Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4689/17.3T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITOS
CASO JULGADO
Nº do Documento: RP201809134689/17.3T8VNG.P1
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º144, FLS. 139-145)
Área Temática: .
Sumário: I - O processo especial de revitalização (PER) não constitui uma modalidade do processo de insolvência, constituindo antes o meio que se destina a evitar que o credor chegue à situação de insolvência e, nessa medida, visa satisfazer os interesses do credor, mas também o dos seus credores.
II - As impugnações de que sejam alvo os créditos incluídos pelo administrador judicial na lista provisória de créditos e as decisões que sobre essas reclamações recaírem não operam caso julgado material,
III - O PER atenta a sua natureza célere, não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude dos créditos dos credores perante o devedor.
IV - Por isso, o PER sendo um processo que se quer simples, célere e ágil, pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam fundamentalmente perfunctórias e baseadas em prova documental.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº4689/17.3T8VNG.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia
Relator: Carlos Portela (871)
Adjuntos: Des. Joaquim Correia Gomes
Des. José Manuel Araújo Barros
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório:
No presente Processo Especial de Revitalização no qual é devedora a Sociedade B… S.A. foi homologado por sentença e nos termos do disposto no art.º17º-F. nºs 5 e 7 do CIRE o plano apresentado pela mesma tendo em vista a sua revitalização.
Notificada de tal decisão e por não concordar com a decisão interlocutória referente às impugnações à lista provisória de créditos na qual se julgou improcedente a sua impugnação e, consequentemente, manteve como créditos reconhecidos os que constam da LPC, veio a credora/impugnante C… Lda. interpor recurso, produzindo desde logo e nos termos legalmente previstos, as competentes alegações de recurso.
Não foram apresentadas contra alegações.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeitos meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho onde se teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre pois decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela credora/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
Ora é o seguinte o teor das mesmas conclusões:
A. A decisão interlocutória/despacho proferido no processo especial de revitalização, que decide a impugnação da lista provisória de créditos apenas é impugnável com o recurso da decisão final (a referida no art.º 17.º-F, n.º 5, CIRE) - assim o acordaram, a título meramente exemplificativo, em conferência no Tribunal da Relação de Évora, de 08-09-2016, processo n.º 39/16.4T8EVR-B.E1, Relator Paulo Amaral, disponível para consulta in www.dgsi.pt.
B. Pelo que, ora notificada da decisão final, é o que a Credora Impugnante C…, LDA vem agora fazer.
C. Vem o presente recurso interposto da sentença/decisão interlocutória proferida nos autos à margem referenciados, que julgou totalmente improcedente a impugnação da aqui Recorrente e, consequentemente, decidiu manter como créditos reconhecidos os que constam da Lista Provisória de Créditos (doravante LPC).
D. O Tribunal a quo fundamenta a sua decisão de indeferimento da seguinte forma: “considerando o teor da impugnação, de carácter eminentemente complexo e que impõe a produção de prova, bem como os documentos juntos (que por si só não se entendem suficientes para prova do alegado), decide-se, na sequência de uma análise perfunctória à prova já produzida e considerando critérios de séria probabilidade, julgar totalmente improcedente a impugnação do credor C…, LDA. e, consequentemente, manter como crédito reconhecido o que consta da LPC” - cf. ponto 4.39 da sentença.
E. Ora, salvo o devido respeito, considerando o teor da impugnação, bem como dos vinte e oito documentos juntos, a decisão do tribunal a quo, ainda que com base na mencionada análise perfunctória à prova produzida e no critério de séria probabilidade, deveria ter sido no sentido de julgar a impugnação deduzida à lista provisória de credores totalmente procedente.
F. Primeiramente, no entender da recorrente, a sentença recorrida padece de nulidade, na medida em que, sempre com o devido respeito, a mesma encontra-se, salvo melhor opinião, completamente omissa na sua fundamentação.
G. Com efeito, decorre do disposto no art.º 607.º, n.º 3 do CPC, o dever para o Juiz de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, sob pena de nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto e de direito.
H. Assim, impõe-se ao Juiz a apreciação da prova produzida, para o que “declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”.
I. Ora, a douta sentença recorrida desconsidera tudo quanto foi alegado na impugnação da Lista Provisória de Créditos do Impugnante e tudo quanto resulta dos documentos (facturas) juntos com a mesma.
J. Com o devido respeito, julgar-se uma impugnação improcedente apenas porque o teor da mesma reveste carácter complexo e impõe a produção de prova não se afigura conforme com a lei.
K. Mas afinal o que se entende por impugnação de carácter eminentemente complexa?
L. Não pode ser, nem será admissível tamanha decisão sem fundamentação ou prova, pelo que, a decisão recorrida encontra uma total ausência de fundamentação, de facto e de direito nos factos e motivos apresentados e, consequentemente, entre essa mesma motivação e a conclusão a que chega.
M. Seguindo o critério de “séria probabilidade” assumido na douta sentença recorrida, o Juiz a quo deveria ter julgado a Impugnação à C… totalmente procedente porquanto a mesma foi instruída com os documentos 2 a 27 comprovativos (facturas).
N. Acresce que, o AJP nem sequer se pronunciou, pelo menos expressamente, sobre a impugnação da reclamante.
O. Pelo que, e face à omissão de pronúncia do AJP quanto à impugnação deduzida pela Credora Impugnante, a verdade é que do seu teor resulta que a mesma deveria proceder atenta a prova documental produzida.
P. Ora, a aqui Recorrente impugnou o valor que lhe foi reconhecido na LPC (crédito identificado na linha 542 da LPC), pelo que, nessa conformidade, salvo melhor opinião, atenta a falta de resposta do AJP à impugnação do crédito, e face à prova documental que sustenta o seu reconhecimento integral, deveria o tribunal a quo ter considerado procedente a impugnação relativamente a este crédito e, em consequência ter reconhecido o crédito em questão em conformidade com o reclamado - pelo valor de! 2.042.656,13! (dois milhões e quarenta e dois mil seiscentos e cinquenta e seis euros e treze cêntimos) - o que não sucedeu.
Q. Com efeito, sendo entendimento do douto tribunal a quo e da jurisprudência maioritária que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam fundamentalmente perfunctórias e baseadas em prova documental, no caso concreto e perante a prova documental produzida, a decisão sobre a impugnação da LPC deveria ter sido diferente da que foi proferida.
R. A decisão recorrida deve ser declarada nula nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea c) e d) do CPC, ex vi, art.º 14.º do CIRE, porquanto é omissa quanto aos seus fundamentos e não teve em conta questões que devia ter apreciado, e em consequência deve ser determinada a substituição por outra que determine a procedência da impugnação da LPC apresentada pela recorrente de fls. 6041 a 6078.
S. Decidiu o tribunal a quo, como supra se referiu, reconhecer o crédito do Recorrente, atento o critério de séria probabilidade, determinando que o mesmo fosse computado nos exactos termos em que se encontra firmado na LPC, ou seja, tendo em conta o valor reflectido na contabilidade da devedora.
T. Para tal, o tribunal a quo fundamentou a sua decisão na complexidade da impugnação, sem verificar se a mesma estava devidamente fundamentada e se o efeito jurídico dos factos alegados pela ora Recorrente correspondia ao vertido nos documentos juntos pela mesma.
U. Ou seja, a meritíssimo Juiz a quo limitou-se a referenciar que a matéria da impugnação era complexa (o que não se compreende atenta a prova documental (facturas) junta pela credora impugnante para prova dos factos por si ali alegados), sem ter em conta a prova arrolada pela recorrente, desde logo os documentos juntos na impugnação de créditos apresentada.
V. A recorrente apresentou oportunamente a sua reclamação de créditos, donde resultava ser credor da quantia global de! 2.042.656,13! (dois milhões e quarenta e dois mil seiscentos e cinquenta e seis euros e treze cêntimos), provenientes de contratos de fornecimento de bens e serviços através da sucursal da Devedora em Angola, em que a recorrente interveio na qualidade de subempreiteira, e a devedora na qualidade de empreiteiro principal.
W. Desse contrato de empreitada resultou a emissão de vários documentos contabilísticos, melhor identificados na impugnação da recorrente, e cujas cópias foram juntas à mesma, num total de 2.094.343,88 USD (dólares), correspondentes a 1.817.090,00!, acrescidos de juros.
X. No entanto, o AJP apenas reconheceu a quantia de! 952.265,91, de acordo com a contabilidade da Devedora.
Y. Não se conformando com esta decisão e fundamentação, a agora recorrente impugnou a LPC e juntou com a mesma as facturas emitidas e enviadas à Devedora, das quais não reclamou, emitidas no âmbito do contrato de subempreitada em questão, das quais se extrai que se encontravam vencidas e não pagas 2094.343,88 USD (dólares), correspondentes a 1.817.090,00!,) encontrando-se discriminados os valores das facturas vencidas e dos respectivos juros remuneratórios, num total, então, de 2.042.565,13!.
Z. O AJP não se pronuncia quanto à impugnação da LPC e o tribunal a quo fundamente o seu indeferimento no carácter eminentemente complexo da mesma.
AA. O certo é que a recorrente apresentou cópia das facturas que justificam o seu crédito.
BB. Assim, caso a Juiz a quo tivesse atendido à prova documental produzida pela recorrente, ou sequer verificado os valores indicados nas mesmas (somatório) não correspondia ao que o AJP reconheceu na lista provisória (era superior), teria certamente julgado procedente a impugnação, o que não sucedeu e por isso justifica a interposição do presente recurso.
CC. Questão que, não obstante ter sido suscitada na Impugnação à LPC, não foi merecedora de resposta por parte do AJP, nem conhecida na douta sentença recorrida.
DD. Não obstante, a aqui recorrente juntou com a sua impugnação as “facturas” (doc. 2 a 27) referentes ao contrato de subempreitada em questão e que comprovam que as mesmas se encontravam efectivamente vencidas e não pagas de acordo com a contabilidade da devedora, encontrando-se discriminado o valor de cada factura e dos respectivos juros remuneratórios.
EE. Tendo em conta a falta de resposta ou de pronúncia do AJP sobre esta matéria e a ausência de prova documental que fundamente a sua posição inicial (LPC), salvo o devido respeito por opinião diversa, deveria o tribunal a quo ter considerado que o AJP aceitava a fundamentação do Credor Impugnante e, nessa medida, deveria ter julgado a impugnação deduzida procedente.
FF. Ainda que assim não se entenda, uma vez que na sentença recorrida se defende que no PER se pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam fundamentalmente perfunctórias e baseadas em prova documental, face à prova documental que sustenta a impugnação da recorrente, deveria o tribunal a quo ter julgado procedente a impugnação à LPC.
GG. Seguindo o critério assumido pela sentença recorrida, de reconhecimento dos créditos com base numa séria probabilidade, deveria aquela ter reconhecido os créditos reclamados pela recorrente nos exactos termos em que foram reclamados por esta, face à documentação existente nos autos.
HH. Pelo que, atento o supra exposto, deveria ter sido reconhecida à aqui Recorrente, a quantia global de 2.042.656,13! (dois milhões e quarenta e dois mil seiscentos e cinquenta e seis euros e treze cêntimos), a que acrescem os juros vencidos e vincendos contados às respectivas taxas até integral pagamento.
II. Depois, mesmo considerando ser o processo especial de revitalização um processo mais célere e que evita certas formalidades do processo de insolvência, não deverá essa celeridade levar à desconsideração dos princípios essenciais que norteiam os processos de natureza judicial, nem à desconsideração dos direitos dos credores, na sua relação de conflito com os interesses do devedor.
JJ. E que não se diga, como o faz a douta sentença sob recurso, que os efeitos da decisão sobre a existência, montante e natureza dos créditos reclamados são restritos aos presentes autos.
KK. A recorrente tem um legítimo interesse na fixação do seu crédito pelo seu real valor, até porque, o valor do crédito fixado é relevante, não só para efeitos de quórum deliberativo, mas, também, e muito naturalmente, para efeitos de fixação da quantia a pagar pela Devedora no âmbito da execução do PER que venha a ser aprovado.
LL.O que implica que, a manter-se a decisão recorrida e face à aprovação do plano de revitalização, o crédito da recorrente considerado para efeitos da execução do plano é reduzido em 952.265,91, sem que exista nos autos qualquer fundamento válido e comprovado para tal.
MM. Recusar à recorrente a possibilidade de discutir o valor do seu crédito, com base no carácter completo da impugnação, sem consideração da prova documental a ela junta, constituiu uma gritante forma de denegação de justiça, em clara violação do princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
NN. Pelo que, a douta Decisão interlocutória, recorrível agora em sede de prolação de decisão final, com todo o respeito pelo Tribunal a quo, além de não ser adequada, não foi oportuna, pelos motivos e fundamentos invocados.
OO. Atento o exposto deverá pois a douta Sentença datada de 20.11.2017, ser revogada e substituída por despacho que julgue procedente a impugnação à LPC.
Nestes termos e nos melhores de direito:
Deve o recurso ser julgado procedente, declarando-se a nulidade da sentença recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que determine a procedência da impugnação de créditos apresentada pela Recorrente.
Caso assim não se entenda,
Devem as alegações ser julgadas procedentes, substituindo-se a sentença recorrida por outra que determine a procedência da impugnação de créditos apresentada pelo Recorrente, atenta a prova documental junta, assim se fazendo a Costumada Justiça!
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Perante o acabado de expor resulta claro que são as seguintes as questões suscitadas neste recurso:
1ª) A nulidade da decisão recorrida (artigo art.º615º, nº1 alíneas c) e d) do CPC);
2ª) O erro de julgamento no que toca à improcedência parcial do crédito reclamado pela credora aqui apelante.
Ora para apreciar e decidir as questões agora identificadas importa ter em conta os seguintes elementos processuais devidamente documentados nos autos:
- A fls.8208 e seguintes dos autos foi proferida a decisão interlocutória aqui impugnada na qual foram apreciadas e decididas as impugnações à lista provisória de créditos na qual e no que toca ao crédito da ora apelante C… Lda., ficou a constar o seguinte (cf. fls.8250 v e 8251):
4.34. C…, SA, a fls. 5900 e seguintes, credor n.º 543 da LPC C…, SA, de fls. 5900 a 5994, veio impugnar a Lista Provisória de Créditos, pugnando pelo reconhecimento de um crédito no montante de €728.150,48.
Para o efeito alega sumariamente que o Sr. AJP apenas reconheceu o valor de €181.161,52; todavia, o valor agora impugnado, havia já sido reconhecido no PER 6628/16.0T8VNG, tendo ali impugnado apenas a sua natureza, pois pretendia ser esta comum e a devedora impugnou, por entender que o crédito haveria de ser condicional, tendo posteriormente a devedora desistido da impugnação. E a decisão julgou a impugnação improcedente pois o crédito havia sido reconhecido como comum. Nada se alterou desde então, pelo que o crédito – relacionado com serviços prestados e devidamente aceites pela devedora - deve ser reconhecido e é já devido nos processos de arresto, de acção comum e de execução que indica.
Junta diversos documentos.
Este credor consta da LPC, com um crédito de €181.161,52 €, aí se referindo que foi reclamado o capital de €728.150,48, constando da contabilidade da devedora o valor que se reconhece.
O Sr. AJP, a fls. 7523 e seguintes, mormente a fls. 70/78, refere que a impugnação apresentada não pode proceder ou, a proceder parcialmente, deverá o crédito constante das duas acções pendentes ser reconhecido sob condição. Para o efeito refere que a reclamação assenta num acordo de pagamento datado de 21.11.2014 e em facturação alegadamente em dívida; sucede que os créditos relacionados com o acordo de pagamento estão a ser discutidos no processo 269/16.9T8VNF, enquanto a facturação alegadamente em dívida também se encontra em discussão no processo 125/16.0T8BRG.
Junta o documento 25.
Em face do exposto, considerando os teores da impugnação e da pronúncia do Sr. AJP, bem como os documentos juntos por uma e outro, decide-se, na sequência de uma análise perfunctória e considerando critérios de séria probabilidade, julgar parcialmente procedente a impugnação da credora C…, SA, com o que se reconhece o crédito de €728.150,48, mas sob condição suspensiva.
- Mais adiante e agora na sua parte decisória (cf. fls.8288 e seguintes) foi feito constar o seguinte:
“ Face ao exposto, o Tribunal decide:
(…)
t) julgar parcialmente procedente a impugnação da credora C…, SA, com o que se reconhece o crédito de €728.150,48, mas sob condição suspensiva;”.
- A fls.11324 e seguintes dos autos foi proferida sentença na qual e nos termos do disposto no art.º17º-F nºs 5 e 7 do CIRE, foi homologado o plano de recuperação apresentado pela devedora Sociedade B… S.A.
É pois com estes elementos que cabe apreciar e decidir as questões suscitadas neste recurso.
E a primeira delas é a da nulidade da decisão recorrida.
Ora como todos já vimos, a credora/apelante começa por referir que a mesma decisão padece de nulidade, na medida em que se encontra completamente omissa quanto aos seus fundamentos e não teve em conta questões que devia ter apreciado.
Vejamos, pois:
No art.º615º, nº1 do CPC estão taxativamente enumeradas as causas de nulidade da sentença.
Assim, na alínea b) da mesma norma está identificada a segunda causa de nulidade, a falta de fundamentação da decisão.
Segundo os ensinamentos de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.” (cf. Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág.687)
No mesmo sentido vai Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, pág.140, o quando afirma o seguinte:
“Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Regressando ao concreto, o que importa referir é o seguinte:
Desde logo e quanto ao despacho interlocutório onde foram apreciadas e decididas as impugnações à listra provisória de créditos, aqui já transcrito integralmente, não deixou o Tribunal “a quo” de enumerar os fundamentos de facto e de direito que levaram à procedência parcial da impugnação da credora C… S.A. aqui apelante.
Assim e apoiando-se no parecer do Sr. AJP junto aos autos a fls.7523, mais concretamente no segmento do mesmo de fls.70/78 e no documento nº25 junto com o mesmo, consegue justificar suficientemente as razões pelas quais a impugnação da credora/apelante só podia merecer provimento parcial.
Não estamos pois perante a falta absoluta de fundamentação prevista no art.º615º, nº1, alínea a) do CPC, razão pela qual, não pode o recurso da mesma credora aqui apelante ser acolhido.
Cabe agora saber se a mesma decisão interlocutória padece do vício previsto na alínea d) do mesmo artigo, segundo a qual “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”.
Estamos aqui perante os casos que Alberto dos Reis chama omissão de pronúncia (cf. obra supra citada, pág.142/143) e que consiste no facto de a sentença não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer, atento o disposto no art.º608º, nº2 do CPC).
Por força desta norma, impõe-se ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Não é claramente o que se verifica nos autos.
Assim, na decisão recorrida, o Tribunal “a quo” e no que toca à impugnação da credora/apelante C… S.A., não deixou de apreciar todas as questões suscitadas por esta.
É o que em nosso entender resulta claramente da decisão proferida a fls.8250 v e 8251 dos autos e aqui já transcrita.
Não padece pois a mesma decisão do vício que agora lhe é apontado.
Por outro lado, da leitura mais atenta das suas alegações de recurso o que se verifica é que a credora/apelante não identifica com suficiente rigor quais as questões cuja apreciação terá sido emitida na decisão recorrida, limitando-se a pugnar pela procedência da sua impugnação, atenta a prova documental produzida.
Em suma e por este conjunto de razões, também aqui não podem proceder os argumentos recursivos da credora/apelante.
E quanto ao invocado “erro de julgamento”, deverá ou não proceder o recurso aqui interposto.
Ora é consabido que o processo de revitalização constitui uma novidade da reforma do CIRE, operada pela Lei n.º16/2012, de 20/04, ao introduzir um remédio - o processo especial de revitalização – a que o credor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente eminente, mas ainda susceptível de ser recuperado, possa lançar mão tendo em vista estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com este acordo conducente à sua revitalização (artigo 17.º-A, n.º 1).
Sabe-se também que o processo de revitalização não constitui uma modalidade do processo de insolvência, “mas uma espécie que vive em paralelo e autonomamente àquele, construído para a obtenção de resultados distintos”, constituindo o meio que se destina a evitar que o credor chegue à situação de insolvência e, nessa medida, visa satisfazer os interesses do credor, mas também o dos seus credores. (cf. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª ed., pág. 137.).
Neste mesmo sentido vai a opinião de Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER O Processo Especial de Revitalização, Coimbra Editora, pág. 12, onde se pode ler: “O PER pretende criar condições para que se alcance um acordo conducente à revitalização do devedor. Não se pretende, portanto, um acordo quanto à liquidação do património do devedor, ou apenas com o objectivo de manter, por mais algum tempo, a sua actividade. O objectivo é revitalizar o devedor, isto é torná-lo saudável, o que no caso de uma empresa, implica a prossecução de uma actividade previsivelmente lucrativa. Um plano de revitalização que não preveja resultados líquidos do exercício positivos no futuro, por exemplo, não poderá ser susceptível de revitalizar uma empresa.”.
Estamos pois perante um processo de carácter urgente (artigo 17.º-A, n.º 3), que se caracteriza pela sua celeridade, simplicidade e norteado para atingir o escopo que o anima e que é o acordo de revitalização.
Assim o processo inicia-se com uma declaração escrita, apresentada pelo devedor junto do tribunal competente para declarar a sua insolvência, manifestando, juntamente com pelo menos, um dos seus credores, o propósito de encetarem negociações conducentes à revitalização do primeiro por meio de aprovação de um plano de recuperação-artigo 17.º-C, n.º 1, al. a).
O juiz nomeia, de imediato, ao devedor administrador judicial provisório (artigo 17.º-C, n.º 3), obstaculizando este despacho à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação (artigo 17.º-E, n.º 1).
Na tramitação subsequente, o devedor deve comunicar por carta registada, a todos os seus credores que não tenham subscrito o pedido de revitalização, notificando-os que deu início às negociações com vista à sua revitalização e convidando-os a participar nessas negociações, caso assim o entendam, informando-os que a documentação a que se refere o n.º 1 do art.º 24º se encontra na secretaria do tribunal para consulta (artigo 17.º-D, n.º 1).
Qualquer credor dispõe do prazo de vinte dias a contar da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a al. a), do n.º 3 do artigo 17.º - C - despacho nomeando administrado judicial provisório ao devedor - para reclamar os seus créditos, devendo essas reclamações serem remetidas ao administrador judicial provisório que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos, que é imediatamente apresentada na secretaria no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias, sob pena de se converter em lista definitiva (artigo 17.º-D, n.ºs 2, 3 e 4).
No caso de serem apresentadas impugnações, o juiz dispõe então do prazo de cinco dias para decidir as mesmas (artigo 17.º-D. n.º 3).
A este propósito é fundamental não esquecer que que as impugnações de que sejam alvo os créditos incluídos pelo administrador judicial na lista provisória de créditos e as decisões que sobre essas reclamações recaírem não operam caso julgado material, já que as reclamações de crédito no âmbito do PER têm como único objectivo, por um lado, legitimar a intervenção do credor no PER e, por outro, calcular o quórum deliberativo e a maioria prevista no n.º 3 do artigo 17.º-F, sendo certo a incompatibilidade do funcionamento do caso julgado material com a natureza célere e simplificada do PER.
Na verdade, o PER não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude dos créditos dos credores perante o devedor.
Mais, a sua natureza célere não se compadece com tais finalidades.
Ou seja, as decisões que recaiam sobre as reclamações de créditos são meramente incidentais, pelo que, “nos termos do n.º 2 do art.º 96º do Cód. Proc. Civil, não constituem caso julgado fora do respectivo processo (…) O PER é um processo que se quer simples, célere e ágil, o que pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam fundamentalmente perfunctórias e baseadas em prova documental. Se a decisão sobre a reclamação de créditos constituísse caso julgado fora do PER, as partes teriam de dispor de todos os meios de defesa e de prova com a amplitude que lhes é reconhecida nos processos cíveis, e provavelmente a isso seriam forçadas, o que – em última análise – comprometeria os objectivos do PER” (cf. Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, obra supra citada, pág.79).
Assim e segundo os mesmos autores, (cf. obra antes citada, agora a págs. 14 e 101), tal entendimento leva necessariamente à seguinte conclusão: quanto aos credores cuja qualidade não foi reconhecida no processo de revitalização ou em relação aos quais se discuta o respectivo montante, porque esse alegado crédito ou a respectiva extensão não foi reconhecida para efeitos de pagamento previsto no plano de recuperação, o litígio quanto a esses créditos permanece por solucionar.
No entanto e porque os titulares desses créditos não podem ficar numa situação previsivelmente mais desfavorável daquela em que ficariam caso não existisse plano de revitalização (artigo 216.º, n.º 1, al. a) ex vi artigo 17.º-F, n.º 5), é-lhes pois concedido o direito de acção contra o devedor para fazer valer esses seus pretensos direitos.
Regressando à decisão agora impugnada e tendo em conta tudo o que acabou de ficar referido, fácil é concluir que na mesma não se incorreu em qualquer erro de julgamento.
Ou seja, não merecem qualquer reparo os argumentos de facto e de direito que levaram à decisão recorrida a qual se baseou na prova documental que a Sr.ª Juiz “a quo” tinha ao seu dispor nos autos.
Em suma, “bem andou” pois o Tribunal “a quo” quando na decisão de fls.8208 e seguintes começou por julgar parcialmente procedente a impugnação da credora C…, SA, com o que se reconhece o crédito de €728.150,48, mas sob condição suspensiva, acabando na sentença de fls.11324 e seguintes por homologar o plano de recuperação apresentado pela devedora SOCIEDADE B… S.A.
Impõe-se por isso julgar improcedente o recurso aqui interposto pela supra identificada credora/apelante confirmando sem mais tais decisões.
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Sumário (cf. art.º663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto julga-se improcedente o presente recurso de apelação, confirmando-se integralmente as decisões recorridas.
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Custas a cargo da credora/apelante C…, S.A. (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 13 de Setembro de 2018
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
José Manuel de Araújo Barros