Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1244/12.8PWPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO RIBEIRO COELHO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
IMPUTAÇÃO GENÉRICA DE FACTOS
ENUNCIADO VALORATIVO
ENUNCIADO GENÉRICO
Nº do Documento: RP201602101244/12.8PWPRT.P1
Data do Acordão: 02/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 985, FLS.12-30)
Área Temática: .
Sumário: I – A sentença deve ser um documento de fácil leitura, simples, claro, logicamente ordenado, enxuto e esgotante.
II – Por vinculação constitucional, o modelo de fundamentação da sentença garante os princípios da completude e da indisponibilidade de que decorrem as exigências de suficiência, coerência e concisão.
III – Se é certo que, face à quantidade de factos alinhados, se aconselha a sua indicação por números ou alíneas, a ausência de utilização dessa fórmula não justifica concluir pela ausência de fundamentação.
IV – É nula, por falta de fundamentação, a sentença que utiliza expressões ou enunciados como “foram muitas vezes”, “de forma quase diária”, “expressões subsecutivas ou semelhantes”, “inúmeras mensagens escritas”, “cujo objetivo, por plúrimas vezes, era o de perturbar, inquietar”, “com frequência “ e “elevado número de mensagens que enviou”, ou seja, enunciados valorativos ou genéricos que não foram especificados em circunstâncias factuais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 1244/12.8PWPRT.P1

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO
Nestes autos foi o arguido B… condenado pela prática, em autoria, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo Art.º 152.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e condicionada a um regime de prova, mediante a imposição dos subsequentes deveres e regras de conduta: a) - cumprir um plano individual de readaptação social, a elaborar, no prazo de 3 meses, pelos serviços de reinserção social; b) - realizar, durante o período de suspensão, entrevistas com um técnico da DGRS, com a periodicidade por este definida; c) - receber visitas do técnico de reinserção social ou apresentar-se à DGRS, quando para tal for convocado, e prestar quaisquer esclarecimentos sempre que necessário; e d) - informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência. Mais foi o mesmo arguido condenado a pagar à assistente/demandante C…, a título de danos não patrimoniais (actualizados), a quantia global de € 4.200,00 (quatro mil e duzentos euros), acrescida de juros moratórias, à taxa de 4%, desde a presente data até integral pagamento.
Não se conformando com esta sentença, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação que:
1. Este processo é uma arma de arremesso, uma retribuição pelo processo de regulação das responsabilidades parentais que o Arguido se atreveu a interpor.
2. "Delegaste em terceiros as nossas vidas, logo, assim será e viverás com as consequências nefastas de td isto ... " escreveu a Assistente ao Arguido.
3. Entende o Arguido, aqui recorrente, que da prova carreada aos autos e produzida em julgamento não devia ter resultado a sua condenação - penal e civil.
4. Dos autos não consta nenhuma prova suficiente ou sequer credível de que o Arguido tenha praticado os factos que lhe são imputados.
5. O Arguido e a Assistente nunca se entenderam quanto ao exercício das responsabilidades parentais da filha de ambos, D….
6. Na primeira denúncia em 29-11-2012, a Assistente apenas refere um conjunto de alegados factos, que analisados objectivamente se traduzem na dificuldade que ambos sentem - e que ambos sempre assumiram - no exercício conjunto da parental idade da D…, cuja falta de regras judicialmente demarcadas, ou mediadas, favorece.
7. A Acusação Pública foi transcrita ipsis verbis para a sentença; do mais simples adjectivo, à insignificante vírgula, tudo foi copiado para os factos dados como provados como estavam da Acusação Publica, incluindo os seus notórios erros e vícios - como exemplo a extrema inexactidão e imprecisão de facto, tempo lugar e modo.
8. Com todas as equívocas fixações no tempo e quantidades, é impossível ao Arguido defender-se das "plúrimas" (sic) e "inúmeras" (sic) imputações que lhe são feitas, violando-se princípios fundamentais como os da Contraditoriedade e da defesa.
9. A sentença viola o disposto no art. 374°, n.º 2 CPP que obriga a que da sentença "conste a ENUMERAÇÃO dos factos provados e não provados".
10. O Recorrente adoptou uma classificação de facto - parágrafo, para poder apresentar o seu recurso e melhor especificar qual o facto/parágrafo a analisar.
11. Em 28 de Fevereiro de 2013, a Assistente formalizou a sua queixa de Violência Doméstica contra o Arguido, junto do DIAP.
12. Assim, quanto aos factos supostamente ocorridos até 6 meses antes da queixa formal, da Assistente no DIAP, cuja única referência aos mesmos surge pela primeira vez nessas declarações prestadas no Inquérito em 28-02-2013, resulta que por ausência de queixa o procedimento criminal relativo aos factos que constam dos parágrafos 4.° a 15.° se encontra extinto e como tal deve ser declarado - por exemplo, do episódio do "beliscão", no facto 9.° até à sua denúncia, passaram 11 meses!
13. Tanto o Arguido como a Assistente, invocaram inúmeras razões para o deteriorar da relação que os uniu. É incontestável, que como dizia a Assistente "existiram várias frentes de tensão".
14. Já o Arguido referiu que tornaram-se notórias as "divergências culturais e as diversas formas de estar na vida".
15. O Tribunal a quo deu também como integralmente provado o 5.° parágrafo: "Com o passar do tempo, as sobreditas discussões intensificaram-se, passando a ter lugar todos os dias, ocorrendo que, além das expressões acima mencionadas, o Arguido dirigia também à C… expressões como "bruxa, manipuladora, nunca devias ter tido a minha filha, os teus filhos (adotados) são uns infelizes, deviam ter ficado onde os foste buscar, são uns rafeiros, nunca vão ser irmãos da D…, não tenho obrigação nenhuma de os sustentar!".
16. Contudo, a própria Assistente foi dizendo que até Setembro de 2012 fizeram ambos tentativas de reconciliação, e que estes meses tiveram altos e baixos, basta atentar no email que a Assistente enviou ao Arguido em Maio de 2012, sob o tema Recomeçar, e ainda trata o Arguido por My Lord.
17. Logo, altos e baixos e tentativas de reconciliação são incompatíveis com as discussões diárias
18. Quanto às demais expressões, "nunca devias ter tido a minha filha e os teus filhos são uns infelizes, são uns rafeiros, nunca vão ser irmãos da D…" ... é mentira, nem uma nem outra expressão encontram eco em qualquer parte do depoimento do Arguido, da Assistente ou de qualquer outra testemunha, pelo menos no sentido que a sentença relata.
19. Temerário e de pura ilegalidade a introdução de expressões como Rafeiros referindo-se aos gémeos, nesta sentença, dando-a como provada sem o mais ínfimo suporte probatório quando existem referências no processo de precisamente o contrário, acerca da relação do Arguido com os gémeos. O Arguido afeiçoou-se profundamente aos gémeos, ao ponto de estes o chamarem pai B…. Eles tinham no Arguido um apoio e um acompanhamento seguro e tranquilo, vínculo este que foi cortado, deliberada e abruptamente pela Assistente, que após a separação do casal, impediu qualquer contacto dos miúdos com o Arguido, apesar das insistências dele e dos miúdos.
20. O Arguido sempre achou a Assistente uma boa Mãe, e a Mãe ideal para a sua filha.
21. Diz-se na Sentença que "Foram muitas as vezes que o Arguido proibiu os filhos mais velhos da Assistente de se aproximarem da D…, alegando que poderiam fazer-lhe mal ou transmitir-lhe doenças, deixando a Assistente, com tal atitude, profundamente triste " uma imputação completamente descabida, que está no entanto, acoplada ilegalmente a um infinito de possibilidade de "foram muitas as vezes".
22. Em Setembro de 2012 os gémeos contraíram uma gastroenterite, tinha a D… apenas 14 meses, o Arguido suplicou à Assistente que deixasse levar a D… para casa dele, para não ser perturbada ou contaminada, ou evitar um maior impacto da doença. Não era um insulto aos gémeos, tratava-se apenas de uma tentativa de salvaguardar a D… e a sua saúde, e ajudar a Mãe. Pois tal não foi permitido, e a D… ficou também com vómitos, febre e os demais sintomas próprios da enfermidade.
23. Também quanto a este facto, o Meritíssimo juiz a quo, não fez caso das declarações do Arguido nem das tais "inúmeras" sms que terão servido apenas para aborrecer a Assistente, senão, teria que concluir de forma diferente quanto ao facto n.º 6 ao considerar as sms que se transcreveram, do Arguido para a Assistente, e da Assistente para o Arguido.
24. Avançando para os factos 7, 8 e 9 - os parágrafos 7, 8 e 9 - da matéria de facto dada como provada, temos duas versões para o mesmo facto. Certo é que é a Assistente recebeu um beliscão, mas a acreditar na versão do Arguido, este terá sido vítima de pelo menos 7. E se Assistente disse que não, nunca deu qualquer beliscão, logo se contradiz. Portanto, a conclusão é óbvia: ou são ambos condenados pela "infame agressão" ou não é nenhum. Relembre-se as palavras da Assistente: "Ele nunca me bateu Sr. Dr., eu nunca acusei o B… de me bater, de me empurrar contra a parede,!."
25. Nem a irrealista versão da Assistente foi considerada pelo Mmo. Juiz a quo e a sentença tomou, nesta parte novamente o caminho da cópia. O Arguido, diz "A", a Assistente diz "B", e a Sentença ... diz "B+C" num exemplo de descoordenação factual notória.
26. Quanto ao facto n.º 10, vejamos o parágrafo 10.° do elenco não enumerado dos factos dados como provados. É forçoso concluir, que o Arguido não empurrou a Assistente, mas segundo ela própria, ao abrir a porta do elevador, poderá de alguma forma - não o sabemos, porque a Assistente não o descreveu - ter provocado algum contacto com a Assistente. Há que mobilizar critérios de normalidade e se facto a porta do elevador empurrou (não bateu!!!) a Assistente, diga-se que foi a própria a considerar tal facto como uma "falta de cortesia".
27. "O PROCESSO PENAL ATENTA A SUA NATUREZA ACUSATÓRIA E SENDO REGIDO PELOS PRINCÍPIOS DA TIPICIDADE E DA LEGALIDADE, IMPÕE PARTICULARES EXIGÊNCIAS AO NÍVEL DA CERTEZA, DA CLAREZA, DA PRECISÃO E DA COMPLETUDE DOS ACTOS IMPUTADOS, DE FORMA A QUE O ARGUIDO SE POSSA DELES EFICAZMENTE DEFENDER" - Cit. d. Ac. Relação do Porto de 08-07-2015.
28. O facto/parágrafo 11.° "Desde então, sempre que discutiam, o Arguido insultava a Assistente, apelidando-a de "miserável criatura, vigarista, manipuladora, maldosa e bruxa"; e o facto/parágrafo 32.º"Com frequência, o Arguido insultou a Assistente, dizendo-lhe que ela era a culpada de tudo, que ia pagar por tudo, que não era competente para educar a D…, que não sabia ser Mãe e que era uma incompetente" padecem de uma gritante e ilegal imprecisão, inexactidão e ambos reconduzem-se à impossibilidade de sequer se atribuir a uma única situação em que tal pudesse ter acontecido.
29. E a Assistente nem consegue lembrar-se dos ditos insultos que alega ter ouvido nas datas que diz lembrar-se bem, atalhando com um muito conveniente "estão aí no pape!", quanto mais as que foi ouvindo "sempre que discutiam".
30. "Com frequência" insultou a Assistente. Como? Disse-o? Escreveu-o? Mandou um bilhete? Fez sinais de fumo? Fê-lo uma, duas ou pelo menos 5 vezes? Não, o que quer que tenha e como quer que tenha feito, fê-lo com frequência.
31. Como é possível o Arguido defender-se de tal imputação genérica? Como refutar este conjunto "fáctico" não concretizado?
32. Outro exemplo de como de como a sentença vai mais além do que é dito pela própria Assistente, temos que é dito: "Sempre que ameaçou, insultou e bateu na Assistente, C…, (…), ora a Assistente foi peremptória:? ELE NUNCA ME BATEU, SR. DR., EU NUNCA ACUSEI o B… DE ME BATER, DE ME EMPURRAR CONTRA A PAREDE, OU DE ME.. NUNCA." Mas o Sr. Juiz a quo deu como provado que o Arguido bateu na Assistente, e condenou-o por isso.
33. O facto/parágrafo 12.° traduz mais uma situação de palavra contra palavra: a Assistente diz que o Arguido queria passear com a menina, ela entendia que estava calor, disse-lhe que era melhor não irem, e o Arguido por isso, respondeu com a seguinte expressão: "Sua puta. Tu és uma filha da puta. Eu mato-te, sai da minha frente". E o Arguido levou a menina? Ela disse que não. Mais tarde falaram sobre o sucedido.
34. Nem é preciso dizer o quão veementemente o Arguido negou esta imputação, de tão irrealista e sem sentido. Nunca sequer ele usa este tipo de vocabulário.
35. É verosímil que alguém que não usa tais expressões e ameaças no quotidiano - e a Assistente e todas as testemunhas o garantiram "O B… é adequadíssimo!" - o faça uma única vez, e logo numa situação como esta descrita no parágrafo 12°77 Não.
36. Contudo, ainda não satisfeito, o Meritíssimo Juiz a quo foi mais além do criativo relato da Assistente, quanto a este evento, acrescentando-lhe ainda expressões que nem a Assistente referiu, que foi a expressão "conseguiste dar o" Golpe do baú!"
37. Este facto seja dado como não provado, é a palavra dele contra a palavra dela, e a história que a Assistente contou não tem qualquer sentido e vai contra tudo o que ela própria diz e as testemunhas confirmam, e o próprio juiz pôde também verificar.
38. No parágrafo 13.0 da lista de factos dados como provados, pelo tribunal a quo, diz-se que "Quando confrontava o companheiro com a separação, a Assistente recebia como resposta: "se saíres de casa, levas só os gémeos e deixas a D…, porque se levares os três, nem que seja só por uns dias, eu pego na D… e vou-me embora com ela!; se saíres para casa da tua irmã, quando voltares, eu saio sozinho e levo a bebé!"; pelo depoimento da Assistente e suas testemunhas resulta que a Assistente queria levar os filhos para Viana do Castelo, sozinha - sem o Arguido -, para fazer férias com uma irmã. O Arguido diz-lhe que também quer fazer férias com a filha, junto da sua família, em Lisboa. A Assistente não foi fazer férias, porque não queria que o Arguido tivesse igual direito. Ele nunca exigiu que ela lá ficasse.
39. Concluindo, a redacção deste "facto 13" é de todo infeliz e completamente descontextualizada, deveria ter sido dada como não provada, aliás nem sequer constar dos factos sujeitos a prova, tal a fala de relevância criminal,
40. Depois foi o Arguido condenado também porque, veja-se bem, "Durante o verão do ano 2012, dia sim, dia não, o Arguido pegava na D… e saía com ela para passear, alegando que não sabia para onde ia nem onde tinha andado, por não ser do Porto, circunstância que deixava sempre a Assistente angustiada por não saber do paradeiro da filha; "- Facto 14 ¬equivale ao parágrafo 14.0 da matéria de facto provada.
41. Nesta altura Assistente e Arguido ainda viviam juntos.
Porque é que se qualificou esta actuação do Arguido - passear com a filha e não saber o nome das ruas por onde andava - como crime? Questionava o Sr. Juiz: "mas nessa altura, a senhora ate estaria a trabalhar, a tarde, qual era o grande problema?" e a Assistente responde: "O problema é que eu não achava justo isso, não acho".
42. Conclusão: o Direito Penal não se destina a tutelar o eventual excesso de sensibilidade de determinadas pessoas, uma vez que no entender da Assistente, "não era justo" que o Arguido, enquanto estava com a sua filha, não soubesse e dissesse por qual rua, avenida, parque ou berma do rio, andava.
43. Não era criminoso .. era injusto .. Senhores Desembargadores .. Justiça pede o Arguido!
44. O parágrafo 15.°, nem é qualificável de "facto".
45. "Após a separação do casal, que ocorreu em Setembro de 2012, o Arguido, de forma quase diária, quer pessoalmente quer por telefonemas, dirigiu-lhe os termos e expressões subsecutivas ou semelhantes, o que deixava a C… aterrorizada: "vou ser o teu pior inimigo, vais levar comigo todos os dias da tua vida, miserável criatura, vigarista, trapaceira, mentirosa, qualquer dia tiro-te a D…, levo-a e não ta entrego mais, a tua vida vai mudar, primeiro vou tratar da D… e depois de ti e dos gémeos, vou à Segurança Social dizer que não tens condições para tratar dos teus filhos, vais aprender, vais ver a D… de vez em quando, vais ser tu a ir busca-la a minha casa, guarda as energias para te defenderes em tribunal, pois vais precisar, merecias a morte";
46. A transcrição acima referida não tem qualquer suporte sujeito a prova que o possa sequer atribuir a um meio de comunicação específico: agiu o Arguido de todas as formas ou só de algumas? Se agiu de todas estas formas onde se encontram transcritas e identificadas as mensagens e identificadas, datadas as chamadas e respectivo conteúdo? Como se atribuem ao Arguido dizeres e mensagens de forma tão geral e nada concreta? Que prova suporta tal alegação?
47. Citando de novo o Ac. Relação do Porto de 08/07/2015: "Não podem ser valorados os factos genéricos e vagos sem indicação do tempo, local e modo de cometimento dos factos (. . .) sob completa subversão dos princípios de direito penal, e o processo por violência doméstica virar um manifesto processo kafkiano".
48. Este parágrafo 15 é ilegal e só pode ser considerado um erro técnico dos profissionais que deveriam ter como foco a procura da verdade e decidirem-se com base nela, e aqui desconsideraram as particulares exigências ao nível da certeza, da precisão e da completude dos factos imputados que o CPP exige - artigo 283.° CPP.
49. De seguida temos que "Não obstante os pedidos da Assistente para que a menor fosse entregue a pessoas da sua família, por forma a evitar ser objecto dos insultos acima descritos, o Arguido exigia a sua presença em todas as "transições", obrigando-a a alterar as suas rotinas de vida e a adaptar os seus horários de trabalho em conformidade", no parágrafo/facto 16.°.
50. O horário em que a D… podia estar com o Pai, das 14h às 19h30, resulta da imposição da Mãe/Assistente, porque lhe dava jeito já que era o seu horário de trabalho ... apenas da parte da tarde, logo, as rotinas de trabalho é que determinavam os contactos do Pai com a filha.
51. A Assistente não era a única pessoa que o Arguido acedia para entregar a D…. A irmã da Assistente, E… sempre reuniu consenso, entre Assistente e Arguido, contrariamente ao que consta do parágrafo n.º 16 que dispõe "não obstante os pedidos da Assistente para que a menor fosse entregue a pessoas da sua família, (, .. .) o Arguido exigia a sua presença em todas as transições" que por isso foi erradamente considerado como provado, face à prova produzida e apresentada em julgamento.
52. O parágrafo 17.° é uma continuação desta atitude persecutória face ao Arguido: "O Arguido fazia exigências à Assistente, tais como obrigá-Ia a ir a casa buscar um brinquedo ou uma manta da D…, senão não lhe entregava a menor, exigências que a C… cumpria com receio de que o B… cumprisse as suas promessas."
53. O Arguido fazia pedidos, - nunca "exigências" - à Assistente, e nunca o fez sob pena de qualquer ameaça, como se pode verificar pelos muitos exemplos das mensagens acima transcritas, e a Assistente fazia igualmente os seus pedidos, exactamente da mesma forma. Eram pedidos realizados por dois Pais separados, que partilhavam, naquela altura, o tempo com a filha numa base diária. Os pedidos são normais - a chuchas, o champô, os medicamentos, as roupas, os casacos, os documentos, o carrinho, a boneca, a bicicleta .... -, são razoáveis, são civilizados .. por vezes num tom mais crispado, que outros, mas ainda assim, normal entre duas pessoas que deixaram de viver uma relação amorosa - e neste caso também profissional.
54. De novo, não há qualquer fundamento para qualificar este parágrafo como um facto ilícito, e provado, e pior, condenar o Arguido por fazer pedidos de coisas para filha - uma vez que a Assistente o fazia também.
55. No parágrafo 18: "Do mesmo modo, desde que se separaram, o Arguido enviou, pelo seu telemóvel com o n. o ………, para o telemóvel da Assistente, com o n. o ………, inúmeras mensagens escritas, tal como resulta de folhas 23 a 32, do CD junto a folhas 207, de folhas 209 a 211 e de ff. 1018-1247, mensagens estas cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, cujo objectivo, por plúrimas vezes, era o de perturbar, inquietar e desequilibrar a Assistente."
56. As sms foram sempre o meio de comunicação preferido, existindo, por vezes, alguns emails, e como se pode comprovar da leitura das comunicações juntas aos autos, o Arguido apenas e só procurava saber noticias da sua filha, fazer questões sobre ela, sobre a alimentação, tentar acordar esquemas de horas, pedir items - medicamentos ou brinquedos da menina - e sim, por vezes demonstrar a sua indignação, por exemplo, a ter de alertar a D. C… para o cumprimento de hábitos de higiene e salubridade básicos, ao que a Assistente respondia, sem medos, sem indícios de perturbação, e por vezes até com ironia (exemplo: "B… dixit!'j
57. A sentença considera que inúmeras são criminosas, apesar de concluir que só algumas, têm o objectivo de perturbar, inquietar e desequilibrar a Assistente. Quais? Como por exemplo? Bastaria um só exemplo, das transcrições efectuadas para se perceber ..
58. Todos os dias faziam 2 transições, por causa da filha, partilhando o seu tempo com a menina, julga o Mmo. Juiz a quo que nada havia a perguntar? A discutir? - SIM, É VERDADE, OS PAIS DISCUTEM MUITAS, "PlÚRIMAS" VEZES POR CAUSA DOS FilHOS, até os que não estão separados.
59. Apesar de ter dado este "facto" como provado certo é que o Sr. Juiz a quo não transcreveu, uma mensagem só que fosse apta a perturbar, inquietar e desequilibrar a Assistente. Não o fez, porque não há! O teor das suas comunicações não tem nada de intimidatório.
60. Apesar de requerido, não foi o telemóvel do Arguido sujeito a idêntica perícia ao telemóvel da Assistente, apesar de tal exame ter sido requerido em sede de Contestação, e renovado, em sede de audiência de julgamento, em 20-03-2015, porquanto, certo é que a transcrição das sms, feita pela Policia Judiciária aos telemóveis da Assistente não é exaustiva, ou seja, não compreende todas as sms que de facto estavam no telemóvel, de modo a comprovar que, por exemplo uma resposta mais áspera do Arguido, não tenha sido provocada por uma pergunta mais inconveniente da Assistente.
61. Sobre as mensagens classificadas como intimidatórias, intrusivas, insultuosas e coactivas, interessa realçar o depoimento de algumas testemunhas:
F…: Testemunha: Eram as mensagens; Juiz: eu também vi as mensagens, ( ... ) olhando para as mensagens não noto nenhum receio por banda da C… na resposta. Pelo contrário. Ela replica. Ela vai retorquindo sempre com à vontade. ( ... ) não evidencia o receio que o Sr. diz que ela tem, e são mensagens longas. Vê-se que são duas pessoas que implicam um bocadinho, ( ... ) não são pessoas ambas, que se deixem ficar. Se o senhor descreve um medo atroz, ela não tinha necessariamente de responder, nas mensagens são ambos delicados; depois deste episódio o senhor soube de mais alguma coisa de relevante entre o B… e a C…? Testemunha: "hhh, houve mais coisas. Então não havia, ... mas era tudo coisas que eu ouvi contar".
G…: "MP: E as mensagens? Testemunha: Mensagens vi várias ... muitas... eram... foram ... eu nem sei quantas, centenas seguramente, centenas de mensagens ... A pressão era sobretudo mensagens. Teor? Como é que está a menina, sempre a querer saber da menina, mas coisas constantes... está bem? O que é que está a fazer? Esse tipo de coisas."
H…: "Testemunha: A mentira e a distorção pautaram o comportamento do B…. MP: em que momento é que havia distorção, se não havia diálogo? Testemunha: As sms! Que ele enviava. Invasivas, intrusivas, acusatórias. MP: Lia os sms? Testemunha: Alguns. A C… contava. Assisti a muitas situações em que estávamos com ele e sistematicamente ... 4/5 mensagens caiam. E a C… respondia. A atentar apaziguar. E logo a seguir a entrega, saia com a carrinha, e passados 5 min começavam a chover mensagens. MP: Teor? Testemunha: Falta isto, falta aquilo. És não sei o que? Intrusivas, coacivas, ( ... ) MP? Porque? Testemunha: O conteúdo, o timing .. A insultá-Ia .. tudo era motivo para ele pegar. MP: Insultos de que tipo? Testemunha: Não posso precisar ... Eram .. insultos ... não é conteúdo, é a atitude, a invasão em permanência. É persecutório."
E…: MP: teve conhecimento de que eram enviados esses sms?
Testemunha: sim, muitos. Vi algumas. Era porque falta a chupeta, era por não pôs a pomada não sei de que ... Era uma verdadeira perseguição, com mensagens a toda a hora, e eu não sei como é que se consegue viver assim. Só realmente quem tem muito tempo disponível. MP: e as que viu e leu eram desse teor? A exigir alguma coisa?
Testemunha: Ele exigia tudo. Nunca nada estava bem... MP: alguma vez leu uma sms que tivesse outro tipo de teor? Sem ser as tais exigências? Que fossem dirigidas à C…? Testemunha: hhh .. teor .. não, nessa altura não. Era o que ela me contava. MP: outras eventualmente agressivas, de alguma forma? Testemunha: não li nenhuma, não me lembro"
I…: "Testemunha: É assim, passaram-se, passou-se muito tempo, as mensagens eram algumas e eu creio que algumas daquelas mensagens eram para chatear, para tirar a pessoa do sério, para desequilibrar. É a minha opinião. MP: Mas eram insultuosas? Testemunha: Não direi que fossem insultuosas porque não tinham palavrões nem coisa que se parecesse. MP: Mas de alguma forma achincalhavam, ofendiam? Testemunha: Eu acredito que fossem mensagens para desequilibrar mesmo, ( ... ) Testemunha: Eram mensagens longas com uma linguagem muito rebuscada, lembro-me disso, hhh, lembro-me de ficar chocada sinceramente de ficar muito surpreendida com ... MP: Recorda-se de alguma? Assim por exemplo para nós percebermos porque é que ficou chocada? Testemunha: Não me recordo. MP: Mais ou menos ... Testemunha: Não, não me lembro, não me recordo."
62. Em suma, não se alcançam os motivos que determinaram a convicção do Sr. Juiz a quo, para considerar que plúrimas das inúmeras sms enviadas pelo Arguido para a Assistente têm teor ou sequer relevância criminal.
63. Nem uma só foi transcrita para a sentença, uma só que demonstrasse que o Arguido massacrava a Assistente com sms.
64. Não se deu um exemplo de quando ou quanto foi a Assistente enxovalhada e ofendida por meio de mensagens.
65. Não se logrou reunir um único exemplo que pudesse demonstrar que a troca - sim, troca, porque a Assistente também enviava sms, a perguntar, a pedir e a responder sobre a D… - de sms entre o Arguido e a Assistente a perturbavam, de forma que o DIREITO PENAL tenha legitimidade em ser convocado.
66. O parágrafo 19.0 deu como provado que" no dia 29 de Novembro de 2012, na Rua…, no Porto, quando se deslocou a casa da Assistente, a fim de entregar a D… à Assistente, o Arguido exigiu que esta se deslocasse até junto da sua carrinha para conversarem, caso contrário levaria embora a filha de ambos;"
67. A Assistente alega que foi neste dia - 29 de Novembro de 2012 - que surgiu a necessidade de chamar pela primeira vez a Policia, e há que relembrar que o Arguido tinha dado entrada há poucos dias do Pedido de regulação das responsabilidades parentais da D…, em juízo, por não conseguir chegar a acordo com a Mãe, sobre o exercício das mesmas
68. Sobre o dia 29-11-2012 disse a Assistente "Em Novembro chamei a Policia pela primeira vez. 29 de Novembro. Fui confirmar. Chamei a Policia pela primeira vez porque houve esse episódio com o F…, ( .. .) Ele estava la em baixo, e ia-me ajudar com os sacos ... ( .. .) tentou arrancar com a carrinha e o F… pôs-se na frente. E dei a volta à carrinha e fui buscar a bebe. Chamamos a polícia e relatamos o acontecimento."
69. Ora tal relato a ter sucedido, não o foi no dia 29 de Novembro. Ora que sucedeu afinal no dia 29 de Novembro de 20127 Às duas da tarde a Assistente entrega a menina ao Pai, como combinado; às 14h09min - conforme o Auto de Denúncia - a Assistente comparece na Esquadra da PSP de Francos e relata certos eventos sem contudo concretizar datas, e apesar de no seu depoimento em Julgamento ter asseverado que tinha chamado a Policia, o que sucedeu foi que a própria Assistente deslocou-se à Esquadra. À noite, durante a entrega, e já depois de ter ido à esquadra, sucede que o a Assistente se aproximou naturalmente da carrinha do Arguido para cumprimentar a D. J…, Mãe do Arguido, que estava presente nesse dia, conforme o Arguido até já tinha avisado a Assistente. Além do mais a D. J… tinha com ela uma amiga que depôs em julgamento, sobre o dia 29 de Novembro de 2012, depoimento este que o Mmo. Juiz a quo considerou não importante.
70. Anda maio Juiz. De novo, a sentença incorre numa inexactidão gritante, e que atropela os mais elementares direitos do Arguido, mormente o Direito a um Julgamento justo e equitativo, e fá-lo ignorando as provas que foram apresentadas em julgamento, aptas a contrariar a versão da Acusação Publica e a versão da Assistente.
71. Concluindo, o facto do dia 29 de Novembro de 2012 que consta da Sentença, no seu parágrafo 19.°, é uma inverdade absoluta que deveria ter sido dado como não provado, caso o tribunal tivesse atentado com cuidado nas datas e nas provas apresentadas e que simplesmente desconsiderou, dando mais importância uma história preparada e atabalhoada da Assistente, de modo a compor ainda mais o leque de "factos" para engordar uma Acusação.
72. O mesmo se passou quanto ao "Facto" que consta dos parágrafos 20,21 e 22: "No dia 13 de Janeiro de 2013, cerca das 19h30, o Arguido deslocou-se à Rua…, no Porto, a fim de proceder à entrega da D… à Mãe; Uma vez no local, verificando que a C… se encontrava acompanhada da I…, o Arguido negou entregar-lhe a D…, enquanto a sua amiga aí permanecesse. Como não conseguiu os seus intentos, o Arguido, em vez de entregar a D…, abandonou o local, levando a menor com ele."
73. A sentença é omissa relativamente aos factos que descreve: levou a menor com ele porquê?
74. Durante quanto tempo? E o que sucedeu de seguida? A esmiuçar este facto, como os demais, seria forçoso concluir não devia ter sido levado para a Acusação Publica, e desta para a Sentença.
75. O Mmo. Juiz a quo podia e devia ter-se apercebido dos detalhes importantíssimos dos depoimentos conjugados da Assistente, da Testemunha I… e a versão dos factos do Arguido, se o fizesse este dito "facto" não suportariam uma análise crítica segundo critérios de bom senso e normalidade. Ao invés, alicerçou a sua convicção apenas na história construída pela Assistente e reproduzida pela testemunha I….
76. Quanto às filmagens nada há a dizer. Aliás, há que repetir que o Arguido sempre filmou. Filmou todo o namoro com a Assistente, filmou os gémeos, as festas de família da Assistente, filmou até uma "intervenção espírita" num dos almoços de família da Assistente, os dias sem especial interesse, os dias especiais, filmava os passeios em família e filmava em casa, filmou a gravidez da filha D…, e continua a fazê-lo nos dias de hoje. É basicamente o que faz um cineasta, ainda que amador.
77. Nunca a Assistente manifestou ser contra estas filmagens desde que se conheceram, nunca impôs reserva de tal facto, nunca se importou antes .. Importou-se apenas quando se separaram, e o Arguido pretendia documentar o dia à dia de um Pai que não vive com a única filha e só está com ela quando a Mãe permite.
78. Certo é que, como a Assistente disse ao Tribunal, nunca verbalizou ou sequer escreveu explicitamente: NÃO QUERO SER FilMADA. Durante os supostos meses que estas ocorriam, apenas colocava a sua "máscara de suposta indignação" ao deixar no ar uma pergunta: "o que é que estás a fazer? estás a filmar?".
79. Podemos ter a certeza que a Assistente disse o que a Sentença diz que disse em 23 de Abril?
80. Podemos ter a certeza que o Arguido lhe disse que o seu filme denominado "…" a iria mandar para a prisão? Não o podemos saber.
81. É a palavra dela contra a dele .. de novo
82. A Testemunha H… confirma que a Assistente também levou a cabo filmagens, usando um amigo escondido, durante as entregas. Ou seja, toda a gente filmou, a diferença é que o Arguido, como sempre, o fez abertamente, ao contrário da Assistente que nunca o assumiu; tal como nunca, expressamente, se opôs a nenhuma filmagem.
83. Os factos relativos às filmagens não têm relevância criminal, porquanto o Arguido apenas e sempre pretendeu filmar e retratar em filme a vivência de um Pai e dos seus esforços em manter uma relação com a sua filha, apesar de todas as dificuldades.
84. Diz-se no Paragrafo 260 que "Também os insultos persistiram no decurso das entregas, sendo a Assistente apodada de "monstro e mentirosa", e aterrorizada com as subsecutivas expressões: "mereces morrer, vais ser presa, vou-te destruir, vou-te denunciar à Segurança Social';
85. Ora, sendo certo que em 2013 as transições eram todas acompanhadas sempre por alguém da confiança da Assistente, todos estes epítetos e ameaças deveriam então apresentar-se como evidentes nos depoimentos das testemunhas que estiveram presentes neste período, que vamos supor será o ano de 2013 - sim, supor, porque este facto não está delimitado temporalmente, nem sequer a uma parte específica de um ano.
86. Das 4 testemunhas que estiveram presentes nas transições, cada uma depôs com a sua versão, e cada uma com diferentes epítetos atribuídos à Assistente, e todos muito diferentes dos que o Mmo. Juiz a quo decidiu dar como provado. Apenas o adjectivo "mentirosa" é comum. Podia-se discutir a adequação do dito adjectivo supostamente atribuído à Assistente? Podia, mas tal não foi feito.
87. Logo, erro notório na apreciação da prova e contradições flagrantes entre a fundamentação e decisão - artigo 410.0 CPP.
88. Nos parágrafos 27.0 e 28.0 da matéria dada como assente, faz-se referência à denúncia por alegados abusos sexuais à D…, melhor contextualizado supra, nas alegações referidas a estes parágrafos.
89. Resumidamente, em Julho de 2013, a D… começou a exibir determinados comportamentos que "assustaram" o Pai - diga-se que assustariam qualquer Pai - a masturbação da filha, com apenas 2 anos de idade, e que a mesma atribuiu tal comportamento à Mãe. O Pai assustado, questiona a psicóloga - que havia contratado para aprimorar as suas competência parentais, e algumas vezes estudava a interacção de ambos em ambiente de casa, - se tal é normal, e tendo ela visto tal comportamento da menina, numa das vezes que foi a casa do Pai, deu ela início a um processo de averiguação, junto da CPCJP, por entender, enquanto profissional, que tal comportamento não é adequado tendo em conta a idade da menina e é normalmente um sinal de alerta por parte da criança. O processo correu contra a Mãe, porquanto seria ela a responsável pela existência de tais comportamentos da D… - a classificação de abuso sexual não é da responsabilidade da Dra. L…, mas da CPCJ que accionou o processo, após o relato dos comportamentos observados. Diga-se que, durante o decurso do processo de promoção e protecção, nunca a Assistente, apesar de principal visada, disse o que afirmou neste julgamento: que conhecia, compreendia, tolerava, e não actuou sobre os comportamentos masturbatórios da filha de 2 anos de idade. A Assistente deixou o processo de Promoção decorrer, fazendo do Pai um alarmista sem razão. Tudo se tinha resolvido, imediatamente caso a Assistente informasse que tal comportamento da filha, que chocou o Pai, - chocaria qualquer Pai ou Mãe - fosse algo de normal, que ela até tinha já conhecimento, e nada fez para o resolver. Atente-se que até a Testemunha H…, amiga da Mãe, conhecia este comportamento da D….
90. Apelando novamente aos critérios de bom senso e normalidade, pois não temos os conhecimentos da Assistente no assunto, ... não ficaríamos também assustados?
91. Os parágrafos 29.0 e 30.0 da matéria de facto dada como assente, foram em alegações finais, tidos como não provados pela Exma. Senhora Procuradora. E compreende-se porque é mais uma amálgama de imputações e expressões que não têm qualquer identidade com o que a Assistente disse em julgamento, e muito menos com o que a Testemunha M…, especialmente visada, relatou.
92. O Arguido negou-o expressamente: nunca deu qualquer murro à porta, insistiu sim, à campainha pelo brinquedo da filha, que o estava a pedir, mas não foi além, tudo mais é um relato infundado da Assistente, apenas, não corroborado por mais ninguém.
93. As restantes expressões que a Sentença atribui ao Arguido nesta data de 25-09-2013, nunca foram proferidas pelo Arguido, nem nesta nem noutra situação. São pura falsidade, e tal como todos os factos criados a partir desta situação de 25 de Setembro, nunca deveriam ter sido dados como provados.
94. Em 12-12-2013 decidiu a Assistente "agravar" as suas queixas de Violência doméstica contra o Arguido, por requerimento feito no Processo N.o 1244/12.8PWPRT, o que determinou a fixação de um estatuto coactivo devido à situação alegada o que veio a suceder, precisamente, em 27¬12-2013.
95. De notar que a Meritíssima Juiz de Instrução ressalvou os contactos do Arguido com a filha, que deviam ser mantidos.
E, por isso, a Assistente decidiu, unilateralmente e ao arrepio do despacho, que a partir de 29 de Dezembro de 2013, a D… não veria mais o Pai.
96. Disse o Arguido: O Marido da H… disse-me um dia que" o objectivo é provocar-me, é cansarem-te, a ver se tu vais para Lisboa e deixes uma pensão de alimentos à Mãe." (. . .) Utilizaram tudo .. a D… tinha um vinculo tremendo ao Pai, e a Mãe como psicóloga sabia que era o período ideal para cortar o vinculo e retira a D… do Pai. Este carácter possessivo, dominador, de achar que um Pai não é importante na vida da filha é qualquer coisa do seculo passado .. ela cantava uma canção: "a Mãe dá a papa e o Pai dá o que tem". O sentido de Mãe .. ela é uma excelente Mãe, mas tem este lado, incapacidade de partilhar uma criança.
97. Vistos os factos erradamente dados como provados, analisados criticamente à luz das provas juntas aos autos, e das que não foram consideradas, é hora de subsumir o resultado à previsão da norma legal (artigo 152.° CP),e verificar-se que não se mostram preenchidos os elementos típicos objectivos e subjectivos de tal ilícito, pois é impossível concluir-se que Arguido ameaçou, insultou e bateu na Assistente, bem como não se reuniram provas de que tenha incomodado, inquietado ou atemorizado a Assistente, nos termos em que o artigo 152.° CP prevê.
98. Na verdade, os factos elencados na Sentença, objectivamente analisados, uns falsos, outros completamente descontextualizados, em vista do terminar de uma vivência conjugal, e das razões, motivos, modo de actuação do Arguido e da Assistente, e mesmo a considerarem-se possíveis, não revelam por parte do Arguido insensibilidade e desprezo para com a Assistente pondo em causa a sua dignidade pessoal como tal, e por isso não são dotados da " ... intensidade adequada a ofender de forma significativa a dignidade da vítima." - Ac. R.C. 2/10/2013 www.dgsi.pt/jtrc; - pois não estamos perante nenhum tratamento desumano ou degradante que ofenda a dignidade da pessoa humana.
99. Nunca o Arguido pretendeu atingir a Assistente na sua dignidade enquanto ser humano merecedor de respeito e consideração, manifestando total desinteresse pelo seu bem-estar.
100. E certo é que durante o tempo todo em que relacionaram e até à data, o Arguido nunca conseguiu ter qualquer tipo de ascendente sobre a Assistente, que soube sempre reagir com sarcasmo, tom provocatório e com mensagens extensas e daí se compreende que a relação deles nunca tenha, de facto atingido a gravidade que durante o julgamento a Assistente e suas testemunhas tentaram fazer crer, e por isso nunca a Assistente ficou reconduzida a uma vida de medo e muito menos subjugação.
101. O Direito Penal não se destina a tutelar o eventual excesso de sensibilidade de determinadas pessoas perante expressões e afirmações que lhes sejam dirigidas. A vivência em sociedade traz contrariedades e conflitos, normais, por todos sentidas e inerentes à natureza humana, sem que isso seja, todavia, bastante para fundamentar a prática de ilícitos criminais.
102. Pelo que a decisão condenatória proferida pelo tribunal recorrido não pode manter-se, sob pena de violação dos artigos 127.°, e 374.° e 410.° do Código de Processo Penal.
103. Perante a insuficiência da prova produzida, o tribunal recorrido, decidiu condenar o Arguido ¬violando, também aqui, o princípio in dubio pro reo - pilar em que assenta o sistema Penal das garantias do processo criminal, constitucionalmente previsto no artigo 32.° CRP.
104. Quanto ao pedido civil, em nenhum momento a Assistente provou que se encontre num estado de degradação psicológica, e muito menos que se tenha enfraquecido a sua dignidade pessoal.
105. Como não evidenciou e muito menos provou inequivocamente quaisquer danos, não é de se atribuir qualquer indemnização, por falta do essencial nexo entre danos e facto.
Não há factos aptos a provocar danos, e não há danos que demonstrem que existiram factos.
Estabelece o artigo 563.° do Código Civil que "A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão:
Essencial é que o facto seja condição do dano, que o facto constitua em relação ao dano uma causa objectivamente adequada."
108. Nos termos do supra alegado e não tendo o Arguido praticado o crime em que foi condenado, deve o mesmo ser absolvido do pedido de indemnização civil.
109. Enferma ainda, a sentença recorrida de uma clara violação do artigo 72.° do CP uma vez que o Mmo. Juiz a quo não considerou todas as circunstâncias que pudessem abonar em favor do Arguido, nada de positivo foi salientado pelo Sr. Juiz a quo, excepto a óbvia inexistência de antecedentes criminais, que a contragosto, teve de considerar.
110. Não foi produzida prova inequívoca e certa de que o Arguido, ora recorrente, tenha praticado os factos descritos na acusação.
111. Não foi, nem podia ser, porquanto o Arguido não praticou tais factos ou cometeu qualquer crime.
112. Toda a construção da sentença enferma de vícios formais e de erros notório na apreciação da prova e de fundamentação da decisão de condenar o Arguido. O Juiz a quo optou pelo caminho mais fácil, - transcrição integral da Acusação Pública - sem observar e valorar criticamente os depoimentos prestados em confronto com os documentos juntos, e apreciar todos estes elementos numa perspectiva racional, lógica, e imparcial.
113. Note-se, aliás, que M.mo Juiz a quo vai além do que é dito pela própria Assistente, sem qualquer suporte probatório que o sustente, numa tentativa de agravar os supostos comportamentos atribuídos ao Arguido de modo a não poder concluir de outra forma diversa da Acusação.
114. O Arguido não enviou qualquer mensagem intimidatória ou insultuosa, não fez telefonemas intimidatórios ou insultuosos, nem dirigiu à ofendida qualquer expressão intimidatória ou insultuosa.
115. Sem provas inequívocas e sem reservas, não pode o tribunal condenar, pelo que ainda que em sede do princípio constitucional/penal in dubio pro reo se impunha a absolvição do Arguido. O Arguido nunca quis mal e nunca fez mal à Mãe da sua filha. A Assistente sempre reconheceu, ele é um bom Pai.

Respondeu o Ministério Público, pugnando pela improcedência total do recurso, concluindo da seguinte forma:
- a sentença recorrida cumpre todos os requisitos previstos no art. 374.º do Código de Processo Penal, pelo que não enferma de nenhuma nulidade;
- a indicação por parágrafos dos factos provados constitui uma fórmula possível de enunciação, não violando a mesma nenhum formalismo legal;
- o ilícito criminal imputado ao arguido, sendo de violência doméstica, reveste natureza pública, não estando o respetivo procedimento criminal dependente, por isso, da apresentação de queixa, pelo que o prazo atendível para aferir da legitimidade de tal procedimento é unicamente o relativo à prescrição;
- assim, atendendo às datas de ocorrência dos factos delituosos imputados ao arguido, o procedimento criminal instaurado é válido quanto à totalidade da factualidade;
- toda a factualidade dada como provada na sentença encontra-se devidamente alicerçada em elementos de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, sejam eles documentais, sejam testemunhais;
- as declarações da assistente e os depoimentos das testemunhas F…, G…,M…, O…, P…, H…, E… e I… foram claros, precisos e coerentes, não sendo detetada qualquer circunstância ou vicissitude que lhes pudesse retirar credibilidade;
- a decisão no sentido da condenação do arguido, ora recorrente resultou da apreciação crítica e conjugada de todos os elementos de prova produzidos em audiência de julgamento, sendo a mesma lógica e consentânea com as regras de experiência comum;
- essa ponderação foi explicada no capítulo da sentença dedicado à "motivação da decisão de facto", dali resultando o seu caráter minucioso e exaustivo, revelador do raciocínio seguido pelo tribunal para a conclusão sobre a factualidade demonstrada;
- não foi violado o disposto no art. 32°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que não se verificam os pressupostos necessários para a aplicação do princípio in dubio pro reo;
- aquando da valoração da prova, não subsistiu para o julgador qualquer dúvida sobre a verificação de algum facto que, por isso, devesse ser tido por não provado;
- os factos dados como provados integram os elementos típicos objetivos e subjetivos do crime de violência doméstica;
- o tribunal não violou o disposto no art. 71°, n." 2, do Código Penal na operação de determinação da medida concreta da pena, tendo ponderado todos os fatores que depuseram a favor e contra o arguido; pelo que,
- deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão do Tribunal recorrido nos seus termos.

Nesta sede o Ex.mo Procurador-geral Adjunto defendeu que a sentença é nula, padecendo do vício da falta de fundamentação, porque não concretiza quais as concretas expressões das mensagens contidas a fls. 1018 a 11247 devidamente identificadas "cujo objectivo era perturbar, inquietar e desequilibrar a assistente", sendo, ainda, que divergindo o tribunal a quo da pronúncia, nesse sentido, não comunicou devidamente essa alteração nos termos e ao abrigo do Art.º 358.º do CPPenal.
***
II. QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. Art.ºs 119.º, n.º 1; 123.º, n.º 2; 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPPenal, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/6/1998, in BMJ 478, pp. 242, e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões efectuadas pelo recorrente, as questões que importa decidir sustentam-se: (i) na aventada nulidade da sentença por omissão de fundamentação e por constarem factos da matéria considerada prova resultante de uma alteração da pronúncia não comunicada; (ii) na alegada prescrição do procedimento criminal relativa aos factos dos §s 4. a 15 (episódio do “beliscão”); (iii) na impugnação estrita da matéria de facto por erro notório na apreciação dos meios de prova e por contradição entre os factos e entre estes e a fundamentação); (iv) na impugnação alargada da matéria de facto com reapreciação da prova produzida e registada; (v) na violação do princípio do in dubio pro reo; (vi) na escolha e determinação da medida da pena aplicada, e (vii) do apuramento da obrigação de indemnização civil e da sua quantificação.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO
Tendo em conta as questões objecto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação da matéria de facto e de direito dessa sentença, e também o seu dispositivo, nos moldes seguintes:
“FUNDAMENTAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO PROVADA:
A assistente, C…, viveu com o arguido, B…, em condições análogas às dos cônjuges, desde o ano de 2010 até setembro de 2012, primeiro numa habitação sita na Rua…, no Porto, e posteriormente noutra residência, localizada no Passeio …, igualmente no Porto;
Desta união existe uma filha, D…, nascida a 24 de julho de 2011; Com o casal viviam ainda os gémeos T… e a U…, nascidos a 02/03/2005, filhos da assistente e por ela adotados no decurso de um anterior casamento;
A partir do nascimento da D…, o arguido alterou o seu comportamento relativamente à assistente, com quem discutia, pelo menos, uma vez por semana, alturas em que lhe dirigia, em tom sério e intimidatório, as expressões seguintes: "vigarista, miserável, puta, dormes com outros homens por dinheiro, vives às minhas custas!";
Com o passar do tempo, as sobreditas discussões intensificaram-se, passando a ter lugar todos os dias, ocorrendo que, além das expressões acima mencionadas, o arguido dirigia também à C… expressões como "bruxa, manipuladora, nunca devias ter tido a minha filha, os teus filhos (adotados) são uns infelizes, deviam ter ficado onde os foste buscar, são uns rafeiros, nunca vão ser irmãos da D…, não tenho obrigação nenhuma de os sustentar!";
Foram muitas as vezes que o arguido proibiu os filhos mais velhos da assistente de se aproximarem da D…, alegando que poderiam fazer-lhe mal ou transmitir-lhe doenças, deixando a assistente, com tal atitude, profundamente triste;
No dia 9 de março de 2012, no interior da habitação do casal, sita no Passeio …, no Porto, o arguido encontrava-se com a D… ao colo, estando a bebé a chorar. Quando a assistente se aproximou para pegar na filha, o arguido, aos berros e enquanto as afastava uma da outra, acusou a C… de ser a culpada do choro da criança e de fazer tudo de propósito para que a D… não acalmasse com ele;
Depois de conseguir pegar na filha, sossegá-la e coloca-la a dormir, a assistente dirigiu-se para junto do arguido, acabando os dois por discutir;
Na sequência dessa discussão, o arguido apertou uma das pernas da C… e deu-lhe um beliscão no braço, causando-lhe dores e um hematoma;
Pouco tempo depois, em data não concretamente determinada, durante outra discussão, o arguido empurrou a assistente quando ela se encontrava junto à porta do elevador;
Desde então, sempre que discutiam, o arguido insultava a assistente, apelidando-a de "miserável criatura, vigarista, manipuladora, maldosa e bruxa";
Em data não concretamente apurada do mês de junho de 2012, o arguido pretendia ir passear com a D…; na ocasião, a assistente disse-lhe para não a levar; diante disse, o arguido, aos gritos e na presença dos gémeos, começou a discutir consigo e, em tom de voz grave e sério, dirigiu-lhe os seguintes termos e expressões: "puta, filha da puta, mato-te minha puta, mato-te, sai da minha frente, vives à custa dos homens, conseguiste dar o golpe do baú!"; após, o arguido saiu de casa, mas não levou a D…;
Quando confrontava o companheiro com a separação, a assistente recebia como resposta: "se saíres de casa, levas só os gémeos e deixas a D…, porque se levares os três, nem que seja só por uns dias, eu pego na D… e vou-me embora com ela!; se saíres para casa da tua irmã, quando voltares, eu saio sozinho e levo a bebé!";
Durante o verão do ano 2012, dia sim dia não, o arguido pegava na D… e saía com ela para passear, alegando que não sabia para onde ia nem onde tinha andado, por não ser do Porto, circunstância que deixava sempre a assistente angustiada por não saber do paradeiro da filha;
Após a separação do casal, que ocorreu em setembro de 2012, o arguido, de forma quase diária, quer pessoalmente quer por telefonemas, dirigiu-lhe os termos e expressões subsecutivas ou semelhantes, o que deixava a C… aterrorizada: "vou ser o teu pior inimigo, vais levar comigo todos os dias da tua vida, miserável criatura, vigarista, trapaceira, mentirosa, qualquer dia tiro-te a D…, levo-a e não ta entrego mais, a tua vida vai mudar, primeiro vou tratar da D… e depois de ti e dos gémeos, vou à Segurança Social dizer que não tens condições para tratar dos teus filhos, vais aprender, vais ver a D… de vez em quando, vais ser tu a ir buscá-la a minha casa, guarda as energias para te defenderes em tribunal, pois vais precisar, merecias a morte";
Não obstante os pedidos da assistente para que a menor fosse entregue a pessoas da sua família, por forma a evitar ser objecto dos insultos acima descritos, o arguido exigia a sua presença em todas as "transições", obrigando-a a alterar as suas rotinas de vida e a adaptar os seus horários de trabalho em conformidade;
O arguido fazia exigências à assistente, tais como obrigá-Ia a ir a casa buscar um brinquedo ou uma manta da D…, senão não lhe entregava a menor, exigências que a C… cumpria com receio de que o B… cumprisse as suas promessas;
Do mesmo modo, desde que se separaram, o arguido enviou, pelo seu telemóvel com o n.º ………, para o telemóvel da assistente, com o n.º ………, inúmeras mensagens escritas, tal como resulta de folhas 23 a 32, do CD junto a folhas 207, de folhas 209 a 211 e de ff. 1018-1247, mensagens estas cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, cujo objetivo, por plúrimas vezes, era o de perturbar, inquietar e desequilibrar a assistente;
No dia 29 de novembro de 2012, na Rua…, no Porto, quando se deslocou a casa da assistente, a fim de entregar a D… à assistente, o arguido exigiu que esta se deslocasse até junto da sua carrinha para conversarem, caso contrário levaria embora a filha de ambos;
No dia 13 de janeiro de 2013, cerca das 19h30, o arguido deslocou-se à Rua…, no Porto, a fim de proceder à entrega da D… à mãe;
Uma vez no local, verificando que a C… se encontrava acompanhada da I…, o arguido negou entregar-lhe a D…, enquanto a sua amiga aí permanecesse;
Como não conseguiu os seus intentos, o arguido, em vez de entregar a D…, abandonou o local, levando a menor com ele;
Acresce que, além do que antecede, sobretudo a partir de fevereiro de 2013, quando ia buscar a D… depois do almoço e, bem assim, quando ia entregá-Ia à C… no final do dia, o arguido fazia filmagens desses momentos;
Posteriormente, o arguido dirigiu à assistente, as palavras seguintes: "vais ver, o documentário que tanto te atormenta já está pronto";
No dia 23 de abril de 2013, incapaz de suportar por mais tempo as filmagens de que a filha e ela própria eram alvos, a assistente verbalizou tal facto perante o arguido que, aos gritos, lhe disse "este filme vai ser utilizado contra ti, vais parar à prisão", palavras que proferiu na presença da D…;
Também os insultos persistiram no decurso das entregas, sendo a assistente apodada de "monstro e mentirosa", e aterrorizada com as subsecutivas expressões: "mereces morrer, vais ser presa, vou-te destruir, vou-te denunciar à Segurança Social";
Em julho de 2013, foi apresentada uma denúncia, contra a assistente, apresentada por uma psicóloga, contratada pelo arguido para acompanhar a D…, por alegados abusos sexuais à referida D…;
Nos exames efetuados, concluiu-se pela total ausência de vestígios de abuso sexual;
No dia 25 de setembro de 2013, pelas 14 horas, à porta da habitação da assistente, na Rua…, no Porto, depois de a filha D… lhe ter sido entregue pela M… (empregada doméstica da assistente, C…), o arguido, aos gritos, proferiu as palavras seguintes: "isto é uma vergonha, é uma maldade, a M… é conivente com as maldades da C…";
De seguida, o arguido começou a desferir socos na porta de entrada da casa da C… e a tocar à campainha da habitação, ao mesmo tempo que exigia falar com ela, dizendo repetidamente: "A C… só pensa em dinheiro, a C… educou mal os gémeos e agora está a educar mal a minha filha, tu vais presa, perdeste o juízo, agora trato de ti e da D…, depois trato dos gémeos, vou ser o teu pior inimigo, vais apanhar comigo todos os dias da tua vida, tenho tudo documentado em vídeo";
No dia 13 de novembro de 2013, pelas 19h30, no decurso de mais uma discussão, na presença da D…, o arguido disse à assistente o seguinte: "incompetente, isto são horas, tu vais pagar";
Com frequência, o arguido insultou a assistente, dizendo-lhe que ela era a culpada de tudo, que ia pagar por tudo, que não era competente para educar a D…, que não sabia ser mãe e que era uma incompetente;
No dia 27 de dezembro de 2013, a M.ma Juiz de Direito do Tribunal de Instrução Criminal do Porto aplicou ao arguido as medidas de coação de obrigação de afastamento da residência da assistente e de proibição de com ela estabelecer quaisquer contactos;
Sempre que ameaçou, insultou e bateu na assistente, C…, sua companheira e mãe da sua filha, o arguido atuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo o que estava a fazer e que não podia nem devia fazê-lo, dado que nada justificava o seu comportamento;
Por outro lado, com as expressões e advertências que lhe dirigiu e com o elevado número de mensagens que lhe enviou, o arguido agiu com o desígnio, consolidado, de incomodar, inquietar e atemorizar a assistente, pretendendo que esta se sentisse inferiorizada e humilhada, o que conseguiu, bem sabendo que isso a afetava na sua saúde psíquica, manifestando total desinteresse pelo seu bem-estar;
Agiu também com o propósito concretizado de, ao longo do referido período, de modo gratuito, atingir a assistente na sua dignidade enquanto ser humano merecedor de respeito e consideração, manifestando total desinteresse pelo seu bem-estar;
O arguido sabia que praticava os factos supraditos na presença da filha e no interior da habitação e que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
A supradita conduta do arguido determinou à assistente, como consequência direta e necessária, o seguinte: temor, medo, receio, inquietação, mágoa, humilhação, vergonha, ansiedade, tristeza, cansaço, revolta, perturbação da sua tranquilidade pessoal, forte abalo psicológico e intensa irritabilidade;
O arguido é divorciado e tem uma filha (a D…), que nasceu a 24 de julho de 2011 e que vive com a mãe;
O arguido é escritor e publicou um livro este ano, com uma tiragem de 5000 exemplares, sendo o valor unitário de 11 C;
Tem negócios imobiliários, retirando, em média, nesse âmbito, 1300 mensais;
É também engenheiro agrónomo, mas não desenvolve nenhuma atividade conexa com tal profissão;
Vive numa casa arrendada, em …, sendo a renda de 400 C mensais;
É titular único de três casas, localizadas em Lisboa e que se encontram arrendadas pelos sequentes valores mensais: 160 C, 800 C e 1300 C;
O arguido contribui, a título de alimentos a favor da sua filha, com a quantia de 150 C mensais; de outro lado, suporta o pagamento de 150 C, atinentes a despesas do infantário da sua filha; por fim, em despesas genéricas, gasta cerca de 50 C com a sua filha;
Tem uma carrinha, da marca VW …, cujo ano de matrícula corresponde a 2011 e que se mostra paga;
O arguido é licenciado em Engenharia Agronómica e em Realização Cinematográfica;
Do certificado de registo criminal do arguido consta que não tem antecedentes criminais.
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MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Não se provaram outros factos.
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MOTIVAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
A factualidade positiva resultou da convicção do Tribunal, formada com base no conjunto da prova produzida, tendo as declarações e os depoimentos prestados sido objeto, nos termos legais, de gravação magnetofónica.
Preambularmente, interessa aclarar que o arguido, ubi intra se destacará, negou, na totalidade, os factos que lhe são atribuídos.
Feito o antedito reparo, diga-se que considerámos, concretamente, as declarações da assistente, C…, e o depoimento das seguintes testemunhas: F…, que conhece a assistente desde 2006 e que conheceu o arguido, por via desta, em 2011, tendo deixado de falar com ele em novembro de 2013; G…, que conhece a assistente há 25 anos e era presença habitual na casa dela (no Passeio …, era visita semanal), que conheceu o arguido pela assistente e que este deixou de falar consigo pouco antes de sair de casa; M…, que conhece a assistente há 11 anos, por ser empregada dela, situação que se mantém, e que conheceu o arguido quando este começou a ter a relação com a assistente; O…, que conheceu a assistente há cerca de 15 anos, uma vez que tinham uma atividade em comum (a dança); de outro lado, é madrinha da D… e conheceu o arguido, por via da assistente, tendo, entretanto, deixado de falar com ele; P…, que conhece a assistente há cerca de 7 anos, por trabalhar nas proximidades da habitação dela, localizada na Rua…; H…, que conhece a assistente há 14 anos, é docente na Universidade … e chegou a partilhar o gabinete com a assistente (tal testemunha frequentava a casa da assistente uma vez por semana e era amiga do casal; entretanto, porém, deixou de falar com o arguido; E…, que é irmã da assistente da assistente e que conhece o arguido desde 2011; e I…, que conheceu a assistente e o arguido simultaneamente, em 2011, por razões profissionais, numa empresa de consultoria em que trabalhava.
Interessa ainda notar que o período, em regra mais ou menos protraído, que intercorre entre as várias situações naturalísticas que conglobam a violência doméstica determina, por vezes, visões segmentadas/atomizadas dos factos, completadas, posteriormente, por elaboração mental, dando origem naturalmente, em certos casos, a algumas imprecisões/vaguidades dos depoimentos, circunstância que, em concatenamento com fatores vários, apresenta particular relevância para firmar a respetiva reconstituição.
Destaque-se, neste átimo, que a assistente e as citadas testemunhas, mediante visões fracionadas e de forma conjugada, linear, coerente e credível, descreveram os factos nos termos dados como assentes. Acrescente-se também, de pronto, que a credibilidade do depoimento da assistente e das mencionadas testemunhas surge, sobremodo, reforçada pelo particularismo de estas se terem pronunciado, relativamente aos factos, de forma prudente, correta, razoável e sem extrapolações.
Particularizando, no fulcral, a sobredita prova, começaremos por dizer que a assistente, C…, como vítima, descreveu os factos, no precípuo, nos termos dados como assentes.
Além do mais, esclareceu que, no início, acreditou no arguido, que era uma pessoa disponível, apaixonou-se por ele, o namoro foi curto e parecia uma happy fami/y Na sequência, passaram a viver juntos no Porto. Na altura, achou o arguido corajoso, por vários motivos: uma vez que ele estava em transição em termos profissionais (estava indeciso sobre se ficava no Sul ou se vinha para cá); pelas questões financeiras; pelos gémeos; pela particularidade de a arguida ter uma situação económica difícil; e pela mudança de ambiente. Sobreveio então a gravidez, que era desejada, mas não foi planeada e que foi uma gravidez de risco.
Aclarou que, após o nascimento, não teve nenhuma depressão nem ficava triste; contudo, o arguido começou a massacrá-Ia (era uma pressão constante) com as contas, com o dinheiro, com o que os gémeos gastavam e, a dada altura, deixou de jantar em família, deixou de participar nas rotinas e deixou de comparticipar na vida da assistente (o projeto profissional dele, entretanto, havia fracassado, o que agravou a situação); dizia também que os gémeos eram problemáticos e que tinham de ficar com o pai (neste detalhe, a assistente destacou que os gémeos eram ansiosos, porque tiveram lacunas); e começou a disputar a D… consigo.
Na primavera/verão de 2012, o arguido mantinha um comportamento, mais ou menos, normal com as outras pessoas, mas consigo estava muito diferente. A assistente confirmou o episódio de 09/03/2012 (neste quadrante, adiantou: que vinha a chegar com os três filhos a casa e com sacos e o arguido nem foi ajudar; que, a dado momento, o arguido queria pegar na D… e tirou-lha à força para a adormecer; como não estava a conseguir, tentou explicar-lhe que não estava a fazer bem, mas ele teimava que a queria adormecer. Após esta situação, foi falar com o arguido, sentou-se ao lado dele, acabaram por discutir e ele apertou-lhe as pernas e deu-lhe um beliscão no braço; a declarante ficou transtornada, chorou e achou que tinha sido uma falta de respeito; mais tarde, verificou-se a ocorrência do elevador, em que apenas estavam os dois.
Posteriormente, passou a haver discussões diárias, quase sempre à noite, e a situação piorou em junho/julho de 2012; no contexto dessas discussões, o arguido apelidava-a de sedutora, messalina, manipuladora; em junho de 2012, na presença dos gémeos, além do mais, disse que a matava; na ocasião, o arguido queria ir passear com a bebé, mas a declarante disse-lhe para não a levar; então ele começou a discutir consigo e disse-lhe o seguinte: sua puta, filha da puta, eu mato-te, sai da minha frente; vives à custa dos homens. Apesar disso, como se estavam a iniciar as férias escolares, acordaram ficar mais tranquilos e o arguido saiu de casa em setembro de 2012; por sua vez, a declarante regressou para casa (na Rua…) em outubro de 2012.
O arguido, quando se chateava, dizia-lhe o seguinte: miserável; vais pagar; vou ser o teu maior inimigo; vais apanhar comigo todos os dias; não tens vergonha; dormes com outros homens; mentirosa; manipuladora; sedutora; monstro. Dizia ainda: se saíres com a D…, eu depois saio com ela; vou apresentar queixa à Segurança Social.
Mais expôs: que, em março de 2013, o arguido começou a enviar-lhe imensas mensagens (entre março e setembro, enviou-lhe cerca de 700 mensagens); que o arguido ameaça a assistente, a H… e a M… com um filme (neste detalhe, declarou: que o arguido andava com uma máquina de filmar e que, às vezes, a câmara estava disfarçada/escondida no tablier, que o arguido passou a aparecer acompanhada pela W…; que lhe dizia que estava a fazer um documentário, que a ia levar à prisão; que se a bebé chorava, o arguido atribua-lhe a culpa de tal facto; e que o arguido fazia desaparecer bonecos, colares e outras coisas do bebé.
A assistente, com importância, relatou, entre outros, os seguintes episódios/factos:
- um dia, a D… estava a fazer birra para sair de casa; nesse dia, em face do choro incessante, suplicou ao arguido para não a levar; nesse instante, chegou a W… com a máquina de filmar (numa altura em que a declarante também estava a chorar) e disse que já estava a filmar; perante isso, perguntou à W… se não tinha vergonha do que estava a fazer;
- em 3/4 de julho de 2013, a D… tinha tido uma infeção urinária e a declarante foi convocada à comissão de menores, tendo aí sido acusada de abuso sexual na pessoa da sua filha; ficou incrédula com tal imputação, uma vez que a menina tinha dois anos e a declarante era a suposta abusadora; foi ao IML fazer uma perícia à D… e o resultado foi, naturalmente, que não havia nenhum abuso - tratou-se, na sua perspectiva, de uma clara perseguição do arguido;
- em julho agosto de 2013, continuaram as filmagens. Num determinado dia, o arguido estava de cócoras, com a câmara na mão, e filmava a declarante e a D…, às escâncaras; a declarante disse-lhe então que isso não fazia sentido; por outro lado, quando a assistente vinha acompanhada, ele, em regra, escondia a máquina; tal situação apenas terminou com as medidas de coacção que foram impostas;
- em agosto de 2013, o Tribunal de Família impôs algumas pessoas para intermediarem as transições: a sua irmã E…, a H…; a M… (que o arguido tratava por megera) e a I…; nessas transições, as mediadoras tinham de esperar por si, pois o arguido só entregava a menina na sua presença (com tal conduta, o arguido queria criar uma situação de stress); na primeira quinzena de setembro de 2013, houve vários conflitos e o arguido, aos gritos, dizia que era uma vergonha e que a assistente educava mal a filha; no dia 25/09/2013, o arguido começou a dar murros à porta e a tocou à campainha, que determinou que a declarante chamasse a polícia;
- em 31/10/2013 (estava a declarante com a M… e com a sua mãe) para entregar a D… e o arguido ficou nervoso, tendo deixado deslizar a carrinha quando mantinha a D… num braço;
- por vezes, por causa por causa do trânsito, a declarante atrasava-se 15 minutos/ 30 minutos; à vista desses atrasos, o arguido era absolutamente inflexível e dizia: vais pagar, isto é uma falta de respeito; porém, o arguido podia chegar às horas que quisesse;
- numa ocasião, a declarante esqueceu-se de pagar a fatura da água e ficou sem água apenas umas horas; ora, tal facto motivou de imediato um requerimento do arguido, alegando indigência da assistente e pedindo a retirada da D…;
- a declarante conhecia a mãe e amigos do arguido; ele sabia tudo de si, mas a declarante nada sabia dele;
- o arguido, numa oportunidade, deu um empurrão à sua irmã E… e esta reagiu, projetando a mão nas costas do arguido, o que fez barulho, por ter atingido o casaco de cabedal que ele trajava;
- que pediu ajuda à APAV e ao Tribunal e, por tal motivo, houve um interregno das visitas do arguido entre dezembro de 2013 e abril de 2014 - neste hiato, o arguido não telefonou nem enviou mensagens;
- por último, protraiu que esta situação lhe gerou pânico, medo, inquietação, raiva, devassidão, humilhação e vergonha, atenta a sua natureza iterativa (quase diária), que lhe determinava uma tensão permanente. Por isso, teve consultas com o Dr. X…, que passaram a ser ocasionais de 27/12/2013.
Por sua vez, a testemunha F…, com destaque, afirmou ter acompanhado o relacionamento do casal desde 2011 e, nesse âmbito, fez a passagem de ano (de 2011/2012) na casa deles; nessa oportunidade, aparentemente, estava tudo bem, mas teve conhecimento de que os problemas surgiram depois do nascimento da D… (julho de 2011). Em setembro de 2012, numa altura em que o casal já estava separado, a C… pediu-lhe ajuda, para estar com ela nas transições; por tal razão, começou a ir 1-2 vezes por semana a casa da C….
Mais disse: ter assistido a algumas situações mais estranhas (um dia, o depoente estava na casa de … e o arguido, que tinha a chave e que não sabia que o depoente estava lá, entrou repentinamente); que o arguido não facilitava as transições (para ele, nada estava bem, não havia nada de positivo - tudo era negativo; de outra parte, ele não permitia a entrega da D… a outra pessoa que não fosse a mãe); que viu várias mensagens remetidas pelo arguido à assistente (nesta faceta, ampliou que, por vezes, ia jantar a casa da assistente e esta recebia, do arguido, cinco ou mais mensagens por noite e, caso não respondesse, o arguido remetia logo outra mensagem); que presenciou transições da D… (neste quadrante, afirmou recordar-se de um ocorrência, em que o arguido determinou que a testemunha M… se retirasse do local, senão não entregava a D… (sendo certo que, nesse circunstancialismo, a M… não ia receber a criança, pois estava apenas de passagem); que, em finais de outubro de 2012, a C… mudou de casa; que, um determinado dia (perto da última semana de novembro de 2012, na Rua…, no Porto), estava a acompanhar a C…, numa entrega da criança por parte do pai, e o arguido disse que o depoente não podia estar ali, ao que lhe respondeu que podia; à vista disso, o arguido ia a sair com a D… na carrinha, mas o depoente pôs-se à sua frente e ele acabou por travar (neste contexto, aduziu: que se gerou uma situação de algum pânico e que o arguido, dirigindo-se a si e à C…, os apelidou de miseráveis e de ementes; que o arguido considerava o depoente como alguém que atrapalhava, mas o depoente nunca viu que o arguido tivesse ciúmes de si (até porque o depoente nunca teve nenhuma relação afetiva com a assistente).
Aditou por fim: que, quando ia jantar a casa da C… e via a carrinha do arguido, ia dará uma volta e só regressava quando ele já tivesse saído; que chegou a presenciar o arguido a chamar vigarista e monstro à assistente; e que a C… era uma mulher assertiva e forte e passou a ser uma pessoa que perdeu autoestima e alento e que passou a ter receio e mesmo pânico de que o arguido fugisse com a D….
No que confina à testemunha G…, esta, com prevalência, começou por realçar que, no início da relação, existia uma paixão muito grande entre o arguido e a assistente. Nesse período, o arguido enchia a boca (sic) quando falava da C…, mostrava-se completamente apaixonado/encantado por ela e era muito preocupado com os gémeos. Todavia, a dada altura, a situação começou a correr mal: o dia a dia com os gémeos estava a cansar o arguido; este passou a criticar a C… por causa dos gémeos e do ex-marido (neste pormenor, a depoente dizia-lhe que os miúdos são assim e dava-lhe o exemplo dos seus sobrinhos); e começou a haver alguma tensão entre o casal, e a depoente achou que ele estava mais deprimido.
Após o nascimento da D…, gradualmente, o arguido começou a ser mais crítico e, a partir do verão, era evidente um clima de hostilidade entre o casal. Nessa ocasião, o arguido era mal educado para a assistente, mesmo diante da depoente (recorda-se de o arguido ter dito então à assistente o seguinte: "mais valia que te matasses na tua triste vida"!), respondia à C… com maus modos e criticava até o facto da amamentação; havia violência verbal por banda do arguido (que também alteava a voz) e ele ameaçava a assistente, utilizando a menina (porém, nunca o ouvir dizer que levava a criança); à sua frente, notava o arguido irritado e este utilizava um tom agressivo e intenso e virava as costas ostensivamente à assistente (tratava-se de um comportamento inteiramente antagónico ao do início da relação); ele afirmava que a assistente não tinha dinheiro e dizia que era uma bruxa; implicava com os gémeos, na medida em que a conduta destes pudesse repercutir-se na D…, e, nessa época, limitava-se a "habitar" na casa. Por tais motivos, no verão de 2012, a situação era verdadeiramente insustentável, localizando-se o epicentro do conflito na D…, visto que o arguido tinha um comportamento exagerado com a filha, mostrando-se obsessivo e superprotetor. Em relação á empregada (a testemunha M…, o arguido dizia que ela era má empregada).
Após a separação do casal, verificou o seguinte: viu centenas de mensagens enviadas pelo arguido à assistente; o arguido dizia que a assistente chagava atrasada; a assistente evidenciava receio pela sua integridade, pela dos gémeos e receava perder a D…, ou seja, que o arguido a levasse.
Por último, ajuntou: não ter assistido a nenhum episódio de agressão física (tendo, porém, visto uma nódoa negra no braço da C…, na primavera ou no verão de 2012); não ter estado nas transições da D…; e que a assistente é uma pessoa bastante verdadeira e era uma pessoa extremamente forte, mas ficou afetada com o a conduta do arguido.
De outro lado, a testemunha M…, com ressalto, expôs: que o arguido foi viver lá para casa (primeiro, para a Rua…), num tempo que a depoente trabalhava todos os dias à tarde, entre as 14h30 e as 19h30; posteriormente, foram residir para a …, quando a C… estava de bebé, e houve logo uma redução do seu horário de trabalho (neste alinho, disseram-lhe que tal redução era determinada por problemas económico-financeiros e a depoente passou então a trabalhar três dias por semana e com horário mais encurtado); que nunca soube o que o arguido fazia profissionalmente; que quem lhe pagava o salário era a C…; que os gémeos só chegavam a casa às 17h30 e o arguido era carinhoso com eles; e que, até ao nascimento da D…, nunca houve problemas.
Com o nascimento da D…, porém, tudo mudou: começou o silêncio lá em casa; não se podia ir para o escritório do arguido; a prioridade era fazer as coisas do arguido (era a C… que lhe dava essas ordens); a relação da depoente com o arguido limitava-se ao bom dia/boa tarde e a conversas meramente informais (a depoente não tinha abertura para falar com ele sobre outras questões); a assistente começou a sair do escritório do arguido em lágrimas (eles falavam baixo e a depoente ignorava o motivo das lágrimas da assistente); que nunca se apercebeu de discussões, mas, a dada altura, a assistente passou a dormir num colchão (era a tenda de campismo das crianças); e que passou a haver restrições (por exemplo, a manteiga da marca Presidente era para exclusivo consumo do arguido e os gémeos não podiam andar a saltar e a brincar, sendo certo eles eram hiperativos. Nesta envolvência, sublinhou que o arguido, inicialmente, até parecia gostar dos gémeos). A este propósito, a testemunha gracejou, afirmando que parecia que o arguido é que teve a depressão pós-parto, típica das mulheres.
Desenvolveu ainda que, na sua perspectiva, o problema residiu, sobretudo, nas questões monetárias/financeiras, visto que andavam ansiosos com um negócio do arguido, que não se concretizou.
Após a separação entre o arguido e a assistente, esta voltou para a Rua… e a depoente passou a ter o horário que tinha anteriormente (ou seja, um horário diário, das 14h30 às 19h30). No contexto das transições da D…, era típico o arguido chegar bem mais cedo que a hora prevista (a entrega era às 14 horas, mas ele chegava, muitas vezes, às 13 horas); que, inicialmente, a depoente fazia muitas vezes a entrega da menina ao pai, mas depois o arguido pediu para ela não o fazer (para não haver tensão); que a D… chorava muitas vezes, dizendo que não queria ir com o pai, mas este via a criança a chorar e queria levá-Ia à força; que o arguido impunha sempre a presença da assistente no âmbito da entrega da D… (caso ela não estivesse presente, ele não entregava a criança e tinham de ficar à espera que a C… chegasse para ele fazer a entrega; depois, ele dizia à C… que ela estava atrasada); que o arguido, a si, chegou a chamar-lhe escumalha, abalroou-lhe o caminho e foi a testemunha W… que o acalmou; que o arguido estava obcecado pela D… (neste tópico, relatou que alguma coisa o deixava tresloucado/transtornado, pois ele transfigurava-se no ato da entrega da criança; que o arguido e a assistente, para além da situação referente às transições, apenas comunicavam por mensagem; e que, quando havia discussões nas transições, o arguido chamava interesseira, impostora e falsa à assistente, ficando esta calada.
Com interesse, descreveu ainda: que o arguido fazia filmagens, que eram concretizadas pela W… (nesta órbita, alegou ter visto 3-4 filmagens, mas que nunca viu a W… a filmar agachada ou de cócoras); que foi um vizinho (a testemunha P…) que advertiu para tais filmagens; que, a dado momento, a situação piorou e a D… fazia chichi na cama; que o estado de ânimo da assistente, que é uma pessoa lutadora, passou ser alternado: uns dias bem disposta, outros dias mais abatida; que nunca se dirigiu ao arguido, a dizer que não queria depor contra ele e a queixar-se da C…, nem nunca teve vontade de se dirigir sequer a ele ao arguido para esse efeito; e que é tudo mentira aquilo que a W… disse a seu respeito.
Pelo tocante à testemunha O… (que trabalha em Lisboa, há 25/30 anos, mas que se deslocava ao Porto muitas vezes: em regra duas/três vezes por mês; outras vezes, menos), esta acompanhou a relação do casal, desde que a assistente lhe apresentou o arguido em 2010/2011. Tal relacionamento começou muito bem, e a depoente falava muito com o arguido; de repente, o arguido passou a ficar nervoso com a relação; dizia que os gémeos se portavam mal (as queixas eram anteriores ao nascimento da D…; depois do nascimento exacerbaram-se); que lhe estava a ser extorquido dinheiro; que a C… não era a pessoa que ele tinha imaginado/idealizado; que os gémeos podiam fazer mal à D…; que a assistente tinha de pedir dinheiro ao ex-marido, porque já estava farto de comparticipar nas despesas dos gémeos; que a assistente não era boa mãe; e que o arguido começou a comprar a alimentação dele separada. Perante tal conduta e o acervo de queixas, concluiu facilmente que a relação estava deteriorada; por isso, o casal separou-se quando a D… tinha cerca de 1 ano.
Clarificou igualmente:
- que, numa circunstância, ainda o casal estava junto, viu uma nódoa negra no braço da assistente, mas ela, na altura, não lhe disse que tinha sido o arguido a causá-la, tendo-o feito apenas mais tarde;
- que, numa ocasião, a depoente veio ao Porto e chegou a casa da assistente a uma hora em que ia haver uma transição da menina; no momento, a assistente ainda não estava cá em baixo, e o arguido, que se encontra sozinho, estava nervoso; ele cumprimentou-a e disse: a tua amiga é sempre a mesma coisa; estou farto disto; ela é uma impostora, só quer extorquir dinheiro; o arguido afirmou também que ia fazer queixa à Segurança Social; que a assistente não era uma boa mãe; e que queria tirar a D… à assistente, porque ela não a conseguia sustentar. Visto que a assistente não aparecia, a depoente subiu e a assistente desceu então com a menina;
- numa outra situação de transição da menina, cerca de um mês volvido, a depoente quis dar um beijo à D… para se despedir dela (a C… estava então ao seu lado), mas o arguido (que também estava sozinho) não permitiu; todavia, não houve nenhumas agressões verbais;
- que assistiu a uma discussão, na rua, entre o arguido e a C…;
- que pressentiu que a arguida podia efetivamente ter medo/receio, pois todos os dias havia problemas; que percebeu que a assistente estava assustada com o que o arguido pudesse fazer, ou seja, tinha medo de ele não trazer a menina, isto porque a assistente não sabia a sua morada; e
- que continuou a estar com a assistente, mas com menos regularidade.
A testemunha P…, com utilidade, aclarou que, no verão de 2013, viu o arguido com uma máquina fotográfica ou câmara de filmar grande junto a uma carrinha que estava estacionado a 617 metros da porta de entrada do prédio onde morava a assistente; nesse momento, o arguido tinha a máquina direcionada para o prédio; em face disso, posteriormente, alertou a testemunha M… para comunicar o facto à assistente. Por outro lado, chegou a ver o arguido noutras ocasiões, no local (talvez cerca de dez vezes), com a câmara, em regra acompanhado de uma senhora; diante de tal situação, um dia, perguntou ao arguido o que estava a fazer com a máquina, e ele respondeu que não o estava a fotografar e que se encontrava a fazer uma reportagem (podia ser documentário) sobre a filha.
Adiu outrossim: que a assistente não encarou bem tais filmagens; que ignora se o arguido passava ali muito tempo; e que, quando alertou a assistente, por intermédio da M…, nem sabia que ela e o arguido estavam separados.
No que tange à testemunha H…, esta, com valimento, observou que o relacionamento do casal, no início, era muito bom (era uma família harmoniosa e feliz e tinham uma boa relação com as visitas). O arguido era uma pessoa extremamente dócil, muito educada e adequada, e a assistente é uma pessoa muito aberta, alegre e expressiva. Todavia, partir do nascimento da D…, a situação modificou-se totalmente: surgiu tensão entre o casal, motivada, sobretudo, pela questão financeira, visto que os encargos majoraram; o arguido discordava da pensão que o ex-marido da assistente pagava a título de alimentos a favor dos gémeos (por sua vez, a assistente achava que ele não tinha condições económicas para dar uma pensão maior); o arguido passou a ser algo persecutório com os gémeos; era extremamente rígido; não permitia à C… que pegasse na filha quando esta chorava; deixou de fazer as refeições com a família; e levava a D… para passear e a C… não sabia por onde ele andava. Em face do precedente quadro, a depoente (que era, na altura, confidente do arguido e da assistente, que partilhavam a relação deles consigo) falou com o arguido e ele assumiu então um discurso de vitimização (alegou a questão monetária pesada; a educação dos gémeos e que estes eram difíceis; e as discussões por causa da D…). Sentiu, por isso, que a assistente estava em risco, pelo seguinte: pelo facto de o arguido pretender ficar com a D…; e por ter verificado que o arguido demonstrava um perfil particular, mostrando-se manipulador (ele exibia um discurso discordante daquele que ouvia da C…). Daí que a relação que mantinha com o arguido, que era próxima e afável, deixou de existir e, por isso, nas férias de verão de 2012, ficou muito preocupada com a assistente.
Aludiu ainda a um episódio, ocorrido quando a D… tinha mais do que 6 meses que foi um período de maior tensão no casal -, consistente em o arguido ter ocasionado uma nódoa negra no braço da assistente. Esta, naquele ensejo, nada disso, camuflando a situação, para não admitir que estava a ser maltratada (contudo, mais tarde, contou-lhe tal facto).
A citada testemunha relatou também o que seu ex-marido (que era próximo do arguido) aconselhou o arguido a sair de casa, o que este fez em setembro de 2012; antes de sair, porém, o arguido e a assistente acordaram que iam falar com os gémeos acerca da separação. mas o arguido subverteu o acordo e falou com os gémeos sozinho, tentando manipulá-los.
Mais testificou: que, depois de setembro de 2012, houve um período em que não interveio nas transições; que a assistente regressou para a Rua… em novembro de 2012; que, a partir de janeiro de 2013, a situação se agravou, com filmagens e insultos (o arguido apelidava a assistente de miserável e criminosa e dizia-lhe: vais presa, vais ver o que te vai acontecer, não perdes pela demora - ouviu estes termos e expressões inúmeras vezes); e que foi fixado, pelo Tribunal de Família, que as transições da menina seriam acompanhadas, individualmente, por mediadoras: pela depoente, pela testemunha M… e pela irmã da assistente, a testemunha E…. Nessas transições, o arguido era quase sempre hostil, mostrava um ar fechado, ignorava completamente a depoente e só entregava a D… à assistente; de outro lado, se se atrasavam, havia logo insultos por banda do arguido (mesmo com a D… ao colo); nessa altura, a depoente acompanhava as transições 2/3 vezes por semana, em regra à hora do almoço, e ouviu, no mínimo, 20 vezes, indiretas por parte do arguido (em situações em que apenas estavam a assistente e a depoente); tratava-se de represálias por ser mediadora (ele dizia: vais presa; criminosa; vocês vão ter uma surpresa; e, às vezes, os insultos eram dirigidos para ambas); nessas transições/entregas, o foco do arguido não era a D…, mas as mediadoras ou a assistente.
Ajuntou que a D… se recusava muitas vezes a ir para o pai e resistia de forma enorme aos berros (acontecia frequentemente que ela não queria a roupa, que tirava a roupa e que não conseguiam vestir a roupa); nesse ínterim, enquanto tentavam vestir a D…, o arguido fazia pressão, enviando várias mensagens, o que condicionava ainda mais a dificuldade de a vestir; não obstante, quando chegava à porta do prédio, a D… desistia da resistência; a D… era muito viva e assertiva, mas mudava quando via o pai.
Habitualmente, o processo mais moroso era a entrega da D… pelo pai, visto que ele jamais entregava a filha se não visse a assistente. De outra parte, a presença da W… era permanente, assim como da testemunha N…. Havia filmagens, ocorrendo situações em que a W… se escondia por trás do arguido e filmava ou tirava fotografias.
Em julho de 2013, houve uma queixa de abuso sexual contra a assistente relativamente à D…, o que perturbou imenso a assistente. A C…, na ocasião, telefonou-lhe a chorar e verificou-se que a D… tinha tido uma infeção urinária e que não apresentava nada de particular; apesar disso, foram feitos exames à D…, que nada revelaram. Nos dias que antecederam tal episódio, o arguido afirmava: "vocês vão ter uma surpresa", mas pensavam que se tratava do tal documentário. Após a situação, o arguido afirmou que queria apresentar queixa e que foi a psicóloga (contratada por ele para acompanhar a menina) que determinou a queixa.
Quando era entregue pelo pai, a D… vinha prostrada e, depois, em casa, revelava-se agressiva, fazia birras e tinha sonos agitados; evidenciava também nervosismo e, nesse quadro, masturbava-se compulsivamente e apertava os dedos das pessoas.
Os meses de novembro e dezembro de 2013 foram muito negativos, mesmo pavorosos, com uma grande tensão no âmbito das transições; a depoente tentava conversar com o arguido, mas ele ignorava-a, impunha-lhe que não se aproximasse da carrinha e, quando as coisas não lhe agradavam, ele começava a falara aos gritos; por isso, em dezembro de 2013, a assistente decidiu que o arguido deixava de ver a menina. De seguida, houve um interregno das transições, por imposição judicial, que foram retomadas em abril de 2014, por ocasião do aniversário do arguido.
A testemunha concluiu que a assistente se trata de uma pessoa com uma resiliência forte, de uma mulher estoica, que assegura os cuidados dos filhos e continua a trabalhar à tarde. Porém, por efeito da conduta do arguido, a vida da C… foi fortemente perturbada.
A testemunha E…, com proeminência, afirmou que, inicialmente, o arguido mostrava ser uma pessoa normal e a sua irmã estava muito contente com o relacionamento. Contudo, em julho de 2012 - na festa de aniversário da D… -, constatou que a festa foi estranha e notou algum agastamento/afastamento do arguido relativamente à família da C…. Mais tarde, também verificou que o arguido não deixava os gémeos segurarem/agarrarem a D…; por outro lado, no contorno de um episódio em que a depoente estava a fazer os deveres com os gémeos, o arguido estava a perturbar, permitindo que a D… pisasse os livros dos gémeos.
Mais disse: que, no período em que viveram juntos, nunca assistiu a situações de gravidade ou a discussões abertas/acesas entre o arguido e a assistente; que a separação se dá em setembro de 2012 (na sua perspectiva, tratou-se de um conflito, sobretudo, aberto por questões financeiras); que o arguido saía com a D… e a depoente e a assistente não sabiam/conheciam nada do arguido e ele não dizia para onde ia, o que motivava preocupação; e que a si, depois de novembro de 2012, numa ocasião, lhe disse: vais ver; vais pagar; vocês vão ver, não te metas no meu caminho.
No dia 14/02/2013 - dia dos namorados - junto à carrinha, estava um tripé e o arguido começou a filmar; na altura, como quase sempre, estava lá a W…, que não se aproximava, mas acompanhava o arguido. Em abril de 2013, a depoente foi filmada pela W…, que estava na carrinha; visto que não havia dado autorização, confrontou o arguido com o facto e ele disse que não estava nada a filmar, que apenas filmavam a D…. O objetivo de tal comportamento era claramente o de perturbar.
Em julho de 2013, houve uma queixa de abuso sexual da D… atribuída à assistente; nesse domínio, nada se comprovou e isso foi uma manobra de diversão do arguido, que devastou a assistente.
A testemunha desenvolveu também: que o arguido protelava as entregas e que só entregava a D… quando via a C… a chegar; que, para ele, nunca nada estava bem; que exigia sempre qualquer coisa; que falava nos atrasos da D…; que, logo após entregar a D…, já estava a enviar SMS; que houve sempre um envio constante de mensagens por parte do arguido à assistente; que a N… - uma vizinha da assistente - se tornou aliada do arguido e passou a estar presente nas transições da D…; que um dia, o arguido trazia a filha e empurrou/deu um encontrão à depoente ; diante disso, a depoente, depois, também o empurrou (deu-lhe uma palmada nas costas); que a D… se foi modificando (tinha de estar sempre a ver a mãe) e que tinha noites agitadas, o que só melhorou com a medida de afastamento decretada pelo Tribunal.
Por derradeiro, enfatizou: que não sabe como a sua irmã resistiu a esta situação; que tem a convicção de que, se as mediadoras não estivessem presentes nas transições, algo de grave podia ocorrer; e que o arguido dirigiu à assistente os subsecutivos termos e expressões: puta; megera; que dormia com os homens por dinheiro; que ia pagar por tudo; manipuladora; e mentirosa.
No que concerne à testemunha I…, esta conheceu o arguido e a assistente, pelo facto de eles terem apresentado um projeto relativo a um alojamento de turismo com terapias alternativas. Tal situação ocorreu no último trimestre de 2011 e os contatos mantiveram-se até meados de 2012. Na oportunidade, pareceu-lhe um casal normal, sendo de avultar que o arguido achava a assistente uma deusa na terra; efetivamente, a própria depoente verificou que assistente "venderia" bem o produto, já que ela falava muito bem. Mais tarde, a depoente recorreu à assistente, na qualidade de psicóloga, visto que, a partir de fevereiro de 2012, passou uma fase complicada na sua esfera pessoal, com problemas conjugais. Em consequência, falava com a assistente, em regra, quinzenalmente e, algumas vezes, semanalmente. Atenta tal proximidade, em maio de 2012, por altura do Senhor de Matosinhos, convidou a assistente e o arguido a sua casa e achou que o ambiente entre eles, nesse jantar, era de harmonia (neste tópico, ampliou que não se apercebeu de nenhuma alteração entre eles, mantendo-se os elogios por banda do arguido).
Em julho/agosto de 2012, encontrou a assistente na praia e foi aí que ela lhe contou que havia problemas entre ela e o arguido, que as coisas se tinham vindo a agravar e que estavam mal; relativamente ao arguido, após o tal jantar, nos tempos que se seguiram não teve mais contacto com ele. Foi então mantendo algum contacto com a C… e, entretanto, em novembro de 2012, faleceu o pai dela, o que determinou uma maior aproximação. Passou então a ir buscar um dos gémeos à música e depois jantava lá em casa; nessa ocasião, a assistente, conquanto aparentemente calma, fazia os impossíveis para se aguentar. Na verdade, verificou que havia uma perseguição/massacre do assistente, com o envio constante de mensagens (que foi uma situação que a deixou estarrecida, que a chocou). Eram mensagens nitidamente para chatear/perturbar/desequilibrar (tais mensagens não tinham palavrões, mas eram, por exemplo, do tipo "o que é que a menina está a comer?").
De junho de 2012 a janeiro de 2013 nunca viu o arguido; porém, em janeiro de 2013, foi ajudar a assistente a levar uns caixotes à Rua… e, nesse dia, ficou à espera para dar um beijo à D…, mas o arguido disse que não entregava a D… na sua presença; a depoente disse-lhe então que gostava da menina, mas ele foi com a D… para o carro e depois foi embora com ela. Perante isso, telefonaram para o 112 e disseram-lhe que tinha de telefonar para a esquadra da PSP; após, chegou a polícia e o arguido também regressou, vindo acompanhado por uma pessoa, que soube posteriormente tratar-se da W…. A partir de maio de 2013, a depoente passou a viver com a assistente, na Rua…, e foi indicada para fazer as transições até setembro (o arguido concordou que a depoente fizesse as transições, porque viu que havia uma boa interação entre a depoente e a D…; no contexto das transições, havia várias cenas por parte do arguido, havia sempre situações de espera, era uma perseguição).
Concretizou ainda: que, numa ocasião, no verão de 2013, o arguido lhe apontou o dedo e disse: contigo falo depois, não vá mentir para o tribunal; que, uma vez, ouviu o arguido a dizer o seguinte à C…: manipuladora, mentirosa (o que repetiu várias vezes), aproveitaste-te de um momento de fraqueza das pessoas; que o arguido lhe falou de um documentário; que, quando fazia as transições, o arguido não lhe dava o saco da D… na mão (punha-o quase sempre no chão no chão, assim como punha o boneco da Minnie da D…); e que ficou com a ideia de que a N… se aproximava para ouvir a conversa.
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Atentámos ainda nos documentos juntos aos autos, designadamente: de ff. 23-32, do CD junto a folhas 207, de ff. 209-211 e de ff. 1018-1247; de ff. 120-128, 171,291-292, 311-314,725-745.
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Diga-se, agora, ut retro se assinalou, que o arguido, B…, nas respetivas declarações, negou, na totalidade, os factos que lhe são irrogados.
Além do mais, afirmou que se dava bem com a assistente, mas que, com o nascimento da D…, a situação se alterou. A assistente teve então uma depressão pós-parto e o declarante, sem êxito, disse-lhe para recorrer a um especialista. Quando nasceu a D… nasce, era o arguido que tomava conta dos gémeos; de outro lado, a D… era muito unida a si e a C… não lidava bem com isso; ela não queria partilhar a D… e o declarante chamou-lhe à atenção por isso.
No verão de 2012 (em 15/16 de setembro), o declarante decidiu separar-se da assistente (o declarante é que propôs a separação, e não o contrário), visto que, a certa altura, entre ambos, havia mais silêncio; também havia discussões, mas não eram assim tantas; de outro lado, em agosto de 2012, a C…. pediu-lhe em casamento. A separação ficou a dever-se ao facto de o declarante se ter desagradado com a personalidade da assistente (ela chegava a praticar sessões de espiritismo, com a mãe, em casa e dizia que a D… havia de ser a sacerdotisa; tomou conhecimento de que ela foi fiadora do ex-marido; e a C… é uma pessoa sedutora, manipuladora (o declarante não sabia, v.g., que ela era natural de Angola). Por sua vez, o declarante, que na altura, investia em imobiliário e tinha turismo rural, sempre foi amigo da assistente (a C…, que é psicóloga, tinha uma situação económica difícil/caótica, pois só ganhava cerca de 500 C mensais, e, por isso, era o arguido que suportava as despesas; que pagou, à assistente, uma dívida à Segurança social; e que também pagou outras dívidas e intervenções médicas aos gémeos).
Relativamente ao episódio de 09/03/2012, o declarante referiu que estava a descer as escadas com a D… ao seu colo e que o beliscou 7/8 vezes, no braço e na perna, e aleijou-o; porém, o arguido manteve sempre a calma e disse-lhe para parar com esse comportamento.
Por outro lado, em setembro de 2012, já depois de ter saído de casa, teve de ir buscar uns artigos a casa; nessa altura, a assistente quis privá-lo de contactar com os gémeos, mas estes adoram-no e agarraram-se a si, pedindo que os levasse, tendo sido a irmã da C… que os puxou, com violência, quando eles estavam consigo junto ao elevador.
No domínio das transições, quando a C… vinha sozinha, elas corriam bem; por isso, dizia-lhe para não trazer ninguém com ela, porque, nesse caso, havia sempre problemas; de outra parte, o declarante vinha de … e, por vezes, esperava horas para que a C… chegasse; por isso, pediu-lhe para que, quando viesse atrasada, o avisar, mas ela nunca avisava.
Pretextou também: que tinha uma câmara de filmar e que estava a fazer um filme sobre o quotidiano da D…; que o filme relata a interação com a sua filha e, nessa medida, apenas filmava a menina (neste particular, disse à C… que tinha um documentário); que as melhores intermediárias, para si, eram a E… e a I…; que, num episódio, o F… abriu-lhe a porta da carrinha e tentou acertar com a porta; que nunca empurrou a E…, mas este, uma vez, deu-lhe um murro, o que o deixou estupefacto; que, no dia No dia 25/09/2013, tocou 3 vezes à campainha da casa da assistente, porque a D… queria trazer a mota, mas a M… não abriu a porta; que a testemunha M… chegou a telefonar-lhe (em 15/02/2013 e sem conhecimento da patroa), a dizer que não queria depor contra si (na circunstância, ela queixava-se da C… e, por tal razão, não consegue entender o seu estranho comportamento); que, numa ocasião, a D… falou em miminho no pipi e repetiu; perante isso, o declarante perguntou-lhe quem fez miminho no pipi e ela disse que foi a mãe. Dado que o declarante havia contratado uma psicóloga para seguir/acompanhar a D… (facto de que avisou a mãe), essa psicóloga fez então queixa contra a C… acerca do referido facto (neste tópico, o arguido afirmou ter sido estranho a tal queixa).
Por derradeiro, declarou ainda: que nunca empurrou nem atingiu a integridade física da assistente; que nunca suspeitou de ela ter relações com alguém; que jamais disse que os gémeos tinham doenças; que nunca insultou a assistente (apenas lhe chamou manipuladora uma vez, dizendo-lhe que ela estava a manipular os gémeos); que nunca disse que ia apresentar queixa à Segurança Social; que tudo o que lhe atribuem é falso; e que o declarante é que foi vítima de violência psicológica; e que a finalidade da C… era cortar o vínculo da D… com o pai.
A sobredita versão, apresentada pelo arguido obteve algum acolhimento no depoimento da testemunha W…, que conheceu o arguido em finais de agosto de 2012, numa esplanada da Foz, e que não fala, nem nunca falou com a assistente; nunca falou. A referida testemunha, cujo depoimento foi manifestamente propenso, partidário e parcial, expôs que conheceu o arguido numa altura em que ele estava com bebé e com um cão. Nessa altura, gerou-se alguma empatia entre ambos, sendo certo que a depoente é artista plástica e o arguido está ligado ao cinema. Soube, então, que o arguido mudou de casa, por se ter separado da assistente. Começaram a encontrar-se esporadicamente, sem hora marcada, e a depoente, por vezes, acompanhava o B… nos passeios com a D…. Num certo dia, a depoente predispôs-se a ajudá-lo nas entregas da D… (nesse contexto, presenciou, as entregas duas/três vezes por semana, a partir de setembro de 2012; assistia às entregas da criança ao pai depois da hora do almoço, sucedendo que a C… vinha sempre acompanhada de muita gente (não sabe quem eram - três ou quatro pessoas); essas pessoas rodeavam o arguido (facto a que assistia duma esplanada onde ia depois do almoço). Durante dois anos, passou a acompanhar o arguido quase todos os dias e havia sempre qualquer coisa, mormente insultos ao B…, por parte da assistente e da H…, aos quais o arguido não respondia. O objetivo era que a D… não fosse com o pai, mas a D… agarrava-se ao pescoço do pai (ela era muito cúmplice dele) e não o largava.
Anotou ainda: que a testemunha M… chegou a vir à carrinha do arguido e dizia a D… devia ficar com o pai e que lamentava imenso que se estava a passar, porque sabia que o arguido estava a sofrer muito; que, aquando da entrega da criança, pela mãe ao pai, havia sempre atrasos da mãe; que não assistiu ao episódio entre o arguido e o F…; que o arguido não dirigia a palavra à assistente; que o arguido enviava mensagens com frequência à assistente (talvez uma por dia); que as mensagens eram a propósito do estado de saúde da D…; que a H… era provocadora; que fez filmagens, mas eram relativas apenas à D…; que a depoente e o arguido estavam a fazer um trabalho conjunto (um documentário); que a C… não era filmada; e que o arguido nunca proferiu insultos.
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Ponderemos agora o depoimento da testemunha N…, que conhece a C… há 11 anos, por ser sua vizinha, mas que deixou de falar com ela em 2013, e que também conhece o arguido.
A título de nótula exordial, vale salientar que o depoimento da referida testemunha se configurou manifestamente alinear, volúvel, pouco coerente e, por isso, não foi merecedor de credibilidade alguma.
Com alguma valência, afirmou o seguinte: que o arguido, a dada altura, estava a filmar e a depoente, não achando isso correto, manifestou-lhe o desagrado; que, no dia seguinte, um amigo da C… estava a filmar de dentro do prédio e a depoente fez sinal ao arguido e disse-lhe que estavam a filmar de dentro de casa; que, depois disso, passou a ter mais contacto com o arguido e, quando via a D…, dava um toque ao arguido e este telefonava-lhe; que foi tomar café com o arguido uma ou duas vezes; que a C… não queria que a depoente visse as entregas, o que a depoente achou estranho (disse ainda que nunca totalmente na C…, pois sempre achou que havia interesse dela, e não uma verdadeira amizade); que não ficou agastada com a assistente por não ter sido escolhida para as transições (porém, de início, deu a entender que havia ficado ficou incomodada por causa de não ter sido escolhida para as transições); que, nas transições, não havia troca de palavras; que nunca viu que a D… não quisesse ir com o pai; e que só presenciava as transições no fim do dia.
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Refira-se, de imediato, que a versão do arguido, corroborada, de alguma forma, pelo depoimento da testemunha W… e, muito residualmente, pelo depoimento da testemunha N…, não nos convenceu minimamente, tendo a factualidade dada como assente radicado, nos termos assinalados, nas declarações da assistente, C…, conjugadas com o depoimento das testemunhas F…, G…, M…, O…, P…, H…, E… e I…, em concatenamento com a prova documental e com as regras de experiência e os critérios de normalidade (pelo tocante ao recurso a presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou à regra geral da experiência, d. os Acórdãos da Relação do Porto, de 23/02/1983, de 16/01/1985 e 23/01/1985, todos no BMJ, respetivamente, n.Q234, pág. 620, n.Q343, pág. 377, e n.Q343, pág. 376. Na doutrina espanhola, veja-se T.S. Vives Antón, Boix Reig, Orts Berenguer, Carbonell Mateu e González Cussac, Derecho Penal, Parte Especial, 3ª Edição, Tirant lo Blanch, pág. 374. A propósito das regras de experiência, vide, ainda, José Manuel Aroso Linhares, Regras da Experiência e Liberdade Objetiva do Juízo de Prova, Separata do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Coimbra, 1988).
Vale agora sobressair que a assistente e as referidas testemunhas, que foram inteiramente persuasivas e credíveis, evidenciaram, nos termos supraditos, que a versão do arguido não corresponde à verdade e que os factos sobrevieram nos termos descritos por elas.
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Em relação às demais testemunhas inquiridas, releva fulgir que o pertinente depoimento se mostrou anódino para a fixação dos factos.
Senão veja-se.
No que tange à testemunha P…, agente da PSP que constitui o arguido nessa qualidade, diga-se que foi prescindida, pelo arguido, após ter respondido aos costumes.
Por sua vez, a testemunha S… (advogada, que viveu com o arguido durante 17 anos, 12 dos quais no estado de casados, e que só conhece a assistente por ter falado com ela uma vez ao telefone) evidenciou nada saber sobre os factos, adstringindo-se a afirmar que, no seu caso, o arguido foi sempre uma pessoa calma e pacífica, embora determinada e firme. Acrescentou: que entre ambos nunca houve nenhuma situação violência física e que o arguido é o seu melhor amigo; que o divórcio para si foi difícil; que se relaciona bastante bem com o arguido; que o arguido teve uma alegria enorme em ser pai; que o arguido, em regra, tem um timbre de voz baixo, embora, numa discussão, seja natural que eleve a voz; e que, do conflito entre o arguido e a assistente, apenas sabe o que o arguido lhe contou.
De outro turno, a testemunha Y… conhece o arguido, há cerca de 2 anos, por ser sua psiquiatra, e não conhece a assistente.
A citada testemunha aclarou o seguinte: que vê no arguido uma pessoa equilibrada, que teve dificuldades emocionais, mas que nada tem de patológico; que não tem antecedentes psiquiátricos, mas evidenciou sintomas depressivos; que se mostrava abalado, por efeito do afastamento da filha; e que, no relato do arguido, ele estava a ser vítima da designada alienação parental.
Alfim, a testemunha V…, psiquiatra, conhece o arguido há 43 anos e conheceu a assistente, por intermédio do arguido, há cerca de 4 anos.
Tal testemunha, no que afeta aos factos, afirmou nada saber; contudo, aditou o seguinte: nunca ter visto, em nenhuma circunstância, uma atitude violenta por parte do arguido, sendo certo que privou muito de perto com ele e é amigo da família; e que, para si, o arguido é uma pessoa generosa.
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À vista do exposto, emerge que a prova obtida, na sua dimensão holística, expungiu, de forma inconcussa, qualquer dúvida relativamente à subsistência ou à verificação dos factos dados como assentes.
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No que corresponde às condições pessoais e económicas do arguido, aceitámos as respetivas declarações.
Por fim, no atinente aos antecedentes criminais, atendemos ao certificado de registo criminal do arguido.
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MOTIVAÇÃO DOS FACTOS NÃO PROVADOS
A convicção negativa respaldou-se na ausência de prova, na insuficiência de prova ou na manifesta contradição com os factos provados.
Considerámos nomeadamente a materialidade enunciada na motivação dos factos provados.
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ENQUADRAMENTO JURíDICO-PENAL
A conduta do arguido, B…, foi subsumida, pelo Ministério Público, na prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica agravada, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.os 1, alínea b), e 2, do Código Penal.
Nos termos do assinalado artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e b), comete este crime "quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
- Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
- A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação".
Por sua vez, o n.º 2 do sobredito normativo estabelece que, "no caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos."
Começaremos por referir que semelhante crime tem a sua inserção no âmbito dos crimes contra as pessoas, visando a pertinente disposição legal a tutela da pessoa individual e da sua dignidade humana. Aqui se conglobam as ações que, de uma forma iterativa, afetam tal dignidade, quer configurem maus tratos físicos, quer se traduzam em maus tratos psíquicos, surgindo os mesmos integrados, naturalmente, no domínio de uma relação conjugal ou análoga.
Pode assim afirmar-se que o bem jurídico protegido é a saúde, que apresenta aqui uma conformação complexa, abrangendo a saúde física, psíquica e mental (vide Américo Taipa de Carvalho, em anotação ao artigo 152.Q, do Código Penal, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, pág. 404, e M. Miguez Garcia, O Direito Penal Passo a Passo, Almedina, 2011, pág. 205. Cf., ainda: Catarina Sá Gomes, O Crime de Maus Tratos Físicos e Psíquicos Infligidos ao Cônjuge ou ao Convivente em Condições Análogas às dos Cônjuges, A.A.F.D.L., 2002, pp. 59-60; e Fernando Silva, Direito Penal Especial, Crimes Contra as Pessoas, Quid Jurís, 2005, pág. 281).
Da supradita disposição legal, derivam-se também, linearmente, os elementos, objetivo e subjetivo, do crime de violência doméstica.
Fixemo-nos, para já, no elemento objetivo.
Neste contorno, exige-se que a ação do agente se materialize em infligir, ao cônjuge ou a ex-cônjuge, ou a quem com ele conviver ou tenha convivido em condições análogas às dos cônjuges, de modo reiterado ou não, maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais.
À vista do exposto, emerge, de pronto, que estamos ante um crime específico, porquanto se demanda uma relação especial entre o autor e a vítima. Efetivamente, entre os potenciais agentes e o sujeito passivo há de interceder necessariamente uma relação conjugal ou de união de facto ou a condição posterior à cessação de tal tipo de relações (cf. Américo Taipa de Carvalho, ob. cit., pág. 332-333, e Catarina Sá Gomes, ob. cit., pág. 61. Ver ainda: Teresa Pizarro Beleza, Maus Tratos Conjugais: o art. 153.Q,3, A.A.F.D.L., 1989, pág. 21, e, na doutrina espanhola, Maria Acale Sánchez, EI Delito de Maios Tratos Físicos Y Psíquicos En EI Âmbito Familiar, tirant lo blanch, Valência, 2000, pp. 149-150). Neste tópico, interessa, ainda, notar que, no domínio da relação conjugal, se exige, além do aspeto formal, consubstanciado no casamento - cf. o artigo 1576.º do Código Civil -, uma vivência familiar conjunta e efetiva (ver Catarina Sá Gomes, ob. cit., pp. 62-65).
Relativamente à conduta típica, reclama-se que o comportamento do agente se materialize em infligir maus tratos físicos ou psíquicos.
Nos maus tratos físicos, surgem as ofensas à integridade física.
A ofensa corporal consiste na perturbação, ilícita, da integridade física de outra pessoa, sobrevindo logo que o estado físico desta, no momento da ação, sofre uma alteração minimamente relevante (veja-se, com utilidade, Fernando Silva, ob. cit., pp. 215-217). Adite-se que a ofensa não determina inelutavelmente a verificação de uma lesão, de dor ou de incapacidade para o trabalho. "A lei pune a mera ofensa no corpo e esta tem lugar quando uma agressão voluntária é praticada no corpo de alguém, mesmo quando dela não resulte ofensa na saúde do visado por ausência de quaisquer efeitos produtores de doença ou incapacidade para o trabalho" (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18/12/1991, no Diário da República, série l-A, de 8 de Fevereiro de 1992, pág. 776).
Vale, ainda, destacar que a doença se caracteriza por um efeito perturbador das funções fisiológicas, resultante da ofensa corporal, que torna necessário um determinado tempo de cura, e que a incapacidade para o trabalho se manifesta quando algum ou alguns dos órgãos do corpo estão inabilitados para exercer o género de trabalho para que a respetiva constituição os tornava próprios e com a perfeição compatível com a sua organização natural e cultivada (ver Luís Osório, Notas ao Código Penal, Volume III, Coimbra Editora, 1924, pp. 109-110).
De outro lado, no universo dos maus tratos psíquicos estão incluídas, desde logo, a injúria, a difamação, a coação e a ameaça (ainda que estas últimas não sejam configuradoras, em si mesmas, dos crimes de coação e de ameaça).
Precisando, agora, as sobreditas noções, esclareça-se que a injúria se manifesta em o agente imputar factos a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigir-lhe palavras, ambos ofensivos da sua honra ou consideração.
Por sua vez, a difamação corporifica-se em o agente, dirigindo-se a terceiro, imputar um facto a outra pessoa - o ofendido -, mesmo sob a forma de suspeita, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou, então, reproduzir uma tal imputação ou juízo.
Do aduzido, deriva-se, de imediato, que, "atualmente, é o elemento «presença do ofendido» que serve de fator distintivo entre os crimes de difamação e de injúria" (veja-se o Acórdão da Relação de Évora, de 08/05/1984, na C.J., Ano IX, Tomo 3, pág. 343 e ss. Cf. ainda: Augusto Silva Dias, Alguns Aspetos do Regime Jurídico dos Crimes de Difamação e de Injúrias, AAFDL, 1989, pág. 34. Com a mesma orientação, d. Oliveira Mendes, "O Direito À Honra E A Sua Tutela Penal", Almedina, Coimbra, 1996, pág. 33, e Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 608):
- no crime de injúria, a direção de palavras ou a imputação de factos carecem de ser efetuadas perante o ofendido;
- no crime de difamação, diferentemente, a formulação de juízos ou a imputação de factos - isto é, a direção da conduta (verbal, escrita, gestual, por imagens ou outra qualquer expressão humana) -, devem ser feitas perante um terceiro ou direcionadas a este.
Observe-se, neste átimo, que a honra se manifesta num bem jurídico complexo, que compreende quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, suportado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior (ver Faria Costa, ob. cit., pág. 607). Assim se protege a honra stricto sensu, isto é, a estima ou, pelo menos, o não desprezo moral por si próprio que sente, em geral, qualquer pessoa, ou, por outras palavras, aquilo que um indivíduo vale por si próprio - a dignidade subjetiva - (d. Beleza dos Santos, Algumas Considerações Jurídicas Sobre Crimes de Difamação e de Injúria, R.L.J., nQ 3152, pág. 165. No mesmo sentido, veja-se Oliveira Mendes, op. cit., pág. 21) -, mas também a consideração propriamente dita, ou seja, o valor atribuído a alguém pelo juízo do público, o apreço ou, pelo menos, a não desconsideração que os outros tenham por ele - a dignidade objetiva (Beleza dos Santos, ibidem).
Convém, todavia, ressaltar que, no âmbito do crime de maus tratos, a injúria e a difamação hão de apresentar uma determinada gravidade, que permita concluir que a conduta do agente afeta, ou é suscetível de afetar, de alguma forma, a saúde da vítima - e não se repercuta apenas na honra (vide Catarina Sá Gomes, ob. cit., pág. 104).
Pelo tocante à coação, requer-se que a ação do agente se concretize ou corporize em constranger outra pessoa a uma ação ou omissão ou a suportar uma atividade.
Constranger significa coagir, compelir, forçar, impor, obrigar (vide Victor Sá Pereira, Código Penal Anotado e Comentado, Livros Horizonte, pág.208). O coagido deixa de agir livremente, fazendo ou sofrendo o que não quer; a sua conduta passa a não ser voluntária, mas, antes, imposta, assim resultando privada a respectiva liberdade de autodeterminação.
Tal constrangimento há de exercer-se mediante a utilização de violência ou de ameaça com mal importante ou ainda, na singularidade do crime de maus tratos, por qualquer outro meio.
Relativamente à ameaça (vis compulsiva), esta consiste numa acção que afete a segurança e tranquilidade da pessoa a quem se dirige, demandando-se, ademais, que seja suficientemente séria para produzir o resultado pretendido (d. Victor Sá Pereira, ob. cit., pág. 207, e Leal Henrique/Simas Santos, Código Penal Anotado, 2.Q Volume, Parte Especial, 3.ª Edição, pp. 305-306). Ameaçar é anunciar a intenção de causar um mal futuro, que não tem, porém, de consubstanciar um crime, pois basta que seja idóneo a influenciar a vontade; é anunciar a um indivíduo um grave e injusto dano ou castigo (cf. Luís Osório, Notas ao Código Penal, Volume III, Coimbra Editora, 1924, pág. 188); é O gesto, o sinal, o escrito, a palavra cujo escopo é amedrontar ou atemorizar (Victor Sá Pereira, ob. cit., pág. 207).
Tal ameaça, apesar de dever ser feita, de forma explícita ou implícita, com ou sem condição, a outra pessoa, não carece de ser feita diretamente, podendo ocorrer na ausência do ameaçado ou ofendido (vejam-se Luís Osório, ibidem, e F. Brandão Ferreira Pinto, "O Crime de Ameaças", na S.J., 1958, Tomo VII, números 56-57, Julho-Outubro, pág.396).
A ameaça terá de revestir caráter sério, o que somente ocorre quando for de reconhecer que é de molde a inspirar na pessoa do sujeito passivo imediato o justificado receio de que venha a ser concretizada.
Neste particular, posto que não se exija que o mal, considerado de per se, seja lícito ou ilícito, justo ou injusto (veja-se Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério, 1993, pág. 234, e Taipa de Carvalho, ob. cit., pág. 356), impõe-se que, nas circunstâncias concretas, consubstancie um mal idóneo a sobrepujar a vontade do ameaçado.
Destaque-se, porém, ubi supra se assinalou, que não se impõe que a ameaça feita, no domínio do crime de violência doméstica, se traduza, efetivamente, no crime de ameaça.
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Insta também adicionar que, no núcleo dos maus tratos psíquicos, se compreendem naturalmente, as provocações, as humilhações e as molestações ocasionadas à vítima (conf. Américo Taipa de Carvalho, pág. 333).
De outra parte, no domínio do crime em apreço, surgem, sobremodo, significativos os atentados contra a liberdade da vítima, quer se trate de liberdade de decisão, de liberdade ambulatória ou de liberdade sexual.
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Releva, agora, enfatizar que o crime de violência doméstica, de harmonia com a ratio da respetiva autonomização, pressupõe normalmente uma reiteração das condutas, envolvendo tal renovação, por sua vez, uma certa proximidade temporal. Neste conspecto, não basta naturalmente uma ação isolada ou esporádica, de gravidade limitada, para o preenchimento do tipo, mas também não se exige a habitua/idade da conduta (cf. Américo Taipa de Carvalho, pág. 334; Leal Henriques/S.Santos, ob. cit., pág. 301; e Catarina Sá Gomes, ob. cit., pág. 73). O tipo de crime, na apontada direção, solicita uma pluralidade, indeterminada, de atos parciais, que têm a virtualidade de, singularmente considerados, constituírem, em si mesmos, outros crimes. Contudo, tais condutas são perspetivadas globalmente no domínio de um comportamento repetido que consubstancie maus tratos sobre o cônjuge ou companheiro (veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05/11/2003, na C.J., Ano XXVIII, Tomo V, pp. 219-222).
Trata-se, pois, à partida, de uma realização plúrima e repetida do tipo, sendo o crime em análise de execução duradoura ou permanente. Vale isto por dizer que a violação do bem jurídico tutelado perdura no tempo, prolongando-se para além dos concretos momentos em que se estão a ocasionar as concretas agressões (cf. Maria Acale Sánchez, ob. cit., pp. 143 e 185. Da mesma autora, ver ainda De la Asexualidad de la Ley Penal a la Sexualizacíon dei problema de Los Maios Tratos en el âmbito familiar, no Anuário de Derecho Penal, Número 1999-2000, pág. 20, ou em www.unifr.ch/derechopenal/puau.htm) - O crime persiste enquanto durarem os atos lesivos, i. e., enquanto se mantiver a situação antijurídica (vejam-se os seguintes Acórdãos da Relação do Porto, de 03/04/2002, e da Relação de Guimarães, de 31/05/2004, ambos na interne!, respetivamente, em www.dqsi.pt/jtro e em www.dgsi.pt/jtrg).
Com efeito, há crimes que, consumando-se por atos sucessivos ou reiterados, configuram apenas um crime: não há pluralidade de crimes, mas antes pluralidade no modo de execução. E a execução surge reiterada quando cada ato de execução sucessiva realiza, parcialmente, o evento do crime, id est, a cada fração ou parcela da execução segue-se um evento parcial. Contudo, os eventos parcelares devem ser valorados como evento unitário, sendo, pois, a soma dos eventos parciais que firma o crime único (cf., novamente, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05/11/2003).
Porém, em determinadas situações, a forma de atuar do agente pode configurar-se tão grave e com tamanha intensidade que se enquadre neste tipo de maus tratos (ver o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/11/1997, na C.J. - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça -, Ano V, Tomo III, pág. 235. No mesmo sentido, cf, Fernando Silva, ob. cit., pp. 285-286, e M.Miguez Garcia, ob. cit., pág. 206) - daí que a lei preveja a inflicção ou imposição de maus tratos de forma não reiterada (neste excerto, na exposição de motivos da proposta de Lei n.Q 98/X, de 07/09/2006, observa-se o seguinte: "na descrição típica da violência doméstica e dos maus tratos recorre-se, em alternativa, às ideias de reiteração e intensidade, não sendo imprescindível uma continuação criminosa").
Incumbe, também, sobressair que, apesar de não se requisitar, sempre, a reiteração, para ocorrer o crime de violência doméstica, tal não significa que, tratando-se de infrações de pequena gravidade, seja suficiente uma única infração para a respetiva qualificação como crime de violência doméstica - nesta hipótese, subsiste a exigibilidade da reiteração (d. Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2.0 Edição, Coimbra Editora, 2012, pp. 519-520).
O que se apresenta "relevante é que os factos, isolados ou reiterados, apreciados à luz da intimidade do lar e da repercussão que eles possam ter na possibilidade de vida em comum, sejam susceptíveis de colocar a vítima na situação de, mais ou menos permanentemente, sofrer um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade no seio da sociedade conjugal" (veja-se o Acórdão da Relação do Porto, de 29/11/2004, na C.J., XXIX, Tomo IV, pp. 210-212. Ver, ainda, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 29/01/2003, www.dqsi.pt/jtrc).
"A maior gravidade do ilícito reside, desde logo, na circunstância de os maus tratos ao cônjuge" (ou do companheiro) "traduzirem uma marca visível de sinal contrário aos deveres específicos, legalmente descritos de forma igualitária, para ambos os cônjuges" (companheiros). "Em síntese, decorre da qualidade de cônjuge" (ou de companheiro) "e da sua relação de proximidade da vítima.
Assim, a especificidade deste tipo encontra o seu fundamento no especial desvalor da ação e na particular danosidade do facto. Desta sorte, o fundamento da agravação especial é um fundamento duplo de maior ilicitude do facto e, com isso, da maior culpa espelhada nesse facto" (conf. Maria Manuela Valadão e Silveira, Sobre o crime de maus tratos conjugais, na Revista de Direito Penal, Volume I, n.Q2, Ano 2002, Universidade Autónoma de Lisboa, pág. 35. Veja-se também Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, ob. cit., pág. 405, e Victor Sá Pereira/Alexandre Lafayette, Código Penal Anotado e Comentado, Quid Jurís, 2008, pág. 403).
Para além dos elementos do tipo-base do crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, n.º 1, o referido normativo prevê, no n.º 2, diversos elementos qualificadores ou agravantes: o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima - neste caso, a punição aparece agravada com pena de prisão de dois a cinco anos.
Avulte-se outrossim que a indicação do domicílio comum ou do domicílio da vítima como fator agravante constitui o reconhecimento/consagração de um espaço ou local circunscrito, em regra vedado ou inacessível à perceção dos outros membros da comunidade. O legislador pretendeu, por esta via, censurar, de forma agravada, as situações de violência doméstica dissimulada ou velada, em que a conduta do agente beneficia da limitação da vítima ao espaço do domicílio e, normalmente, da inexistência de testemunhas (ver Miguez Garcia, ob. cit., pág. 204, e Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 406).
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Curemos agora do elemento subjetivo do crime de violência doméstica.
Neste domínio, sendo certo que este crime apenas é punível a título de dolo, o dolo genérico consubstancia-se, no círculo do elemento intelectual, no conhecimento, por parte do agente, da existência de uma relação, conjugal, ex-conjugal ou análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, com o sujeito passivo e de que exerce maus tratos físicos e/ou psíquicos sobre essa pessoa.
Registe-se, ainda, que, no domínio da reiteração, não se torna mister que o agente esteja consciente de que foi a primeira, a segunda ou a terceira vez que praticou atos configuradores de violência física ou psíquica sobre o sujeito protegido - basta que esteja consciente da frequência com que tais atos são, por si, realizados (ver Maria Acale Sánchez, ob. cit., pág. 174)
Por outro lado, no domínio do elemento volitivo, exige-se a vontade, livre e consciente, por parte do agente, de praticar os atos de que resultam os maus tratos físicos e/ou psíquicos, sabendo ele que tal facto é ilícito e sendo tal vontade determinada pelo conhecimento ou representação das circunstâncias do pertinente tipo legal de crime.
Assente a natureza dolosa do crime, logo se conclui também que a atuação do agente se pode exteriorizar em qualquer das modalidades do dolo.
Assim gizado o quadro teórico-jurídico enformador do crime por que o arguido vem acusado, apreciemos os factos dados como assentes.
Ora, destes eflui, com Iineridade, que a assistente, C…, viveu com o arguido, B…, em condições análogas às dos cônjuges, desde o ano de 2010 até setembro de 2012, primeiro numa habitação sita na Rua…, no Porto, e posteriormente noutra residência, localizada no Passeio…, igualmente no Porto; desta união existe uma filha, D…, nascida a 24 de julho de 2011; com o casal viviam ainda os gémeos T… e a U…, nascidos a 02/03/2005, filhos da assistente e por ela adotados no decurso de um anterior casamento.
Mais se apurou:
- que, a partir do nascimento da D…, o arguido alterou o seu comportamento relativamente à assistente, com quem discutia, pelo menos, uma vez por semana, alturas em que lhe dirigia, em tom sério e intimidatório, as expressões seguintes: "vigarista, miserável, puta, dormes com outros homens por dinheiro, vives às minhas custas!";
- que, com o passar do tempo, as sobreditas discussões se intensificaram, passando a ter lugar todos os dias, ocorrendo que, além das expressões acima mencionadas, o arguido dirigia também à C… expressões como "bruxa, manipuladora, nunca devias ter tido a minha filha, os teus filhos (adotados) são uns infelizes, deviam ter ficado onde os foste buscar, são uns rafeiros, nunca vão ser irmãos da D…, não tenho obrigação nenhuma de os sustentar!";
- que foram muitas as vezes que o arguido proibiu os filhos mais velhos da assistente de se aproximarem da D…, alegando que poderiam fazer-lhe mal ou transmitir-lhe doenças, deixando a assistente, com tal atitude, profundamente triste;
- que, no dia 09/03/2012, no interior da habitação do casal, sita no Passeio…, no Porto, o arguido se encontrava com a D… ao colo, estando a bebé a chorar. Quando a assistente se aproximou para pegar na filha, o arguido, aos berros e enquanto as afastava uma da outra, acusou a C… de ser a culpada do choro da criança e de fazer tudo de propósito para que a D… não acalmasse com ele;
- que, depois de conseguir pegar na filha, sossega-la e colocá-la a dormir, a assistente se dirigiu para junto do arguido, acabando os dois por discutir; na sequência dessa discussão, o arguido apertou uma das pernas da C… e deu-lhe um beliscão no braço, causando-lhe dores e um hematoma;
- que, pouco tempo depois, em data não concretamente determinada, durante outra discussão, o arguido empurrou a assistente quando ela se encontrava junto à porta do elevador;
- que, desde então, sempre que discutiam, o arguido insultava a assistente, apelidando-a de "miserável criatura, vigarista, manipuladora, maldosa e bruxa";
- que, em data não concretamente apurada do mês de junho de 2012, o arguido pretendia ir passear com a D…; na ocasião, a assistente disse-lhe para não a levar; diante disse, o arguido, aos gritos e na presença dos gémeos, começou a discutir consigo e, em tom de voz grave e sério, dirigiu-lhe os seguintes termos e expressões: "puta, filha da puta, mato-te minha puta, mato-te, sai da minha frente, vives à custa dos homens, conseguiste dar o golpe do baú!"; após, o arguido saiu de casa, mas não levou a D…;
- que, quando confrontava o companheiro com a separação, a assistente recebia como resposta: "se saíres de casa, levas só os gémeos e deixas a D…, porque se levares os três, nem que seja só por uns dias, eu pego na D… e vou-me embora com ela!; se saíres para casa da tua irmã, quando voltares, eu saio sozinho e levo a bebé!"; e
- que, durante o verão do ano 2012, dia sim dia não, o arguido pegava na D… e saía com ela para passear, alegando que não sabia para onde ia nem onde tinha andado, por não ser do Porto, circunstância que deixava sempre a assistente angustiada por não saber do paradeiro da filha.
Consolidou-se ainda:
- que, após a separação do casal, que ocorreu em setembro de 2012, o arguido, de forma quase diária, quer pessoalmente quer por telefonemas, dirigiu-lhe os termos e expressões subsecutivas ou semelhantes, o que deixava a C… aterrorizada: "vou ser o teu pior inimigo, vais levar comigo todos os dias da tua vida, miserável criatura, vigarista, trapaceira, mentirosa, qualquer dia tiro-te a D…, levo-a e não ta entrego mais, a tua vida vai mudar, primeiro vou tratar da D… e depois de ti e dos gémeos, vou à Segurança Social dizer que não tens condições para tratar dos teus filhos, vais aprender, vais ver a D… de vez em quando, vais ser tu a ir buscá-Ia a minha casa, guarda as energias para te defenderes em tribunal, pois vais precisar, merecias a morte";
- que, não obstante os pedidos da assistente para que a menor fosse entregue a pessoas da sua família, por forma a evitar ser objeto dos insultos acima descritos, o arguido exigia a sua presença em todas as "transições", obrigando-a a alterar as suas rotinas de vida e a adaptar os seus horários de trabalho em conformidade;
- que o arguido fazia exigências à assistente, tais como obrigá-Ia a ir a casa buscar um brinquedo ou uma manta da D…, senão não lhe entregava a menor, exigências que a C… cumpria com receio de que o B… cumprisse as suas promessas;
- que, do mesmo modo, desde que se separaram, o arguido enviou, pelo seu telemóvel, com o n.º ………, para o telemóvel da assistente, com o n.º ………, inúmeras mensagens escritas, tal como resulta de folhas 23 a 32, do CD junto a folhas 207, de folhas 209 a 211 e de ff. 1018-1247, mensagens estas cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, cujo objetivo, por plúrimas vezes, era o de perturbar, inquietar e desequilibrar a assistente;
- que, no dia 29/11/2012, na Rua…, no Porto, quando se deslocou a casa da assistente, a fim de entregar a D… à assistente, o arguido exigiu que esta se deslocasse até junto da sua carrinha para conversarem, caso contrário levaria embora a filha de ambos;
- quem, no dia 13/01/2013, cerca das 19h30, o arguido se deslocou à Rua…, no Porto, a fim de proceder à entrega da D… à mãe; uma vez no local, verificando que a C… se encontrava acompanhada da I…, o arguido negou entregar-lhe a D…, enquanto a sua amiga aí permanecesse; como não conseguiu os seus intentos, o arguido, em vez de entregar a D…, abandonou o local, levando a menor com ele;
- que, sobretudo a partir de fevereiro de 2013, quando ia buscar a D… depois do almoço e, bem assim, quando ia entregá-Ia à C… no final do dia, o arguido fazia filmagens desses momentos;
- que, posteriormente, o arguido dirigiu à assistente, as palavras seguintes: "vais ver, o documentário que tanto te atormenta já está pronto";
- que, no dia 23/04/2013, incapaz de suportar por mais tempo as filmagens de que a filha e ela própria eram alvos, a assistente verbalizou tal facto perante o arguido que, aos gritos, lhe disse "este filme vai ser utilizado contra ti, vais parar à prisão", palavras que proferiu na presença da D…;
- que também os insultos persistiram no decurso das entregas, sendo a assistente apodada de "monstro e mentirosa", e aterrorizada com as subsecutivas expressões: "mereces morrer, vais ser presa, vou-te destruir, vou-te denunciar à Segurança Social";
- que, em julho de 2013, foi apresentada uma denúncia, contra a assistente, apresentada por uma psicóloga, contratada pelo arguido para acompanhar a D…, por alegados abusos sexuais à referida D…; nos exames efetuados, concluiu-se pela total ausência de vestígios de abuso sexual;
- que, no dia 25/09/2013, pelas 14 horas, à porta da habitação da assistente, na Rua…, no Porto, depois de a filha D… lhe ter sido entregue pela M… (empregada doméstica da assistente, C…), o arguido, aos gritos, proferiu as palavras seguintes: "isto é uma vergonha, é uma maldade, a M… é conivente com as maldades da C…";
- que, de seguida, o arguido começou a desferir socos na porta de entrada da casa da C… e a tocar à campainha da habitação, ao mesmo tempo que exigia falar com ela, dizendo repetidamente: "A C… só pensa em dinheiro, a C… educou maios gémeos e agora está a educar mal a minha filha, tu vais presa, perdeste o juízo, agora trato de ti e da D…, depois trato dos gémeos, vou ser o teu pior inimigo, vais apanhar comigo todos os dias da tua vida, tenho tudo documentado em vídeo";
- que, no dia 13/11/2013, pelas 19h30, no decurso de mais uma discussão, na presença da D…, o arguido disse à assistente o seguinte: "incompetente, isto são horas, tu vais pagar";
- que, com frequência, o arguido insultou a assistente, dizendo-lhe que ela era a culpada de tudo, que ia pagar por tudo, que não era competente para educar a D…, que não sabia ser mãe e que era uma incompetente; e
- que, no dia 27/12/2013, a M.ma Juiz de Direito do Tribunal de Instrução Criminal do Porto aplicou ao arguido as medidas de coação de obrigação de afastamento da residência da assistente e de proibição de com ela estabelecer quaisquer contatos.
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À vista do exposto, conclui-se que o arguido, com a respetiva conduta, preteriu nitidamente deveres éticos e de convivência elementares.
Releva agora enfatizar que se verificam claramente as circunstâncias qualificativas do crime de violência doméstica, expressas no facto de o arguido haver praticado os factos no domicílio comum e na presença da filha menor - cf. o artigo 152.º, n.º 2, do Código Penal.
Comprovou-se outrossim:
- que, sempre que ameaçou, insultou e bateu na assistente, C…, sua companheira e mãe da sua filha, o arguido atuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo o que estava a fazer e que não podia nem devia fazê-lo, dado que nada justificava o seu comportamento;
- que, por outro lado, com as expressões e advertências que lhe dirigiu e com o elevado número de mensagens que lhe enviou, o arguido agiu com o desígnio, consolidado, de incomodar, inquietar e atemorizar a assistente, pretendendo que esta se sentisse inferiorizada e humilhada, o que conseguiu, bem sabendo que isso a afetava na sua saúde psíquica, manifestando total desinteresse pelo seu bem-estar;
- que agiu também com o propósito concretizado de, ao longo do referido período, de modo gratuito, atingir a assistente na sua dignidade enquanto ser humano merecedor de respeito e consideração, manifestando total desinteresse pelo seu bem-estar; e
- que o arguido sabia que praticava os factos supraditos na presença da filha e no interior da habitação e que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
De outro lado, também não persistem dúvidas de que intercedeu o exigido nexo de causalidade entre a conduta do arguido e o sofrimento sentido pela assistente.
Estão, pois, reunidos, os elementos, objetivo e subjetivo, que tipificam o crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.os 1, alínea b), e 2, do Código Penal.
Vale ainda lembrar que, em conformidade com as anteditas considerações, que aqui se dão por reproduzidas, se trata apenas de um crime de violência doméstica - efetivamente, os atos parcelares praticados pelo arguido não conformam uma pluralidade de crimes, sendo antes unificados num crime único, embora de execução reiterada.
Consequentemente, há de julgar-se o arguido, B…, constituído na prática, em autoria material, do supradito crime, cuja pena corresponde a prisão de 2 a 5 anos.
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DA MEDIDA DA PENA
Importa, subsequentemente, determinar a medida da pena que, em concreto, se adeque ao comportamento da arguida, para o que, de acordo com o disposto no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, se tem de atender à culpa do agente e às exigências de prevenção de futuros crimes.
Cabe aqui sublinhar que, nas relações entre os vetores básicos do citado artigo culpa e prevenção -, a culpa se assume como limite inultrapassável das exigências de prevenção - daí o primado do direito penal da culpa -, sendo aquela que fornece o grau máximo da pena, todavia não a medida da pena. Dito de outra maneira: a medida da pena não pode jamais ultrapassar a medida da culpa (cf. o artigo 40.º, n.º 2, do citado Código), que se conjuga com considerações de prevenção (ver o Acórdão do STJ, de 25/11/1987, no BMJ., n.Q 371, pág. 255).
Por outro lado, o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a propósito das finalidades das penas, dispõe que a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
No âmbito das exigências de prevenção, incluem-se aqui as vertentes da prevenção geral e da prevenção especial. Observe-se que "a proteção dos bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos outros cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A proteção dos bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial.
Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena" (ver Maria Fernanda Palma, "As alterações reformadoras da Parte Geral do Código Penal na revisão de 1995: Desmantelamento, reforço e paralisia da sociedade punitiva", nas Jornadas sobre a revisão do Código Penal, A.A.F.D.L., Lisboa, 1998, pág. 27) - neste ponto, configura-se a prevenção especial de socialização (cf., ainda, Adelino Robalo Cordeiro, A Determinação da Pena, nas Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, Volume II, Lisboa, 1998, pág. 48).
A fixação da pena há de assim cumprir uma função repressiva, aferida pela intensidade ou grau de culpabilidade, e satisfazer finalidades preventivas, de proteção do bem jurídico e de integração do agente na sociedade (cf. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Tomo III, pág. 130).
Adite-se que, na determinação concreta da pena, de harmonia com o estabelecido no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
As sobreditas circunstâncias dividem-se, desta forma, em três categorias essenciais: por um lado, atinentes à execução do facto, aqui se incluindo o desvalor da conduta e o desvalor da atitude interna do agente - alíneas a), b) e c); por outro lado, respeitantes às condições de vida e à personalidade do agente - alíneas d) e f); e, por fim, relativas à conduta do agente anterior e posterior ao facto - alínea e).
No caso que se indaga, o arguido agiu com culpa, na vertente de dolo direto, na medida em que, representando manifestamente, de forma iterativa, os factos criminosos, atuou com intenção de os realizar, agindo, ainda, de forma gratuita.
Violou, desse modo, em consequência da sua conduta, os valores que a ordem jurídica lhe impunha, consubstanciados, além do mais, nos interesses respeitantes à saúde física e psíquica e à dignidade humana.
Por outro lado, a ilicitude, refletida nos factos, no respetivo modo de execução, na gravidade das suas consequências e no aludido desvio de valores, mostra-se de grau elevado e adquiriram uma saliente persistência temporal.
Adicione-se que os factos cometidos, que projetam uma imagem global, sobremodo, inadequada, evidenciam, por banda do arguido, uma atitude de negação e desprezo por bens jurídicos, não se alcançando qualquer fundamento válido ou atendível para a prática do crime.
No domínio atinente às exigências de prevenção geral, a pena satisfaz aqui necessidades de fortalecimento da consciência jurídica comunitária, isto é, visa a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, sendo certo que, no âmbito dos crimes de violência doméstica, se fazem sentir particulares necessidades de prevenção, atendendo à desmuItiplicação de crimes desta natureza.
No parâmetro das exigências de prevenção especial, torna-se necessário usar a pena na sua função primordial de socialização, a fim de obter, doravante, uma maior conformação do arguido com os padrões axiológicos vigentes.
Como circunstância que milita a favor do arguido, alinha-se a sua ausência de antecedentes criminais.
Diante dos motivos aduzidos, cabendo ao crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.os 1, alínea b), e 2, do Código Penal, ut retro se assinalou, uma moldura abstrata correspondente a pena de prisão de 2 a 5 anos, considera-se equitativo e adequado aplicar ao arguido a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
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Cumpre, agora, determinar se tal pena deve ser substituída por uma pena não detentiva.
Começaremos por dizer que as penas substitutivas, que consubstanciam verdadeiras penas autónomas, devem ser aplicadas quando se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição (cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, 1993, pp. 329 e 331).
"São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação" (ver Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit, pág. 331).
Por outro lado, no atinente às penas de substituição, são particularmente as finalidades de prevenção especial de socialização que devem orientar a opção do Tribunal, "por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão" (ver Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit, pág. 332).
Tal prevalência manifesta-se da seguinte forma:
- em primeiro lugar, o tribunal só deve denegar a aplicação de uma pena substitutiva quando a execução da prisão, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, se configure necessária ou provavelmente mais conveniente do que aquela pena;
- em segundo lugar, sempre que se mostre recusada, pelo Tribunal, a aplicação efetiva da prisão e subsista, ao seu dispor, mais do que uma espécie de pena de substituição, são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem determinar qual das espécies de penas de substituição abstratamente aplicáveis deve ser escolhida. Observe-se, ainda, que, neste domínio, não existe, em abstrato, uma hierarquia legal das penas de substituição - efetivamente, a sobredita hierarquia apenas opera em concreto, em função das particulares exigências de prevenção especial de socialização que a situação demande e da forma mais apropriada de as materializar ou satisfazer.
Acrescente-se que a prevenção geral surge aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização. Assim, a pena de substituição só não será aplicada se a execução da pena de prisão se mostrar essencial para que não sejam postas inevitavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafática das expectativas comunitárias (ver Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit, pág. 333).
Por fim, assinale-se que, em contraposição com as penas de substituição detentivas, as penas de substituição em sentido próprio apresentam uma dimensão não institucional ou não detentiva (ver Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 335).
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Em face da pena aplicada, apenas importa aqui excogitar a pena de substituição correspondente à suspensão da execucão da pena.
O artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, estabelece que, "o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição."
Relativamente às finalidades da punição, dão-se aqui por reproduzidas as considerações supratecidas a este propósito.
Refira-se, neste átimo, que a opção pela suspensão da execução da pena depende de um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu previsível comportamento futuro.
A suspensão da pena tem um conteúdo pedagógico e reeducativo, que se mostra orientado pelo desígnio de afastar o delinquente da via do crime, tendo em consideração as concretas circunstâncias do caso.
Convém ainda destacar que o sobredito juízo de predição não envolve naturalmente uma certeza absoluta ou qualquer infalibilidade, correspondendo, antes, a uma expectativa, justificada e fundamentada, de que a socialização em liberdade se consiga operar ou concretizar.
Trata-se, por conseguinte, de uma convicção subjetiva, embora fundada, do julgador, que não deixa de encerrar, decerto, um risco, emergente, nomeadamente, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso (ver Figueiredo Dias, Direito Penal Português ­As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 344).
Neste domínio, compete assegurar que a suspensão da execução da pena de prisão não afronte ou postergue as finalidades da punição, devendo a mesma, na ótica da prevenção especial, beneficiar a reinserção social do condenado.
Por outro turno, atendendo às imposições da prevenção geral, cumpre acautelar que a comunidade não perspetive a suspensão, na situação concreta, como indício/sinal de indulgência ou impunidade, assim se evitando o desenvolvimento de qualquer desconfiança no atinente ao sistema repressivo penal.
Por derradeiro, assinale-se que a opção pela suspensão há de fundamentar-se nos elementos previstos no predito artigo 5ü.º, n.? 1: na personalidade do agente, nas condições da sua vida, na sua conduta anterior e posterior ao crime e nas circunstâncias deste.
Feito o apontado excurso, diga-se que, na situação em tela, apesar da gravidade dos factos cometidos pelo arguido, convém, todavia, obtemperar o seguinte:
- a personalidade, no essencial, positiva, evidenciada pelo arguido em julgamento;
- as condições de vida do arguido, que se mostra inserido profissional e socialmente; e
- por fim, o seu comportamento anterior e posterior aos factos, sucedendo que, nesta fração, pelo menos formalmente, nada cumpre registar.
Perante o concatenação/encadeamento de tais particularismos, podemos afirmar ser bastante a censura do facto e a ameaça da pena para afastar o arguido da delinquência e satisfazer as necessidades de reprovação e de prevenção, geral e especial, do crime.
Observe-se, ainda, que, nos termos do estabelecido no artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal, "o período de suspensão tem duração igual à pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão."
Desta sorte, ao abrigo do disposto no artigo 50.º, n.os 1, 4 e 5, do Código Penal, cumpre suspender a execução da pena de prisão aplicada pelo período de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses.
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Atentemos, agora, se tal suspensão deve ser condicionada.
O citado artigo 50.º estabelece ainda o seguinte, nos seus números 2, 3 e 4:
"2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições."
Por outro lado, o artigo 52.º, do Código Penal, sob a epígrafe regras de conduta, para o que ora nos interessa, dispõe o seguinte:
"1 - O tribunal pode impor ao condenado o cumprimento, pelo tempo de duração da suspensão, de regras de conduta de conteúdo positivo, suscetíveis de fiscalização e destinadas a promover a sua reintegração na sociedade, nomeadamente:
Residir em determinado lugar;
Frequentar certos programas ou atividades;
Cumprir determinadas obrigações.
2 - O tribunal pode, complementarmente, impor ao condenado o cumprimento de
outras regras de conduta, designadamente:
Não exercer determinadas profissões;
Não frequentar certos meios ou lugares;
Não residir em certos lugares ou regiões;
Não acompanhar, alojar ou receber determinadas pessoas;
Não frequentar certas associações ou não participar em determinadas reuniões; f) Não ter em seu poder objetos capazes de facilitar a prática de crimes.
3 - O tribunal pode ainda, obtido o consentimento prévio do condenado, determinar a sua sujeição a tratamento médico ou a cura em instituição adequada."
Do exposto, emerge que podem ser impostas ao condenado, pelo tempo de duração da suspensão, várias regras de conduta, de conteúdo positivo e/ou negativo, destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, sendo exemplificativa a enumeração feita.
Por sua vez, o artigo 53.º, intitulado suspensão com regime de prova, preceitua:
1 - O tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade.
2 - O regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social.
3 - O regime de prova é ordenado sempre que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade ou quando a pena de prisão cuja execução for suspensa tiver sido aplicada em medida superior a três anos."
Por fim, o artigo 54.º, que concerne ao plano de reinserção social, tem a seguinte redação:
"1 - O plano de reinserção social contém os objetivos de ressocialização a atingir pelo condenado, as atividades que este deve desenvolver, o respetivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adotar pelos serviços de reinserção social.
2 - O plano de reinserção social é dado a conhecer ao condenado, obtendo-se, sempre que possível, o seu acordo prévio.
3 - O tribunal pode impor os deveres e regras de conduta referidos no artigo 51.º e artigo 52.º e ainda outras obrigações que interessem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do condenado, nomeadamente: a) Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social;
b) Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
c) Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso;
d) Obter autorização prévia do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro".
Ora, tendo em consideração a gravidade dos factos e o comportamento iterativo, por banda da arguido, figura-se-nos adequado, à realização das finalidades da punição, que a sobredita suspensão da execução da pena de prisão fique condicionada a regime de prova.
Tal regime de prova assentará num plano individual de readaptação social, a concretizar com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, visando atingir as seguintes finalidades, atinentes à ressocialização da arguida:
- prevenir a prática de factos da mesma natureza ou de natureza idêntica aos dos autos; e
- estabelecer o confronto do arguido com as suas condutas, de forma a que consciencialize adequadamente a sua gravidade e os seus efeitos.
Por outro lado, as indicadas exigências de prevenção geral e especial demandam ainda que as obrigações e regras de conduta representem um sacrifício real para a arguida, sob pena de se estar a desacreditar os Tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de inutilidade e de impunidade.
No âmbito de tal regime de prova, mostra-se conveniente impor ao arguido, além de outras que venham a mostrar-se necessárias, as seguintes obrigações e regras de conduta: a) - cumprir um plano individual de readaptação social, a elaborar, no prazo de 3 meses, pelos serviços de reinserção social;
b) - realizar, durante o período de suspensão, entrevistas com um técnico da DGRS, com a periodicidade por este definida;
c) - receber visitas do técnico de reinserção social ou apresentar-se à DGRS, quando para tal for convocado, e prestar quaisquer esclarecimentos sempre que necessário; e
d) - informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência.
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Por fim, diga-se que, na singularidade do caso, as citadas obrigações e regras de conduta, impostas ao arguido, se configuram inteiramente razoáveis e exigíveis, mostrando-se a arguida em condições de as cumprir (cf. o artigo 51.º, n.º 2, 52.º, n.? 4, e 54.º, n.º 3, todos do Código Penal), de forma a operar nele um sentimento de responsabilidade social e de evitar a prática de condutas ilícitas.
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A DGRS supervisionará todo o processo e deverá elaborar relatórios, de seis em seis meses, que remeterá ao tribunal, no âmbito dos quais conste a evolução da situação do arguido, devendo também informar o tribunal assim que se verifique algum incumprimento relevante.
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DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Neste âmbito, importa averiguar se os factos dados como provados integram os pressupostos da responsabilidade civil.
Dispõe o artigo 483.º, n.º1, do Código Civil, aqui aplicável ex vi do disposto no artigo 129.º do Código Penal, que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Assim, os pressupostos de que cuja verificação depende a aludida responsabilidade são a ação, a antijuridicidade, a culpa do agente, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
No vertente caso, é evidente a existência de ação, antijuridicidade, culpa, dano e nexo entre o facto e o dano, tanto quanto é certo factos voluntários, dolosos, por parte do arguido, a violação de direitos de outrem, um prejuízo in natura que a assistente sofreu nos seus interesses e o nexo entre os factos e o prejuízo.
Torna-se agora necessário saber quais os danos resultantes do crime na esfera da causalidade adequada – cfr., o artigo 563.º, n.º1, do Código Civil.
Nos termos do artigo 562.º do mesmo diploma, o responsável pela reparação de um dano deve reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto (ct., ainda, o artigo 564.º, n.º 1, do Código Civil), sendo o dano o prejuízo real que o lesado sofreu in natura, e que se irá determinar pela diferença entre a situação real atual do lesado e a hipotética, em que se encontraria se não tivesse havido lesão, e segundo o princípio da atualidade, que manda atender ao momento mais recente que o tribunal possa considerar e que, em regra, é o momento do encerramento da discussão da causa (veja-se o Acórdão da Relação do Porto, de 15/07/1989, na CJ, 1989, tomo 4, pág. 194).
Por outro lado, sempre que a reconstituição natural não seja possível, a indemnização é fixada em dinheiro - ct, o artigo 566.º, n.º1, do Código Civil.
Refira-se, ainda, que, nas obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros, a contar do dia da constituição em mora, que coincide com a prática do facto ilícito - ct, os artigos 8ü5.º, n.º2, alínea b), e 8ü6.º, ambos do Código Civil.
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Passemos assim a analisar os factos que, de acordo com a sua ligação direta aos crimes dos presentes autos, se manifestam em danos não-patrimoniais, dado que apenas estes foram perspetivados pela assistente.
Neste particular, a assistente requereu que o arguido fosse condenado a pagar-lhe "uma quantia nunca inferior a 4950 € (quatro mil novecentos e cinquenta euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, mas que se poderá vir a concretizar em montante superior, acrescida de juros à taxa legal desde a notificação até integral pagamento.
Para o que ora nos interessa, além do mais que foi dado como assente, mostra-se apurado o seguinte:
- que o arguido atingiu a integridade física da assistente e dirigiu-lhe vários insultos (dá-se aqui por descrita tal materialidade);
- que, de outro lado, com as expressões e advertências que lhe dirigiu e com o elevado número de mensagens que lhe enviou, o arguido agiu com o desígnio, consolidado, de incomodar, inquietar e atemorizar a assistente, pretendendo que esta se sentisse inferiorizada e humilhada, o que conseguiu, bem sabendo que isso a afetava na sua saúde psíquica, manifestando total desinteresse pelo seu bem-estar;
- que o arguido também com o propósito concretizado de, ao longo do referido período, de modo gratuito, atingir a assistente na sua dignidade enquanto ser humano merecedor de respeito e consideração, manifestando total desinteresse pelo seu bem-estar; e
- que a supradita conduta do arguido determinou à assistente, como consequência direta e necessária, o seguinte: temor, medo, receio, inquietação, mágoa, humilhação, vergonha, ansiedade, tristeza, cansaço, revolta, perturbação da sua tranquilidade pessoal, forte abalo psicológico e intensa irritabilidade.
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Ora, figura-se-nos que tais sentimentos, sofrimentos e sensações se estruturam em danos não patrimoniais, quer se opte pela formulação negativa, que inclui nesta categoria todos aqueles que não atingem os bens materiais do sujeito passivo ou que, de qualquer modo, não alteram a sua situação patrimonial (veja-se De Cupis, II danno, Milano, 1966, pág. 44 e ss.), quer se opte pela formulação positiva, segundo a qual o dano não patrimonial ou dano moral tem por objeto um bem ou interesse desprovido de conteúdo patrimonial, insuscetível, em rigor, de avaliação pecuniária.
A indemnização não visa, aqui, propriamente ressarcir ou tornar indemne o lesado, mas tão só oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido (cf. Rui Alarcão, Direito das Obrigações, pág. 270).
Ademais, tais danos são indemnizáveis, porque têm gravidade bastante para merecer a tutela do direito - cf. o artigo 496.º, n.º1, do Código Civil.
Nestes danos não patrimoniais não há uma indemnização verdadeira e própria, mas antes uma reparação, uma atribuição de uma soma em dinheiro que se julga adequada para compensar e reparar transtornos, incómodos e ofensas ao prestígio, imagem, credibilidade e reputação, através do proporcionar de certo número de satisfações que as minorem ou façam esquecer (Rui Alarcão, ibidem).
O montante de indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso - haja dolo ou mera culpa -, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular do direito de indemnização - ver o artigo 494.º, ex vido artigo 496.º, n.º3 -, aos padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc.
Aplicando as considerações expostas ao caso em tela e atentas as respetivas coordenadas, julga-se equitativa, por tais danos não patrimoniais, em face da sua dimensão, a fixação da indemnização em 4200 C (quatro mil e duzentos euros).
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Uma vez que tal indemnização concerne a danos não patrimoniais e foi considerada, atualisticamente, à data da presente sentença, são devidos juros de mora desde a data desta sentença (cf., neste sentido, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.Q4/2002, do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/06, no Diário da República, I Série-A, pág. 5057 e ss.; Vejam-se, ainda, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 22/04/1993, na CJ, Ano XVIII, Tomo II, pág. 69, e o Acórdão da Relação de Lisboa, de 20/02/1990, na CJ, Ano XV, Tomo I, pág. 188), correspondendo a taxa de juros anual, atualmente, a 4%.
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DECISÃO
Pelo exposto, julgo a acusação procedente e, em consequência, decido:
I - Condenar o arguido, B…, pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelos artigos 14.º e 26.º e 152.º, n.os 1, alínea b), e 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
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II - Nos termos do estabelecido no artigo 50.º, n.os 1, 4 e 5, do Código Penal, suspendo, pelo período de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses, a execução da pena de prisão aplicada.
Tal suspensão será acompanhada, nos termos dos artigos 51.º, 52.º e 53.º, do Código Penal, por um regime de prova, mediante a imposição dos subsequentes deveres e regras de conduta:
a) - cumprir um plano individual de readaptação social, a elaborar, no prazo de 3 meses, pelos serviços de reinserção social;
b) - realizar, durante o período de suspensão, entrevistas com um técnico da DGRS, com a periodicidade por este definida;
c) - receber visitas do técnico de reinserção social ou apresentar-se à DGRS, quando para tal for convocado, e prestar quaisquer esclarecimentos sempre que necessário; e
d) - informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência.
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A DGR supervisionará todo o processo e deverá elaborar relatórios, de seis em seis meses, que remeterá depois ao Tribunal, no âmbito dos quais conste a evolução da situação do arguido.
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III - Mais se condena o arguido no pagamento de 4 UC de taxa de justiça e nas demais custas do processo.
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IV - Na parcial procedência do pedido civil, decido:
a) - Condenar o arguido/demandado civil, B…, a pagar à assistente, C…, a título de danos não patrimoniais (atualizados), a quantia global de 4.200 C (quatro mil e duzentos euros), acrescida de juros moratórias, à taxa de 4%, desde a presente data até integral pagamento;
b) - Custas do pedido civil, na proporção dos respetivos decaimentos, pela arguido/demandado civil e pela assistente.
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Remeta boletim à DSIC.
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Comunique à DGRS (Equipa Competente), com cópia da sentença.
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Notifique.
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Cumpre agora, nesta sede, analisar cada um dos fundamentos de recurso.
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(i) Na aventada nulidade da sentença por omissão de fundamentação e por constarem factos da matéria considerada prova resultante de uma alteração da pronúncia não comunicada.
Nas suas alegações de recurso o arguido faz alusão à nulidade da sentença, dizendo que o tribunal de primeira instância omitiu o dever de fundamentação da sua decisão ao não especificar devidamente os factos provados e não provados. Defende que a acusação foi transcrita ipsis verbis para a sentença, do mais simples adjectivo, à insignificante vírgula, incluindo os seus notórios erros e vícios - como exemplo a extrema inexactidão e imprecisão de facto, tempo lugar e modo -, violando-se, com isso, princípios fundamentais da contraditoriedade e da defesa. Mais defende, que a sentença viola o disposto no Art.º 374.º, n.º 2, do CPPenal, que obriga a que da sentença "conste a enumeração dos factos provados e não provados".
Por seu turno, o Ex.mo Procurador-geral adjunto, nesta instância de recurso, defende do mesmo modo que a sentença é nula, padecendo do vício da falta de fundamentação, porque não concretiza quais as concretas expressões das mensagens contidas a fls. 1018 a 11247 devidamente identificadas "cujo objectivo era perturbar, inquietar e desequilibrar a assistente", sendo, ainda, que divergindo o tribunal a quo da pronúncia, nesse sentido, não comunicou devidamente essa alteração nos termos e ao abrigo do Art.º 358.º do CPPenal.
Cumpre apreciar.
O dever de fundamentação das decisões judiciais é uma realidade, ainda que com contornos variados, imanente a todos os sistemas de justiça que nos são próximos, mesmo que sejam detectáveis variáveis do grau de exigência em função das matérias em causa, do tipo de decisão ou da tradição histórica e cultural de cada país. Este dever constitui, nos modernos Estados de Direito, um dos pressupostos do chamado “processo equitativo” a que aludem o Art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. Esta mesma Constituição dispõe no n.º 1 do Art.º 205.º que "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei".
Por seu turno a sentença é, por definição, a decisão vocacionada para a solução definitiva do problema concreto que foi colocado ao tribunal. Como tal, porque representa a definição do direito do caso concreto deve ser, um documento de fácil leitura, simples, claro, logicamente ordenado, enxuto e esgotante. Na verdade, o âmbito do princípio constitucional da fundamentação das decisões tem como corolários, para além da publicidade e do duplo grau de jurisdição, a generalidade, a indisponibilidade e a completude.
A vinculação constitucional a um modelo de fundamentação da sentença que garanta os princípios da completude e da indisponibilidade, com as constrições normativas mencionadas e que decorrem das exigências da suficiência, da coerência e da concisão.
Tem-se entendido que a fundamentação da sentença penal, como decorre da norma do Art.º 374.º, n.º 2, do CPPenal, é composta por dois grandes segmentos: um primeiro que consiste na enumeração dos factos provados e não provados; e outro que consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, mais não é do que a narração de forma metódica, dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, com referência aos que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e do pedido de indemnização, e ainda dos factos provados que, com relevo para a decisão, e não constando de nenhuma daquelas peças processuais, resultaram da discussão da causa. É esta enumeração de factos que permite concluir se o tribunal conheceu ou não, de todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo.
A exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão deve ser completa mas tem que ser concisa, contendo e enunciação das provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo tribunal – o que não exige, relativamente à prova por declarações, a realização de assentadas tendo por objecto os depoimentos produzidos em audiência –, bem como a análise crítica de tais provas.
Esta análise crítica deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada.
Finalmente, ter-se-á de reconhecer que a actividade de fiscalização e de controle por parte dos tribunais superiores, relativamente às decisões proferidas em 1.ª instância, designadamente a prevista no preceito do n.º 2 do Art.º 410.º, só pode ser válida e eficazmente exercida se, em sentença, se relacionarem um a um quer os factos provados, quer os não provados, para além de que só uma indicação minuciosa daqueles revela uma apreciação e julgamento completos, isto é, a certeza de que todos os factos objecto do processo foram efectivamente considerados e conhecidos pelo tribunal com o indispensável cuidado e ponderação.
Assim, na concretização da estrutura da sentença a fundamentação impõe que todas as questões suscitadas e decididas devem ser objecto de fundamentação (o chamado princípio da completude), embora de uma forma concisa.
Igualmente a fundamentação deve sempre ser suficiente, coerente e razoável, de modo a permitir cumprir as finalidades referidas que lhes estão subjacentes (endo e extra processuais, que foram referidas).
Nesta incursão pela dimensão normativa e constitucional da fundamentação importa para os autos fazer salientar que a sentença como documento onde estão reflectidas as opções decorrentes do julgamento, funciona como um todo e nesse sentido as várias dimensões factuais e justificativas que a compõem devem articular-se, em toda a estrutura da fundamentação (relativa à matéria de facto e relativa às questões de direito).
Por seu turno, a sentença será também nula quando considerar factos que suportem uma condenação e que sejam diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos e das condições previstos nos Art.ºs 358.º e 359.º, ambos do CPPenal.
Trata-se, nesta última acepção, de garantir a integridade do objecto processual que veio a ser definido pela acusação e pela pronúncia, definindo a estrutura acusatória e as garantias de defesa e de contraditório
Ora, apreciando a fundamentação da sentença recorrida, haverá que atender às críticas relativas à falta de determinação ou ao carácter genérico de determinadas palavras ou expressões utilizadas, que face ao seu carácter equívoco, genérico ou valorativo, não obstante terem ficado a constar da acusação ou da pronúncia, não deveriam constar desta sentença, pois não se referem a factos concretizáveis e aferíveis enquanto tais.
Falamos, assim, das expressões ou enunciados contidos nos seguintes parágrafos dos “factos provados”:
- § 5 – “… foram muitas vezes…”;
- § 14 – “… de forma quase diária…” , “…expressões subsecutivas ou semelhantes…”;
- § 17 – “… inúmeras mensagens escritas…”, “…cujo objectivo, por plúrimas vezes, era o de perturbar, inquietar ….”;
- § 31 – “… com frequência…”; e
- § 34 – “… o elevado número de mensagens que lhe enviou…”.
Tais enunciados valorativos ou genéricos deverão ser devidamente filtrados ou devidamente especificados em circunstâncias factuais, como se passa por exemplo pelos conteúdos de mensagens escritas que deverão passar a constar devidamente dos factos e sem qualquer tipo de remissão mais ou menos equívoca para o teor dos autos (v.g. no § 17 inúmeras mensagens escritas, tal como resulta de folhas 23 a 32, do CD junto a folhas 207, de folhas 209 a 211 e de ff. 1018-1247, mensagens estas cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, cujo objetivo, por plúrimas vezes, era o de perturbar, inquietar e desequilibrar a assistente).
E se tal enumeração ou especificação tiver como resultado alguma alteração não substancial de factos daqueles que se descrevem na acusação/pronúncia, deverá o tribunal a quo, tal como defendeu o Ministério Público nesta sede de recurso e nesta instância, dar pleno cumprimento ao disposto no Art.º 358º, n.º 1, do CPPenal, com a reabertura de audiência de julgamento.
No mais, ainda no que respeita à aventada ausência de enumeração dos factos provados e não provados, constata-se que nenhum requisito formal foi omitido. Se é certo que face à quantidade dos factos alinhados se aconselhava a utilização da fórmula da indicação dos mesmos por números ou alíneas, a ausência de utilização dessa fórmula não justifica concluir pela ausência de fundamentação.
Subsistem, no entanto, as aludidas deficiências na articulação dos “factos provados” que, na linha do expendido pelo Ministério Público nesta instância, justificam reparo ou anulação da sentença por falta de fundamentação.
Determina o citado Art.º 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal sobre os requisitos da sentença que: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Os factos provados ou não provados devem compatibilizar-se com a sua consideração como objecto da prova, a que alude o Art.º 124º., n.º 1, do CPPenal, como o substrato material que deve e pode ser averiguado para que se logre saber se há ou não um acontecimento que merece a tutela do direito penal.
“Factos são acontecimentos, ocorrências, situações, qualidades, preexistentes ou consequentes a um comportamento ou actividade humana, referidos à natureza, às coisas ou às pessoas, materiais ou pessoais, e que se inscrevem e apresentam na realidade externa de modo identificável; quando tais acontecimentos, situações, ou qualidades sejam juridicamente relevantes, constituem elementos de necessária conformação processual.
Porém, nesta dimensão, não são factos, porque não constituem acontecimentos, situações, ocorrências ou qualidades, tudo quanto constitua juízos lógicos e valorativos que, em dedução permitida ou imposta pelas regras da experiência ou pela normalidade das coisas, derivam de acontecimentos materiais ou qualidades pessoais anteriormente comprovadas.
São ainda factos as inferências que se retiram de outros factos tanto quanto o permitem as regras da experiência que estão na base de uma presunção, isto é, quando de um facto conhecido se firma um facto desconhecido; não são já factos, neste sentido e no sentido processualmente relevante, as conclusões da ordem das valorações que ao juiz é permitido retirar dos factos provados e que utiliza como módulos do processo argumentativo e fundador da decisão”.
Assim, nesta consideração, consultem-se os Acs. do STJ de 15/10/2003, processo n.º 1882/03, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fa5a795aeea4ec1180256fc60038cf31?OpenDocument; e de 21/10/2004, processo n.º 3274/04, 5.ª Secção.
Se é verdade que o facto processual penal é constituído por elementos singulares que o configuram e que “ao julgador é dada a possibilidade de adaptar as palavras da acusação, integrando-as e explanando o seu conteúdo”, expondo “a diversa coloração que o mesmo apresentou depois de produzida a prova em sede de julgamento” – assim, Santos Cabral, em António Henriques Gaspar e outros, Código de Processo Penal Comentado, 2014, Coimbra: Almedina, pp. 425 -, também não é menos verdade que essa actividade não deve descurar as naturais exigências técnico-jurídicas de discernir e apurar o que é essencialmente a matéria de facto das alegações constantes nas diversas peças processuais que definem o objecto de processo (acusação, pronúncia, contestações), ou mesmo do julgamento, dando cumprimento, para além disso, a todos os mecanismos processuais à disposição para garantir a contrariedade e as garantias do processo criminal.
Nesta globalidade, entende-se que a sentença impugnada pelo recurso é nula devendo, em consequência, ser substituída por outra que na sua fundamentação venha a especificar em circunstâncias factuais os enunciados valorativos ou genéricos acima descritos nos §§ 5, 14, 17, 31 e 34 dos “factos provados”, que deverão passar a constar devidamente dos factos e sem qualquer tipo de remissão mais ou menos equívoca para os autos, devendo dar-se pleno cumprimento ao disposto no Art.º 358º, n.º 1, do CPPenal, se for caso disso, com a reabertura de audiência de julgamento, se essa actividade de enumeração ou especificação tiver como resultado alguma alteração não substancial de factos daqueles que se descrevem na acusação/pronúncia.
Em suma se conclui que a decisão recorrida é nula nos termos das disposições conjugadas dos Art.ºs 374.º n.º 2, e 379.º, n.º 1, als. a) e b), todos do Código de Processo Penal, ficando assim prejudicado o conhecimento das demais questões objecto do recurso.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto acordam os juízes desta Relação em julgar provido o recurso interposto pelo arguido B…, porque procedente o fundamento da nulidade da sentença por falta de fundamentação, e decide-se declarar nula a sentença recorrida que deverá ser substituída por outra que na sua fundamentação venha a especificar em circunstâncias factuais os enunciados valorativos ou genéricos acima descritos nos §§ 5, 14, 17, 31 e 34 dos “factos provados”, que deverão passar a constar devidamente dos factos (provados ou não provados) e sem qualquer tipo de remissão mais ou menos equívoca para os autos, devendo dar-se pleno cumprimento ao disposto no Art.º 358º, n.º 1, do CPPenal, se for caso disso, com a reabertura de audiência de julgamento, se essa actividade de enumeração ou especificação tiver como resultado alguma alteração não substancial de factos daqueles que se descrevem na acusação/pronúncia.
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Sem custas, em face do provimento da aventada nulidade da sentença.
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Notifique-se.
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Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (cfr. Art.º 94.º, n.º 2, do CPPenal).

Porto, 10 de Fevereiro de 2016,
Nuno Ribeiro Coelho
Renato Barroso