Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8193/14.3TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA ERMELINDA CARNEIRO
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
EM SENTIDO IMPRÓPRIO
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP201810038193/14.3TDPRT.P1
Data do Acordão: 10/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: PROVIDO RECURSO DO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 42/2018, FLS 76-84)
Área Temática: .
Sumário: I – O regime agora previsto no artigo 43º do Código Penal, por força das alterações introduzidas pela Lei nº 94/2017, de 23/08, passou a constituir não só uma pena de substituição em sentido impróprio, mas também uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão.
II – Compete ao tribunal de 1ª instância que revogou a suspensão da execução da pena de prisão inicialmente aplicada e inferior a dois anos de prisão, na vigência daquela referida lei, averiguar da verificação dos pressupostos de que depende a sua execução em regime de permanência na habitação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 8193/14.3TDPRT.P1

Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
No âmbito do Processo com o número supra referenciado que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Criminal – Juiz 1, por acórdão transitado em julgado em 09.11.2015, foi condenado o arguido B..., pela prática de um crime de comércio ilícito de material de guerra, previsto e punido pelo artigo 82º, por referência ao artigo 7º, alínea c), ambos do Código de Justiça Militar, na pena de 1(um) ano e oito (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de 1 (um) ano e 8 (oito) meses, sujeita a regime de prova.
Por decisão proferida em 16.07.2018 foi revogada a suspensão daquela pena, determinando-se o cumprimento pelo arguido da pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão em que fora condenado.
Inconformado, veio o arguido interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES
1) Por douta sentença de 29 de Setembro de 2017, transitada em julgado, proferida no processo n° 133/16.1GEGDM, pelo Juízo Local Criminal de Gondomar, o Arguido foi condenado numa pena de 8 (oito) meses de prisão efetiva, enquanto decorria o período de suspensão da pena que lhe tinha sido aplicada nos presentes autos;
II) O Arguido pronunciou-se sobre a eventual revogação da suspensão decretada no presente processo requerendo a extinção da pena e, subsidiariamente, e execução da mesma em regime de permanência na habitação;
III) Por douta decisão de 16 de Julho, o Tribunal a quo indeferiu o requerido, abstendo-se de se pronunciar sobre a execução da pena em Regime de Permanência na Habitação, por entender que primeiramente deve realizar-se o cúmulo da pena aplicada nestes autos com a pena de seis meses de prisão aplicada no processo 434/13.OGEGDM;
IV) Nos termos do artigo 43.°, n.°1, c) do Código Penal, podem ser executadas em Regime de Permanência na Habitação as penas não superiores a 2 anos, no caso de revogação de pena não privativa da liberdade;
V) Tendo presente o disposto na citada norma legal, afigura-se que o Tribunal se deverá pronunciar sobre a forma da execução da pena (em Regime de permanência na Habitação) quando profere a decisão de revogar a suspensão da pena de prisão;
VI) Na caso em apreço verificam-se os requisitas legais para a execução da pena de prisão revogada em Regime de Permanência na Habitação.
Nestes termos e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida, na parte em que não se pronunciou sobre o pedido de execução da pena em Regime de Permanência na Habitação, determinando-se a devolução dos autos ao Tribunal de 1. instância para que se pronuncie sobre o pedido do Recorrente de cumprimento da pena no referido Regime de Permanência na Habitação, porquanto, assim, se fará, inteira e sã JUSTIÇA!.»
Admitido o recurso, o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido apresentou resposta, concluindo pela confirmação do decidido.
Subidos os autos a este Tribunal da Relação a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer em sentido concordante com a resposta do Ministério Público na 1ª instância.
Cumprido o disposto no artigo 417º nº 2 do Código Processo Penal o recorrente, refutando os argumentos aduzidos no parecer e concluindo pela procedência do recurso, verbera ainda violar o despacho recorrido o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
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II – Fundamentação
Conforme entendimento pacífico são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos submetidos à sua apreciação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que seja ainda possível conhecer.
A questão colocada pelo recorrente é saber se, uma vez revogada a suspensão da execução da pena de prisão, deverá o tribunal ponderar ainda pelo cumprimento da pena em regime de obrigação de permanência na habitação.
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A decisão sob recurso é do seguinte teor: (transcrição)
«O arguido B... foi condenado nestes autos pela prática de um crime de comércio ilícito de material de guerra, previsto e punido pelo art. 82º, por referência ao art. 7º, al. c), ambos do Código de Justiça Militar, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, cuja execução se declarou suspensa pelo período de 1 ano e 8 meses, sujeita a regime de prova assente num plano de reinserção social executado com vigilância e apoio da DGRSP.
O acórdão transitou em julgado no dia 09.11.2015.
O período de suspensão terminou em 09.07.2017.
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O Plano de Reinserção Social do condenado, que se encontra junto aos autos a fls. 262-266, foi homologado por despacho de 22.01.2016 (cfr. fls. 268).
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Através de relatório datado de 27.10.2016 (cfr. fls. 277-279), veio a DGRSP dar conta que:
» Foram enviadas convocatórias para o arguido, que não compareceu às entrevistas agendadas; realizada deslocação à sua residência, não foi possível estabelecer contacto com o arguido; realizado contacto telefónico para o arguido para o número disponível, foi agendada entrevista para o dia 13.10.2016, à qual o mesmo não compareceu; foram realizadas novas tentativas de contacto, mas sem sucesso;
» Tal comportamento inviabilizou o acompanhamento da execução da medida;
» O arguido encontrava-se em acompanhamento por estes serviços noutro processo, numa execução de uma prestação de trabalho a favor da comunidade em substituição de multa, a qual não cumpriu, tendo a mesma sido revogada em 12.09.2016;
» No meio socio-residencial, o arguido é conhecido, sendo a sua imagem associada ao seu comportamento aditivo e à situação de carência económica do agregado familiar.
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Face à relatada situação, com vista a avaliar o comportamento do condenado e para eventual revogação da suspensão, foi designada data para audição do mesmo, realizada em 30.11.2016 (cfr. fls. 311/312), no âmbito da qual aquele informou a alteração da residência, a fim de dar assistência à mãe (doente oncológica), da qual não deu conhecimento ao tribunal ou aos serviços de Reinserção Social, por entender que seria suficiente a comunicação efetuada à GNR, declarando ainda estar disponível e ser sua vontade cumprir integralmente o plano de reinserção social.
Nessa sequência, foi o condenado solenemente advertido nos termos do art. 55º, al. a), do CP.
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Em 24.02.2017, veio o EPP dar conhecimento que o condenado ali havia dado entrada em 18.02.2017, para cumprimento de 120 dias de prisão subsidiária, à ordem do processo n.º 305/14.3TAGDM (cfr. fls. 317).
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Em 20.03.2017, foi junto aos autos relatório de execução periódico, do qual resulta que (cfr. fls. 340-342):
» Foram realizadas duas deslocações à atual morada do arguido, sendo que na segunda deslocação contactaram diretamente com o mesmo, tendo-lhe sido deixada convocatória para entrevista para o dia 16/02/2017, a que o mesmo anuiu; contudo, no próprio dia ligou a solicitar alteração da data, tendo sido agendada nova entrevista para 20/02/2017, à qual não compareceu, sendo que também não contactou com os serviços no sentido de justificar a sua ausência e reagendar entrevista;
» O reiterado comportamento do arguido tem vindo a inviabilizar o acompanhamento da presente medida no sentido de suprir as necessidades de intervenção e atividades elencadas no Plano de Reinserção Social.
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Face à situação relatada, foi designada data para audição do condenado, realizada em 07.04.2017 (cfr. fls. 348/349), no âmbito da qual aquele informou que faltou a entrevista do dia 20.02.2017 por ter sido detido dois dias antes para cumprimento de prisão subsidiária. Mas declarou que, tendo terminado o cumprimento de tal pena pelo pagamento parcial da multa, compromete-se a comparecer nos serviços da DGRSP no decurso da semana seguinte.
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Em 07.07.2017, foi junto aos autos relatório de execução, do qual resulta que (cfr. fls. 359-361):
Ao longo do período da suspensão da execução da medida, B... manteve uma comparência irregular às entrevistas, invocando dificuldades económicas para se deslocar a esta Equipa, tendo nos últimos meses acentuado a sua ausência, situação que foi justificada pelo cumprimento de pena de prisão subsidiária, à ordem de outro processo (305/14.3TAGDM);
» O arguido manteve-se a viver com a mãe, em habitação social que foi recentemente atribuída;
» Relativamente ao acompanhamento no Centro de Respostas Integradas, o arguido iniciou e manteve comparência às consultas inicialmente; contudo, veio a abandonar o programa de tratamento, afirmando apenas consumos ocasionais, não avaliando necessidade de intervenção clínica; não obstante, foram agendadas consultas, às quais este não compareceu; da articulação com o Centro de Respostas Integradas decorre informação de total afastamento do acompanhamento naqueles serviços;
» Laboralmente, o arguido manteve-se maioritariamente desempregado, realizando pontualmente biscates no ramo da construção civil, dedicando-se também à recolha de sucata para posterior venda, sem grande expressividade na economia do agregado, sendo a sua subsistência garantida pelo Rendimento Social de Inserção.
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Entretanto, foi junta aos autos certidão emitida pelo processo nº 133/16.1GEGDM, do Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Gondomar (cfr. fls. 389-402), da qual resulta que, por sentença datada de 29.09.2017, transitada em 20.11.2017, foi o aqui condenado ali condenado na pena de 8 meses de prisão efetiva, pela prática, entre as 19h30 do dia 30.05.2016 e as 08h45 do dia 31.05.2016, um crime de furto simples (retirou do interior de um armazém treze chapas metálicas e um aloquete, de valor não apurado, que levou consigo e fez seus).
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Foi também junto aos autos (cfr. fls. 408-410) relatório final da DGRSP, em tudo idêntico ao enviado a 07.07.2017.
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Nessa sequência, foi designada data para audição do condenado, na presença da técnica de reinserção social que acompanhou e fiscalizou a medida aplicada, realizada em 19.01.2018 (cfr. fls. 423-425).
Nesse âmbito, o condenado acabou por reconhecer que faltou a algumas entrevistas agendadas pela técnica de reinserção social, justificando essa sua conduta na situação de desemprego e de doença da mãe e na necessidade de fazer biscates a fim de a ajudar financeiramente, tanto mais que deixou de receber RSI quando foi viver com ela. Declarou ainda que deixou de consumir estupefacientes, pelo que não carece de tratamento, e que foi pai há 7 meses.
Juntou declaração emitida por “C...”, no sentido ter lá estado a trabalhar em Dezembro, em período experimental, durante 2 semanas, com possibilidade de, no final do período experimental, ficar a trabalhar naquela empresa, com contrato de trabalho por seis meses (cfr. fls. 422).
Declarou a Técnica de Reinserção Social, Dr.D..., que o condenado:
» Sempre justificou a ausência às entrevistas com a falta de dinheiro. Porém, chegou
a deslocar-se à residência dele, onde não o encontrou;
» Dizia que realizava vários biscates, mas nunca teve provas disso nem de qualquer chamada para fazer um curso;
» Vive atualmente com a mãe, a qual sempre apresentou vários de problemas de saúde e situação de desemprego continuada;
» Deixou de receber RSl, provavelmente por ter regressado ao agregado da mãe, não sabendo se solicitou nova atribuição;
» Não compareceu no CRI, sendo que nunca lhe foi dada alta nem dispensado de fazer tratamento;
» Quanto aos factos que determinaram a sua mais recente condenação, afirmou ter havido confusão quanto aos mesmos;
» Após ter cumprido prisão subsidiária, apenas compareceu a uma entrevista junto dos serviços da DGRSP, faltando logo à imediatamente a seguir. No âmbito desse mesmo processo, solicitou a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, o que lhe foi deferido, nunca tendo, porém, comparecido na entidade beneficiária do trabalho, o que determinou a revogação de tal medida.
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Em face dos elementos recolhidos nos autos, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada (cfr. fls. 424).
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Notificado o condenado para se pronunciar, veio o mesmo (cfr. fls. 429 e seguintes) requerer que:
» Estes autos aguardem pelo que venha a ser decidido no Juízo Local Criminal de Gondomar, no processo n2 434/13.OGEGDM, quanto ao cúmulo jurídico a realizar das penas aplicadas naquele e neste processo;
» Se determine, no caso, a prorrogação da suspensão da pena, propondo-se cumprir zelosamente os novos deveres ou regras de conduta que lhe venham a ser impostos;
» Em caso de revogação da suspensão da pena de prisão, que esta seja executada em regime de permanência na habitação, conforme previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 43º do Código Penal, para o que presta e confirmará pessoalmente, se necessário, o seu consentimento.
Juntou três documentos.
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Ouvido o Ministério Público, a Digna Magistrada pronunciou-se nos termos que constam de fls. 455.
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Face ao requerido pelo condenado, solicitou-se ao processo nº 434/13.OGEGDM informação sobre a aceitação para a realização do cúmulo jurídico, tendo-se obtido como resposta o oficio de fls. 478, com envio de cópia do despacho que revogou a respetiva suspensão da execução da pena, do qual o condenado afirmou pretender recorrer.
Entretanto, conforme determinado, foi junto CRC atualizado do condenado.
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Apreciando e decidindo:
Tem sido entendido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores (cfr. Ac. do STJ, de 29.03.2012, proferido no Processo n9 117/08.3PEFUN-C.S1, disponível em www.dgsi-pt) que, no concurso de crimes superveniente, não devem ser englobadas as penas suspensas já anteriormente declaradas extintas nos termos do art.º 57.º, n.º 1, do CP, pois não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas ser descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final.
Dessa forma, entende o citado acórdão do STJ, que não é possível considerar na pena única as penas suspensas cujo prazo de suspensão já findou, enquanto não houver no respetivo processo despacho a declarar extinta a pena nos termas daquela norma ou a mandá-la executar ou a ordenar a prorrogação do prazo de suspensão.
Assim, estando já esgotado, no caso, o prazo de suspensão, não faz qualquer sentido aguardar pelo que venha a ser decidido no processo nº 434/13.DGEGDM quanto ao cúmulo jurídico, pois aquele tribunal não pode proceder ao cúmulo das penas de prisão aplicadas ao arguido sem que previamente seja proferida neste processo decisão sobre a respetiva execução, prorrogação ou extinção, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 37º.2, n.º 1, al. c), do CPP (cfr. acórdão supra citado).
Em conformidade com o exposto, profere-se de seguida decisão sobre a execução, prorrogação ou extinção da pena de prisão aplicada ao arguido nestes autos.
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Dispõe o art. 56º do Código Penal que:
1 — A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou
o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, par meio dela, ser alcançadas.
2—A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado.
E diz-se no art. 55º do mesmo código:
Se durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de readaptação, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação;
d) Prorrogar o período da suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menas de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50º.
Decorre da conjugação daqueles dois preceitos legais que: o incumprimento culposo determina a aplicação do regime do art. 55º do Código Penal e só o incumprimento grosseiro ou repetido das condições de suspensão ou a prática de crime pelo qual o condenado venha a ser condenado revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, conduzem à aplicação do art. 56º do Código Penal (v., neste sentido o Ac. RL. de 06.06.2006, proferido no Processo nº 147/2006-5, passível de consulta em www.dgsi.pt).
Assim, a revogação da suspensão da pena por incumprimento do agente das obrigações impostas só pode ocorrer se o incumprimento se verificar com culpa, enquanto infração grosseira ou repetida dos deveres impostos na decisão condenatória. Por outro lado, só deve ser decretado como ‘ultima ratio”, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências contidas no art. 55º do Código Penal.
Não dizendo a lei o que se deve entender por violação grosseira dos deveres, cabe ao julgador fixar os respetivos contornos.
“Mas, naturalmente que em tal consideração não poderão olvidar-se os ensinamentos sobre o que constitui negligência grosseira: a culpa temerária; o esquecimento dos deveres gerais de observância; a demissão pelo agente dos mais elementares deveres que não escapam ao comum dos cidadãos; uma inobservância absolutamente incomum. A violação grosseira de que se fala, há-de ser uma indesculpável atuação, em que o comum dos cidadãos não incorre, não merecendo ser tolerada, indesculpada.” (v. Ac. supra citado).
Ora, no caso, conforme resulta do acima exposto, é manifesto que o condenado violou, de forma culposa, grosseira e repetida, a condição a que ficou subordinada a suspensão da pena, pois é indesculpável a falta de colaboração daquele para com os serviços de reinserção social, concretizada, além do mais, nas sucessivas faltas às entrevistas agendadas por aqueles serviços, nomeadamente após ter sido ouvido duas vezes em tribunal com a vista a justificar esse seu comportamento, após ter sido solenemente advertido de que devia cumprir o PRS e após ter cumprido prisão subsidiária, face à revogação da medida de trabalho comunitário.
Tal atitude de desinteresse e alheamento levou a que o condenado não tivesse atingido nenhum dos objetivos propostos no PRS, na medida em que não conseguiu iniciar e/ou manter atividade laboral ou formativa de forma regular nem adotar uma atitude de maior auto-organização, mantendo um quadro vicencial de instabilidade económica, assente na falta de ocupação laboral regular.
Por outro lado, tendo abandonado, sem mais, o tratamento que fazia no CRI, nada nos garante que esteja efetivamente afastado do consumo de tóxicos, o qual constituiu um grave fator criminógeno.
Conclui-se, assim, que o condenado se alheou na presente condenação e não fez qualquer esforço no sentido de se reinserir na sociedade, sendo reflexo disso, não só o crime que cometeu no decurso do período de suspensão, como também ao facto de não ter comparecido na EBT com vista a prestar trabalho comunitário em substituição de pena de multa que lhe foi aplicada no âmbito de outro processo.
O descrito comportamento inadimplente do condenado, leva à total frustração das expectativas de reinserçâo do mesmo, impedindo, designadamente, a aplicação das medidas previstas no art. 55º do Código Penal.
Para além do que ficou dito, cumpre ainda realçar que o condenado, no período de suspensão da pena, cometeu um crime de furto.
Ora, a prática pelo condenado, em 30/31.05.2016, ou seja, no decurso do período de suspensão da pena de 1 ano e 8 meses de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos, de um crime de furto, revela à evidência que as finalidades que determinaram a suspensão da execução da pena de prisão — a proteção dos bens jurídicos violados através da sua conduta criminosa e a reintegração do agente em sociedade — não conseguiram, por meio dela, ser alcançadas, pois a mera censura do facto delituoso e a ameaça da prisão não foram suficientes para o afastar da criminalidade.
Na verdade, não obstante a condenação sofrida neste autos e a inerente advertência que lhe foi feita, o condenado não se inibiu de cometer um novo crime, quando ainda não havia sequer decorrido um ano sobre o início do período de suspensão.
Verifica-se, desta forma, que a condenação sofrida nestes autos e a oportunidade dada ao condenado de se reintegrar na sociedade com o apoio dos serviços de reinserção social não foi, contrariamente ao que se esperava, suficiente para que aquele alterasse o seu estilo de vida e deixasse de cometer crimes, o que se comprova através da nova condenação entretanto sofrida, na qual lhe foi aplicada pena de prisão efetiva.
Assim, por se mostrarem preenchidos os pressupostos previstos no art. 56º, nº 1, alíneas a) e b), do Código Penal, decide-se revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
Por tudo o exposto, decido:
-Revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado B... e, em consequência, determinar o cumprimento efetivo de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão.
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Dado que esta pena de prisão terá que ser cumulada com a pena de prisão aplicada no processo nº 434/13.OGEGDM, cabendo a competência para a realização do cúmulo jurídico a esse Tribunal, caberá também ao mesmo decidir sobre a forma de execução da pena única de prisão a aplicar, nomeadamente, nos termos previstos no art. 43º, nº 1, al. c), do Código Penal.
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Notifique e comunique à DGRSP, ao TEP e ao EPP.
Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal e remeta certidão deste despacho»
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Cumpre apreciar e decidir:
Sustenta o recorrente que o tribunal recorrido, após revogar a suspensão de execução da pena de prisão, absteve-se de pronunciar-se sobre a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação como havia sido por si requerido.
Não questiona, pois, o recorrente a parte da decisão recorrida que revogou a suspensão de execução da pena de prisão; a sua discordância encontra-se circunscrita à ausência de ponderação e pronúncia pelo tribunal recorrido relativamente à requerida execução dessa pena em regime de permanência na habitação.
O tribunal recorrido, contudo, entendeu não ter competência para apreciar a eventual aplicação deste regime, remetendo para o julgamento de realização do cúmulo jurídico, tal conhecimento.
Salienta o Ministério Público, sufragando este entendimento, que sendo o regime de permanência na habitação uma verdadeira pena de substituição e não mero regime de cumprimento de pena de prisão, a sua apreciação apenas é exigida em sede de audiência de julgamento, in casu, na audiência de cúmulo jurídico a realizar.
Consideramos encontrar-se a razão do lado do recorrente. Senão vejamos:
Como já anteriormente nos pronunciamos (acórdão desta Relação de 7/3/2018, processo nº 570/15.9GBVFR-A.P1, disponível in www.dgsi.) e que ora reiteramos «antes das alterações introduzidas no Capítulo II do Título III do Código Penal pela Lei nº 94/2017 de 23/08, a questão que se colocava a respeito da pena a cumprir em caso de revogação da suspensão da pena de prisão, não tinha tratamento uniforme na jurisprudência.
A maioria da jurisprudência dos Tribunais da Relação considerava que, não só pela redação do nº 2 do artigo 56º do Código Penal «a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença» mas, acima de tudo, porque a aplicação de penas substitutivas se integra na operação de determinação da pena concreta em sentido amplo (como decorria das disposições conjugadas dos artigos 43.º a 46.º e 50.º do Código Penal), ou seja, na sentença condenatória o tribunal define a espécie e medida da pena concreta a cumprir pelo arguido e, sendo caso disso, logo determina que, em lugar do efetivo cumprimento da pena de prisão, é imposta a execução de uma outra pena (substitutiva). Por isso, a imposição de uma pena substitutiva não podia ter lugar em momento posterior e em peça processual autónoma da sentença condenatória, estando, ademais, excluída a aplicação sucessiva de penas substitutivas. Daí defender-se não ser admissível que, não sendo executada a pena substitutiva determinada na sentença, fosse posteriormente imposta em substituição desta (já de si pena substitutiva), outra pena. - Neste sentido se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do TRP de 20/10/2010, Proc. nº 87/01.9TBPRG.P1; do TRC de 04/05/2011, Proc. nº 49/08.5GDAVR-A.C1; TRC de 09/11/2011, Proc. nº 579/09.1GAVGS.C1; do TRC de 27/06/2012, Proc. nº 81/10.9GBILH.C1; do TRC de 10/12/2013, Proc. nº 157/10.2GBSVV-A.C1; do TRP de 18/09/2013, Proc. nº 1781/10.9JAPRT-C.P1 do TRP de 28/01/2015, Proc. nº 7/12.5PTVNG.P1; do TRL de 21/05/2015, Proc. nº 1224/10.8PEAMD.L1-9 e do TRC de 08/07/2015 Proc. nº 423/13.5GBPBL.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt
Noutro sentido se pronunciaram, porém, os Acórdãos do TRP de 28/06/2017, Proc. nº 260/15.2GAPVZ.P1, e do TRC de 22/11/2017,Proc. nº 55/16.6GDLRA.C1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
Nestes dois últimos arestos entendeu-se que o regime então previsto no artigo 44º do Código Penal não devia ser considerado como uma pena de substituição (que sempre impediria o julgador de, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, em sede de revogação da suspensão, alterar a pena de substituição tempestivamente aplicada), mas antes como uma “forma de execução” ou de cumprimento da pena de prisão, nada obstando, por isso, que o tribunal ponderasse a sua aplicação, depois de ter revogado a suspensão da execução da pena de prisão.
Com as alterações introduzidas pela Lei nº 94/2017 de 23/08, o regime agora previsto no artigo 43º do Código Penal passou a constituir não só uma pena de substituição em sentido impróprio, mas também uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão.
Por isso, admite-se agora expressamente que, revogada a pena não privativa da liberdade (em cuja tipologia se enquadra a pena de prisão suspensa na sua execução), a pena de prisão não superior a dois anos possa ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, se o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir (artigo 43º nº 1 al. c) do Código Penal).
A nova lei traduz o entendimento generalizado de que as penas curtas de prisão devem ser evitadas por não contribuírem necessariamente para a ressocialização efetiva do condenado. Foi, inclusivamente, na senda desse pensamento, que se procedeu à abolição da prisão por dias livres e do regime de semidetenção, alterando-se (através da ampliação do respetivo campo de aplicação) o regime de permanência na habitação.»
Com o regime de permanência na habitação pretendem evitar-se as consequências perversas da prisão continuada, não deixando de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de reprovação para o crime em causa. Trata-se de regime que tem justamente por finalidade limitar o mais possível os efeitos criminógenos da privação total da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado.
Ora, no caso sob escrutínio, à data da prolação da decisão recorrida encontrava-se já em vigor este novo regime de permanência na habitação, atualmente previsto no artigo 43º do Código Penal.
Como assim, deveria 1ª instância, após revogar a suspensão da execução da pena ao condenado, ao invés do decidido, equacionar a aplicação do regime de permanência na habitação, designadamente ponderando a “adequação e suficiência” desta forma de execução ou de cumprimento da pena de 1 ano e 8 meses de prisão a cumprir pelo condenado, eventualmente subordinada ao cumprimento de regras de conduta previstas no nº 4 do citado artigo 43º, bem como, se necessário, da viabilidade de instalação de meios técnicos de controlo à distância, uma vez que verificado se mostra o consentimento do próprio condenado.
Pelos fundamentos expostos procede o recurso interposto.
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III – Decisão:
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido B..., determinando-se que a 1ª instância averigue da verificação dos pressupostos de que depende a execução da pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão imposta ao arguido em regime de permanência na habitação (artigo 43º nº 1 al. c) e nº 4 do Código Penal) decidindo-se, então, em conformidade.
Sem tributação.

Porto, 3 de outubro de 2018
(elaborado pela relatora e revisto por ambos os subscritores – artº 94 nº2 do Código Processo Penal)
Maria Ermelinda Carneiro
Raúl Esteves