Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2323/19.6T8PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
PEDIDO DE DIVISÃO
COMPROPRIETÁRIO
CO-HERDEIRO
OUTRO COMPROPRIETÁRIO
Nº do Documento: RP202004232323/19.6T8PRD.P1
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O comproprietário e também co-herdeiro de outro comproprietário de um imóvel entretanto falecido pode pedir a divisão desse bem comum sem primeiro ter de se proceder á partilha da quota-parte hereditária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2323/19.6T8PRD.P1.
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1). Relatório.
B…, residente em … rue …, ….. , França, propôs contra
1). C…, residente em ..., rue …, …… …, França,
2). D… e marido E…, residentes em … Avenue …, ….. …, França,
3). F… e marido G…, residentes em …, rue … ….. …., França,
4). H…, e marido I…, residentes na rue …, …… …, França,
5). J…, residente em …, ….. …., França,
6). K… e mulher, L…, residentes em … Rue …, ….. …, França,
7). M…. e marido N…, residentes em .., rue … Appt …, …. …, França,
Ação especial de divisão de coisa comum, alegando em resumo que:
em 25/06/2015, faleceu O…, casado no regime imperativo da separação de bens com a Autora, em segundas núpcias de ambos;
antes, O… havia sido casado em primeiras núpcias, no regime da comunhão geral de bens, com a 1.ª Ré;
sucederam a O… como herdeiros:
a). a Autora;
b). seus filhos com a 1ª Ré – D…. – 2.ª Ré -;
- F… – 3.ª Ré-;
- H… – 4.ª Ré -;
- J… – 5.º Réu -;
- K… – 6.º Réu -;
- M… – 7.ª Ré -.
devem assim ser habilitados estes herdeiros para que a causa possa prosseguir com eles no lugar do falecido tendo todos os herdeiros aceitado a herança;
na constância do seu matrimónio com a 1.ª Ré, O…, com a Autora e os 5.º e 6.ºs. Réus, adquiriram por compra em comum e na proporção de 1/4 para cada um, a P… o prédio urbano composto por uma parcela de terreno destinada à construção urbana, com a área de 4258,11 m2, sita na Rua … (antigo lugar …), …, Paredes;
essa aquisição está registada na C. R. P. de Paredes (ap.45 de 2007/03/26);
O… e a 1.ª Ré, após a dissolução do seu casamento, não procederam à partilha do prédio em questão, sendo a mesma 1.ª Ré titular no imóvel de uma quota de 1/8;
A Autora é assim titular no imóvel de 1/4 resultante da compropriedade do quinhão hereditário por óbito de O… de 1/32 avos;
os 5.º e 6ºs. Réus são titulares, cada um, no referido prédio, para além da quota de 1/4 resultante da compropriedade, do quinhão hereditário por óbito de O… de 1/64 avos;
as 2.ª, 3.ª,4.ª e 7ªs. Rés são titulares, cada uma, no referido prédio, do quinhão hereditário por óbito de O…, de 1/64 avos;
sendo a Autora titular no prédio de 1/4 em regime de compropriedade, nos termos do artigo 1412.º, n.º 1, do C. C. não é obrigada nem pretende permanecer na indivisão;
o prédio é insuscetivel de fracionamento e de divisão material.
Termina pedindo que se julgue procedente a habilitação de sucessores e que se fixem as respetivas quotas, adjudicando-se ou vendendo o imóvel.
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O tribunal profere então despacho em que menciona:
o objeto do pedido de divisão é um prédio urbano do qual 1/8 faz parte de uma herança indivisa por óbito de O…;
a jurisprudência e a doutrina, maioritariamente, apontam para a necessidade de haver partilha prévia dos bens da herança entre os herdeiros para que estes possam posteriormente dividir os bens que tenham ficado em compropriedade para alguns deles ou em que subsista a compropriedade por uma parte desses bens já pertencer a titular diverso;
a contitularidade que existe entre os herdeiros não corresponde a um direito de propriedade comum e só quando este exista é legítimo lançar mão da ação de divisão de coisa comum;
a ação de divisão de coisa comum não é o meio processual adequado em que parte do bem cuja divisão se pretende ainda se encontra indiviso por pertencer a um património hereditário;
no caso concreto, sendo a requerente igualmente herdeira da herança de que faz parte 1/8 do prédio aqui em causa, torna-se impossível determinar o seu quinhão para efeitos da divisão, sem antes ter sido efetuada a partilha dos quinhões hereditários para saber se ao seu direito como comproprietária irá acrescer ou não um direito de propriedade em resultado da adjudicação da parte do prédio que pertence à herança;
até à partilha, os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, sendo apenas titulares de um direito sobre a herança que incide sobre uma quota ou fração da mesma para cada herdeiro, sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota;
os herdeiros do comproprietário não podem instaurar ação de divisão de coisa comum para dividir prédio que integre a herança, só o podendo fazer após a individualização de um direito de propriedade sobre uma quota do prédio é que se torna viável a divisão de coisa comum.
Conclui o tribunal que a ação de divisão de coisa comum não é o meio processual próprio para proceder à divisão do prédio identificado na petição inicial, ocorrendo erro na forma do processo, absolvendo os requeridos da instância.
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Não concordando com esta decisão, recorre a Autora, formulando as seguintes conclusões:
« 1 - O erro na forma de processo, contemplado no artigo 193.º do actual Código de Processo Civil, consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão, pelo que o acerto ou o erro na forma de processo se tem de aferir pelo pedido formulado na acção.
2 - A acção especial de divisão de coisa comum - processualmente definida nos artºs. 925º e segs. do Cód. Proc. Civil - tem como objectivo proceder à divisão em substância da coisa ou, quando se apure ser esta indivisível, à respectiva adjudicação a um dos consortes ou venda a terceiros, com repartição do valor.
3 - Procedendo ao confronto do pedido formulado pela A./Recorrente (pediu que no confronto com os demais consortes RR, uma vez fixadas as respectivas quotas, se procedesse à adjudicação ou venda dos aludido prédio), com o fim para que, segundo a lei, o processo especial de divisão de coisa comum foi estabelecido, concluímos que há correspondência entre o pedido do A./Recorrente e tal fim.
4 - Violou a sentença recorrida o disposto as disposições conjugadas dos art.s 193.º e 925º do Código de Processo Civil. Acresce que
5 - A A./Recorrente não propôs a presente acção na qualidade de herdeira de um comproprietário falecido, mas sim como comproprietária e titular de uma quarta parte do prédio que adquiriu por compra.
6 - A solução apresentada pela sentença recorrida (partilha como condição prévia de uma posterior divisão de coisa comum) fica sem sentido quando confrontadas com algumas questões.
7 - O direito da A./Recorrente sobre o prédio urbano encontra-se materializado, já que esta é, titular do direito de propriedade sobre uma parte determinada, certa e definida do referido imóvel (uma quarta parte), (cfr. artigo 1403.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
8 - A condição de comproprietária da A./Recorrente relativamente ao prédio urbano resultou de um contrato translativo de propriedade(compra e venda) e não de um qualquer fenómeno sucessório.
9 - A superveniência da morte de um dos outros comproprietários da qual a A./Recorrente é herdeira não pode comprimir, restringir ou limitar aquele direito de propriedade original d a A./Recorrente (uma quota parte equivalente a um quarto)
10 - O proprietário e logo o comproprietário goza, de modo pleno e exclusivo, do uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas" - artº 1305º do C. Civil.
11 - As restrições ao direito de propriedade, quer de direito privado, quer de direito público, estão sujeitas ao princípio do «numerus clausus», inserto no art. 1306.º do CC, segundo o qual não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei.
12 - Um dos poderes inerentes ao direito de compropriedade é o de não querer o respectivo comproprietário permanecer na indivisão e assim livremente poder dispor do seu direito ou transmiti-lo, mormente lançando mão de uma acção de divisão de coisa comum (art.s 1408 nº1 e 1412 nº 1 CC)
13 - Pelo que impor a um comproprietário, como condição prévia do exercício ao seu direito à divisão, que proceda à partilha de uma outra quota parte do bem, traduz-se numa restrição ou limitação ilícita do seu direito não permitida pelo art. 1306.º do CC.
14 - Sendo titular de um direito de propriedade sobre parte determinada do imóvel, simultaneamente com outras pessoas, a A/Recorrente não é obrigada a permanecer na indivisão, conforme resulta expressamente do artigo 1412.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
15 - Ao contrário do que refere a sentença recorrida o direito de propriedade do comproprietário falecido sobre uma quota do prédio está perfeitamente individualizado, melhor dizendo, quantitativamente individualizado.
16 - É irrelevante, para efeitos de divisão de coisa comum, que uma quota parte de um bem outrora pertencente a um comproprietário pertença agora, por óbito daquele, ao património autónomo constituído pela sua herança indivisa. Essa quota parte do bem é quantitativamente a mesma, embora com titulares diferentes.
17-Os herdeiros do comproprietário falecido são chamados à acção de divisão de coisa comum não com base num direito próprio de cada um, mas sim como representantes do património autónomo constituído pela herança indivisa.
18 - É que permanecendo a herança na situação de indivisão, o direito da A./Recorrente de exercer o seu direito à divisão do prédio, no uma das quotas partes pertence à herança (ao fim e ao cabo uma acção com interesses respeitantes ao acervo hereditário ainda por partilhar) só pode ser exercido conjuntamente contra todos os herdeiros, nos termos prescritos no artigo 2091.º, n.º 1, do Código Civil. Os RR herdeiros do comproprietário O… actuam nos presentes autos em litisconsórcio necessário passivo(art.33 nº 1 do CPC) relativamente à quota parte que por aquele lhes foi deixada naquele concreto prédio.
19 - Estando os herdeiros já determinados, tornando-se inviável a essa massa patrimonial por si contradizer, necessário se torna que no lugar dela (como que suprindo essa incapacidade) intervenham os respectivos titulares herdeiros em bloco, que, mediante o competente acto de aceitação, nela se viram encabeçados.
20 - Tais herdeiros funcionam como se, representantes de tal massa, fossem reunindo no conjunto deles, na respectiva colectividade, não só o requisito da personalidade judiciária, mas também, “ex vi legis”, o da legitimidade processual passiva. A herança indivisa é ela própria, comproprietária e tem legitimidade para intervir na acção de divisão de coisa comum, embora representada por todos os herdeiros (que agem como representantes e não em nome próprio).
21 - Ou seja os herdeiros não têm direitos reais sobre a herança, pelo que, o consorte na compropriedade em causa nos autos é agora o património autónomo constituído pela herança indivisa. Assim,
22-A concluir-se que o prédio em questão é divisível, cada parte do prédio resultante da divisão será adjudicada a cada um dos comproprietários, sendo a parte relativa ao comproprietário falecido adjudicada à A. e RR seus herdeiros em comum e sem discriminação de parte ou direito.
23 - Já a concluir-se que o prédio em questão não é divisível, o prédio será adjudicado a qualquer uma das partes ou a terceiros, sendo a parte das tornas relativas ao comproprietário falecido adjudicada à A. e RR seus herdeiros em comum e sem discriminação de parte ou direito.
24 - A sentença recorrida violou, por erro de interpretação os artigos 1408.º e 1412.º do Código Civil.
Finalmente,
25-A essência do carácter necessário (a imposição legal) do litisconsórcio refere-se, enquanto desvalor processual, à “falta” no processo – rectius, à ausência do processo como parte – de alguém cuja intervenção na relação controvertida é exigida pela lei (33º NCPC), como sucede com os co-herdeiros na herança indivisa (artigo 2091º, nº 1 do CC).
26 - Ora, a presença no processo, embora como A., de alguém que, face ao conteúdo da relação controvertida, deveria ocupar a posição de R., já cumpre a teleologia do referido artigo 33º, nº 1 do CPC
27 - Essa pessoa já está efectivamente presente e atuante no processo. Tal como cumpre – essa mesma situação (ou seja, a presença como A. da co-herdeira) – a teleologia presente no nº 2 do mesmo artigo 33º NCPC, na medida em que propícia que esteja em juízo nesse mesmo processo (na posição de A. e, logo, vinculado pela decisão a proferir) um interessado necessário à obtenção de uma decisão apta a produzir, sobre a relação material controvertida, o que a lei refere como efeito útil normal.».
Termina pedindo a revogação da sentença, ordenando o prosseguimento dos autos.
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Não houve contra-alegações.
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A questão a decidir é aferir se, sendo a requerente da divisão de um imóvel de que é comproprietária e co-herdeira, pode enquanto tal, propor essa ação ou se tem de primeiro partilhar-se a parte comum pelos herdeiros e, depois de efetuada a partilha, para depois pedir a divisão do bem comum.
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2.2). Dos argumentos do recurso.
Delimitada a questão a decidir, não nos iremos demorar pois a decisão recorrida explana corretamente a sua visão sobre a impossibilidade da requerente poder, desde já, intentar uma ação de divisão de coisa comum e a recorrente também o faz, quanto à possibilidade de tal suceder.
Como se denota, há duas ideias contrárias sobre esta questão.
Quando se intenta uma ação de divisão de coisa comum (artigos 925.º e seguintes, do C. P. C.), o que está na base é a compropriedade de um bem tal como definida no artigo 1403.º, n.º 1, do C. C..
Esta compropriedade pressupõe «um direito de propriedade comum sobre uma coisa ou bem concreto e individualizado, ao invés do que sucede na contitularidade do direito à herança que recai sobre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais deles o direito hereditário se concretizará.» - Ac. do S. T. J. de 04/02/1997, citado no Ac. do mesmo Tribunal Superior de 30/01/2013, este em www. dgsi.pt -.
Em suma, se um co-herdeiro de um património comum pretende pôr fim à compropriedade, como até à partilha não é comproprietário pois não é dono do bem mas é antes titular de um direito sobre a herança, e incide sobre uma quota ou fração da mesma para cada herdeiro sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota, como se sumaria naquele Ac. do S. T. J. de 30/01/2013, não o poderá fazer.
Outra perspetiva é a que se denota do Ac. da R. C. de 09/02/1999, www.dgsi. pt, só sumariado e em que se menciona que estando pendente um processo de inventário para partilha de bens do falecido, comproprietário de uma quota de um prédio indiviso, pode qualquer dos restantes consortes nessa comunhão, requerer a divisão da coisa comum, através da ação própria, sem ter que aguardar pelo desfecho da partilha, não sendo necessário determinar a quota que vier a caber a cada um dos herdeiros.
Noutro Acórdão, agora da R. L. de 17/12/2002, também só sumariado, «…no caso de a herança indivisa ser, ela própria, comproprietária (v.g. de metade indivisa de um prédio), tem legitimidade para intervir em tal acção de divisão de coisa comum desde que representada por todos os herdeiros (que agem como representantes e não em nome próprio).».
O que se vislumbra que se entende para quem defende esta posição é que, sabendo-se quem são os comproprietários, mesmo que um ou mais tenham falecido, os seus herdeiros ocupam a posição desse comproprietário falecido, assumindo essa qualidade, mesmo que não se tenha efetuado a partilha.
Conhecendo-se os comproprietários, independentemente do conteúdo do seu direito, não se encontra qualquer utilidade, prática ou jurídica, para que, previamente à divisão do imóvel, se proceda à partilha dos bens deixados pelos comproprietários falecidos, onde se incluía a compropriedade do imóvel a dividir. Sabe-se a quem pertence o direito, por sucessão, e conhece-se também a sua extensão, não advindo qualquer interesse prático na exigência da partilha, por decesso dos primitivos comproprietários. A divisão da coisa comum, assim como a venda antecipada antes da partilha, não prejudica o direito patrimonial dos respetivos interessados – Ac. da R. L. de 17/06/2015, www. dgsi.pt -.
Não tomando posição expressa sobre esta questão que não seria o objeto do recurso, a Relação do Porto, em 26/09/2019, citado pelo recorrente, (www.dgsi.pt), decide que, em relação à interposição de ação de divisão de coisa comum e contra quem deve ser intentada, se o único consorte não demandante faleceu e a respetiva herança permanece por partilhar, a ação deve ser instaurada contra a herança do consorte o que aponta para a desnecessidade de se intentar a prévia partilha.
Também adiante nessa decisão se menciona que «não estamos a falar (…) de legitimidade substantiva para dispor do direito de operar a divisão do quinhão da herança na coisa comum. Esta há-de aferir-se em conformidade com as regras de direito material próprias da comunhão hereditária, para o que poderá ser necessário consultar a vontade conjunta ou maioritária dos herdeiros, independentemente da posição que eles ocupem na acção de divisão de coisa comum».
Numa situação com solução mais direta para o que nos ocupa, no Ac. da R. E. de 12/07/2012, no mesmo sítio, dá-se o exemplo de que, estando os três comproprietários identificados na parte em que comungam na propriedade do bem 1/3 para cada um sendo um deles uma herança indivisa à qual concorrem vários interessados, a divisão pode facilmente ser feita, se o prédio for divisível, atribuindo a cada um o seu terço, e ficando aquele terço correspondente à herança atribuído à mesma, mas onde todos os seus herdeiros comungam, e cessando a compropriedade em relação aos titulares dos outros dois terços.
Este Acórdão foi revogado pelo Ac. do S. T. J. de 30/01/2013 acima referido.
No caso dos presentes autos, a requerente será comproprietária do imóvel acima indicado (prédio urbano composto por uma parcela de terreno destinada à construção urbana) em ¼ por o ter adquirido em conjunto com outras três pessoas, os 5.º e 6ºs. Réus e seu falecido marido (mas com aquisição datada de antes do casamento com a Autora e na pendência do casamento com a primeira mulher, aqui 1.ª Ré).
Falecido o marido da Autora, no lugar daquele de cuius, ficam a Autora, a primeira mulher do mesmo (1.ª Ré por não ter ainda sido feito partilha do imóvel aquando do divórcio com esta Ré), e os seis filhos, 2ºs. a 6ºs. Réus.
Deste modo, quanto à herança em causa (1/4 do imóvel), a 1.ª Ré terá 1/8 do imóvel por força do casamento (meação) e, quanto ao outro 1/8, a Autora e os seis filhos terão cada um 1/64.
A estes valores hão-de acrescer, a favor da Autora, 5.º e 6ºs. Réus, o quarto de que são comproprietários.
Ora, a título de exemplo, se existirem quatro comproprietários de um imóvel e um deles falecer, no lugar dessa pessoa singular surge a herança indivisa (para se analisar algo semelhante ao caso dos autos).
Se um dos outros três comproprietários, não herdeiro, quiser cessar a comunhão, terá de interpor a ação contra os outros dois e, sendo a herança, no conjunto, também ela comproprietária porque ingressou nessa posição, a ação tem de ser proposta contra a mesma, representada por todos os herdeiros nos termos do artigo 2091.º, n.º 1, do C. C. – assim expressamente o refere Luís Sousa, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas -.
Pensamos que aqui não existem questões sobre esta possibilidade pois não só, em regra, o comproprietário não pode ficar obrigado a permanecer na indivisão – artigo 1412.º, n.º 1, do C. C. – como a herança, já aceite (como se alega que foi), só «pode intervir» através dos herdeiros que sucedem nos direitos e obrigações do falecido por essa herança aceite não ter personalidade judiciária (artigo 12.º, a),a contrario, do C. P. C. e 2024.º, do C. C.).
Se o requerente da divisão do bem comum «só» é herdeiro, pensamos que efetivamente não pode recorrer a este tipo de ação pois ainda não é comproprietário como acima se referiu e consta na decisão recorrida; se o herdeiro, além dessa quota hereditária, é igualmente comproprietário e na ação já se encontram os restantes herdeiros (representando a totalidade da herança), pensamos que nada impede o comproprietário e herdeiro de querer fazer cessar a indivisão sem antes partilhar a quota hereditária.
Podendo o terceiro comproprietário (não herdeiro) fazer intervir a herança para se dividir o bem de que a herança é titular, não vemos motivo para que o mesmo comproprietário, por também ser herdeiro, já não o possa fazer.
A qualidade de herdeiro não afasta a qualidade de comproprietário, não fazendo nascer uma limitação ao exercício dos seus direitos, como pensamos que o recorrente afirma de modo correto.
Esse comproprietário, ao propor a ação, já está a representar a herança e ao propor a ação contra os outros comproprietários, incluindo a herança representadas pelos herdeiros, faz com que todos os herdeiros estejam na ação de divisão de coisa comum (é esta a decisão tomada pelo acima referido Ac., da R. P. de 26/09/2019 com a qual concordamos) e assim está assegurada a legitimidade.
Depois, importa analisar da divisibilidade ou indivisibilidade do bem e, consoante o que se decida, o imóvel é dividido de acordo com os quinhões ou com a adjudicação do bem a algum ou alguns dos comproprietários, preenchendo com dinheiro as quotas dos restantes – artigo 929.º, nºs. 1 e 2, do C. P. C. -.
Recebendo a herança o bem ou sua parte ou dinheiro, passa a ser titularidade da mesma herança o bem ou dinheiro, que depois podem ser partilhados entre os respetivos titulares.
Deste modo, para nós, a requerente podia propor a ação de divisão de coisa comum tal como o fez e intentando-a contra os requeridos que identificou.
A habilitação que menciona não é, na nossa visão, aquela que decorrerá de um incidente de habilitação, com prolação de decisão a declarar que os requeridos são o herdeiros de O…, mas antes a denominada habilitação-legitimidade, ou seja, a requerente tem de alegar que os requeridos são partes legítimas por serem herdeiros daquele, prosseguindo os autos com a sua citação para deduzirem o contraditório se assim o entenderem, incluindo quanto à sua qualidade de herdeiros.
Assim se concluindo, não existe a necessidade de se analisar qualquer situação de erro na forma de processo.
Conclui-se deste modo pela procedência do recurso.
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3). Decisão.
Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida devendo os autos prosseguir os seus termos para apreciação do requerido e eventual divisão do bem em causa.
Custas do recurso pelos recorridos.
Registe e notifique.

Porto, 2020/04/02.
João Venade
Paulo Duarte
Fernando Baptista