Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
424/13.3TTVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TEMPO PARCIAL
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
RECIBOS VERDES
INOBSERVÂNCIA DA FORMA ESCRITA
TEMPO COMPLETO
CONTRIBUIÇÃO PARA A SEGURANÇA SOCIAL
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP20160606424/13.3TTVFR.P1
Data do Acordão: 06/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º241, FLS.285-311)
Área Temática: .
Sumário: I À luz da LCT recai sobre o trabalhador que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de trabalho, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos de tal figura contratual.
II – Os indícios de subordinação jurídica não podem ser avaliados de uma forma atomística, antes deve ser efectuado um juízo global, em ordem a convencer ou não da existência, no caso, da subordinação jurídica do prestador do trabalho em relação à entidade a quem o presta
III – É irrelevante para afastar a subordinação jurídica, o facto de a A. emitir facturas e os denominados “recibos verdes” para dar quitação das importâncias pagas, bem como a subsistência de outros aspectos formais não consentâneos com a execução de um contrato de trabalho, como o não pagamento de retribuição de férias e de subsídios de férias e de Natal.
IV – Pode afirmar-se que as partes mantiveram entre si contrato de trabalho se a A. desenvolveu ao longo de cerca de 10 anos a sua actividade de empregada de limpeza do estabelecimento de ensino da R., mediante instruções da sua direcção, que controlava o cumprimento da prestação da A. que assinava sempre uma ficha de presença, num concreto período temporal (ao longo do tempo variou de três horas por dia, para oito horas por dia e finalmente para quatro horas por dia), em todos os dias úteis e mediante o pagamento de uma retribuição mensal de valor certo, no local determinado pela R. e com instrumentos de trabalho pertencentes à R., em cuja estrutura organizacional se mostrava inserida.
V – Não têm valor para infirmar a conclusão a que se chegou neste juízo de globalidade, a não exclusividade (natural neste sector de actividade), a passagem de “recibos verdes”, a não inscrição da trabalhadora na Segurança Social como dependente, mas como independente, e a falta de pagamento de subsídios de férias e de Natal.
VI – Os mesmos factos integram a previsão das normas presuntivas dos artigos 12.º dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009.
VII – No contrato de trabalho a tempo parcial a forma (quer no momento da celebração inicial, quer em eventual novação contratual) não desempenha apenas a função de facilitar a prova, mas apresenta-se como uma solenidade que alerta as partes para a relevância do objecto do convénio, revestindo-se de natureza ad substantiam.
VIII – A inobservância da forma escrita determina se presuma que o contrato foi celebrado por tempo completo à luz do Código do Trabalho de 2003, regime que deve igualmente observar-se nos casos em que há uma alteração da duração do trabalho no decurso do contrato.
IX Não sendo ilidida esta presunção, é de reconhecer ao trabalhador o direito a perceber a remuneração mensal relativa ao trabalho a tempo completo ao longo do período em que exerceu as suas funções por período inferior sem título suficiente para o efeito.
X – As Secções do Trabalho são incompetentes em razão da matéria para conhecer do pedido de condenação do empregador a pagar à Segurança Social, as comparticipações devidas nos termos da lei, mas já têm competência para conhecer do pedido formulado pelo trabalhador de que se condene o empregador a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos que sofreu em virtude da falta de pagamento das contribuições que lhe competiam.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 424/13.3TTVFR.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. B… intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “C…”, pedindo:
1) que o contrato verbal celebrado entre a autora e a ré em Abril de 2002 seja qualificado como um contrato individual de trabalho a tempo integral após Novembro de 2003, assim se declarando, com os efeitos legais daí decorrentes;
2) a condenação da ré a reconhecer a autora como empregada de limpeza por si contratada a trabalhar na sua escola (D…) em regime de tempo parcial até Outubro de 2003 e de tempo integral desde Novembro de 2003 em diante;
3) a condenação da ré a pagar a quantia global de 42.589,46 euros, assim descriminada:
a) a título de diferenças salariais resultantes da diminuição indevida do salário auferido e da alteração de regime de tempo (integral/parcial), nos termos invocados nos artigos 43º e 44º da petição inicial, cifrando-se o valor do débito em 22.482,90 euros;
b) a título de subsídio de férias e de Natal, nunca liquidado durante todo o decurso do contrato individual de trabalho em referência, a quantia de 8.272,56 euros;
c) a título de salários vencidos após o despedimento ilícito, a quantia de 485,00 euros, bem como dos salários vincendos até efectiva reintegração no quadro de pessoal da empresa;
d) a título de indemnização pelos prejuízos que incidem sobre os direitos sociais, maxime: subsídio de desemprego, por falta de pagamento das obrigações que competiam à ré, nos termos descritos nos artigos 55º a 58º da petição inicial, a quantia de 11.349,00 euros;
e) a reintegrar a autora no quadro de pessoal da empresa com a categoria de empregada de limpeza e a remuneração mensal de 485,00 euros;
4) a condenação da ré a pagar, a título de eventual indemnização por antiguidade, no caso de não aceitação da reintegração desta como trabalhadora do quadro da ré, a quantia de 7.881,25 euros, a acrescer aos valores anteriores;
5) a condenação da ré a pagar ao Estado, e mais especificamente à Segurança Social, a quantia que lhe vier a ser liquidada por esta a título de comparticipação para a taxa contributiva, devida nos termos da lei;
6) devendo, em simultâneo, ser comunicado à ACT a violação do disposto no art. 12º do Código do Trabalho, o que constituindo uma infracção muito grave imporá a abertura dum processo de contra-ordenação nos termos do previsto nos arts. 548º e seguintes do Código do Trabalho.
Em fundamento da sua pretensão alegou, em síntese: que em Abril de 2002 celebrou com a ré um contrato verbal de trabalho sem termo para fazer serviços de limpeza no seu estabelecimento de ensino, das 9 às 12 horas nos dias úteis; que a partir de Novembro de 2003, o horário de trabalho passou a ser de 40 horas semanais e que, em Outubro de 2005, a ré lhe impôs um novo horário de trabalho, diminuindo o número de horas de trabalho para 20 horas semanais, e passou a pagar-lhe metade do que recebia, ou seja, o montante de 220,00 euros por mês; que a A. recebia ordens da direcção e estava disponível durante o horário de trabalho; que gozou sempre férias, remuneradas, mas nunca lhe foram pagos os subsídios de férias e de Natal; que a R. não contribuiu para a Segurança Social com a parte que lhe competia, facto que impede a A. de receber o subsídio de desemprego; que a R., por carta de 15 de Janeiro de 2013, rescindiu o contrato de trabalho com efeitos a 1 de Fevereiro de 2013, facto que consubstancia um despedimento ilícito, que durante vários anos recebeu valores inferiores à remuneração mínima mensal garantida, sendo credora de diferenças salariais, bem como de subsídios de férias e de Natal e dos demais créditos que peticiona.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da R. para contestar, vindo a mesma a apresentar contestação em que invoca, essencialmente: que não celebrou qualquer contrato de trabalho com a A., existindo, antes, um contrato de prestação de serviço celebrado com a mesma enquanto empresária em nome individual; que a A. sempre prestou serviços para outras entidades; que nunca esteve sujeita ao poder disciplinar e directivo da R. e o horário era moldável à sua disponibilidade; que realizava as tarefas de limpeza com inteira autonomia e a R. apenas comprava os produtos de limpeza porque lhe ficava mais barato; que no mês de Agosto o estabelecimento estava encerrado mas pagava um valor à A. para esta efectuar algum serviço de limpeza que fosse necessário; que a remuneração era paga em função dos horários estipulados de comum acordo, que variavam; que não pagava subsídios de férias e de Natal; que a A. efectuava descontos para a Segurança Social como trabalhadora independente; que se opõe à reintegração da A. e que esta litiga de má fé, pelo que pede a sua condenação em multa e indemnização a favor da R..
A A. respondeu à contestação nos termos de fls. 53 e seguintes, pedindo, por sua vez, a condenação da R. em multa e indemnização como litigante de má fé.
Foi proferido despacho saneador, fixado à causa o valor de € 50.470,41 e dispensada a identificação do objecto em litígio e a enunciação dos temas da prova.
Realizada audiência de julgamento, com gravação da prova, foi proferida em 10 de Abril de 2014 sentença que julgou a presente acção improcedente e, em consequência, absolveu a R. do pedido.
1.2. A A., inconformada, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
O Tribunal a quo fez uma má apreciação da matéria de facto e da errónea apreciação das provas existentes, não considerando os testemunhos prestados ou dando-lhe uma interpretação diferente daquela que foi proferida.
Fez inclusive uma errada aplicação do ónus probatório no caso dos factos relativos à autonomia da Autora e do estabelecimento dum padrão ou objectivo diário, semanal, ou mensal de limpeza.
O Tribunal a quo deveria ter dado como provado que:
a) A redução do número de horas de trabalho para metade (20 horas semanais) foi contra a vontade da Autora;
b) A condição que a Ré impôs para a celebração do contrato de trabalho verbal é que a Autora emitisse recibos como prestadora de serviços, não pretendendo que a mesma fosse integrada no quadro de pessoal do estabelecimento;
c) A obediência à imposição da Ré foi prosseguida pela Autora em prol da defesa do seu posto de trabalho e da angariação de sustento;
d) O serviço de limpeza era efectuado pela Autora e por mais ninguém em sua substituição, ou a seu mando.
e) A Autora não tinha qualquer autonomia, nem foi estabelecido um padrão ou objectivo diário, semanal, ou mensal de limpeza.
A lei não exige a verificação de todas as circunstâncias previstas no artigo 12º do Código do Trabalho, em simultâneo, mas apenas, a verificação de algumas, pelo que bastaria a verificação de pelo menos duas das características.
Verifiquemos então, cada um individualizadamente, no caso sub judice:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado.
A Autora prestava serviços de limpeza nas instalações da Ré. cumpre-se este pressuposto. Contudo, poder-se-á dizer que num contrato de prestação de serviços também o trabalho a desenvolver teria que ser nas instalações da Ré, pelo que este critério será pouco diferenciador, devendo guardar-se para complemente doutros critérios.
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
Na alínea i) dos factos dados como provados o Tribunal a quo considerou que os materiais de limpeza e os produtos de limpeza eram comprados pela Ré e guardados das instalações do estabelecimento de ensino. Parece não haver quaisquer duvidas quanto à existência deste pressuposto.
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
Nas alíneas c) e d) dos factos dados como provados o Tribunal a quo considerou que: “A Autora, a partir de 2017, no máximo, até 1 de Fevereiro de 2013, passou a exercer as mesmas funções quatro horas por dia, de segunda a sexta feira” e “A Autora assinava uma ficha de presença sempre que exercia as funções descritas nas alíneas anteriores”
Na alínea j) dos factos dados como provados o Tribunal a quo considerou que: A Autora gozava férias.
Na alínea k) dos factos dados como provados o Tribunal a quo considerou que: “A Ré pagava à Autora a contrapartida devida pelo exercício da actividade referida na alínea a) doze meses por ano”.
Ora, um trabalhador que assina uma ficha de presença diária num estabelecimento e que tem um horário de quatro horas, de segunda a sexta-feira, e goze férias, constando do mapa de férias do pessoal, não deixa quaisquer dúvidas sobre o integral cumprimento deste pressuposto.
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
Na alínea k) dos factos dados como provados o Tribunal a quo considerou que: “A Ré pagava à Autora a contrapartida devida pelo exercício da actividade referida na alínea a) doze meses por ano”.
Na alínea f) dos factos dados como provados o Tribunal a quo considerou que: “A Autora emitia todos os meses um recibo de prestação de serviços de limpeza, com o valor de 220,00 €, acrescido de IVA e retenção na fonte”.
O pagamento aqui cumpre integralmente o pressuposto, pois trata-se duma quantia certa, paga pela Ré mensalmente como contrapartida pela actividade da Autora. Poder-se-á dizer que tal pagamento também pode existir num contrato de prestação de serviços. Todavia, aqui, difere do contrato de prestação de serviços, porquanto, tendo a Autora férias, sempre recebeu uma prestação pecuniária durante o mês em que decorriam as férias, igual às outras mensalidades, sem que prestasse qualquer actividade.
A Autora construiu o seu pedido sobre a simulação dum contrato que de facto nunca existiu (contrato de prestação de serviços) e que teve como escopo principal o abatimento do custo laboral, social e fiscal da actividade contratada – facto corroborado por testemunhos que foram dirigentes da escola da própria Ré.
Sendo fácil distinguir conceitualmente um contrato de trabalho e um contrato de prestação de serviços, tal desígnio mostra-se por vezes complexo na sua aplicação prática pela profusão de conflitos, factos, simulações, documentos escritos que indiciam práticas inexistentes, etc… ou mesmo por inaplicabilidade do actual artigo 12º do código do Trabalho ao caso em apreciação.
Por isso, quando não se consegue uma conclusão decisiva pela análise e interpretação da vontade das partes (porque as partes convencionam um tipo de contrato e praticam outro, ou porque prosseguem e praticam requisitos de forma aparentemente contraditória) deverá aferir-se a caracterização do contrato pela interpretação dos elementos disponíveis resultantes do modo como as partes se relacionavam no desenvolvimento e na execução do contrato, com recurso ao chamado método indiciário ou de aproximação tipológica.
Ora importa antes demais, evidenciar uma diferença que entendemos ser essencial para a determinação do tipo de contrato subjacente à actividade desenvolvida pela Autora e que caracteriza os pressupostos da tipologia do contrato; por um lado, os pressupostos que apenas interagem entre a Autora e a Ré; e por outro lado, aqueles em que intervêm terceiros, para além da Autora e da Ré.
10º A vinculação a horário de trabalho, a prestação da actividade em local definido pelo empregador, a actividade exercida sob as ordens deste, a sujeição do trabalhador à disciplina da empresa, a modalidade de retribuição, a propriedade dos instrumentos de trabalho e os elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, ou fixa), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação, são todos eles requisitos que não têm em si qualquer repercussão sobre entidades estranhas ao contrato;
11º A observância dos regimes fiscal e de segurança social têm que prosseguir os regimes impostos por lei, sob pena destas entidades detectarem o exercício duma actividade não sujeita às obrigações fiscais e sociais.
12º Ora, tendo havido simulação do contrato de trabalho para obviar ao pagamento das contribuições sociais e fiscais, por serem estas mais onerosas, a prestação da actividade tem necessariamente que sustentar o contrato simulado, declarando os rendimentos a título de prestação de serviços e cumprindo as obrigações sociais como prestador de serviços. Logo estes factores terão menos relevância na configuração da tipologia do contrato, por se enquadrarem nos requisitos que têm controlo publico e portanto são mais facilmente sujeitos a simulação.
13º Sendo o contrato de trabalho aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta (artigo 1152º do Código Civil).
14º Então no caso sub judice estaremos sob o regime dum contrato de trabalho, pois,
a) - No que respeita ao objecto do contrato, a Autora obrigou-se a prestar serviços de limpeza (prestação de actividade manual), à Ré e não a apresentar o estabelecimento limpo, mediante certas condições previamente acordadas, portanto temos uma obrigação de meios e não de resultado.
b) No que respeita à remuneração, a Ré pagava uma importância fixa mensal (220,00 €), durante 12 meses, incluindo o mês em que a Autora gozava férias. Trata-se necessariamente dum contrato de trabalho, porque oneroso, de prestação certa e periódica. A falta de pagamento dos subsídios de férias e natal, reportam aqui à necessidade de cumprir externamente, perante a Fazenda Nacional e a Segurança Social as obrigações legais decorrentes da forma como se declararam perante estas entidades.
c) No que respeita ao modo como a actividade é exercida, deparamos que a Autora comportava-se profissionalmente como qualquer outra trabalhadora do quadro da Ré, ou seja, recebia ordens de serviço por escrito, assinava uma ficha de presença diária, com horas de entrada e saída, era registada no mapa de férias do pessoal, cumpria um horário de quatro horas diárias de segunda a sexta-feira, da parte da tarde
15º A sujeição da Autora a uma baixa remuneração e a um contrato simulado reporta um estado de dependência económica que aceita condições inimagináveis para prover ao sustento – tal situação foi proferida expressamente por aquele que foi durante vários anos presidente da direcção do estabelecimento, a testemunha E....
16º Estamos aqui perante o aproveitamento moral e legalmente inaceitável do estado de necessidade dum trabalhador que para manter um nível mínimo de sustento (note-se remuneração abaixo do salário mínimo) aceita todas as condições que lhe são impostas, sem ripostar,
17º E só toma conhecimento dos seus direitos quando por necessidade recorre aos Tribunais e constata que lhe foram negados ao longo de vários anos imensos direitos (laborais como a remuneração, sociais e fiscais)
18º A prestação de serviços é um contrato com características bem diferentes, como o que a Autora prossegue com a Junta de Freguesia. Esse contrato, apropriadamente designado por contrato de prestação de serviços a obrigação da Autora consiste numa obrigação de resultado ; nesse contrato a Autora tem que manter a capela funerária limpa e preparada para os velórios; não importa à Junta de Freguesia, a que horas se procede à limpeza, quanto tempo demora, que materiais de limpeza usa, ou quantas pessoas procedem à limpeza.
19º O facto de a Autora estar colectada como prestadora de serviços de limpeza ou outras similares e o facto de os prestar, fora do horário de trabalho, à noite, ou aos fins de semana, para outra ou outras entidades não pode ser argumento, nem explicação para a definição deste contrato em analise como sendo um contrato de prestação de serviços.
20º A decisão sub judice da qual se recorre violou o disposto nos artigos 11º e 12º do Código do trabalho, e bem assim o disposto no artigo 1152 do Código Civil.
ASSIM SENDO, Deve a presente sentença ser revogada, e, colhendo o que vem alegado, deve decretar-se a total procedência da acção intentada pela Autora por totalmente provada, com o que se fará BOA E SÃ JUSTIÇA.”
1.3. A R. apresentou contra-alegações ao recurso da A., defendendo a improcedência deste. Concluiu do seguinte modo:
“1º/ A sentença recorrida foi notificada às partes em 28/04/2014, pelo que deveria a Recorrente ter interposto recurso até ao dia 25/05/2014, atento o prazo de 30 dias previsto nos arts. 80º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Trabalho.
2º/ Assim, uma vez que a Recorrente deu entrada do recurso apenas no dia 02 de Junho p.p., é o mesmo intempestivo, pelo que não deverá ser admitido ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 81º, nº 3 e 82º, nº 1 a contrario do Código de Processo de Trabalho
3º/ Mais se verifica que a Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto sem, porém, indicar os concretos meios de prova através dos quais fundamenta a sua argumentação, designadamente não indica as passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas a que alude.
4º/ Viola, por isso, o disposto na al. b) do nº 1 do art. 640º ex vi al. a) do nº 2 do mesmo normativo legal, pelo que deverá o recurso, na parte respetiva à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, ser imediatamente rejeitado.
5º/ Ao contrário do que advoga a Recorrente, a decisão da matéria de facto não carece de qualquer modificação, fazendo uma correta apreciação da prova produzida e a devida aplicação do Direito à factualidade dada como provada, não merecendo por isso qualquer reparo ou censura.
6º/ Porquanto, sublinhe-se a inexistência de um horário de trabalho, sendo o serviço de limpeza prestado pela Recorrente de acordo com o horário de leccionamento das aulas – ora de manhã ora de tarde – sem que fossem controladas quaisquer entradas ou saídas, contabilizando-se apenas as horas prestadas e sendo o pagamento feito em função das mesmas.
7º/ A eventual diminuição do número de horas prestadas decorreu da natureza dos serviços desempenhados pela Recorrente, cuja necessidade decresceu em função do número de alunos que frequentavam a instituição em cada ano letivo ou semestre.
8º/A Recorrente prestou serviços de limpeza para a Recorrida entre 2002 e Fevereiro de 2013, enquanto trabalhadora independente, fazendo contribuições para a Segurança Social nessa qualidade.
9º/ E nessa qualidade foi contratada pela Recorrida, uma vez que já em 09 de Setembro de 1999 que a Recorrente havia iniciado atividade junto do Serviço de Finanças da Feira 4, com o CAE ..... - Acção Social/Pessoas Idosas – até então inalterada.
10º/ Emitindo faturas e recibos nos quais pode ler-se o seguinte: “B... – Prestação de Serviços”. (vide docs. 1, 2 e 3 juntos com a Contestação)
11º/ Nas declarações de rendimentos juntas aos autos pelo Serviço de Finanças Feira 4, relativos aos anos em análise (2003 a 2012) conclui-se que a Recorrente auferiu um volume de rendimentos bastante superior ao que auferiria caso “trabalhasse” em exclusividade para a Recorrida, mediante um contrato individual de trabalho.
12º/ Com efeito, a Recorrente sempre prestou serviços de limpeza para diversas entidades ao longo dos anos em análise (vide declarações de rendimentos juntas pelo Serviço de Finanças Feira 4), daí advindo os rendimentos anuais que obteve, sempre superiores ao valor global de 2.640,00€ que auferia da C....
13º/ Contando, para tanto, com uma organização produtiva própria, auxiliando-se de uma colaboradora ao seu serviço que, não raras vezes, procedia à limpeza do edifício da Recorrida quando a Recorrente se ausentava.
14º/ Designadamente para prestar serviços de limpeza na Junta de Freguesia de ..., na qual também não estava sujeita a qualquer horário, conforme se retira do ofício enviado aos autos por essa Edilidade, bem como para outras entidades públicas e privadas que constam nas declarações de rendimentos igualmente juntas.
15º/ A Recorrente nunca esteve economicamente dependente da Recorrida, contanto contava com outras fontes de rendimento que lhe possibilitavam proveitos globais superiores, não se verificando, por isso, a previsão do art. 10º do Código do Trabalho.
16º/ A Recorrente nunca auferiu subsídio de férias ou Natal.
17º/ Prestou os seus serviços nas instalações da Recorrida porque de outra forma não seria possível cumprir a sua prestação que se cingia à limpeza.
18º/ Este sempre a Recorrente vinculada perante a Recorrida a uma obrigação de resultado, ou seja, celebrou com esta um contrato de prestação de serviços, subsumível à previsão do art. 1154º do Código Civil.
19º/ Em momento algum se verificou a existência de subordinação jurídica da Recorrente ante a Recorrida, uma vez que “a subordinação jurídica existirá, pois, sempre que ocorra a mera possibilidade de ordens e direção, bem como quando a entidade patronal possa de algum modo orientar a atividade laboral em si mesma, ainda que só no tocante ao lugar ou ao momento da sua prestação.” – Ac. STJ de 11/01/1995 in BMJ, nº 445, pág. 183 – o que não foi o caso dos autos.
20º/ A Recorrente nunca esteve sujeita a qualquer poder de direção antes conformando a sua atividade no tempo e modo que lhe aprouvesse sendo apenas essencial para a Recorrida a verificação do resultado: a limpeza das instalações. (sublinhado nosso)
21º/ Ainda nos socorrendo do método indiciário ou tipológico, facto é que não se encontram verificados quaisquer elementos que indiciem a existência de subordinação jurídica, essencial para concluirmos pela existência de uma relação de cunho laboral.
22º/ Pelo que andou bem o Tribunal a quo ao decidir pela improcedência da ação, com base na fundamentação jurídica constante na sentença recorrida, à qual se adere, devendo ser mantida nos seus exatos termos”.
1.4. Após a A. ter pago a multa devida pela interposição de recurso no 3.º dia útil após o termo do prazo, na sequência de notificação efectuada pela Secretaria nos termos do artigo 139.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, foi prolatado despacho de admissão do recurso (fls. 184).
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de que se deve rejeitar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, mantendo-se esta inalterada, bem como a decisão final constante da sentença.
Notificadas as partes, nenhuma delas se pronunciou.
Perspectivando a hipótese de vingar no acórdão a proferir entendimento diverso do da sentença recorrida quanto à qualificação contratual, o que determina o conhecimento dos pedidos formulados pela A. que a sentença não chegou a conhecer, por prejudicados, a ora Relatora determinou se notificassem as partes nos termos prescritos no artigo 665.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013[1], de 26 de Junho, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, para se pronunciarem sobre esta matéria. Apenas a R. se pronunciou nos termos de fls. 196 e ss., reiterando que o recurso deve ser julgado improcedente e não fazendo qualquer alusão aos pedidos prejudicados.
Cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, – este tribunal debruçar-se-á sobre as questões suscitadas nos recursos interpostos por A. e R. e dará, ainda, resposta à questão prévia suscitada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta.
Tais questões, pela ordem lógica da sua apreciação, são as seguintes:
1.ª – da rejeição da impugnação da decisão de facto;
2.ª – em caso de resposta negativa à questão anterior, da impugnação da decisão de facto quanto à matéria descritivamente enunciada na conclusão 3.ª da apelação, que a recorrente entende dever ser declarada provada;
3.ª – de saber se entre as partes se estabeleceu um vínculo contratual de natureza laboral;
4.ª – em caso de resposta afirmativa à terceira questão, se a A. foi alvo de um despedimento ilícito;
5.ª – em caso de resposta afirmativa à questão anterior, do mérito dos pedidos formulados pela recorrente na sua petição inicial e, ainda, da oposição à reintegração deduzida pela R.
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Mostra-se ultrapassada a questão suscitada no início das contra-alegações de recurso relacionada com a intempestividade da apelação, na medida em que a A. pagou a multa devida pela interposição de recurso no 3.º dia útil após o termo do prazo, na sequência de notificação efectuada pela Secretaria nos termos do artigo 139.º, n.º 6 do Código de Processo Civil.
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3. Fundamentação de facto
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3.1. A recorrente afirma a sua intenção de impugnar a matéria de facto e estrutura as alegações apresentadas demonstrando o seu inconformismo com a decisão de que o contrato que a vinculou à R. constituía um contrato de prestação de serviço, invocando que “o tribunal a quo fez uma má apreciação da matéria de facto e da errónea apreciação das provas existentes, não considerando os testemunhos prestados ou dando-lhe uma interpretação diferente daquela que foi proferida” e que deveria ter dado como provados os factos que elenca descritivamente nas alíneas a) a e) que inscreve na conclusão 3.ª.
Nas contra-alegações, a recorrida suscita a questão prévia da rejeição da impugnação da decisão de facto por não ter a recorrente indicado os concretos meios de prova através dos quais fundamenta a sua argumentação.
Igualmente a Exma. Procuradora-Geral Adjunta suscita a questão prévia do incumprimento dos ónus fixados no artigo 640.º, n.ºs 1, alínea b) e n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil em vigor, por não ter a recorrente especificado os concretos meios probatórios constantes da gravação realizada que impunham diferente decisão relativamente a cada ponto concreto de facto impugnado.
A propósito dos requisitos para a impugnação da matéria de facto, estabelece o artigo 640.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, lei processual aplicável à data em que foram produzidas as alegações[2], o seguinte:
«Artigo 640.º
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto

1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 — O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.»
Para sindicar o cumprimento destas especificações legais, tal como sempre decidimos à luz do correspondente artigo 685.º-B do Código de Processo Civil revogado, cabe ter presente o objectivo da sua previsão.
Com as normas relativas à interposição de recurso e apresentação da motivação, o legislador pretendeu criar um conjunto de regras de natureza prática a observar pelos recorrentes e que permitam ao tribunal ad quem apreender, de forma clara, as razões que levam o recorrente a atacar a decisão recorrida, de modo a que possam ser apreciadas com rigor (nem mais, nem menos do que é pedido, com ressalva das matérias de conhecimento oficioso). Actualmente, tornou-se claro que é necessária a formulação de um pedido concreto quanto à alteração da decisão de facto, com a indicação pelo recorrente da “decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Assim, o critério subjacente à definição da conformidade das conclusões com o comando dos artigos 639.º e 640.º do CPC está necessariamente relacionado com a respectiva aptidão para exercerem a sua função delimitadora e sinalizadora do campo de acção interventiva do tribunal de recurso. É esta função das conclusões que legitima a existência de normas processuais que as exijam.
Na mesma lógica delimitadora e sinalizadora da intervenção do tribunal de recurso se situam os requisitos legais para a impugnação da matéria de facto, cuja inobservância, atenta a especificidade desta impugnação, justifica a rejeição do recurso no que se refere a tal matéria, com vista a prevenir o uso injustificado do recurso e a delimitar o seu objecto e os termos da cognição do tribunal ad quem (pela identificação, precisa, dos pontos de discordância e das razões da discordância), tudo na perspectiva do uso racional e justificado do meio recursório.
Além disso, cabe ter presente que, uma vez que as conclusões delimitam o objecto do recurso – artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1.º, n.º 2, alínea a), e 87.º do Código de Processo do Trabalho, na redacção aprovada pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13.10 –, é necessária a indicação, nas conclusões, pelo menos, dos concretos pontos de facto de cuja decisão a recorrente discorda, embora se admita que a indicação dos meios de prova em que o recorrente sustenta a sua discordância possa ter lugar nas alegações, pois que consubstancia matéria relativa à correspondente fundamentação.
No caso em análise, a recorrente especificou nas suas alegações e conclusões os concretos pontos de facto que entende incorrectamente julgados, embora através de uma enunciação descritiva do que pretende ver provado e sem qualquer referência expressa aos artigos que elencou na sua petição inicial.
E diz que os mesmos deverem considerar-se provados
Quanto à especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo que entende determinarem uma decisão diversa da recorrida quanto àqueles pontos, a verdade é que a recorrente se limita a indicar o nome de algumas testemunhas e a fazer vagas referências aos seus depoimentos, de um modo genérico e sem identificar qualquer passagem que, em concreto, infirme a decisão negativa que foi proferida pelo tribunal a quo quanto à matéria que pretende ver provada e que descreveu nas alíneas a) a c) da conclusão 3.ª.
Quanto a outro dos factos que quer ver provados – o da alínea d) da conclusão 3.ª – a recorrente basta-se com a afirmação conclusiva de que o mesmo “ficou amplamente demonstrado”, sem indicar um qualquer meio de prova que o demonstrasse.
Ou seja, a recorrente de modo algum indica quanto aos factos das alíneas a) a d) da conclusão 3.ª, muito menos “com exactidão”, tal como exige a alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º, “as passagens da gravação dos depoimentos “em que se funda”, não procedendo também, sequer, à sempre possível transcrição dos excertos que entende serem relevantes.
Embora não seja exigível que conste das conclusões do recurso esta indicação dos meios probatórios, debalde se procura no corpo da motivação do recurso uma melhor explicitação dos fundamentos da impugnação da decisão de facto.
De acordo com a parte final do corpo do artigo 640.º, n.º1 do Código de Processo Civil, não é possível o aperfeiçoamento das alegações quando não se cumpram as especificações legais nele previstas.
Esta maior exigência do legislador tem plena justificação uma vez que, dirigindo o recorrente a sua pretensão a um tribunal que não intermediou a instrução da causa na 1.ª instância e que vai actuar através de um reexame da decisão recorrida quanto a concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, deve cumprir com rigor e precisão as exigências legais, sinalizando correctamente o que pretende, e não limitar-se a uma manifestação inconsequente de inconformismo[3].
Impõe-se, assim, a rejeição do recurso no que diz respeito à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto enunciada nas alíneas a) a d) da conclusão 3.ª.
3.2. Quanto à matéria da alínea e) da mesma conclusão, a recorrente invoca apenas o “documento emanado da Ré e que representa uma ordem de serviço” e não faz qualquer alusão à prova gravada. Apesar de a recorrente não localizar nos autos este documento, nem tão pouco fazer referência à peça processual com que foi junto, cremos que o único documento intitulado “ordem de serviço” que consta dos autos é a que foi junto com a petição inicial e se encontra a fls. 16, pelo que se tem por adequadamente cumprido o ónus legal a cargo da recorrente.
Apreciando a pretensão que a recorrente formulou a este propósito, verifica-se que este documento é o único meio probatório que invoca para alcançar a prova pretendida pela recorrente quanto à alínea e) da conclusão 3.ª, ou seja, que se prove que a A. “não tinha qualquer autonomia, nem foi estabelecido um padrão ou objectivo diário, semanal, ou mensal de limpeza”.
Ora, a nosso ver, o documento em causa não é apto a alcançar tal prova.
Com efeito, o documento de fls. 16 foi impugnado pela R., que disse desconhecer a sua existência e veracidade (artigo 24.º da contestação), razão por que se não reveste o mesmo de força probatória plena e não pode, por si só, fundar a prova daquele facto negativo.
Acresce que, pretendendo a A. a afirmação judicial de que esteve vinculada à R. através de um contrato de trabalho, a ela incumbe o ónus da prova dos factos constitutivos de um contrato de trabalho ou de factos que constituam índice relevante da sua celebração (artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil) ou, caso se entendam aplicáveis as presunções de laboralidade estabelecidas, respectivamente, nos Código do Trabalho de 2003 e 2009, o ónus da prova dos factos base daquelas presunções, passando neste caso a incumbir ao réu provar factos tendentes a ilidir a presunção, ou seja, factos reveladores de que as partes não celebraram um contrato de trabalho e se verifica uma relação jurídica de trabalho autónomo (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).
Em qualquer das hipóteses, não tem a recorrente, de modo algum, que provar a ausência de autonomia – que constitui, aliás, uma afirmação de natureza conclusiva –, nem o facto negativo relativo à ausência de estabelecimento de um padrão ou objectivo diário, semanal, ou mensal de limpeza, pelo que sempre se revelaria espúrea a averiguação do facto negativo em causa.
3.3. Em suma:
- rejeita-se o recurso no que diz respeito à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto enunciada nas alíneas a) a d) da conclusão 3.ª;
- julga-se improcedente o recurso no que diz respeito à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto enunciada na alínea e) da conclusão 3.ª.
*
3.4. Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
a) Entre a autora e a ré foi celebrado, em 2002, um acordo verbal mediante o qual a primeira se obrigou a fazer serviços de limpeza no estabelecimento de ensino da segunda (D…), de segunda-feira a sexta-feira, durante, pelo menos, três horas por dia;
b) A partir de Novembro de 2003, a autora passou a cumprir as funções referidas na alínea anterior oito horas por dia, de segunda-feira a sexta-feira;
c) A autora, a partir de 2007, no máximo, e até 1 de Fevereiro de 2013, passou a exercer as mesmas funções quatro horas por dia, de segunda-feira a sexta-feira;
d) A autora assinava uma ficha de presença sempre que exercia as funções descritas nas alíneas anteriores;
e) A partir do momento referido na alínea c), como contrapartida da sua actividade, a autora passou a auferir o valor mensal de 220,00 euros;
f) A autora emitia todos os meses um recibo de prestação de serviços de limpeza, com o valor e 220,00 euros, acrescido de IVA e retenção na fonte;
g) No último recibo emitido, a autora declarou encontrar-se isenta de IVA;
h) A autora recebia instruções por parte da direcção do estabelecimento de ensino sobre os serviços de limpeza a realizar;
i) Os materiais de limpeza e os produtos de limpeza eram comprados pela ré e guardados nas instalações do estabelecimento de ensino;
j) A autora gozava férias;
k) A ré pagava à autora a contrapartida devida pelo exercício da actividade referida na alínea a) doze meses por ano;
l) A ré nunca pagou à autora subsídio de férias e subsídio de Natal;
m) A ré enviou à autora a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 17, datada de 15 de Janeiro de 013, com o seguinte teor:
“Por motivos de reorganização dos serviços de limpeza das Instituições que são propriedade desta Fundação e uma vez que muito em breve a G… irá transferir todos os seus serviços para as instalações do D…/Sede da C…, informamos V. Exa. que pretendemos dispensar os serviços de limpeza prestados pela empresa da qual é proprietária, com efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 2013”;
n) A ré não pagou as contribuições devidas à Segurança Social e referentes à contrapartida mensal paga à autora;
o) A autora está colectada como trabalhadora independente desde 1999;
p) Nessa qualidade, a autora fazia serviços de limpeza junto de várias entidades, designadamente, na Junta de Freguesia de …, o que continuou a verificar-se após os factos descritos nas alíneas a) a c);
q) A ré contactou a autora para aferir da sua disponibilidade para efectuar serviços de limpeza nos espaços do edifício que alberga as instalações do D…, estabelecimento de ensino superior politécnico privado, instituído pela ré, em horário compatível com o leccionamento das aulas e com a disponibilidade da autora;
r) O pagamento da contrapartida devida pela actividade da autora era efetuado mediante a apresentação de factura por parte desta, com posterior emissão de recibo a favor da ré;
s) Até Dezembro de 2012, a autora emitia recibos “verdes”, no âmbito dos quais liquidava o IVA e lhe era efectuada retenção na fonte da parte devida a título de IRS;
t) A ré nunca aplicou sanções disciplinares à autora.
[...]».
*
*
4. Fundamentação de direito
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4.1. A questão fundamental a analisar nos presentes autos consiste em saber se se estabeleceu entre as partes um contrato de prestação de serviço como decidiu a sentença de 1.ª instância ou se, como entende a recorrente, esteve vinculada à R. através de um contrato de trabalho, tendo em consideração o que provado ficou nestes autos.
No período de tempo em análise (entre 2002 e Fevereiro de 2013), estiveram em vigor regimes laborais sucessivos o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.° 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT), o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003 (artigo 3.º, n.º 1 desta lei) e o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2009.
*
4.2. O contrato individual de trabalho vem definido no art. 1º da Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.) e no art. 1152º do Código Civil, ambos em vigor no ano de 2002, quando se firmaram as relações contratuais entre as partes, como o contrato pelo qual uma “pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”.[4]
O contrato de prestação de serviço, por seu turno, é descrito no art. 1154º do Código Civil como “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.
Das definições legais de contrato de trabalho e de contrato de prestação de serviço resulta que os elementos que essencialmente os distinguem são: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e como elemento típico e distintivo a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou. Diferentemente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
Através do critério do objecto do contrato, nem sempre constitui tarefa fácil a de distinguir o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviço previsto no art. 1154º do Código Civil, na medida em que muitas vezes não se pode verdadeiramente saber se se promete o trabalho ou o seu resultado, pois que todo o trabalho conduz a um resultado e este não existe sem aquele[5].
Em última análise, o relacionamento entre as partes - a subordinação ou autonomia - é que permite caracterizar a “locatio operarum”, ou contrato de trabalho, e a “locatio operis”, ou contrato de prestação de serviço[6]. Esta característica fundamental do vínculo laboral implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de subordinação do trabalhador cuja conduta pessoal na execução do contrato está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
*
4.3. Existem muitas vezes dificuldades no juízo qualificativo, vg. em situações que contêm elementos enquadráveis em diferentes figuras contratuais por se situarem em zonas de fronteira entre o contrato de trabalho e outras espécies de contratos para cuja execução é necessária a prestação da actividade intelectual ou manual de alguém.
Contudo, tendo em consideração que o contrato de trabalho é um negócio meramente consensual (artigos 6.º da Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.), 102.º do Código do Trabalho de 2003 e 110.º do Código do Trabalho de 2009), o que igualmente sucede com o contrato de prestação de serviço (art. 219º do Código Civil), é possível alcançar a determinação da sua existência e dos seus contornos pelo comportamento das partes, pela análise da situação de facto[7], sendo comummente invocado nesta matéria o denominado “princípio da primazia da realidade”, segundo o qual “os contratos são o que são e não o que as partes dizem que são”[8].
Assim, para proceder ao juízo qualificativo a formular perante a situação concreta e alcançar, eventualmente, a identificação da relação laboral, haverá que interpretar o comportamento declarativo expresso nas estipulações contratuais (averiguando qual a vontade revelada pelas partes, quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria actividade, ou seja, quando definiram a estrutura da relação jurídica em causa) e, depois, analisar a conduta dos contraentes na execução do contrato, recolhendo do circunstancialismo que envolveu a execução do negócio indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado ou do modelo da prestação de serviço.
Nesta análise, e perante a dificuldade da prova de elementos fácticos nítidos de onde resultem os elementos caracterizadores do contrato de trabalho, a jurisprudência tem lançado mão do método indiciário a que já nos referimos, procedendo à identificação da relação laboral (vg. para a distinguir de outras formas de negociar) através de indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado, por modo a poder-se concluir pela coexistência no caso concreto dos elementos definidores do contrato de trabalho.
Como indícios negociais internos a captar apontam-se, geralmente, a vinculação a horário de trabalho, a prestação da actividade em local definido pelo empregador, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo mesmo, a retribuição em função do tempo, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa, o pagamento de férias (período em que o prestador não desenvolve a sua actividade), subsídios de férias e de Natal e a inserção na organização produtiva.
Como indícios externos do contrato, aponta-se a exclusividade do empregador, a inscrição, ou não, na Repartição de Finanças como trabalhador dependente, o tipo de recibos emitidos, o tipo de declaração de IRS, o registo na Segurança Social, com os respectivos descontos, no fundo a observância dos regimes fiscal e de segurança social, próprios dos trabalhadores por conta de outrem[9].
O juízo a efectuar não é configurável como um juízo subsuntivo ou de correspondência biunívoca, mas como um mero juízo de aproximação entre dois "modos de ser" analiticamente considerados: o da situação concreta e o do modelo típico da subordinação.
Os indícios a ponderar têm pois um valor relativo se individualmente considerados[10] e têm sempre que reconduzir-se ao único critério incontroversamente diferenciador e verdadeiramente típico do contrato de trabalho, ou seja, a subordinação jurídica pressuposta na norma laboral definidora desta figura contratual.
*
4.4. Revertendo ao caso sub judice, entendemos que a valoração global dos indícios que emergem da matéria de facto apurada é suficiente para se concluir ter-se firmado um vínculo de natureza laboral entre as partes.
Com efeito, quanto aos contactos que precederam a contratação, provou-se que a ré contactou a autora para aferir da sua disponibilidade para efectuar serviços de limpeza nos espaços do edifício que alberga as instalações do D…, estabelecimento de ensino superior politécnico privado, instituído pela ré, em horário compatível com o leccionamento das aulas e com a disponibilidade da autora [facto q)].
Se a forma como estes contactos se verificaram são compatíveis com qualquer das modalidades em causa no que diz respeito a averiguar-se da disponibilidade da A., já a referência a um horário concreto e à sua compatibilidade com o leccionamento das aulas, denota que a A. teria que observar um determinado tempo para o exercício da sua actividade e que este tempo, certo (só assim se compreende a referência a horário) teria que se compatibilizar com o leccionamento de aulas, o que denota que a A. exercia a sua actividade integrada na organização de meios da R..
O enquadramento na organização empresarial que geralmente está associado à prestação de trabalho em termos subordinados constitui um importante indício de subordinação jurídica, embora não tenha valor autónomo para afirmar a existência de um contrato de trabalho, como o não tem a sua falta para, sem mais, negar a existência de tal tipo contratual.
Embora como refere Monteiro Fernandes, o “momento organizatório” careça de valor absoluto na identificação do contrato de trabalho, podendo um contrato de prestação de serviços harmonizar-se com uma certa inserção funcional dos resultados da actividade, acabando por representar uma certa forma de articulação da prestação de trabalho com a organização empresarial[11], não deixamos de relevar a importância deste indício (demonstrativo de que o trabalho não é organizado por quem o realiza, mas é heterorganizado) particularmente quando o mesmo é acompanhado, como ocorre no caso sub judice, de vários outros tipicamente associados a uma relação de trabalho subordinado, sendo de notar que este elemento organizatório foi enumerado pelo artigo 12.º do Código do Trabalho na sua primitiva redacção como o primeiro dos requisitos da presunção de laboralidade nele prevista, foi retomado na redacção conferida ao preceito em 2006 e veio a ser eleito como elemento definidor do contrato de trabalho no conceito adoptado pelo artigo 11.º do Código do Trabalho de 2009.
No mesmo sentido milita o facto de a A. receber instruções por parte da direcção do estabelecimento de ensino sobre os serviços de limpeza a realizar [facto h)], Apesar da existência de instruções da direcção não ser, apenas por si, suficiente para afirmar a existência de subordinação jurídica – por poder haver no contrato de prestação de serviço directivas genéricas de serviço, como resulta do disposto no art. 1161.º, al. a), conjugado com o art. 1156.º, ambos do Código Civil – a verdade é que o facto de a A. receber instruções da direcção do estabelecimento confirma a ideia do enquadramento da A. na organização de meios da R. e, neste contexto, é fortemente indicativo de que aquela se mostra submetida ao poder de direcção desta.
Note-se que a subordinação jurídica é uma noção de conteúdo variável, que admite graus muito diversificados de concretização. Como refere Sousa Ribeiro, consoante a índole da actividade e a especialização e qualificação do trabalhador, “ela pode ser mais ou menos forte, admitindo uma extensa escala gradativa [12]. Monteiro Fernandes, por seu turno, salienta que para haver subordinação jurídica “é suficiente um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato), não é necessário que essa dependência se manifeste ou explicite em actos de autoridade e direcção efectiva”[13].
É de lembrar a este propósito que nos casos mais cinzentos, a subordinação jurídica pode traduzir-se apenas no poder de determinar a função (é o empregador que determina qual a função do trabalhador no âmbito da empresa que dirige) e na orientação genérica da actividade, ainda que só no que respeite ao lugar ou momento da prestação[14].
É ainda de ponderar que a A. realizava actividades sem grande autonomia técnica e diariamente e permanentemente necessárias ao funcionamento do estabelecimento de ensino – serviços de limpeza – o que, também sem ser totalmente decisivo, se coaduna mais com a existência de um contrato individual de trabalho e com o já referido enquadramento da A. na organização de meios da R.
Acresce que a A. exercia as suas funções inicialmente de segunda-feira a sexta-feira, durante, pelo menos, três horas por dia, a partir de Novembro de 2003, oito horas por dia, de segunda-feira a sexta-feira e a partir de 2007, no máximo, e até 1 de Fevereiro de 2013, quatro horas por dia, de segunda-feira a sexta-feira [factos a), b) e c)]. A matéria de facto não revela as horas de início e termo da prestação em qualquer destes períodos[15], mas sabe-se que o horário em que a prestação era efectuada era compatível com o leccionamento das aulas e estava delimitado no tempo, tal como ficou enunciado nas alíneas a) a c). A circunstância de se não ter apurado a concreta hora do dia em que se iniciava e terminava a prestação de trabalho da A. não tem um relevo decisivo para estes efeitos na medida em que havia limites temporais para a prestação do trabalho. Embora se desconheçam os exactos contornos de tais limites a A. tinha que exercer as tarefas de limpeza num concreto período temporal (ao longo do tempo variou de três horas por dia, para oito horas por dia e finalmente para quatro horas por dia) e em todos os dias úteis, e não quando à A. aprouvesse.
Ainda relacionado com a sujeição a estes tempos de trabalho, prefigura-se como muito relevante o facto de a A. assinar uma ficha de presença sempre que exercia as funções [facto d)], o que, tendo em consideração que estas eram exercidas todos os dias úteis [factos a) a c)], leva a concluir que em todos estes dias a A. assinava aquela ficha. Note-se que a R. não provou que houvesse um horário de trabalho flexível e gerido como a A. entendesse[16] - o que, aliás, não permitiria a compatibilização da realização dos serviços de limpeza com o funcionamento das aulas no D… -, pelo que o único móbil que se descortina para a assinatura das fichas de presença tem a ver com o controlo ou fiscalização da assiduidade da A. e do seu tempo de permanência nas instalações da R., o que é bem pouco consentâneo com a autonomia pressuposta no mero contrato de prestação de serviço.
Além disso, a A. desenvolvia a sua actividade em local previamente definido pelo beneficiário da actividade e por ele explorado – o estabelecimento de ensino da R. – e com instrumentos e produtos pertencentes a ela pertencentes, comprados pela mesma e guardados no seu estabelecimento de ensino [factos a) a c) e i)], sendo estas duas circunstâncias geralmente apontadas como importantes indícios de subordinação jurídica.
Quanto à modalidade da retribuição, ficou provado que a A. auferia uma retribuição mensal de valor certo [facto e)]. Ou seja, a A. era retribuída em função do tempo de trabalho, como é próprio do contrato de trabalho, e com um carácter regular, não tendo respaldo na decisão de facto a afirmação da recorrida de que se contabilizavam, apenas as horas prestadas e o pagamento era feito em função das mesmas. A percepção de uma remuneração fixa e em função do tempo constitui um índice muito forte de que a R. retribuía essencialmente a disponibilidade da A. para o exercício da sua actividade (como sucede normalmente na “locatio operarum”), mais do que o resultado do seu trabalho (como sucede normalmente na “locatio operis”).
Também o tempo por que perdurou a prestação desta actividade – superior a dez anos [factos a) a c) e m)] – é susceptível de denotar uma vinculação laboral permanente (vide o artigo 12.º do Código na sua primitiva redacção, que confere o estatuto de facto-base da presunção de laboralidade este índice da permanência ao serviço por mais de 90 dias, certamente porquanto o carácter duradouro do vínculo é próprio do contrato de trabalho, ao invés do carácter temporário ou esporádico, próprio da prestação de serviço).
E finalmente, afigura-se-nos muito relevante o facto de se ter provado que a A. gozava férias, ou seja, beneficiava de uma prerrogativa especificamente prevista na lei para o contrato de trabalho – artigo 2.º do Decreto-Lei n.° 874/76, de 28 de Dezembro, artigo do Código do Trabalho de 2003 e artigo do Código do Trabalho de 2009 – e estava sem exercer a sua actividade no período correspondente a esse gozo de férias, mas não deixava de auferir a retribuição correspondente pois que se provou também que a R. lhe pagava a contrapartida
devida pelo exercício da actividade doze meses por ano [factos j) e k)], o que não se coaduna, de todo, com o contrato de prestação de serviço.
Neste contexto, carecem de valor para a qualificação do contrato as circunstâncias invocadas pela R. na apelação para fazer vingar o seu ponto de vista.
Apesar de ser naturalmente indiciadora da vinculação laboral a exclusividade da prestação e a inerente dependência económica, aspectos que são salientados pela recorrida, entendemos que não são decisivos, sendo conhecidas e comuns, designadamente no universo das pessoas que se dedicam a serviços de limpeza em benefício de outrem, a sua prestação para mais do que um empregador (o pluriemprego) ou, como ocorre com a recorrente, a prestação de trabalho para uns e a prestação de serviço para outros, havendo mais do que um beneficiário do seu labor. Deve aliás notar-se que o facto de a A. se ter colectado como trabalhadora independente pode compreender-se perante o facto de a A. prestar serviços de limpeza junto de várias entidades, designadamente, na Junta de Freguesia de …, o que continuou a verificar-se após se ter vinculado à R. [factos o), e p)]. É a própria recorrente que faz notar a diferença entre os termos do contrato que manteve com a recorrida e o contrato celebrado com a Junta de Freguesia, perante quem assumiu a obrigação de ter a capela funerária limpa e preparada para os velórios, não importando à Junta a que horas se procede à limpeza, quanto tempo demora, que materiais de limpeza usa, ou quantas pessoas procedem à limpeza[17].
O mesmo se diga quanto ao facto de a R. nunca ter aplicado sanções disciplinares à A. [facto t)]. Embora os factos apurados não sejam suficientes para se afirmar o exercício do poder disciplinar, não são também bastantes para infirmar que a R. fosse detentora de tal poder, sendo certo que do não exercício do poder disciplinar – apenas compreensível em situações de crise contratual – não pode, sem mais, retirar-se a sua não titularidade. Como se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2002.06.25[18], a posição de supremacia, traduzida no poder directivo, disciplinar e regulamentar nas formas de trabalho subordinado, pode ser mais ou menos rigorosamente exercitada, sendo que o exercício desses poderes na vertente disciplinar e regulamentar não tem que ser, forçosamente, contínuo e até mesmo necessário.
Além disso, é irrelevante para afastar a subordinação jurídica, o facto de a A. emitir facturas e os denominados “recibos verdes” para dar quitação das importâncias pagas pela R. [factos f), r) e s)]. É o próprio legislador a determinar que se declare no verso daqueles recibos, que “a utilização de recibos do presente modelo não implica a qualificação do trabalho prestado, como independente, para efeitos de Direito do Trabalho” [19], o que atesta o valor indiciário quase nulo desta circunstância.
O mesmo deve dizer-se da subsistência de outros aspectos formais não consentâneos com a execução de um contrato de trabalho, como o não pagamento de subsídios de férias e de Natal e o não pagamento de contribuições à Segurança Social [factos l) e n)], aspectos que não têm a virtualidade de determinar uma conclusão diferente daquela a que se chegou pelo análise do concreto condicionalismo de subordinação jurídica em que se processava a actividade profissional da A.. E é de notar que o valor contrário destes aspectos se mostra mitigado, por um lado, pela circunstância de se ter provado o gozo de férias e o pagamento da retribuição em doze meses por ano [factos j) e k)] o que implica, necessariamente, que a A. auferia retribuição num determinado período de cada ano sem prestar actividade, realidade que de modo algum se coaduna com um contrato de prestação de serviço, em que a retribuição constitui contrapartida de um concreto resultado da actividade intelectual ou manual do prestador.
Acresce que, como refere Sousa Ribeiro, “o exercício de prerrogativas laborais tem forte valor indiciário positivo no sentido da qualificação da relação como de trabalho”, sendo, por outro lado de lhe negar firmemente, na hipótese contrária, valor “negativo” excludente dessa qualificação[20].
Ainda que a A. não se mostrasse inconformada ao longo do tempo com a preterição daqueles efeitos típicos da relação de trabalho subordinado, de produção imperativa e prefixada por lei, essa preterição não é apta a conferir à relação jurídica efectivamente actuada, natureza diferente da do contrato de trabalho[21].
O valor sintomático que do não pagamento dos subsídios de férias – não das próprias férias, que eram pagas – e de Natal, bem como do não pagamento de contribuições para a Segurança Social, poderia extrair-se, esbate-se perante a demais factualidade provada. Podendo equivaler ao incumprimento puro e simples de uma obrigação legal (muitas vezes com o específico intuito de camuflar uma relação que naturalmente implica o reconhecimento daquelas prerrogativas), não pode inferir-se sem mais da não realização destas prestações que elas não são devidas por a relação não ser de trabalho subordinado.
Citando mais uma vez Sousa Ribeiro, “só depois de caracterizada materialmente a relação à luz de outros indícios, se pode desfazer a ambivalência daquele dado, sendo certo que não pode assumir-se como premissa e fundamento da qualificação um elemento cujo sentido só por esta é esclarecido [22].
Finalmente, deve dizer-se que não encontra qualquer respaldo nos factos provados a alegação da R. (ínsita na conclusão 13.ª) de que a A. tinha uma organização produtiva própria, auxiliando-se de uma colaboradora ao seu serviço que, não raras vezes, procedia à limpeza do edifício da R. quando a A. se ausentava. Nada disto se provou.
No caso vertente, como resulta da ponderação global dos indícios que se extraem da factualidade apurada, a maior parte deles conducentes à conclusão de que as partes estiveram vinculadas através de um típico contrato de trabalho, pode afirmar-se que as partes mantiveram entre si um vínculo contratual de natureza laboral. Ficaram provados os importantes indícios de subordinação jurídica que se assinalaram – a A. desenvolveu ao longo de cerca de 10 anos a sua actividade de empregada de limpeza do estabelecimento de ensino da R., mediante instruções da sua direcção, que controlava o cumprimento da prestação da A. que assinava sempre uma ficha de presença, num concreto período temporal (ao longo do tempo variou de três horas por dia, para oito horas por dia e finalmente para quatro horas por dia), em todos os dias úteis e mediante o pagamento de uma retribuição mensal de valor certo, no local determinado pela R. e com instrumentos de trabalho pertencentes à R., em cuja estrutura organizacional se mostrava inserida[23] –, e não têm valor para infirmar a conclusão a que se chegou neste juízo de globalidade, a não exclusividade (natural neste sector de actividade), a passagem de “recibos verdes”, a não inscrição da trabalhadora na Segurança Social como dependente, mas como independente, e a falta de pagamento de subsídios de férias e de Natal. Perante o modo como as partes se comportaram no desenvolvimento material das relações contratuais estabelecidas, estas circunstâncias invocadas na apelação não têm relevo autónomo para desvirtuar a natureza intrínseca daquelas relações contratuais, nem para afirmar a vontade das partes em sentido diverso da conduta que assumiram na execução do contrato.
Em conclusão, de todo o condicionalismo factual apurado, podem descortinar-se, com bastante clareza, indícios de natureza substancial de que a actividade que a A. desenvolveu entre, pelo menos, Janeiro de 2003 (pois que, em face do modo como ficou exarado o ponto 1. da decisão de facto, se desconhece o dia do ano de 2002 em que passou a exercer a sua actividade) e 1 de Fevereiro de 2013 em benefício da R. era prestada de forma juridicamente subordinada.
Deve ainda acrescentar-se que os factos provados e já ponderados integram claramente as várias alíneas cujo preenchimento cumulativo o artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 erigiu como base da presunção de laboralidade que consagra e que, à face da presunção legal estabelecida no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, a mera prova de que a actividade foi realizada em local pertencente ao beneficiário, de que os instrumentos de trabalho pertenciam à R. e de haver uma quantia certa paga como retribuição, igualmente conduziria à presunção da existência de um contrato de trabalho.
Procede o recurso interposto no que diz respeito à qualificação contratual.
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4.5. Concluindo que o contrato sub judice consubstanciava um contrato de trabalho, incumbe a este Tribunal da Relação apreciar os pedidos formulados pela A. que se quedaram prejudicados perante a opção decisória da 1.ª instância no sentido de que não vigorou entre as partes um contrato de trabalho, mas cuja apreciação agora se impõe perante a procedência das conclusões da apelação no que diz respeito à qualificação laboral do referido convénio.
Este tribunal dispõe para tanto dos elementos necessários e as partes foram ouvidas em conformidade com o disposto no artigo 665.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, conforme determinado por despacho da ora relatora proferido nos autos.
Como pressuposto de uma parte razoável de tais pedidos, haverá que responder, antes de mais, à questão de saber se a recorrente foi alvo de um despedimento ilícito.
Resulta dos factos provados que o contrato de trabalho em causa terminou por iniciativa da R. quando esta, através da missiva de 15 de Janeiro de 2013, comunicou à A. que dispensava os serviços de limpeza prestados “pela empresa da qual é proprietária” com efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 2013, data até à qual a A. exerceu as suas funções no estabelecimento da R. [factos c) e m)].
Deste modo, a R. assumiu um comportamento concludente no sentido de que foi sua vontade pôr termo à relação contratual que estabelecera com a A. Embora aludindo à “empresa” desta, é clara na missiva quanto à dispensa dos serviços de limpeza que se provou serem pessoalmente prestados pela A. no seu estabelecimento de ensino desde há cerca de dez anos.
Ora o despedimento por iniciativa do empregador deve ser precedido de processo disciplinar organizado nos termos definidos nos artigos 352.º e ss. do Código do Trabalho de 2009 (o aplicável à apreciação do despedimento, uma vez que a R. procedeu ao mesmo já no âmbito da vigência deste diploma).
Nos termos do artigo 381.º, alínea c) do Código do Trabalho, a falta de procedimento disciplinar a preceder o despedimento constitui motivo de ilicitude deste.
Temos, assim, que a R. procedeu ao despedimento ilícito da recorrente na assinalada data, devendo os pedidos formulados ter como pano de fundo a natureza laboral do contrato que vinculou as partes e a ilicitude do acto através do qual a R. lhe pôs termo.
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4.6. É chegada a hora de analisar cada um dos pedidos formulados pela A., ora recorrente.
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4.6.1. Começa a A. por peticionar que se qualifique o contrato verbal celebrado entre a autora e a ré em Abril de 2002 como um contrato individual de trabalho a tempo integral após Novembro de 2003 e, em consequência, a condenação da ré a pagar o valor de € 22.482,90 a título de diferenças salariais resultantes da diminuição indevida do salário auferido e da alteração de regime de tempo (integral/parcial).´
E alega, para tanto, que a R., em Outubro de 2005, reduziu, unilateralmente, o horário de trabalho da Autora para 20 horas semanais pagando-lhe € 220,00, quando devia pagar o equivalente ao salário mínimo nacional para um contrato individual de trabalho a tempo integral. Contabiliza as diferenças salariais que entende devidas até Janeiro de 2013 no valor global de € 22.482,90.
Provou-se nos presente autos que:
a) Entre a autora e a ré foi celebrado, em 2002, um acordo verbal mediante o qual a primeira se obrigou a fazer serviços de limpeza no estabelecimento de ensino da segunda (D…), de segunda-feira a sexta-feira, durante, pelo menos, três horas por dia;
b) A partir de Novembro de 2003, a autora passou a cumprir as funções referidas na alínea anterior oito horas por dia, de segunda-feira a sexta-feira;
c) e e) A autora, a partir de 2007, no máximo, e até 1 de Fevereiro de 2013, passou a exercer as mesmas funções quatro horas por dia, de segunda-feira a sexta-feira, auferindo como contrapartida da sua actividade o salário mensal de € 220,00.
A fixação do período normal de trabalho constitui uma competência das partes do contrato, com as limitações legais ou decorrentes de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho[24].
Em face do período de tempo por que perduraram as relações contratuais – entre 2002 e 2013 – e das datas em que se alteraram os termos da execução temporal da prestação da actividade – 2003 e 2007 –, a questão a decidir deverá ser analisada tendo em conta o regime jurídico do trabalho a tempo parcial decorrente da Lei n.º 103/99, de 26 de Julho, em vigor quando as partes se vincularam inicialmente e quando a A. passou a cumprir as suas funções 8 horas por dia, e do Código do Trabalho de 2003, em vigor quando a A. passou a exercer as mesmas funções 4 horas por dia.
A Lei n.º 103/99, de 26.07, que entrou em vigor aos 99.07.27 (art. 14º, nº 1, da mesma). transpondo a Directiva 97/81/CE, de 15.12, do Conselho, implementou o Acordo-Quadro sobre trabalho a tempo parcial celebrado a 06 de Junho de 1997. Perante o advento da realidade do trabalho a tempo parcial, das suas consideradas vantagens económicas, empresariais e sociais, mas tendo presente, também, os riscos decorrentes dessa figura, designadamente a nível discriminatório do trabalho feminino e no de menor qualificação (ambos predominantes no trabalho a tempo parcial), teve o referido Acordo-Quadro, implementado nos termos da mencionada Directiva, como escopo «facilitar o desenvolvimento do trabalho a tempo parcial numa base voluntária, procurando suprimir as discriminações que os trabalhadores a tempo parcial são vítimas e contribuir para uma organização flexível do tempo de trabalho que tivesse em conta, tanto as exigências dos trabalhadores, como as dos empregadores»[25].
Neste contexto, se insere a obrigatoriedade da forma escrita prescrita na Lei n.º 103/99 quer para a celebração, ab initio, do contrato de trabalho a tempo parcial, quer para a alteração do regime de trabalho de tempo completo em trabalho a tempo parcial e vice-versa, obrigatoriedade esta que tem subjacente, desde logo, um essencial interesse de ordem e natureza pública, designadamente o da proibição da discriminação, com consagração constitucional, e do princípio da voluntariedade da sua prestação[26]. A forma não desempenha aqui apenas a função de facilitar a prova, mas apresenta-se como uma solenidade que alerta as partes para a relevância do objecto do convénio[27]
Esta Lei n.º 103/99 dispõe, além do mais, o seguinte:
“Artigo 1º
(Trabalho a tempo parcial)
1. Considera-se trabalho a tempo parcial o que corresponda a um período normal de trabalho semanal igual ou inferior a 75% do praticado a tempo completo numa situação comparável.

2. O limite percentual referido no número anterior pode ser elevado por via de convenção colectiva.
(…)
5. O contrato de trabalho a tempo parcial deve revestir a forma escrita, nele constando expressamente o número de horas semanais e o horário de trabalho.
(…).”
“Artigo 3º
(Alteração do tempo de trabalho)
1. O trabalhador a tempo parcial pode passar a trabalhar a tempo completo, ou o inverso, a título definitivo ou por período determinado, mediante acordo escrito com a entidade empregadora.
(…)”
Entretanto, foi publicado o Código de Trabalho de 2003, que entrou em vigor em 01 de Dezembro de 2003 (artigos 3.º, n.º 1, e 8.º, n.º 1, da Lei 99/2003, de 27 de Agosto), e veio dispor que:
“Artigo 180º
Noção
1 — Considera-se trabalho a tempo parcial o que corresponda a um período normal de trabalho semanal igual ou inferior a 75% do praticado a tempo completo numa situação comparável.
(…)”
“Artigo 184º
Forma e formalidades
1 — Do contrato de trabalho a tempo parcial deve constar a indicação do período normal de trabalho diário e semanal com referência comparativa ao trabalho a tempo completo.
2 — Quando não tenha sido observada a forma escrita, presume-se que o contrato foi celebrado por tempo completo.
3 — Se faltar no contrato a indicação do período normal de trabalho semanal, presume-se que o contrato foi celebrado para a duração máxima do período normal de trabalho admitida para o contrato a tempo parcial pela lei ou por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável.”
“Artigo 186º
Alteração da duração do trabalho
1 — O trabalhador a tempo parcial pode passar a trabalhar a tempo completo, ou o inverso, a título definitivo ou por período determinado, mediante acordo escrito com o empregador.
2 — O acordo referido no número anterior pode cessar por iniciativa do trabalhador até ao sétimo dia seguinte à data da respectiva celebração, mediante comunicação escrita enviada ao empregador.
3 — Exceptua-se do disposto no número anterior o acordo de modificação do período de trabalho devidamente datado e cujas assinaturas sejam objecto de reconhecimento notarial presencial.
(…)”
Finalmente o Código do Trabalho de 2009, já em vigor à data da cessação das relações contratuais, dispõe no seu artigo 153.º que:
“1 - O contrato de trabalho a tempo parcial está sujeito a forma escrita e deve conter:
a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
b) Indicação do período normal de trabalho diário e semanal, com referência comparativa a trabalho a tempo completo.
2 - Na falta da indicação referida na alínea b) do número anterior, presume-se que o contrato é celebrado a tempo completo.
3 - Quando não tenha sido observada a forma escrita, considera-se o contrato celebrado a tempo completo.”
E no seu artigo 155.º que:
“1 - O trabalhador a tempo parcial pode passar a trabalhar a tempo completo, ou o inverso, a título definitivo ou por período determinado, mediante acordo escrito com o empregador.
2 - O trabalhador pode fazer cessar o acordo referido no número anterior por meio de comunicação escrita enviada ao empregador até ao sétimo dia seguinte à celebração.
3 - Exceptua-se do disposto no número anterior o acordo de modificação do período de trabalho devidamente datado e cujas assinaturas sejam objecto de reconhecimento notarial presencial.
(…)”
Tendo presente o regime em vigor à data da contratação da A., verifica-se que a vinculação laboral a tempo parcial, ao invés do que sucedia com a regra da consensualidade a que se mostrava submetido o contrato de trabalho para prestação da actividade a tempo completo, constituía uma das excepções ressalvadas na parte final do artigo 6.º da Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.), sendo expressa no artigo 1.º, n.º 5 da Lei n.º 103/99, a exigência de que o mesmo se revestisse de forma escrita.
No caso vertente não se provou que as partes houvessem formalizado por escrito o convénio que celebraram em 2002.
Além disso, o que se provou quanto aos termos da sua contratação foi que entre a autora e a ré foi celebrado, em 2002, um acordo verbal mediante o qual a primeira se obrigou a fazer serviços de limpeza no estabelecimento de ensino da segunda (D…), “de segunda-feira a sexta-feira, durante, pelo menos, três horas por dia” [facto a)].
Perante os termos dúbios do que foi verbalmente convencionado quanto ao tempo de trabalho, reportando-se a um período de trabalho que envolvia todos os dias úteis da semana, mas que diariamente se mostrava limitado por um tempo mínimo, sem definição quanto ao trabalho a mais que poderia ser desenvolvido pela A., mas estando claramente incluída no âmbito do acordo a hipótese de o trabalho se desenvolver por um período superior, vg. coincidente com a jornada normal de trabalho – que à data da contratação era de 8 horas por dia e 40 horas por semana[28] –, entendemos que o contrato verbalmente celebrado não pode qualificar-se como um contrato de trabalho a tempo parcial.
Acresce que a prova de que as partes pretenderam celebrar um contrato de trabalho a tempo parcial não pode ser substituída por prova testemunhal e, no caso sub judice, não foi produzida prova de outra natureza sobre o momento da contratação (vide a motivação da sentença a fls. 118 e ss., que apenas referencia a prova testemunhal, além do depoimento de parte da A. que, para estes efeitos da prova de factos que lhe são favoráveis, não tem valor confessório – cfr. o artigo 352.º do Código Civil).
Com efeito, nos termos do preceituado no artigo 364º do Código Civil, “[q]uando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior” (n.º 1) e “[s]e, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contando que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório” (n.º 2).
A regra é a de que os documentos são exigidos como formalidade ad substantiam e só quando a lei se refira claramente à prova do negócio é que a sua natureza será ad probationem[29].
Perante os termos da previsão do artigo 1.º da Lei n.º 103/99 (que previa a forma escrita e sem que da sua letra resultasse claramente que tal exigência se reportava à prova do negócio) e o desiderato da solenidade imposta e o disposto no citado art. 364.º, é de considerar que, ao tempo da vigência desse diploma, tal formalidade revestia natureza ad substantiam[30].
De todo o modo, tenha a exigência de forma escrita natureza ad substantiam ou ad probationem, a prova de que as partes pretenderam celebrar um contrato de trabalho a tempo parcial não poderá ser substituída por prova testemunhal (cfr. os artigos 364.º e 393.º, n.º 1, do CC), sendo certo que na segunda hipótese a falta do documento exigido por lei apenas poderia ser suprida através de confissão expressa da R., judicial ou extrajudicial, a qual não se verificou no caso sub judice.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 2001[31], configurando a celebração de contrato de trabalho a tempo parcial uma situação de excepção e competindo ao empregador o estabelecimento do horário de trabalho do pessoal ao seu serviço, dentro dos condicionalismos legais, impende sobre a mesma o ónus de alegação e prova da existência desse tipo de contrato.
Assim sendo, quer porque os apurados termos do acordo das partes não são inequívocos quanto à vontade de celebração de um contrato de trabalho a tempo parcial, quer porque a celebração de um tal contrato sempre se revestiria de necessário carácter formal e apenas poderia ser provada através de documento escrito, o que a R. não logrou, é de considerar que as partes se vincularam no ano de 2002 através de um contrato de trabalho comum, que é o que se desenrola a tempo integral, o qual foi validamente celebrado em conformidade com a regra geral da consensualidade ou liberdade de forma plasmada no artigo 6.º da Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.).
Aliás, é de notar que a partir de Novembro de 2003, a autora passou a cumprir as funções de limpeza do estabelecimento de ensino da R. oito horas por dia, de segunda-feira a sexta-feira [facto b)], pelo que pelo menos a partir de então o regime de execução do contrato passou inequivocamente a corresponder à modalidade geral da contratação laboral, devendo a A. considerar-se contratada a tempo inteiro.
Uma vez que os pedidos de diferenças salariais formulados pela A. não incluem qualquer período temporal anterior a 2005, não há que retirar quaisquer efeitos jurídicos da eventual desconformidade que no período inicial da contratação se verificasse entre os termos da execução contratual (vg. ao nível da retribuição) e a contratação a tempo inteiro que se verificava.
Mas quanto ao período posterior, já o mesmo não poderá dizer-se.
Com efeito, para além de já em 2005 se dever considerar a A. contratada a tempo inteiro, ficou provado nestes autos que a A. “a partir de 2007, no máximo, e até 1 de Fevereiro de 2013, passou a exercer as mesmas funções quatro horas por dia, de segunda-feira a sexta-feira” e a auferir “como contrapartida da sua actividade o salário mensal de € 220,00” [factos c) e e)].
Ora, não obstante se reconheça às partes o direito de, na vigência de um contrato de trabalho (a termo ou não), alterarem os termos da vinculação a que se encontram submetidas e, designadamente, o tempo de trabalho, com a inerente diminuição da correspondente retribuição – tal como já defendia a jurisprudência à luz do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro (LDT) [32] e veio a ser expressamente reconhecido na lei com o artigo 3.º da Lei n.º 103/99, de 26 de Julho e o subsequente artigo 186.º do Código do Trabalho de 2003, a que corresponde o artigo 155.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009 – , a partir da Lei n.º 103/99 tal alteração contratual deve ser formalizada por escrito.
Ou seja, e tendo agora presente o artigo 186.º do Código do Trabalho de 2003, que se encontrava já em vigor no ano de 2007 quando a A. passou a exercer as suas funções 4 horas por dia, a lei faz depender a novação em que se consubstancia a alteração do trabalho a tempo parcial para trabalho a tempo completo, ou o inverso, de “acordo escrito” do trabalhador com o empregador.
Uma vez que tal alteração implica a opção por uma diferente modalidade contratual, e tendo em atenção o profundo significado que a mesma sempre tem na vida pessoal e profissional do trabalhador, o legislador tutelou a posição deste em termos coincidentes com os previstos para a revogação do contrato de trabalho, exigindo a forma escrita para o acordo e reconhecendo até ao trabalhador um direito ao arrependimento que, a ser exercido, acarreta a ineficácia do acordo celebrado[33]
Os factos provados não elucidam se a alteração do período temporal em que a A. passou a exercer as suas funções verificada em 2007 se deveu a um acordo entre as partes – que sempre teria que ser submetido a forma escrita e, por isso, não poderia ser provado por testemunhas – ou se resultou de uma atitude unilateral da R.
Mas, perante aquela exigência formal e perante a consequência cominada no artigo 184.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003 para a sua inobservância, a referida ausência de prova prefigura-se como irrelevante.
Se entre as partes estava em vigor um contrato de trabalho a tempo completo e a A. exercia as suas funções 8 horas por dia, de 2.ª a 6.º feira [facto b)], ou seja, em conformidade com o máximo legal sucessivamente imposto nos artigos 163.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 e 203.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 – 8 horas por dia e 40 horas por semana – e se é necessário acordo entre as partes, submetido a forma escrita, para o trabalhador deixar de trabalhar a tempo completo e passar a trabalhar a tempo parcial, a alteração dos termos da execução contratual que se provou é sempre contrária à lei, independentemente do acto que a determinou (acordo das partes ou acto individual do empregador).
Nos termos do preceituado no artigo 184.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003, quando não tenha sido observada a forma escrita, “presume-se que o contrato foi celebrado por tempo completo”, regime que deve igualmente observar-se nos casos contemplados no subsequente artigo 186.º em que há uma alteração da duração do trabalho no decurso do contrato.
Esta presunção de que o contrato se mostra celebrado por tempo completo é ilidível, é certo[34], como resulta da regra geral do artigo 350.º, n.º 2 do Código Civil, mas é igualmente certo que inexiste no caso vertente qualquer facto provado susceptível de a ilidir, pelo que deve presumir-se que o contrato que vinculava as partes já desde 2002 continuou em vigor a tempo completo mesmo após 2007[35].
Deste modo, e dentro dos limites do que provado ficou, é de reconhecer à A. o direito a perceber a remuneração mínima mensal garantida ao longo do período que decorreu entre 31 de Dezembro de 2007 (os factos não elucidam em que dia do ano de 2007 a A. passou a exercer as suas funções em menos tempo, pelo que terá de se tomar como referência o último dia do ano) e 1 de Fevereiro de 2013, na medida em que, em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Nos termos do artigo 266.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 e do subsequente artigo 273º n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 (que entretanto entrou em vigor), é garantida aos trabalhadores uma retribuição mínima mensal, seja qual for a modalidade praticada, cujo valor é determinado anualmente por legislação específica.
Competia à R. provar (como facto extintivo dos direitos da autora – art. 342.º n.º 2 do Código Civil) o pagamento deste mínimo devido à A. pelo exercício das suas funções laborais, sendo certo que dos factos provados apenas resulta o pagamento da retribuição mensal de € 220,00 no período em causa.
Assim, é de reconhecer à A., a este título, o direito às seguintes quantias de diferenças salariais:
• Em 2007: € 6,10 (403,00 - 220,00 : 30 x 1) – Decreto-Lei n.° 2/2007 de 03-01;
• Em 2008: € 2.472,00 (426,00 - 220,00 x 12) – Decreto-Lei n.° 397/2007 de 31-12;
• Em 2009: € 2.760,00 (450,00 - 220,00 x 12) – Decreto-Lei n.° 246/2008, de 18.12;
• Em 2010: € 3.060,00 (475,00 - 220,00 x 12) – Decreto-Lei n.° 5/2010, de 15-01;
• Em 2011: € 3.180,00 (485,00 - 220,00 x 12) – Decreto-Lei n.° 143/2010, de 12-31;
• Em 2012: € 3.180,00 (485,00 - 220,00 x 12) – Decreto-Lei n.° 143/2010, de 12-31;
• Em 2013: € 265,00 (485,00 - 220,00);
O que perfaz o montante global de € 14.923,10 a título de diferenças salariais que a recorrida deve ser condenada a pagar à recorrente.
Procede parcialmente o pedido formulado a este título.
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4.6.2. Na sua petição inicial a A. pediu ainda a condenação da R. no pagamento, a título de subsídio de férias e de Natal, nunca liquidado durante todo o decurso do contrato individual de trabalho em referência, da quantia de 8.272,56 euros
Trata-se dos subsídios de férias vencidos no ano de 2002 e em 1 de Janeiro dos anos de 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013, os quais lhe são devidas nos termos dos artigos 6.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.° 874/76, de 28 de Dezembro, 255.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003 e 264.º do Código do Trabalho de 2009, com excepção do subsídio vencido no ano de 2002, uma vez que apenas se pode ter a A. como admitida no último dia deste ano, o que apenas convoca a aplicação do artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.° 874/76 quanto à data de vencimento do subsídio vencido no ano de 2003, não se vencendo qualquer subsídio de férias no ano de 2002..
Quanto aos proporcionais do trabalho prestado no ano de 2013, são os mesmo devidos nos termos do art. 245.º do Código do Trabalho de 2009, equivalendo a € 40,42 (485,00 : 12).
Relativamente ao subsídio de Natal devido em 2002, uma vez que a A. apenas pode ter-se por admitida em 31 de Dezembro desse ano e o subsídio se vence em Dezembro, sendo proporcional ao tempo de serviço prestado no ano civil no ano de admissão do trabalhador – cfr. o artigo 2.º alínea a) da Lei n.º 88/96 –, equivale o mesmo ao valor de € 0,95 (€ 348,01 : 365) – cfr. o Decreto-Lei n.° 325/2001, de 17-12. Os demais subsídios de Natal vencidos nos meses de Dezembro de 2003 a 2012 equivalem a um mês de retribuição nos termos do preceituado no nº 88/96, de 3 de Julho, artigo 254.º do Código do Trabalho de 2003 e artigo 263.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009.
O subsídio de Natal vencido em 2013 é proporcional ao tempo de serviço prestado no ano civil da cessação, nos termos da alínea b) do n.º 2 do mesmo preceito, pelo que equivale a € 40,42 (485,00 : 12).
Uma vez que a R não comprovou o respectivo pagamento, o que constituiria um facto extintivo da correspondente obrigação nos termos do art. 762.º do Código Civil e impediria a procedência do pedido formulado pela A. a este propósito - cfr. o art. 342º, nº2 do C.Civil – é de considerar que a ora recorrida se mostra adstrita ao dever de as pagar à A., dentro dos limites do que provado ficou, nos seguintes anos de vencimento:
2002
• Subsídio de natal – € 0,95;
2003:
• Subsídio de férias – € 140,38, como pedido;
• Subsídio de natal – € 140,38, como pedido;
2004:
• Subsídio de férias – € 365,60;
• Subsídio de natal – € 365,60;
2005:
• Subsídio de férias – € 374,70;
• Subsídio de natal – € 374,70;
2006:
• Subsídio de férias – € 385,90;
• Subsídio de natal – € 385,90;
2007:
• Subsídio de férias – € 403,00;
• Subsídio de natal – € 403,00;
2008:
• Subsídio de férias – € 426,00;
• Subsídio de natal – € 426,00;
2009:
• Subsídio de férias – € 450,00;
• Subsídio de natal – € 450,00;
2010:
• Subsídio de férias – € 475,00;
• Subsídio de natal – € 475,00;
2011:
• Subsídio de férias – € 485,00;
• Subsídio de natal – € 485,00;
2012:
• Subsídio de férias – € 485,00;
• Subsídio de natal – € 485,00;
2013:
• Subsídio de férias – € 40,42;
• Subsídio de natal – € 0,95;
O que perfaz o valor global de € 8.062,95 a este título.
*
4.6.3. Nos termos do disposto no artigo 389º, nº 1 do Código do Trabalho de 2009, sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
“a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais;
b) A reintegrá-lo no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.”
Por seu turno o artigo 391º do Código do Trabalho de 2009 estabelece que “[e]m substituição da reintegração o trabalhador pode optar por uma indemnização, (…) cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º” (n.º1) e que para tais efeitos o tribunal deve “atender a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial” (n.º 2), sendo que tal indemnização “não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades” (n.º 3).
*
4.6.3.1. No caso sub judice, a A. pediu a reintegração na petição inicial e não optou entretanto pela indemnização, pelo que é de lhe reconhecer o direito à reintegração nos termos do artigo 389.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho.
Cabe contudo enfrentar a questão da exclusão da reintegração suscitada pela R., ora recorrida, na sua contestação.
Alega esta que a A. celebrou, espontânea e livremente, um contrato de prestação de serviço e que ambas as partes sempre o cumpriram escrupulosamente até 1 de Fevereiro de 2013, pelo que o ora invocado pela A. muito surpreendeu a Ré, os seus corpos sociais, dirigentes e funcionários, conduzindo, irreversivelmente a uma quebra de confiança e tornando inviável e insustentável a presença da A. nas instalações da Ré.
De acordo com o n.º 1 do artigo 392.º do Código do Trabalho de 2009, “[e]m caso de microempresa ou de trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção, o empregador pode requerer ao tribunal que exclua a reintegração, com fundamento em factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa.”
Adjectivando este preceito, o artigo 98.º-J do Código de Processo do Trabalho (introduzido na reforma processual operada pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro) dispõe que “[n]o caso de pretender que o tribunal exclua a reintegração do trabalhador nos termos previstos no artigo 392.º do Código do Trabalho, o empregador deve requerê-lo desde logo no mesmo articulado, invocando os factos e circunstâncias que fundamentam a sua pretensão, e apresentar os meios de prova para o efeito”.
Ora no caso vertente a recorrida não alegou factos consubstanciadores dos pressupostos da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 392.º do Código do Trabalho e a verdade é que, por um lado, a factualidade apurada nada adianta quanto ao número de trabalhadores da R. de modo a que possa qualificar-se a sua empresa como uma microempresa – artigo 100.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho – e, por outro, a A. desempenhava funções de limpeza, o que não consubstancia um cargo de administração ou de direcção.
Assim, não se mostrando preenchidos os pressupostos da oposição à reintegração, nada obsta a que se determine a reintegração da A. no estabelecimento de ensino da R., a despeito da oposição manifestada por esta na sua contestação.
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4.6.3.2. Para além da reintegração, tem a recorrente direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal (art. 390º, nº 1 do Código do Trabalho), as chamadas “retribuições intercalares”.
Nos termos do nº 2, al. b) do artigo 390.º, àquelas retribuições é descontado o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento. No caso sub judice, uma vez que a A. foi despedida com efeitos a 1 de Fevereiro de 2013 [facto m)] e a presente acção foi intentada em 4 de Junho de 2013 (vide fls. 21), deverão as retribuições intercalares ser computadas desde 4 de Maio de 2013 e em valor equivalente à remuneração mínima mensal garantida devida em cada momento.
Ao montante apurado deduzem-se “as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento” [al. a), do nº 2 do artigo 390º] e “o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social” [al. c), do nº 2 do mesmo artigo], sendo que até ao encerramento da discussão não foram apurados quaisquer valores a estes títulos, pelo que não há nada a deduzir neste texto.
Uma vez que estas retribuições se irão vencer até ao trânsito em julgado deste acórdão, a liquidação do valor final devido deve relegar-se para incidente de liquidação nos termos dos artigos 609º, nº 2 e 358º e ss., do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
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4.6.4. Peticiona ainda a A. a condenação da R. a pagar ao Estado a quantia que lhe vier a ser liquidada a título de contribuições devidas nos termos da lei alegando que a Ré não contribuiu para a segurança social com a parte que lhe competia e que se encontra em falta com valores que ascendem a pelo menos € 16.926,71, a que acrescem juros moratórios e compensatórios, valor, esse, que é um crédito do Estado e é impeditivo da Autora perceber quaisquer subsídios de desemprego, criando tal um prejuízo directo à Autora de pelo menos 11.349,00 € de subsídios inacessíveis.
Com base nestes mesmos fundamentos, peticiona também uma indemnização a seu favor no valor de € 11.349,00.
Tendo em consideração os contornos destes pedidos, a primeira questão que se nos suscita prende-se com a competência em razão da matéria desta jurisdição especializada para os apreciar.
Como refere Manuel de Andrade, a competência dos tribunais em geral resulta da medida de jurisdição atribuída aos diversos tribunais, do modo como entre si fraccionam e repartem o poder jurisdicional que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais[36].
Quanto aos tribunais judiciais, estabelece o art. 18º, n.º 1 da LOFTJ[37], que “[s]ão da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
A propósito da aplicação da lei no tempo, dispõe o art. 22º da LOFTJ que:
“1 - A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente.
2 – São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa.”
O artigo 18.º da LOFTJ está em consonância com o “princípio da plenitude da jurisdição comum” consagrado no art. 211º, n.º 1 da CRP, de acordo com o qual os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais, na mesma senda estabelecendo o artigo 66.º do Código de Processo Civil na versão em vigor à data em que foi instaurada a presente acção (2011.02.04).
Verifica-se do modo como se encontra enunciada a regra geral contida no art. 18º, n.º 1 que a competência dos tribunais judiciais comuns é residual, só se verificando quando as regras reguladoras da competência de outra ordem jurisdicional não abarcam o conhecimento da questão que é submetida à apreciação do tribunal.
Entre os tribunais judiciais a que se reporta a LOFTJ, encontram-se os Tribunais do Trabalho – cfr. os arts. 64º, 78º e 85º e ss.
A competência especializada do Tribunal do Trabalho encontra-se definida no art. 85°, desta Lei, norma de acordo com a qual compete a estes tribunais conhecer, em matéria cível, entre outras:
“b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;
(...)
i) Das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais;
(...)
o) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente;”
A A. formulou neste âmbito dois pedidos distintos, que, a nosso ver, terão que ser perspectivados de modo diverso.
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4.6.4.1. Assim, quanto ao pedido que se inscreveu sob o ponto 5) do relatório supra, devemos adiantar que não possui esta jurisdição especializada laboral competência em razão da matéria para apreciar um pedido formulado por um trabalhador de condenação do empregador a pagar contribuições à Segurança Social.
Com efeito, para o pedido de condenação no pagamento das contribuições à Segurança Social, atenta a natureza parafiscal da obrigação contributiva que lhe está subjacente, é competente o tribunal administrativo e fiscal, nos termos do preceituado no artigo 49º, n.º 1, alínea c) do ETAF, aprovado pela Lei 13/2002, de 19.02[38], relativo à competência material dos tribunais tributários, ao dispor que é da competência destes conhecer “c) Das acções destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal”.
Essa competência pertence à ordem jurídica administrativa e fiscal, como resultava do n.º 2 do artigo 46.º da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, do n.º 1 do artigo 63.º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, do n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro e ainda do artigo 77.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, ao estabelecer que as acções e omissões da administração no âmbito do sistema de segurança social são susceptíveis de reacção contenciosa nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Bem se compreende que assim seja, na medida em que o trabalhador, embora seja beneficiário do regime de segurança social não é parte na relação contributiva que se estabelece entre o seu empregador e a segurança social. A relação jurídica contributiva, filiada embora na relação laboral, não se confunde com ela, e concretiza-se sob a forma de uma relação jurídica bilateral dado que apenas incide sobre um dos sujeitos passivos, o empregador, a quem cabe a liquidação e pagamento das contribuições, mesmo na parte respeitante ao trabalhador, à mesma correspondendo um direito por parte da Segurança Social.
É esta a posição que vem sendo defendida já há longo tempo pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal dos Conflitos[39], e seguida pelos Tribunais da Relação[40].
A doutrina constante desta reiterada jurisprudência mantém-se intocável no âmbito da legislação em vigor, sendo que o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social[41] em nada alterou, no que importa à questão em apreço, o regime previdencial anterior e sua natureza parafiscal. Nos termos dos seu arts. 20º, nº 1, “[a] gestão do processo de arrecadação e cobrança das contribuições, quotizações e juros de mora compete às instituições de Segurança Social nos termos das respetivas competências” e 282º “[a] inscrição e o enquadramento dos trabalhadores por conta de outrém compete aos serviços do ISS, IP (…)”, sendo ainda de notar que o que se prevê no art. 256º, nº 1, al. d), do citado Código, é a obtenção de sentença (do foro laboral) reconhecendo a existência de contrato de trabalho (período e remuneração) como meio de prova com vista aos efeitos a que se reportam os arts. 254º e 255º, estes da competência da Segurança Social, e não já a própria atribuição desses efeitos (se assim não fosse, a sentença deixaria de ser um meio de prova). E, obtido tal meio de prova, eventuais conflitos entre o trabalhador e a Segurança Social relativamente a essa inscrição e pagamento das contribuições pretendidas inserem-se no âmbito da relação previdencial (e não no âmbito da relação laboral), para a qual são competentes os tribunais administrativos e fiscais (concretamente, tributários), nos termos do citado art. 49º, al. c), do ETAF[42].
Se o facto de o contrato de trabalho ser um dos pressupostos da relação jurídica contributiva que se estabeleceu entre a entidade empregadora e o Estado poderia levar a sustentar que estas causas se enquadrariam nas hipóteses do art. 85º, al. b) da LOFTJ, a expressa previsão do art. 49º, n.º1, al. c) do ETAF reconduz para o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, concretamente para a competência dos tribunais tributários, a apreciação dos litígios que se destinam a reconhecer um interesse legalmente protegido em matéria que se integra no direito fiscal (obrigação do empregador de pagamento de contribuições à Segurança Social).
Deve salientar-se que, apesar de esta operação positiva de subsunção da matéria sobre que versam estas acções às regras delimitadoras da competência jurisdicional da ordem dos tribunais administrativos e fiscais ser decisiva quanto à atribuição da competência a estes para o conhecimento do litígio em que se pede a condenação do empregador no pagamento de contribuições, também de modo negativo – pelo não preenchimento das diversas hipóteses em que a lei atribui competência em razão da matéria à jurisdição laboral, enquanto jurisdição especializada – se conclui não ser competente para o conhecimento de tais acções o Tribunal do Trabalho.
Com efeito, nenhuma das várias alíneas do art. 85º da LOTJ expressamente consagra a competência dos Tribunais de Trabalho para conhecer de regularização de descontos junto da Segurança Social.
E, além disso, a relação jurídica previdencial não integra a hipótese residual do artigo 85.º al. o), pois estabelece-se tendo como pressuposto a existência de um contrato de trabalho, mas não emerge de qualquer relação conexa com a relação de trabalho e, além disso, não faria sentido que o legislador - a considerar serem conexos com o contrato de trabalho os vínculos entre os sujeitos do contrato de trabalho (trabalhador ou empregador) e a Segurança Social - simultaneamente, atribuísse aos Tribunais de Trabalho, na al. o) competência para o julgamento das questões emergentes desses vínculos, se já na al. i) se incluía a competência para o julgamento das questões entre um dos sujeitos do contrato e a Segurança Social. Se as questões entre os trabalhadores ou entidades empregadoras (de um lado) e a Segurança Social (de outro) fossem de considerar “emergentes de relações conexas com a relação de trabalho” naqueles termos, não faria qualquer sentido o alargamento tímido (em face da parte final do preceito, que ressalva a competência dos tribunais administrativos e fiscais) constante da al. i).
Deverá pois declarar-se a incompetência desta jurisdição especializada laboral para conhecer do pedido de condenação da R. a pagar ao Estado, mais especificamente à Segurança Social, as comparticipações devidas nos termos da lei [pedido que se inscreveu sob o ponto 5) do relatório supra].
O que acarreta a absolvição da R. da instância quanto a tal pedido, por procedente a excepção dilatória da incompetência material, nos termos prescritos nos artigos 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1, 577.º, alínea a) e 578º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
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4.6.4.2. Já quanto ao pedido de condenação da R. no pagamento à A. de uma indemnização no valor de € 11.349,00, relativo ao prejuízo que a mesma sofreu de subsídios inacessíveis [pedido que se inscreveu sob a ponto 3), alínea d) do relatório supra], a resposta não poderá ser a mesma.
A este propósito, a pretensão da A. é de cariz indemnizatório e reporta-se aos prejuízos que alega terem-lhe sido causados na atribuição de subsídio de desemprego[43], por não ter a R. procedido aos descontos devidos.
É pertinente o que se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 2013.12.18[44], sobre um caso similar:
«[…]
O que o Autor/recorrente pede é o pagamento de uma importância decorrente do incumprimento do contrato de trabalho (ressarcimento dos danos); na verdade, o Autor diz o seguinte (perdoe-se-nos a linguagem directa): mantive um contrato de trabalho com a Ré e esta não cumpriu um dos deveres inerentes ao mesmo (proceder aos descontos para a segurança social), pelo que deve indemnizar-me dos prejuízos que sofri por virtude desse incumprimento.
Encontramo-nos no âmbito da responsabilidade contratual, cujo incumprimento pode determinar a obrigação de indemnizar (cfr. artigos 798.º e 483.º, ambos do Código Civil).
Assim, fazendo a subsunção da matéria/questão à competência dos tribunais do trabalho, entende-se que aquela se insere na alínea b) do artigo 85.º da LOTJ, pois trata-se de uma questão emergente de trabalho subordinado, na medida em que, volta-se a sublinhar, está em causa o (in)cumprimento do contrato e as consequências daí decorrentes.
Como, para um caso com contornos semelhantes aos dos presentes autos, se afirmou no acórdão do Tribunal dos Conflitos de 10-12-2009 (Proc. n.º 24/08, disponível em www.dgsi.pt), também convocado pelo recorrente, está «[…] em discussão um pedido indemnizatório submetido a normas de direito privado. A Ré, por alegado incumprimento das suas obrigações para com a Segurança Social, teria causado ao Autor um dano patrimonial cuja reparação este exige na forma de pagamento de determinada quantia.
A esta disputa em torno do ressarcimento do eventual prejuízo é de todo alheia aquela entidade pública que, de resto, nenhum interesse directo tem no seu desfecho, já que não é pedida a condenação da Ré no pagamento de qualquer quantia à Segurança Social. A hipotética existência de uma obrigação contributiva insatisfeita não é discutida a título principal, apresenta-se antes como um mero pressuposto, como uma questão prejudicial autónoma que pode, sem dúvida, condicionar o êxito pedido, mas que, atenta a sua posição na lide, não será abrangida pelo caso julgado que vier a formar-se.».
No mesmo sentido aponta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-02-2003 (Proc. n.º 2673/02) quando nele se escreveu:
«No sistema contributivo da segurança social, todas as operações indispensáveis à liquidação das contribuições estão a cargo das entidades empregadoras, às quais cabe sempre, também, o pagamento destas, mesmo na parte respeitante ao trabalhador" (v. Ilídio das Neves, "Direito da Segurança Social", Coimbra Editora, 1996, págs. 403 e 418).
E esta relação jurídica contributiva, filiada embora na relação laboral, não se confunde com a mesma.
Diz ainda Ilídio das Neves (ob. citada, pág. 328), que tal relação é "na sua natureza, trilateral, mas concretiza-se, efectiva-se, sob a forma de relação jurídica meramente bilateral, dado que apenas incide sobre um dos sujeitos passivos, a entidade empregadora, a responsabilidade pelo pagamento das contribuições".
Quer dizer, nela, a entidade patronal não está constituída perante o trabalhador em qualquer dever jurídico.
Repare-se, no entanto.
As contribuições sobre a retribuição - antecedidas obviamente da respectiva liquidação - representam um elemento fundamental da segurança social mas, do mesmo passo, não deixam de garantir também o direito a um conjunto de prestações, incluindo o respectivo montante (v., nomeadamente, o art. 26º da Lei nº. 28/84, de 14.8, hoje substituída pela Lei nº. 17/00, de 8.8).
Portanto, a violação da lei nesta área atinge, também, interesses do Autor.
Daí a ilicitude e a culpa da Ré, no caso, face à intencionalidade havida.
Os danos e a causalidade entre eles e o facto ilícito resultam claramente do abaixamento das prestações em causa, uma vez que os montantes das contribuições se repercutem naqueles".»
E, em conformidade, no sumário do mesmo acórdão escreveu-se: «Embora no âmbito da relação jurídica contributiva o empregador não esteja constituído perante o trabalhador em qualquer dever jurídico, as contribuições sobre a retribuição não deixam de garantir do mesmo passo o direito a um conjunto de prestações a favor dos trabalhadores […], pelo que a violação da lei nesta área (não declaração pela entidade patronal da totalidade das comissões que integravam a retribuição do autor) pode atingir o trabalhador e fazer incorrer a entidade patronal em responsabilidade civil nos termos dos arts.º 483 e ss. do CC desde que reunidos os demais pressupostos da responsabilidade civil (culpa e nexo de causalidade entre aquele facto ilícito e o abaixamento das prestações da Segurança Social percebidas pelo trabalhador).
[…]».
Sufragamos este entendimento, o qual nos leva a concluir que o Tribunal do Trabalho (agora o Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro — Secção de Instância Central — 4.ª Secção do Trabalho com sede em Santa Maria da Feira) é competente para conhecer do pedido indemnizatório constante da alínea d), do ponto 3. do pedido.
Vejamos pois do seu mérito.
O pedido em causa é o de que se condene a R. a pagar à A. a “título de indemnização pelos prejuízos que incidem sobre os direitos sociais, máxime: subsídio de desemprego, por falta de pagamento das obrigações que competiam à Ré, nos termos descritos nos artigos 55 a 58 da Petição Inicial, a quantia de 11.349,00 €”.
É incontroverso que cabe ao empregador o cumprimento da respectiva obrigação contributiva, que as sucessivas Leis de Bases da Segurança Social têm vindo a estabelecer. Com efeito, quer a Lei 28/84, de 14 de Agosto (art. 24°), quer a Lei 17/2000, de 8 de Agosto (arts. 60° e 62°), quer a Lei 32/2002, de 20 de Dezembro (arts. 45° e 47°/1), quer a Lei 4/2007, de 16 de Janeiro (arts. 56°/1 e 59°/1), quer actualmente o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro (artigos 10.º, n.º 1, alínea a e 12.º a 16.º) impõem a obrigação de contribuição para os regimes de Segurança Social aos beneficiários e, no caso de exercício de actividade profissional subordinada, aos empregadores, estabelecendo mesmo a responsabilidade destes pelo pagamento das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço, pelo que devem, para o efeito, proceder, no momento do pagamento das remunerações, à retenção na fonte dos valores correspondentes, e fazer o respectivo pagamento juntamente com a contribuição própria.
A obrigação contributiva do empregador constitui-se - como também decorre dos diplomas citados - com o início do exercício da actividade profissional dos trabalhadores ao seu serviço.
Está, assim, delineada, nestes diplomas, uma relação jurídica bilateral, de natureza contributiva, que impõe ao empregador a obrigação de efectuar uma prestação pecuniária (a contribuição), correspondendo a tal obrigação o direito da Segurança Social a essa prestação.
As contribuições para a Segurança Social inscrevem-se no universo das imposições financeiras públicas, ou seja, constituem prestações pecuniárias estabelecidas ou impostas por lei a favor de organismos do Estado ou de instituições investidas de autoridade pública que têm a seu cargo a realização de acções necessárias à efectivação do direito à Segurança Social, constitucionalmente reconhecido (artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa), com o fim imediato de obter meios ou recursos destinados ao financiamento das acções de protecção social e à atribuição de prestações sociais[45].
O correcto cumprimento de tal obrigação contributiva tem reflexos no conteúdo da relação jurídica prestacional (que se estabelece entre o beneficiário e a instituição), condicionando – designadamente o tempo contributivo e os valores declarados ao longo do tempo – o direito às prestações e o valor das mesmas.
É o que sucede com o direito ao subsídio de desemprego que, nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, que estabelecia o regime jurídico de protecção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem (e revogou os Decretos-Leis n.ºs 119/99, de 14 de Abril, e 84/2003, de 24 de Abril), na versão aplicável à data da desvinculação da A. relativamente à R., e estabelecia como condições gerais de atribuição das prestações, no seu artigo 18.º, n.º 1, que o “reconhecimento do direito às prestações de desemprego depende da caracterização da relação laboral, da situação de desemprego e da verificação de prazos de garantia, nos termos dos artigos seguintes”.
O artigo 19.º, por seu turno, estabelecia que “[a] caracterização da relação laboral decorre da situação de o trabalhador ter estado vinculado por contrato de trabalho, ainda que sujeito a legislação especial”, o artigo 20.º que “[o]s beneficiários devem encontrar-se em situação de desemprego involuntário e inscritos para emprego no centro de emprego da área de residência”, o artigo 21.º, n.º 1 que “[c]onsidera-se data do desemprego o dia imediatamente subsequente àquele em que se verificou a cessação do contrato de trabalho” e o artigo 22.º, n.º 1 que “[o] prazo de garantia para atribuição do subsídio de desemprego é de 450 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses imediatamente anterior à data do desemprego”.
Resulta dos factos provados que o contrato de trabalho que vinculou as partes se iniciou em 2002 e terminou em 2013.02.01 e que, não obstante, desde a admissão da recorrente a R. não entregou na Segurança Social quaisquer contribuições sobre as remunerações pagas à A. [facto n)], pelo que não reunia a A. as condições necessárias à percepção do subsídio de desemprego (o único que está em causa, apesar da expressão maxime utilizada no pedido, uma vez que na petição inicial a A. apenas se refere aos subsídios de desemprego).
Mas, se a R. houvesse procedido em conformidade com os citados normativos legais, já deveria declarar e pagar contribuições desde a data em que se firmou o contrato de trabalho reconhecido, cujo início teve lugar no ano de 2002, perdurando por período que excede o referenciado prazo de garantia de 450 dias.
Assim, a violação da lei por parte da R. ao não declarar as retribuições pagas e pagarem as inerentes contribuições em todo o período de vigência do contrato atinge também direitos da recorrente, sendo de afirmar a culpa da R. pois que se tratou da violação de uma obrigação legal que sobre a mesma impendia e que resultava do exercício normal da sua actividade que, além do mais, implicou a celebração de um contrato de trabalho com uma trabalhadora de limpeza.
Deste modo, tem a A. recorrente direito a indemnização pelos danos sofridos no domínio do direito ao subsídio de desemprego após a cessação ilícita do contrato de trabalho, em consequência da conduta ilícita e culposa da R., ao não proceder à declaração e pagamento das contribuições à Segurança Social.
Não dispõe este Tribunal da Relação de elementos suficientes para quantificar os exactos danos sofridos pela recorrente em consequência da apurada conduta ilícita da recorrida.
Neste concreto circunstancialismo, não se apurando sequer limites máximos e mínimos entre os quais pudesse funcionar um juízo concretizador, baseado na equidade (que não deve representar um “salto no desconhecido” – cfr. os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 2010, processo n.º 272/06.7TBMTR.P1.S1 e de 08 de Novembro de 2012, Processo: 37/05.3TBBRR.L1.S1) – mas não deixando de ser quantificáveis tais prejuízos e de haver a possibilidade de, em fase de liquidação, alcançar o valor pecuniário correspondente aos danos sofridos com a falta de entrega das contribuições relativas aos salários pagos à A., deve recorrer-se ao mecanismo da condenação genérica.
Ou seja, não havendo elementos para que se dê cumprimento ao artigo 75.º, n.º 1, do Código do Processo do Trabalho – nos termos do qual “sempre que a acção tenha por objecto o cumprimento de obrigação pecuniária, o juiz deve orientá-la por forma que a sentença, quando for condenatória, possa fixar em quantia certa a importância devida” –, o apuramento final do prejuízo efectivamente sofrido deve ser feito em incidente de liquidação de sentença nos termos prescritos nos artigos 609.º, n.º 2 e 358.º, n.º 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, se tal se revelar necessário.
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4.7. Uma nota final para precisar que não foram arbitrados juros de mora, tendo em consideração o princípio de proibição da condenação além do pedido plasmado no artigo 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho e tendo ainda presente a doutrina expressa no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 9/2015 (in DR n.º 121/2015, série I, de 2015-06-24), segundo a qual «[s]e o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros».
No caso vertente, a A. não formulou pedido de pagamento de juros, pelo que a condenação respectiva afrontaria aquele princípio da proibição da condenação ultra petitum plasmado naquele preceito legal, não sendo lícito lançar mão da norma excepcional do artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho atenta a natureza disponível dos créditos peticionados uma vez cessada a relação factual de trabalho.
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4.8. As custas da acção e do recurso interposto da sentença final deverão ser suportadas pelo recorrente e pela recorrida na proporção do decaimento que resulta da presente decisão, corrigindo-se eventualmente a proporção agora fixada em face do resultado do incidente de liquidação (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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5. Decisão
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Em face do exposto:
5.1. rejeita-se a apelação no que diz respeito à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto enunciada nas alíneas a) a d) da conclusão 3.ª;
5.2. julga-se improcedente a apelação no que diz respeito à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto enunciada na alínea e) da conclusão 3.ª;
5.3. concede-se parcial provimento à apelação e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, decidindo:
5.3.1. reconhecer que o contrato que vigorou entre a recorrente e a recorrida desde o ano de 2002 era um contrato de trabalho e declarar que esse vínculo laboral cessou por despedimento ilícito;
5.3.2. condenar a recorrida a proceder à reintegração da recorrente com a categoria profissional de empregada de limpeza e a remuneração equivalente à remuneração mínima mensal garantida, sem prejuízo da sua antiguidade;
5.3.3. condenar a recorrida a pagar à recorrente a quantia de € 14.923,10, relativa a diferenças salariais vencidas ao longo da execução do contrato;
5.3.4. condenar a recorrida a pagar à recorrente a quantia de € 8.062,95, relativa a créditos de subsídios de férias e de Natal vencidos ao longo da execução do contrato, bem como proporcionais devidos pela cessação;
5.3.5. condenar a recorrida a pagar à recorrente o valor do prejuízo por esta sofrido com a privação do subsídio de desemprego após ter sido ilicitamente despedida, em consequência da falta de entrega na Segurança Social, por parte da recorrida, das contribuições relativas às retribuições devidas ao longo da execução do contrato, a apurar em liquidação de sentença;
5.4. declara-se incompetente em razão da matéria o Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro — Secção de Instância Central — 4.ª Secção do Trabalho com sede em Santa Maria da Feira, para o conhecimento do pedido de condenação da recorrida a pagar à Segurança Social as contribuições devidas nos termos da lei, e absolve-se a recorrida da instância relativamente a este pedido;
5.5. absolve-se a recorrida do demais peticionado.
Custas da acção e do recurso, provisoriamente, na proporção de 84% para a recorrida e 16% para a recorrente, corrigindo-se, sendo caso disso, na fase da liquidação, o decaimento agora fixado.

Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 6 de Junho de 2016
Maria José Costa Pinto
António José Ramos
Jorge Loureiro
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[1] Em face do disposto nos artigos 5.º e 8.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil, é o mesmo aplicável aos processos pendentes nos actos que se desenrolem a partir de 1 de Setembro de 2013.
[2] Em face do disposto nos artigos 5.º e 8.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil, é o mesmo aplicável aos processos pendentes nos actos que se desenrolem a partir de 1 de Setembro de 2013. As alegações de recurso foram apresentadas em 19 de Dezembro de 2013.
[3] Vide Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª edição, Coimbra, 2016, p. 143.
[4] Seguiremos aqui, no seu essencial, as considerações gerais a este propósito expostas nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2008.02.13 (Recurso n.º 356/07), e de 2008.10.09, Recurso n.º 2447/07 - 4.ª Secção, ambos sumariados in www.stj.pt.
[5] Galvão Teles, Contratos Civis (in B.M.J. 63/165), Mário Pinto, Furtado Martins, e N Carvalho, in Comentário às Leis do Trabalho, I, p 28.
[6] Galvão Teles, in ob. cit., p 166, Albino Mendes Baptista, in Jurisprudência do Trabalho Anotada, 3ª edição, pp. 21 e ss e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2000.04.06 (in B.M.J. 496/139), de 2002.01.09 (proferido na Rev. n.º 881/01 da 4ª Secção), de 2002.04.30 (proferido na Rev. n.º 4278/01 da 4ª Secção), de 2002.05.29 (proferido na Rev. n.º 2419/01 da 4ª Secção), de 2003.01.29 (proferido na Rev. n.º 3497/02 da 4ª Secção), de 2003.05.21 (proferido na Rev. n.º 191/03 da 4ª Secção), todos sumariados in www.stj.pt.
[7] Vide os Acs. do STJ de 90.9.26 (in A.D. 1990, p.1622), de 2005.02.23 (Revista n.º 2268/04), de 2007.05.02 (Rev. n.º 2567/06) e de 2008.01.16 (Rev. n.º 2713/07), todos da 4ª Secção). Repare-se que muitas vezes só mesmo pela execução efectiva do contrato é possível determinar a vontade das partes que o celebraram. Também no sentido de que prevalece a qualificação jurídica “dos factos efectivamente sucedidos” sobre a qualificação dos contratos escritos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2003.05.28 (Rev. n.º 3302/02 da 4ª Secção).
[8] Vide João Leal Amado, in estudo citado, p. 12.
[9] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2003.03.27 (Revista n.º 4672/02, da 4.ª Secção).
[10] Nenhum deles é decisivo, e não é pelo número de indícios que se procede à qualificação, exigindo-se sempre um juízo de valoração relativamente ao tipo enunciado no art.º 10.º do Código do Trabalho de 2003.
[11] Vide Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13.ª edição, Coimbra, 2006, p. 148.
[12] “As Fronteiras Juslaborais e a (Falsa) Presunção de Laboralidade do Art. 12.º do CT”, in Direito dos Contratos, Estudos, Coimbra 2007, p. 356 citado por Leal Amado in Questões Laborais, n.º 30, pp. 245 e ss..
[13] In Direito do Trabalho, 13.ª edição, Coimbra, 2006, pp. 137 e 147. Vide também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 91.03.06 (in Ac. Doutrinais 354º, p. 813), bem como os Acórdãos do STJ de 2003.06.24 (proferido na Rev. n.º 3605/02 da 4ª Secção) e de 2003.06.18 (proferido na Rev. n.º 3385/02 da 4ª Secção) estes a propósito dos juízos “de aproximação” necessários à subsunção em concreto ao conceito de subordinação jurídica enquanto elemento caracterizador do contrato de trabalho.
[14] Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 94.12.07 (in A.D. 391º, p.900) e de 2002.05.29 (proferido na Rev. n.º 24419/01 da 4ª Secção).
[15] É de notar que a sentença se refere (fora do momento próprio, pois que não ficou reflectido no elenco de factos) que no primeiro período assinalado (de 2002 a Novembro de 2003) as três horas se situavam da parte da manhã e no terceiro (a partir de 2007) se situavam da parte da tarde.
[16] Veja-se a motivação da decisão de facto constante da sentença. Segundo aí é dito “não temos como certo que o mesmo fosse flexível e gerido como a autora entendesse, até porque a realização dos serviços de limpeza estava dependente do funcionamento das aulas no D…, ou que não existisse qualquer controlo, até porque a autora assinava um livro ou folha de presença, ou que a autora interrompesse a sua actividade no D… para o fazer noutros locais (…)”.
[17] Vide as alegações a fls. 142-143 e a conclusão 18.ª.
[18] Revista n.º 3658/01, da 4.ª Secção. No mesmo sentido os Acórdãos do STJ de 2002.01.09, Revista n.º 881/01, da 4.ª Secção e de 2008.10.09, Recurso n.º 2447/07 - 4.ª Secção, todos sumariados in www.stj.pt.
[19] Vide a Portaria n.º 1035/2001, in D.R. n.º 195, Série I-B de 2001-08-23, que aprova o recibo modelo n.º 6 para o IRS. Declarando a irrelevância qualificativa deste específico aspecto formal em situações em que se mostre caracterizada a subordinação jurídica, vide, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2005.10.03, Recurso n.º 3953/04 - 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
[20] In “As Fronteiras Juslaborais e a (Falsa) Presunção de Laboralidade do Art. 12.º do CT”, in Direito dos Contratos, Estudos, Coimbra 2007, p. 356 citado por Leal Amado in Questões Laborais, n.º 30, pp. 367 e 367, notas 50 e 51.
[21] Vide Júlio Manuel Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, Volume I, Coimbra, 2007, p. 138.
[22] In ob. e local citados na nota anterior.
[23] Vide a propósito de um litígio em que se discutia justamente a natureza dos contratos estabelecidos com duas repositoras/promotoras, aí se concluindo que se tratava de vínculos laborais, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2004.10.07, Revista n.º 04S1002, in www.dgsi.pt.
[24] Vide Liberal Fernandes, in “O Tempo De Trabalho, Comentário aos artigos 197º a 236º do Código do Trabalho [revisto pela Lei nº23/2012, de 25 de Junho]”, Coimbra, 2012, p. 61.
[25] Vide Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra, 2007, p. 688.
[26] A. Dias Coimbra, «Negociação colectiva europeia: o trabalho a tempo parcial», in Questões Laborais, 1999, nº 13, p. 78
[27] Vide Júlio Gomes, in ob. citada, p. 695.
[28] Vide o artigo 5.º, n.º 1 da LDT e o artigo 1.º da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho.
[29] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, p. 321.
[30] Neste sentido o Acórdão da Relação do Porto de 2008.02.18, Procº nº 5537/07.4, inédito, ao que supomos.
[31] Revista n.º 2278/00 - 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
[32] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2000.01.20, Revista n.º 238/99, da 4.ª Secção e de 2007.01.03, Revista n.º 3542/06, da 4.ª Secção, ambos sumariados in www.stj.pt.
[33] Vide Luís Miguel Monteiro, in Código do Trabalho Anotado, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 416.
[34] Assim o defendendo, vide Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, Volume I, Coimbra, 2007, p. 690, em solução que perfilhava já à luz da Lei n.º 103/99, como aí refere. Vide também Luís Miguel Monteiro, in Código do Trabalho Anotado, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, 4.ª edição, p. 363.
[35] Neste sentido, embora à luz do artigo 153.º, n.º 3 do Código do Trabalho de 2009, decidiu o Acórdão da Relação de Coimbra de 27 de Maio de 2015, Processo n.º 231/13.3TTCVL.C1, in Colectânea de Jurisprudência, tomo III, p. 63, que se mantém em vigor o contrato de trabalho a tempo completo, ainda que o empregador proceda como se o contrato passasse a vigorar a tempo parcial e o tempo de trabalho tenha sido reduzido, se não se verificam os requisitos de forma escrita para um contrato de trabalho a tempo parcial.
[36] In “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra, edição de 1979, pp.88-89.
[37] Aprovada pela Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro e alterada pela Lei n.º 101/99 de 26 de Julho, pelo DL nº 323/2001 de 17 de Dezembro, pelo DL nº 38/2003 de 8 de Março, pelo DL nº 105/2003 de 10 de Dezembro, pela Lei n.º 105/2003, de 10 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, pela Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto, pelos Decretos-Leis n.os 76-A/2006, de 29 de Março, 8/2007, de 17 de Janeiro, e 303/2007, de 24 de Agosto, pelas Leis n.os 52/2008, de 28 de Agosto, e 115/2009, de 12 de Outubro, pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, pelas Leis n.ºs 40/2010 e 43/2010, ambas de 3 de Setembro e pela Lei n.º 46/2011, de 24/06. Esta lei encontrava-se em vigor à data da propositura da acção na medida em que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 188.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ actualmente em vigor) e 188.º do Decreto-Lei n.° 49/2014, de 27 de Março (RLOSJ actualmente em vigor), estes diplomas apenas iniciaram a sua vigência em 1 de Setembro de 2014.
[38] Que, no que diz respeito ao artigo 49.º, foi alterado pela Lei n.º 107-D/2003, de 31/12, pelo DL n.º 166/2009, de 31/07 e pela Lei n.º 55-A/2010, de 31/12.
[39] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2002.03.06, de 2002.11.13, de 2005.02.15 e de 2005.02.23 (Processos. n.ºs 01S3559, 01S4274, 04S3037 e 1148/04, respectivamente), e os Acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 2004.10.27 (Processo n.º 2/2004), de 2006.10.04 (Processo n.º 3/2006) e de 2008.01.17 (Processo n.º 016/07), todos in www.dgsi.pt.
[40] Vide os Acórdãos da Relação do Porto de 2009.09.28, Proc 300/06.6TTVRL.P1 e de 2013.09.09, Processo n.º 577/12.8TTLMG.P1 in www.dgsi.pt,
[41] Aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, e em vigor desde 1 de Janeiro de 2011, entretanto alterado pela Lei 119/2009 de 30 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 140-B/2010, de 30 de Dezembro, Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, Lei n.º 20/2012, de 14 de Maio, com início de vigência em 15 de Maio de 2012
[42] Vide o citado Acórdão da Relação do Porto de 2013.09.09, que a ora relatora subscreveu como primeira adjunta.
[43] É este o único subsídio que refere na alegação que fez constar da sua petição inicial.
[44] Processo n.º 12.8TTBRG-A.P1, in www.dgsi.pt.
[45] Vide Ilídio das Neves in "Direito da Segurança Social", Coimbra Editora, 1996, pp. 353 e ss.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – À luz da LCT recai sobre o trabalhador que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de trabalho, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos de tal figura contratual.
II – Os indícios de subordinação jurídica não podem ser avaliados de uma forma atomística, antes deve ser efectuado um juízo global, em ordem a convencer ou não da existência, no caso, da subordinação jurídica do prestador do trabalho em relação à entidade a quem o presta
III – É irrelevante para afastar a subordinação jurídica, o facto de a A. emitir facturas e os denominados “recibos verdes” para dar quitação das importâncias pagas, bem como a subsistência de outros aspectos formais não consentâneos com a execução de um contrato de trabalho, como o não pagamento de retribuição de férias e de subsídios de férias e de Natal.
IV – Pode afirmar-se que as partes mantiveram entre si contrato de trabalho se a A. desenvolveu ao longo de cerca de 10 anos a sua actividade de empregada de limpeza do estabelecimento de ensino da R., mediante instruções da sua direcção, que controlava o cumprimento da prestação da A. que assinava sempre uma ficha de presença, num concreto período temporal (ao longo do tempo variou de três horas por dia, para oito horas por dia e finalmente para quatro horas por dia), em todos os dias úteis e mediante o pagamento de uma retribuição mensal de valor certo, no local determinado pela R. e com instrumentos de trabalho pertencentes à R., em cuja estrutura organizacional se mostrava inserida.
V – Não têm valor para infirmar a conclusão a que se chegou neste juízo de globalidade, a não exclusividade (natural neste sector de actividade), a passagem de “recibos verdes”, a não inscrição da trabalhadora na Segurança Social como dependente, mas como independente, e a falta de pagamento de subsídios de férias e de Natal.
VI – Os mesmos factos integram a previsão das normas presuntivas dos artigos 12.º dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009.
VII – No contrato de trabalho a tempo parcial a forma (quer no momento da celebração inicial, quer em eventual novação contratual) não desempenha apenas a função de facilitar a prova, mas apresenta-se como uma solenidade que alerta as partes para a relevância do objecto do convénio, revestindo-se de natureza ad substantiam.
VIII – A inobservância da forma escrita determina se presuma que o contrato foi celebrado por tempo completo à luz do Código do Trabalho de 2003, regime que deve igualmente observar-se nos casos em que há uma alteração da duração do trabalho no decurso do contrato.
IX – Não sendo ilidida esta presunção, é de reconhecer ao trabalhador o direito a perceber a remuneração mensal relativa ao trabalho a tempo completo ao longo do período em que exerceu as suas funções por período inferior sem título suficiente para o efeito.
X – As Secções do Trabalho são incompetentes em razão da matéria para conhecer do pedido de condenação do empregador a pagar à Segurança Social, as comparticipações devidas nos termos da lei, mas já têm competência para conhecer do pedido formulado pelo trabalhador de que se condene o empregador a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos que sofreu em virtude da falta de pagamento das contribuições que lhe competiam.

Maria José Costa Pinto