria vítima que é por si “instrumentalizada” a praticar actos de diminuição do seu património. Seguindo de perto uma fórmula muito presente nos sumários de jurisprudência, confirmamos que o crime de Burla se apresenta como uma forma evoluída de captação do alheio em que o agente se serve de astúcia para criar o erro ou o engano da vítima, levando-a a praticar factos que lhe causam [ou a 3º] prejuízos patrimoniais.
56. B. - Vejamos, então, se os factos apurados nos autos preenchem os pressupostos do tipo objectivo de ilícito.
57. Da leitura seguida dos factos provados resulta a percepção clara de que o recorrente idealizou um plano vitorioso segundo o qual, para obter um enriquecimento ilegítimo, oferecia um atraente “depósito a prazo” com taxas líquidas superiores às praticadas pelo mercado, e por esta via angariou elevadas quantias em dinheiro de pessoas que acreditavam tratar-se de uma operação transparente e aprovada pelo Banco. Depois, valendo-se do nível das funções que desempenhava na estrutura do balcão, lograva transferir tais verbas para contas paralelas e destas para uma conta por si criada em nome do cônjuge, passando a gerir tais quantias de acordo com os seus interesses. Assim, adquiriu títulos ou fundos comercializados na Bolsa de Valores, concedeu empréstimos, procedeu a transferências, pagamentos e levantamentos em proveito pessoal e, sobretudo, garantiu a continuidade da circulação de capitais, restituindo, nas datas acordadas, o capital entregue pelas pessoas atraídas, acrescido dos juros combinados. Toda esta actividade decorreu sem o conhecimento dos seus superiores e, mercê da excepcional rentabilidade dos investimentos em Bolsa nesse período histórico, gerou importantes mais-valias que o recorrente canalizou e geriu a partir da referida conta bancária por si criada para este fim. Só que… “Não há bem que sempre dure…” e com o crache de 1999 o recorrente deixou de ter liquidez suficiente para restituir as últimas importâncias recebidas e respectivos juros, pelo que o Banco se viu compelido a saldar os compromissos que o recorrente havia assumido, no que desembolsou a quantia de €3.078.376,981.
58. Importa, então, analisar os Factos Provados para ver se se cumprem os pressupostos legais antes listados.
EMPREGO DE ASTÚCIA PELO RECORRENTE:
59. Integram este elemento objectivo do tipo de ilícito, entre outros, os pontos 10., 12., 13. e 14.
60. Na verdade, provou-se que o recorrente oferecia aos clientes do Banco um produto que reunia as duas vantagens mais procuradas no domínio da aplicação de capitais: a garantia do capital [para quem privilegia o investimento seguro] e uma taxa de juro líquida superior às normalmente praticadas em aplicações sem risco [proporcionando um rendimento próprio dos investimentos de risco]. O produto oferecido pelo recorrente reunia o melhor de dois mundos, tornando-se, por isso, fortemente apelativo: dava taxas [líquidas] de rendimento altas sem fazer perigar o capital investido. Este é um elemento fulcral, o artifício criado, a base do estratagema vitorioso que levou ao êxito do desígnio do recorrente, pois só prometendo contrapartidas superiores às que o mercado admitia pôde obter, como obteve, avultadas quantias em depósitos [mais de 20 milhões de contos – ponto 30.]:
● 10 - O arguido oferecia aos clientes uma aplicação financeira segura, sem qualquer risco para estes, que consistia na imobilização de dinheiro por um período de tempo pré-fixado, tendo garantido, no final do período, a devolução do montante investido acrescido dos respectivos juros prometidos. Estes juros eram-no em taxas líquidas superiores às normalmente praticadas no mercado e às permitidas no N………. .
61. Mas o engenho do recorrente não se fica pela concepção da oferta. Para credibilizar a operação apresentada, o recorrente criou, em suporte informático, um documento similar a um modelo em uso no Banco, com o respectivo timbre e demais insígnias, que certificava a operação “contratada” e era entregue ou enviada aos clientes aderentes. As garantias decorrentes da obtenção de um documento como este – certificador não só da qualidade do emissor mas também dos valores líquidos do rendimento e da data precisa do seu encaixe – tornam a oferta particularmente sedutora, mesmo para investidores mais conservadores quando colocados perante um negócio assim tão vantajoso e seguro:
● 12- Para tanto o arguido criou, em suporte informático e para ser usado como modelo de todos os outros a emitir nas mesmas condições, um documento similar a um modelo em uso no N………. com o respectivo timbre e demais insígnias.
● 13 - Este documento certificava, sob o nome de aplicação financeira, o tipo de aplicação contratada e as suas condições - capital aplicado, prazo e taxa de juro fixada.
● 14 – Uma vez elaborado era subscrito pelo arguido, ou por funcionários da agência, actuando sempre sob a direcção e instruções dadas por aquele, sendo depois entregue ou enviado aos diversos clientes que efectuavam essa aplicação. [negritos nossos]
O “ERRO OU ENGANO” DA VÍTIMA DEVIDO AO EMPREGO DA “ASTÚCIA”:
62. Integram este elemento objectivo do tipo, entre outros, os pontos 11., 42. e 58.
63. Através das falsas garantias construídas em torno do “produto” oferecido sob a forma de depósito a prazo com juros superiores aos normalmente praticados, o recorrente induziu em erro e enganou os clientes do Banco, levando-os a acreditar que realizavam um depósito a prazo, portanto, um investimento sem risco — quando o que ele projectava fazer, de acordo com o plano gizado [ponto 7.], era realizar operações na Bolsa, em seu nome [ponto 28.], sem autorização dos clientes e sem o conhecimento do Banco [pontos e 15. e 16.], para, por essa via, gerar lucros para si e beneficiar conhecidos, familiares e amigos [ponto 57.]:
● 11 - Desta forma, os clientes acreditando estar a efectuar um depósito a prazo, entregaram, na agência de que o arguido era o responsável, a ele ou a qualquer outro funcionário, que estava por ele informado e autorizado para assim proceder, diversas e vultuosas quantias em dinheiro.
● 42 – Como já se referiu, o arguido efectuou tais financiamentos usando, para tanto, os montantes que os clientes do N………., por ele atraídos com taxas de juro altas, ali depositaram convictos que se destinavam à constituição de uma aplicação financeira consistente num depósito a prazo.
● 58 – Conseguiu tal desiderato através da actuação supra descrita, dessa forma enganando os diversos clientes que efectuaram as referidas aplicações financeiras, pelo modo que acima detalhadamente se descreveu. [negritos nossos]
a “prática de actos” pela vítima em consequência do “erro ou engano” em que foi induzida:
64. Integram este elemento objectivo do tipo, entre outros, os pontos 11., 27. e 30.
65. Determinados pelo erro e convencidos do falso pressuposto intencionalmente criado – a saber, que estavam a efectuar um depósito a prazo sem risco e com elevada rentabilidade líquida –, os clientes entregaram ao recorrente, ou a funcionários por si autorizados, vultuosas quantias em dinheiro, que ao todo ascenderam a mais de 20 milhões de contos. As entregas decorrem do facto das vítimas terem tomado uma coisa por outra, fruto do erro e do engano em que foram induzidas:
● 11 - Desta forma, os clientes acreditando estar a efectuar um depósito a prazo, entregaram, na agência de que o arguido era o responsável, a ele ou a qualquer outro funcionário, que estava por ele informado e autorizado para assim proceder, diversas e vultuosas quantias em dinheiro.
● 27 - Assim foram pelo arguido atraídos e constituíram este tipo de aplicação financeira os clientes seguintes: (…) ● 30- Desta forma o arguido conseguiu que os clientes tivessem entregue, convencidos que estavam a efectuar um depósito a prazo com juro garantido, mais de 20 milhões de contos que pôde “ gerir” e “ aplicar “ como lhe aprouve; [negritos nossos]
o “prejuízo patrimonial” da vítima resultante da “prática dos actos”:
Integram este elemento objectivo do tipo os pontos 36., 37. e 51.
67. Apurou-se que em resultado da utilização abusiva e não autorizada das quantias entregues pelos clientes [na convicção de que se tratavam de depósitos a prazo, sem risco], muitos obtiveram o retorno contratado; mas outros sofreram o impacto da súbita falta de liquidez do “esquema” [“recurso à margem das regras” – Dicionário de Língua Portuguesa, Porto Editora] criado pelo recorrente, e viram-se confrontados com a insuficiência de fundos que lhes garantissem a recuperação do capital e o pagamento dos juros acordados. Valeu-lhes, então, a intervenção do Banco que, substituindo-se ao recorrente, assumiu as responsabilidades geradas por aquele seu colaborador e liquidou as importâncias em dívida, cumprindo os falsos contratos que o recorrente havia formalizado em documentos com o timbre e as insígnias do Banco.
68. Ou seja: o prejuízo recaiu e consolidou-se sobre as vítimas que haviam feito as entregas de dinheiro na suposição de que realizavam depósitos a prazo – com o que se cumpre o último nexo de causalidade exigido. Só a pronta resposta do Banco [comitente] que assumiu a responsabilidade gerada pelo seu funcionário e cobriu os montantes em dívida [certamente também em defesa da sua imagem comercial] evitou que a situação de prejuízo perdurasse até hoje. O facto de os clientes terem recebido o capital e os juros esperados, pagos pelo Banco e não pelo agente do crime, não afasta nem minimiza a verificação do prejuízo efectivo correspondente às entregas que fizeram e que o agente do crime não pôde ou não quis devolver:
● 36 – Com efeito, quando o arguido foi suspenso das suas funções, em Abril de 1999, os fundos investidos no Mercado de Valores Mobiliários que se encontravam nas contas de títulos paralelas, os montantes depositados nas contas DO paralelas, o saldo da conta de “maneio” da agência (conta aberta em nome de GM……….), os montantes recuperados mediante cheques pré-datados que o arguido tinha na sua posse (que se destinavam a “garantir” ou a pagar empréstimos irregularmente concedidos), todos estes montantes somados não permitiram repor integralmente o capital e os juros prometidos em cada uma das aplicações dos vários clientes do N………. que subscreveram as referidas aplicações financeiras.
● 37 – Por isso o N………. teve de pagar a cada um dos clientes o valor do capital e dos juros correspondentes às taxas de juros mais elevadas indevidamente prometidas pelo arguido, creditando na data do vencimento o capital investido e os respectivos juros prometidos, sendo a diferença entre os montantes recuperados e os montantes pagos no total de Esc. 617.159.174$39 = € 3.078.376,981. ● 51 – Os clientes da agência que subscreveram as sobreditas aplicações financeiras não se encontram lesados porque, na data de vencimento, foi-lhe creditado o capital inicial mais os juros contratados e na fase final, àqueles clientes que o comprovavam, exibindo o respectivo documento, o Banco cumpriu os contratos celebrados através da Agência das Antas, ou seja pagou aos clientes, no fim do período acordado o capital que tinham investido e os juros contratados pelo arguido [sublinhados nossos].
69. Conclusão parcial: Aqui chegados, reconhecemos que se cumprem todos os pressupostos do tipo objectivo do crime que consideramos.
70. C. - Tipo subjectivo do ilícito. É verdade que a actuação do recorrente é muito mais complexa. De facto:
● o recorrente anteviu que o nível das funções que desempenhava [director de agência] lhe permitia proceder informaticamente à abertura e movimentação entre contas bancárias [ponto 7.];
● sabia que não tinha poderes de representação para assumir, em nome do N………., aqueles compromissos de remuneração e que, portanto, actuava ao arrepio das regras de precário do N………. [ponto 15.];
● sabia que não estava autorizado, pelos clientes, a efectuar essas aplicações nem a transferir os montantes depositados para outras contas [ponto 16.];
● sabia que não estava autorizado a decidir sobre as formas de aplicação e de investimento do dinheiro dos clientes [ponto 17.];
● com o intuito de esconder dos clientes a verdadeira aplicação final dos montantes depositados, e de demonstrar normais procedimentos bancários perante o Banco e os seus superiores hierárquicos, o recorrente, sem o preenchimento de qualquer suporte físico, transferia o dinheiro para uma conta “paralela” – que criava e que era apenas do conhecimento dos funcionários da agência – e depois para a conta “de maneio” [pontos 18., 19., 21., 22., 23. e 32.];
● Com os investimentos no mercado de capitais [Bolsa], e mercê da conjuntura favorável no início dessa actividade, o recorrente obteve elevados ganhos em curto prazo o que lhe permitiu a) devolver, nas datas dos vencimentos, os “depósitos” e respectivos juros; b) comprar novos títulos em Bolsa; c) proceder a empréstimos irregulares a amigos e conhecidos; d) pagar despesas pessoais e obter para si quantias em dinheiro [pontos 26., 31., 34., 39., 48. e 57.];
● O objectivo subjacente ao plano gizado era a obtenção, para si e para terceiros, de vantagens patrimoniais indevidas à custa do uso de capitais alheios [ponto 7.];
● O arguido, actuou de modo livre, deliberado e consciente com o propósito de: - obter para si, como efectivamente obteve, quantias em dinheiro às quais deu o destino que bem quis e entendeu, designadamente as que usou para pagar despesas pessoais através de levantamentos com cartão Multibanco e de crédito e as que levantou com cheques e depois depositou noutras instituições bancárias em contas de que era titular ou co/titular; - de beneficiar conhecidos, familiares, amigos e o Z………., de cuja Z1……….. era administrador, através da concessão de empréstimos em montantes muito superiores àquele para o qual o arguido tinha autorização para conceder sem necessidade de autorização superior, empréstimos esses que o arguido concedia sem a contrapartida de garantias que o N………. exigia que fossem dadas para mutuar tais montantes [ponto 57.]
● Sabia que o seu comportamento era, como é, proibido e punido por lei [ponto 62.].
71. Esta gestão pessoal e autónoma que o recorrente desenvolveu a partir do interior do próprio Banco, ao longo de mais de 2 anos [actuando como se ele fosse o banco – diz o acórdão], permite configurar a verificação de ilícitos de outra natureza que não apenas penal [civil e laboral]. Mas permite também enquadrar o tipo subjectivo do ilícito que, como antes referimos, se compõe a) da intenção de conseguir, através da conduta, um enriquecimento ilegítimo; e b) do dolo de causar prejuízo patrimonial à vítima ou a terceiro.
72. Não restam dúvidas que o recorrente elaborou todo este complexo plano com o objectivo claro e esclarecido de obter, para si e para terceiros, vantagens patrimoniais indevidas, à custa do uso de capitais alheios atraídos pela falsa promessa de alta rentabilidade sem risco. Tal actividade foi executada de forma intensa, consistente e hábil, ao longo de vários anos. Face à natureza do esquema arquitectado, assente numa contínua circulação dos capitais em que as entradas mais recentes servem para liquidar compromissos já vencidos, e assim sucessivamente, atirando para a frente o problema da solvabilidade… o arguido representou que o prejuízo iria recair sobre alguns clientes-depositantes e actuou com intenção de o realizar.
73. Surge pois como inquestionável que o recorrente, ao longo da realização do facto ilícito e relativamente a todas as parcelas da sua execução, agiu com dolo, representando o prejuízo dos clientes-depositantes e actuando com a intenção o realizar.
74. D. - Com o que se revela infundada a argumentação referente à conclusão n.º 9 da motivação de recurso.
75. Na verdade, quando no ponto 51. se afirma que “os clientes da agência que subscreveram as sobreditas aplicações financeiras não se encontram lesados”, o Tribunal está a reportar-se, obviamente, ao momento temporal em que decorreu da audiência. Nessa altura, os clientes não se encontravam lesados; e não se encontravam lesados porque o Banco, após a ruptura do esquema montado pelo recorrente, pagou aos prejudicados as importâncias que estes haviam entregue [na convicção de que se tratava de um depósito a prazo] e que o dito esquema não conseguiu liquidar.
76. Como já tivemos oportunidade de referir [ver supra 68.], a iniciativa do Banco – certamente muito marcada por razões de gestão de imagem pública – em nada altera a identificação dos prejudicados que são os clientes-depositantes. De facto, só em relação a eles temos a sequência completa dos nexos de causalidade preponderantes, a saber: entre a astúcia e o aparecimento, na vítima, de um estado de erro ou engano; e entre esse estado de erro ou engano e a prática, pela vítima, de actos lesivos do património.
77. É evidente que o Banco foi lesado em diversos aspectos – desde logo, os reflexos deste episódio em termos da imagem comercial, a abusiva utilização da estrutura do Banco para exercer uma actividade [quase diríamos concorrencial, os custos fiscais acrescidos em resultado da negociação de taxas líquidas sem prévia tributação [ponto 38.], os lucros cessantes por não ter realizado a gestão financeira de um caudal tão significativo de capitais. Contudo, não pudemos esquecer que os fundos desviados para a satisfação das despesas pessoais do recorrente [pontos 34. e 48.] e para a concessão de empréstimos irregulares [pontos 39 e 40.], eram provenientes da “conta bolo” ou “conta de maneio” [ponto 47.] e, como tal, resultaram da actividade global do recorrente envolvendo quer as quantias angariadas junto dos clientes, quer os proventos da negociação de títulos na Bolsa. Não eram pertença do Banco.
78. Portanto, a actividade que cumpre os pressupostos do crime de Burla é aquela que se inicia com a criação do elemento astucioso, gerador do erro e do engano dos clientes-depositantes, que assim são determinados à entrega das quantias, ou seja, à prática de actos lesivos do seu património. O prejuízo patrimonial é o correspondente às entregas e expectativas de lucro não restituídas.
79. Em relação ao Banco, a actividade desenvolvida não configura a prática do mesmo crime uma vez que, quanto a ele não se verifica o terceiro pressuposto do tipo objectivo: a comprovação da “prática de actos” pela vítima [Banco], em consequência do “erro ou engano” em que foi induzida – no que concordamos com o recorrente [conclusão n.º 10].
80. E. – Mas também se revela infundada a incriminação pelo crime de Abuso de confiança [artigo 205.º, do Código Penal], sugerida pelo Parecer do Ministério Público. Na verdade, falta, desde logo, o elemento objectivo que consiste na apropriação por “inversão do título de posse, situação que acontece quando, estando a coisa em causa na posse ou na detenção do agente por modo legítimo embora a titulo não translativo de propriedade, ele se apropria da mesma actuando como seu dono” [José António Barreiros, Crimes contra o património, 1996, pág. 109].
81. De acordo com o figurino do tipo de ilícito proposto, a acção do agente deve integrar a apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que o agente detém ou possui em nome alheio [Figueiredo Dias, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, pág. 94]. Ora, a verdade é que quando o recorrente procede ao depósito à ordem das quantias angariadas já tem em mente extrai-las para as “contas paralelas” e depois para a “conta de maneio”, pelo que em nenhum momento essas quantias integram, de facto, o capital do Banco. O Banco nunca teve soberania sobre as quantias que, às mãos do recorrente, passaram de conta em conta até estabilizarem na “conta de maneio” – como era, desde a primeira hora, sua intenção. A circulação das quantias entre as contas até à “conta de maneio”, a partir da qual o recorrente procedia à sua gestão absoluta, é um pormenor operacional que apenas visava demonstrar normais procedimentos bancários junto dos seus superiores [ponto 23.].
82. As quantias quando eram depositadas cumpriam, pois, o roteiro já traçado pelo recorrente até à “conta de maneio”, ou seja, até à plena disposição das quantias pelo recorrente. Portanto, o Banco nunca teve o poder de domínio sobre essas quantias; e como tal, jamais se poderia verificar a sua apropriação pelo recorrente, por inversão do título de posse integrador da lesão da confiança.
83. Com o que se revela inviável a incriminação proposta pelo Ministério Público no seu Parecer.
84. F. – O recorrente suscita também a questão da falta de demonstração da consciência da ilicitude típica – conclusão n.º 11. Segundo ele o “pedaço de vida” descrito na acusação e dado como provado não aponta para que tenha havido consciência da ilicitude típica.
85. Mas não tem razão. É evidente que os estados de alma, como fracções da vida interior de cada um, são insusceptíveis de apreensão directa: só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns ou actos objectivos reveladores que permitam inferir o preenchimento desses elementos subjectivos do tipo de ilícito.
86. Ora, os factos provados são de tal forma amplos e detalhados na caracterização da actuação do recorrente que não permitem outra conclusão que não seja a de que este agiu com consciência da ilicitude sendo esta reportada aquele crime específico.
87. Essa riqueza de caracterização tem enunciação no conjunto global dos factos apurados e mostra-se expressa, de modo cabal e suficiente, na fórmula comum e algo tabelar do ponto 62.
88. Na verdade, basta recordar a precisão e a consistência do plano arquitectado, a subtileza de alguns dos seus pormenores – que lhe garantiram a perfeita dissimulação ao longo de vários anos – e o nível de formação e de conhecimentos do recorrente para, conjugando-os com as regras da experiência, concluirmos, tal como o fez a decisão recorrida, que o recorrente tinha plena consciência da ilicitude [também] penal da sua conduta, porque contrária às normas de defesa do património alheio.
89. Com o que improcede este fundamento do recurso.
90. Conclusão parcial: Damos, assim, por preenchidos todos os pressupostos do crime de Burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal. Relativamente à decisão recorrida, há apenas a realçar o diferente enquadramento por nós seguido no que toca à identificação das vítimas que são também os prejudicados directos da actuação do recorrente: os clientes-depositantes [mas não o Banco].
IV – Medida da Pena
91. Resta-nos apreciar a questão relacionada com a medida da pena [concreta] fixada pelo tribunal recorrido: 6 anos de prisão. O recorrente defende que a pena é excessiva sobretudo se se tiver em linha de conta: a) não há elementos que permitam afirmar que o dolo é intenso e directo – conclusão n.º 12; b) não há elementos que permitam afirmar que é intensa a ilicitude do facto – conclusão n.º 13; c) há elementos que permitem valorizar a “relevante colaboração no apuramento dos factos e reparação espontaneamente assumida pelo recorrente, traduzida em reparação parcial do Banco e total dos depositantes” – conclusão n.º 14; d) o tempo decorrido desde a prática dos factos não é imputável à acção processual do recorrente – conclusão n.º 15.; e e) o facto de duas testemunhas terem indicado que “o móbil [do arguido] era obter do Banco, para além de prestigio profissional, prémios e promoções”, e tal como vem reconhecido, obteve lucros elevados num curto prazo – conclusão n.º 16. Por último, fincado na ausência de antecedentes criminais e em baixas necessidades de prevenção geral, o recorrente pugna pela aplicação da uma pena de substituição da prisão.
92. Apreciando:
93. a) o recorrente não tem razão quando refere que não há elementos que permitam afirmar quer a intensidade do dolo quer a gravidade da ilicitude do facto. Na verdade, a forma como foi planeada e executada a acção demonstra, de forma exuberante, não só a elevada ilicitude dos factos como também a culpa intensa do recorrente. Recordamos que está em causa a actuação que, envolvendo a coordenação de várias pessoas, garantiu o constante aprovisionamento da “conta de maneio” e a eficaz dissimulação das operações bancárias, logrando convencer um grande número de depositantes – e manter na ignorância a administração do banco – e com isso dispor de verbas que totalizam mais de 20 milhões de contos, causando um prejuízo final superior a 617 mil contos.
94. b) A gravidade da ilicitude do facto decorre, desde logo, do modo apurado e persistente de execução e da relevância do montante dos prejuízos patrimoniais causados. E a intensidade do dolo ficou bem patente na forma determinada e persistente como actuou ao longo de todo o processo, atraindo novos e novos depósitos que depois “jogava” em investimentos na bolsa, com a intenção clara de obter benefícios e de causar prejuízo aos depositantes.
95. c) Também se mostra improfícua a invocação da relevante colaboração no apuramento dos factos e na reparação parcial do Banco. Na verdade, não vislumbramos qualquer facto revelador de tal participação decisiva: as entregas que fez [password, cheques e saldo da “conta de maneio”] ocorreram apenas depois de surpreendido pela inspecção do Banco e não representam qualquer contributo significativo para a descoberta da verdade ou sequer para o desenvolvimento da investigação.
96. d) O alongamento da tramitação processual, que atinge agora 9 anos, não traduz, no caso concreto, um factor atenuante ou agravante na apreciação da conduta do recorrente. Os factos são em si complexos, pelo que a investigação e a discussão em audiência arrastaram-se por períodos mais longos do que é habitual. Porém, se é verdade que o recorrente não aproveitou esta demora para demonstrar qualquer intenção reparadora, também é verdade que não há sinais demonstrativos de que a demora processual lhe tenha causado amofinação ou outro prejuízo.
97. É certo que o decurso de tempo sem notícia do cometimento de outra infracção criminal dá nota de um bom comportamento posterior ao facto, elemento a tomar em consideração na avaliação das exigências de prevenção. Porém, no caso concreto, esta vantagem vem anulada pelas especiais exigências de prevenção que surgiram com o despoletar da actual crise do sistema financeiro, gerada por prestações “sem ética”, de falso crescimento e de falsa riqueza, em parte semelhantes ao perfil da actuação do recorrente nos presentes autos. Aquilo que muitos designam como o “jogo da bolsa”, feito de súbitas riquezas e bruscas perdas é bem o paradigma da precariedade das conquistas mundanas [“De quando em vez um homem ergue-se neste mundo, / Estadeia a sua fortuna e proclama: sou eu! / A sua glória vive o espaço de um sonho falido,! Já a morte se ergue e proclama: sou eu!” – quadra atribuída a OMAR KHAYYAM]
98. e) Quanto ao móbil do crime, importa ter presente que as indicações colhidas no depoimento das duas testemunhas referidas não reverteram em “facto provado”. Acresce que os lucros alcançados pelo recorrente decorreram da conjuntura que a Bolsa atravessou, e logo tiveram como contrapartida os prejuízos que acumulou. Não há nada de meritório no comportamento do recorrente: os lucros alcançados são fruto da Bolsa, não mérito do recorrente; aliás, toda a sua actuação se desenrolou à margem e contra os procedimentos e regulamentos internos do Banco, numa postura de desafio no quadro da gestão da fluxos financeiros, que correu bem quando a Bolsa subiu… e correu mal quando ela caiu. Não é, pois, possível atribuir-lhe qualquer valor atenuativo.
99. Improcede, pois, a argumentação aduzida pelo recorrente.
100. Porém, atendendo a que agora se fixa como prejuízo efectivo o “saldo” das operações realizadas em torno da “conta de maneio” [pagamento em dívida aos “clientes-depositantes” e realização da carteira de acções, cheques pré-datados e saldo das contas, ou seja a quantia de 617.159.174$39 (€3.078.376,981)], e uma vez que a entidade credora dessa importância é já o Banco e não os diversos “clientes-depositantes” – apesar de serem os prejudicados iniciais foram posteriormente ressarcidos por iniciativa do Banco –, entendemos que a pena fixada pela 1ª instância deve reflectir essas mudanças de construção da decisão.
101. De facto, a circunstância de os clientes não serem, agora, os sujeitos lesados pelos prejuízos causados pelo recorrente, mas sim o Banco cuja estrutura financeira não tem paralelo com a daqueles, acaba por deixar uma consequência diferente da que restaria se ainda hoje os clientes estivessem sem o capital e os juros que o recorrente lhes prometeu. Trata-se de uma ocorrência estranha à conduta do agente, ditada pelas especificidades do caso, mas ainda assim, presente.
102. Assim sendo, ponderando todos os elementos do caso, consideramos justa e adequada a pena de prisão de 5 anos.
Pena de substituição.
103. Agora que se fixou uma pena de prisão de 5 anos, deverá a mesma ser substituída pela pena de suspensão de execução da prisão?
104. Entendemos que não. Diz a Lei que: “1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” [artigo 50.º, do Código Penal].
105. É pois claro que, em todos os casos, uma pena de substituição só poderá ser aplicada se não violar o limite mínimo de prevenção geral constituído pela defesa irrenunciável do ordenamento jurídico, ou seja, se não contrariar o “sentimento de reprovação social do crime”, o “sentimento jurídico da comunidade” [Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II - As Consequências do Crime, 1993, §§ 502, citando Beleza dos Santos e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1990. No mesmo sentido, também acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.09.2008 (Conselheiro Oliveira Mendes), processo 08P2383, http://www.dgsi.pt/jstj., acedido em Março de 2009].
106. Assim, a pena de substituição só deverá ser fixada se o tribunal concluir que com a aplicação dessa pena se não coloca irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada.
107. No caso concreto, a dimensão e a natureza do estratagema criado pelo recorrente e os valores que foram objecto de apropriação não permitem admitir que a pena de suspensão de execução da prisão realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, assegurando a vigência da norma e o sentimento de justiça da comunidade. Com o que improcede mais este fundamento.
108. Em síntese:
I - O acórdão recorrido não padece de qualquer vício ou nulidade que não deva considera-se sanada;
II - Não procede a deduzida impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto;
III - Com pequenas precisões, mantém-se a qualificação jurídica dos factos apresentada pelo acórdão recorrido;
IV - Em função dessas precisões, reduz-se a pena aplicada para 5 anos de prisão, afastando, contudo, a hipótese de substituição por pena de suspensão de execução da prisão.
A responsabilidade pelas custas
109. Uma vez que o arguido decaiu no recurso que interpôs é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar [artigos 513.º e 514.º, do Código de Processo Penal], cujo valor fixado por lei varia entre 1 e 15 UC [artigo 87.º, n.º 1, alínea b) e 3, do Código das Custas Judiciais]. Tendo em conta a situação económica do arguido e a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 10 [dez] UC, e a procuradoria em metade desta [artigo 95.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais].
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os juízes acordam em:
● Negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente C………. . Ainda assim, alteram a pena aplicada que agora se fixa em 5 [cinco] anos de prisão.
[Elaborado e revisto pelo relator]

Porto, 25 de Março de 2009
Artur Manuel da Silva Oliveira
Maria Elisa da Silva Marques Mota Silva