Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1728/13.0TBOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
DANO POR IPG
PRIVAÇÃO DO USO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP201701301728/13.0TBOAZ.P1
Data do Acordão: 01/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 642, FLS. 114- 51)
Área Temática: .
Sumário: I - As Relações têm a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª Instância, enquanto efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição, permitindo sublinhar que a reapreciação da prova em segunda Instância configura, efectivamente, um novo julgamento.
II - Na condução de veículos automóveis deve o agente usar o cuidado, a serenidade e presença de espírito de um condutor hábil. E, todo o condutor medianamente informado deve saber e têm a obrigação disso que é sua obrigação, uma vez que se lhe depara um sinal de STOP na via por onde circula, deverá abrandar a marcha, mesmo parar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direcção deste, de modo a não pôr em perigo a circulação dos outros veículos, outrossim, todo o condutor deve também saber que ao circular antes de um entroncamento, impõe-se um especial dever de adequação da velocidade ao local de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever, especialmente fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, a par de que a posição de marcha deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, de modo que lhe permita evitar acidentes, e que ao deixar de fazê-lo coloca em perigo o tráfego que se faz sentir, violando os mais elementares deveres estradais.
III - Demonstrada a factologia que sustenta a violação dos enunciados deveres estradais, assumida pelo condutor/Autor, que não respeitou o sinal “stop”, e pelo condutor do veiculo segurado da Ré, que ao aproximar-se do entroncamento, não adequou a velocidade de que vinha animado, a par de ter deixado de circular pelo lado direito da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, é legitimo o juízo de censura daqueles comportamentos estradais, permitindo considerar a concausalidade, importando a contribuição, de cada um daqueles condutores, na proporção de 50%, para a eclosão do acidente articulado.
IV - A incapacidade permanente geral, é, de per si, um dano patrimonial indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra e se encontrará na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo resultado.
V - Sempre que se trate de compensar a dor física ou a angústia moral sofridas pelo lesado, atender-se-á ao critério pelo qual a quantia em dinheiro há-de permitir alcançar situações ou momentos de prazer bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade dessa dor, sem descurar que a obrigação de ressarcir os danos morais tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória, fazendo funcionar a figura da equidade, a qual visa alcançar a justiça do caso concreto, flexível, humana, de forma que se tenha em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
VI - Quando a privação do uso recaia sobre um veículo danificado num acidente de viação, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente - constituindo um facto notório ou resultando de presunções naturais a retirar da factualidade provada - para que se possa exigir do lesante uma indemnização a esse título, sem necessidade de provar directa e concretamente prejuízos efectivos, sendo neste contexto que a privação do uso por parte do lesado constitui, por si só, um prejuízo indemnizável calculado pelo recurso à equidade, com vista a encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 1728/13.0TBOAZ.P1
3ª Secção Cível
Relator - Juiz Desembargador Oliveira Abreu (173)
Adjunto - Juiz Desembargador António Eleutério
Adjunta - Juíza Desembargadora Isabel São Pedro Soeiro
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Instância Local de Oliveira de Azeméis –
Secção Cível - Juiz 1
Apelantes/B… e Companhia de Seguros C…, SA.
Apelados/Companhia de Seguros C…, SA. e B…

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Instância Local de Oliveira de Azeméis – Secção Cível – Juiz 1 – B… intentou contra Companhia de Seguros C…, SA., a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, peticionando a condenação da Ré/Companhia de Seguros C…, SA., ao pagamento da indemnização global liquida de €18.731,32, sem prejuízo do montante que vier a ser fixado em incidente próprio de liquidação e ampliação do pedido, relativamente aos danos de natureza patrimonial e não patrimonial, decorrentes da IPP de que o Autor vai ficar a padecer, e, bem assim, de todos as prejuízos relativos à frustração de lucros cessantes decorrentes da Incapacidade Temporária Absoluta que ainda mantém, além de todos os prejuízos que venha a suportar, mormente os derivados da paralisação do veículo, despesas médicas e medicamentosas e de transporte, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da propositura da presente acção, até efectivo pagamento, bem como, em custas e em procuradoria condigna.
Articulou, com utilidade, ser dono de um motociclo que interveio num evento estradal que também envolveu um veículo automóvel cujos riscos de circulação estavam segurados na Ré/Companhia de Seguros C…, SA.
A culpa na produção do ajuizado evento estradal foi do condutor do veículo segurado na Ré/Companhia de Seguros C…, SA., pelo que, deve esta ser condenada a pagar ao Autor/B… o montante pecuniário necessário para reparar o veículo e para ressarcir o Autor/B… pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu.
Regularmente citada, contestou a Ré/Companhia de Seguros C…, SA, impugnando a versão dos factos, trazida a Juízo pelo Autor/B…, sustentando que o acidente foi da única responsabilidade deste.
Conclui pela improcedência da demanda.
O Autor/B… apresentou articulado resposta concluindo como na petição inicial.
O Instituto da Segurança Social, IP., deduziu pedido de reembolso contra a Ré/Companhia de Seguros C…, alegando que a produção do evento estradal foi da responsabilidade do condutor do veículo segurado na Ré/Companhia de Seguros C…, SA, pelo que, deve esta ser condenada a pagar à peticionante os montantes pagos ao Autor/B…, a título de baixa médica subsidiada.
A Ré/Companhia de Seguros C…, SA., respondeu ao pedido de reembolso defendendo que o mesmo deve ser julgado improcedente.
Posteriormente, o Autor/B… apresentou articulado superveniente através do qual peticiona que a Ré/Companhia de Seguros C…, SA., seja condenada no pagamento da quantia de €289,95, que acresce ao montante inicialmente deduzido.
A Ré respondeu a tal articulado.
A demanda foi saneada tendo sido admitido o articulado superveniente, outrossim foi fixado o objecto de litígio e enunciados os temas de prova, sendo que o Tribunal apelado, ao tomar posição quanto aos meios de prova apresentados pelas partes, ordenou a realização de prova pericial na pessoa do Autor, com vista a determinar os concretos danos corporais sofridos pelo mesmo.
Realizado e notificado às partes o exame pericial na pessoa do Autor, veio este apresentar novo articulado superveniente através do qual alega novos danos e peticiona a condenação da Ré, numa quantia adicional de €20.500,00.
A Ré respondeu a tal articulado.
O Tribunal recorrido admitiu o articulado superveniente.

Entretanto, o Centro Hospitalar …, EPE., intentou acção declarativa com processo comum contra a Ré, peticionando a condenação desta no valor relativo aos cuidados de assistência médica prestados ao Autor.
A Ré contestou alegando que o condutor do veículo por si segurado não teve responsabilidade no evento estradal, pelo que, nada tem que pagar.
Foi determinada a apensação de acções.

Calendarizada a audiência final, foi esta realizada com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal recorrido proferido decisão, de facto e de direito, consignando no respectivo dispositivo:
“Em face de todo o exposto, decide-se:
I - Julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar a ré “Companhia de Seguros C…, S.A.”, a pagar ao autor B… as seguintes quantias: a) A quantia de € 209,75 (duzentos e nove euros e setenta e cinco cêntimos), relativa a despesas médicas e medicamentosas, às roupas que ostentava no dia do evento, às deslocações para tratamentos médicos e a tratamentos médicos diversos; b) A quantia que se vier a apurar em sede de incidente de liquidação, relativa às quantias não ganhas pelo autor em resultado de ter estado 230 dias com repercussão temporária na actividade profissional total; c) A quantia de € 198,44 (cento e noventa e oito euros e quarenta e quatro cêntimos), relativa à reparação do motociclo; d) A quantia de € 4,00 (quatro euros) diários a título de dano de privação do uso desde a data do embate até efectivo e integral pagamento; e) A quantia de € 7500,00 (sete mil e quinhentos euros), relativa ao ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, tudo na proporção da responsabilidade da ré, apurada nos autos; f) Às referidas quantias acresce a obrigação de a ré pagar juros de mora, a contar das datas anteriormente descritas.
II - Posto isto, julga-se parcialmente procedente o pedido de reembolso deduzido pelo Instituto da Segurança Social e, em consequência, condeno a ré Companhia de Seguros C…, SA., no pagamento da quantia de € 1538,73 (mil quinhentos e trinta e oito euros e setenta e três cêntimos).
III - Condena-se as partes nas custas processuais, na proporção dos respectivos decaimentos, no que respeita ao processo principal.
IV - Julga-se parcialmente procedente a acção deduzida pelo autor Centro Hospitalar …, E.P.E., e, em consequência, condena-se a ré Companhia de Seguros C… a pagar ao autor a quantia de € 1074,66 (mil setenta e quatro euros e sessenta e seis cêntimos) acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.
V- Condeno as partes nas custas processuais, na proporção dos respectivos decaimentos, no que respeita ao apenso A.
VI- Absolvo a ré Companhia de Seguros C…, SA., dos restantes pedidos formulados.”

É contra esta decisão que o Autor/B… e a Ré/Companhia de Seguros C…, SA., se insurgem formulando as seguintes conclusões:
Do Apelante Autor/B…
“1.ª - O presente recurso versará a impugnação da matéria de facto dada como provada, uma vez que se conclui que a mesma não tem suporte na prova constante dos autos, bem como da produzida em audiência de julgamento, pelo que urge ser alterada a decisão da matéria de facto, nos moldes infra expostos.
2.ª - Salvo o devido respeito por opinião diversa, a recorrente entende que a resposta dada a determinados factos articulados não é correta e que decorre de uma interpretação da prova que não sufragamos.
3.ª - No nosso entendimento, são os seguintes os pontos da matéria de facto que foram incorretamente julgados: No que respeita aos factos não provados:
Uma vez que não avistou qualquer veículo que o impossibilitasse de realizar a referida manobra de mudança de direcção, e apurou que não se encontrava qualquer veículo a circular naquele sentido. Quando tinha percorrido apenas cerca de dois metros e ainda se encontrava dentro da hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito que se processa em sentido … – …, O Autor apercebe-se que do seu lado esquerdo e no início da referida lomba, surge o ligeiro de passageiros conduzido pelo D… e como estava a arrancar imobiliza o veículo.
4.ª - Ora, entende o ora recorrente que devem ser alteradas as respostas dadas acima indicados de não provados para provados. Vejamos a prova testemunhal ouvida quanto a essas questões:
Foi ouvido em declarações de parte o autor, B… - depoimento Gravado no sistema informático “Habilus”, – com a duração de 44 minutos e 11 segundos, no dia 03-06-2016, das 14:36:08 às 15:20:20:
5.ª - Conforme bem se refere na sentença recorrida, o autor descreveu o evento da seguinte forma: Circulava pela rua … a conduzir o motociclo. O local em causa nos autos é um entroncamento que liga com a EN. A visibilidade para quem quer virar para … é cerca de 40 metros e para o lado de … é de cerca de 200 metros.
6.ª - Quando chegou ao final da estrada … viu que tinha um Stop e parou uma vez que, nesse momento, ia a passar trânsito.
7.ª - Estavam dois veículos parados na EN no sentido … - …, do lado esquerdo, antes do entroncamento.
8.ª - O autor avançou ligeiramente e certificou-se de que não vinha qualquer veículo nos dois sentidos.
9.ª - Então, avançou cerca de um metro e olhou novamente para a sua direita, momento em que viu o veículo automóvel a aparecer e a travar bruscamente, “ouvi os pneus a chiarem, o carro a vir aos zigue zagues e a bater-me”.
10.ª - Foi então projectado cerca de dois ou três metros; a mota ficou no mesmo sítio, “virou e ficou”.
11.ª - Referiu que foi embatido mais do lado esquerdo do veículo (do lado do passageiro da frente do veículo) e sensivelmente a meio da moto. Esclareceu que não apanhou a perna porquanto, para se defender, a levantou. Não conseguiu, contudo, evitar que o calcanhar fosse embatido.
12.ª - O autor disse ainda que os veículos não foram mexidos antes da chegada das autoridades policiais.
13.ª – Aceita-se a apreciação feita pelo Tribunal recorrido quanto a este depoimento, que aqui se transcreve: No essencial, o autor depôs de uma forma isenta e objectiva e com bastante distanciamento face à causa. Apresentou em audiência uma postura calma e segura e um discurso isento de qualquer contradição ou imprecisão. Expôs sempre o evento de uma forma coerente, detalhada e circunstanciada, conseguindo exibir uma visão fílmica do evento estradal em discussão nos autos. Por estes motivos, o tribunal considerou que as declarações do autor deviam ser valoradas e tidas em consideração, tendo servido para o tribunal ficar convencido do modo como o evento ocorreu, nomeadamente, o facto de o autor ter imobilizado o seu veículo no STOP, o local do embate, o facto de o veículo automóvel ter entrado em derrapagem e, finalmente, o facto de o motociclo estar parado quando foi embatido.
14.ª - No entanto, não seguimos a asserção do tribunal recorrido quando assim considera: Refira-se, contudo, que do cotejo de toda a prova produzida em audiência, nomeadamente, das declarações do condutor do veículo automóvel, da análise do croquis e das fotografias do local, do rasto de travagem e da própria posição dos veículos, não nos parece possível que, quando o autor arranca da rua …, o IB não estivesse já no seu campo de visão.
15.ª - Ora, encontra-se provado que o veículo IB vinha animado de uma velocidade não concretamente apurada mas que se situa entre os 50 Km/h e os 60 Km/h. sendo que do entroncamento ao início da lomba distam cerca de 60 metros, não seria possível que a essa velocidade de 60 Km/h (aqui considerada por excesso), o IB tivesse percorrido cerca de 40 metros enquanto o EA apenas circulou 2 metros (sensivelmente) de modo a colocar-se a cerca de 1,5 metros do eixo da via quando foi embatido. No entanto, desconhece-se o tempo e a forma de condução do EA.
16.ª - Deste Modo, e de acordo com o depoimento prestado pelo autor, parece-nos mais lógico e provável que, sensivelmente ao mesmo tempo em que o EA arranca da Rua …, o IB tenha surgido no campo de visão do condutor do motociclo. Ou seja, quando o autor arrancou o motociclo surge no mesmo momento o veículo seguro e aí assiste-se a duas operações: o autor imobiliza de imediato e o veículo seguro seguro entra em derrapagem.
17.ª - O certo é que, entre o momento em que o EA arranca e o momento em que o IB aparece depois da lomba, decorreu uma fracção temporal muito reduzida.
18.ª - Quanto ao depoimento da testemunha D…, condutor do veículo automóvel interveniente no evento estradal em causa nos autos, entendemos que o mesmo encontra-se cheio de contradições. Desde logo, o local do embate e o local onde se encontravam os rastos de travagem são de todo incompatíveis com a versão que a testemunha descreveu. E, relembre-se, o conteúdo do auto de participação de acidente de viação não foi minimamente posto em causa em audiência, tanto mais que a própria testemunha disse que nenhum dos veículos foi movido após a produção do embate e até chegar a GNR.
19.ª - Ora, cremos que a conjugação destes factos e da análise crítica da prova, impõe a revogação da decisão de facto atinente, devendo ser dada como assente a matéria de facto acima identificada e dada como não provada pelo tribunal recorrido.
20.ª - Assim, deverá ser considerada a seguinte matéria como provada:
Uma vez que não avistou qualquer veículo que o impossibilitasse de realizar a referida manobra de mudança de direcção, e apurou que não se encontrava qualquer veículo a circular na via que pretendia aceder. Quando tinha percorrido apenas cerca de um metro e meio e ainda se encontrava dentro da hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito que se processa em sentido … – …, O Autor apercebe-se que do seu lado esquerdo e no início da referida lomba, surge o ligeiro de passageiros, conduzido pelo D… e como estava a arrancar imobiliza o veículo.
21.ª - Ora, atenta a matéria de facto provada e a que se pretende aqui dar como provada, entendemos que nenhum juízo de censura se pode imputar ao comportamento do autor, pelo que o presente recurso deve ser julgado procedente, por provado, atribuindo-se a responsabilidade total do acidente ao condutor da viatura segura.
22.ª - De facto, o autor cumpriu a sua obrigação de se certificar de que não circulava qualquer veículo na via para onde pretendia aceder, pelo que nenhum juízo de censura lhe pode ser imputado. O autor parou no Stop e só acedeu à via de pois de se ter certificado de que não vinha qualquer veículo do Sentido ….
23.ª - Por outro lado, o condutor do IB, circulava a uma velocidade não concretamente apurada mas entre os 50 e os 60 Kms horários. Convém aqui trazer à colação as seguintes disposições legais:
24.ª - De acordo com o artigo 24º do Código da Estrada, “o condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.”
25.ª - O artigo 25º desse diploma prescreve que, “sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade: h) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida”.
26.ª - Atentas estas disposições legais, apesar de se ter demonstrado que não vinha acima da velocidade imposta para o local, vinha animado de uma velocidade excessiva para o local em questão, depois de uma lomba e antes de um entroncamento, violando a supra citada disposição legal.
27.ª - Acrescente-se que era imposto ao condutor do IB um especial dever de adequação da velocidade ao local o que não fez. Se o tivesse feito, teria conseguido imobilizar o veículo automóvel antes de embater no motociclo.
28.ª - Acrescente-se que o embate ocorre na hemi-faixa de rodagem contrária à que circulava o IB. Quer isto dizer, que o embate não teria ocorrido caso o IB não tivesse invadido a hemi-faixa de rodagem contrária.
29.ª - A imperícia do condutor do veículo seguro è evidente: ao travar, desviou o carro para a sua esquerda passando a circular na faixa de rodagem contrária, oq eu não lhe era permitido por força da linha longitudinal contínua ali existente (cfr. artigos 60o/1, M1, do Regulamento de Sinalização de Trânsito).
30.ª - Dispõe o art.º 13.º do Código da Estrada - A posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes, o que, com a atuação do condutor do veículo seguro, se mostrou violado.
31.ª - Estas transgressões foram causais, em termos exclusivos, do acidente em questão.
32.ª - Ao assim não decidir, a sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, o disposto no art.º 483.º e 342.º do Código Civil e art.ºs 13.º, 24.º e 25.º do Código da Estrada.
Sem conceder,
33.ª - Mas mesmo que assim não se considera no que respeita à alteração da matéria de facto, entendemos que, atenta a matéria dada como provada pelo Tribunal recorrido, entendemos que a culpa deve ser imputada, em exclusivo, ao condutor do veículo seguro.
34.ª - Vejamos, agora, se de acordo com os factos dados como provados, se algum juízo de censura, ainda que mínimo, se pode imputar ao autor.
Quando se encontrava parado no stop, o autor olhou para a EN n.o … em direcção a … e certificou-se de que nenhum veículo circulava nessa via. Acto contínuo, olhou para o lado direito da via, em direcção a …. Arrancou e, simultaneamente, apercebeu-se de que o veículo IB apareceu no seu campo de visão.
Acto contínuo, travou e imobilizou o motociclo, tendo ficado parado a cerca de 1,5 metro do eixo da via, onde se deu a colisão.
35.ª - Desta matéria assim provada, resulta que foi quando arrancou que, ato continuo, se apercebeu do veículo IB, que apenas nesse momento apareceu no seu campo de visão e logo imobilizou a viatura a 1,5 metros do eixo da via.
36.ª - Não vislumbramos nesta atuação qualquer conduta negligente ou irresponsável sendo que foi a atuação negligente do condutor do veículo seguro que causou, em termos exclusivos, o acidente em apreço nos presentes autos.
37.ª - Ou, caso assim se não entenda, a culpa é tão diminuta quando comparada com a atuação e comportamento do condutor do veículo seguro que nunca poderá exceder 10% de responsabilidade.
38.ª - Ao assim não decidir, a sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, o disposto no art.º 483.º e 342.º do Código Civil e art.ºs 13.º, 24.º e 25.º do Código da Estrada.
Ainda,

39.ª - a) Danos Patrimoniais:
Danos futuros decorrentes da incapacidade: Nos presentes autos, o autor peticionou a quantia de € 18.000,00 a título de danos futuros, com base na incapacidade permanente geral de que ficou a padecer, na idade do autor, no limite de vida ativa e na esperança média de vida e ainda no vencimento mensal de € 1311,62 (€ 1067,62 + 244,00).
40.ª - No caso, não se provou que o Autor padeça de uma incapacidade permanente para o trabalho (I.P.P.) mas apenas uma incapacidade permanente geral (I.P.G.) de 5 pontos.
41.ª - Por outras palavras, não se provou que as lesões tivessem determinado diminuição do seu rendimento, mas apenas que implicam esforços suplementares.
42.ª - E, sendo assim, o tribunal recorrido entendeu que o dano não assume uma dimensão que possa ser valorizada autonomamente para efeitos profissionais, mas apenas no domínio dos actos gerais da vida diária. Por esse motivo, no seguimento de tudo o exposto, a apreciação desta incapacidade foi levada a cabo em sede de compensação dos danos não patrimoniais.
43.ª - Assim não entendemos:
Apesar de todas as considerações expendidas na sentença recorrida, entendemos que a indemnização pelo dano biológico deve ter autonomia em relação à indemnização por danos de natureza não patrimonial, na medida em que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduzisse em perda de rendimento de trabalho, sempre constituiria uma desvalorização efetiva com expressão patrimonial autónoma.
44.ª - Entendemos, no seguimento da jurisprudência dominante, o dano biológico como uma violação da integridade físico-psíquica de uma pessoa, com tradução médico-legal, naturalmente tem que se entender que tal dano existe em qualquer situação de lesão dessa integridade – Vide, neste sentido, Ac. do STJ de 19.02.2015, Relator Oliveira Vasconcelos, disponível em www.dgsi.pt.
45.ª - Ou seja e no caso de estar em causa a incapacidade para o trabalho, o dano biológico não existe apenas nos casos em que não há perda efetiva de proventos laborais, existe também quando ocorre essa perda.
46.ª - Sendo assim, tem sido dado relevo ao facto de havendo uma incapacidade permanente, mesmo que sem rebate profissional, sempre dela resultará uma afetação da dimensão anatomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efetiva utilidade do seu corpo ao nível de actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que de futuro terá de levar cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo.
47.ª - Entendemos que se deve autonomizar a indemnização pelo dano biológico da indemnização por danos não patrimoniais, uma vez que o dano biológico não se pode reduzir a estes, na medida em que nos danos não patrimoniais apenas estão em causa prejuízos insuscetíveis da avaliação pecuniária e no dano biológico estão em causa prejuízos de natureza patrimonial, provenientes das consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado.
48.ª - O lesado tem direito a ser indemnizado por IPP resultante de acidente de viação - prove-se ou não que, em consequência dessa incapacidade, haja resultado diminuição dos seus proventos do trabalho. Trata-se de indemnizar, «a se», o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 - integridade psicossomática plena -, que não particularmente qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos.
49.ª - Vejamos, então, as limitações funcionais do autor que resultaram provadas em julgamento: - Em consequência das lesões advindas do presente sinistro, o autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos. - As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares. O autor tinha, à data do acidente, 44 anos pois nasceu em 25 de Abril de 1968; À data do sinistro, o autor trabalhava na E…, Lda., auferindo um vencimento base de € 1.067,62, acrescido de um prémio de produção na ordem dos 244,00 euros mensais.
50.ª - Se não fosse o acidente dos presentes autos, o Autor ia, seguramente, poder continuar a trabalhar na plenitude das energias próprias durante mais, pelo menos, 23 anos – considerando sempre o limite de vida activa aos 67 anos, com tendência para aumentar até aos 70 anos. Sem esquecer a esperança média de vida que se situa, atualmente, nos 81 anos para os homens.
51.ª - Tendo em conta a sua idade, o rendimento obtido pelo rendimento do seu trabalho, a IPP de 5 pontos, de que ficou a padecer, deve ser fixada ao A., a este título, a indemnização de € 18.000,00, a título de dano biológico, autonomamente considerado.
52.ª - Deste modo, e seguidamente, consideremos a indemnização na arbitrar a título de danos não patrimoniais, tendo em consideração a autonomização do dano biológico conforme supra se expôs.
53.ª - Face às dores e padecimentos físicos e psíquicos sofridos pela pessoa do recorrente - quantum doloris e deformidades corporais notáveis (estéticas, físicas e funcionais) de carácter persistente para si advenientes - atentas as específicas e graves sequelas e demais circunstancialismo resultante da factualidade dada como assente pelas instâncias, designadamente a juventude do lesado ao tempo do evento - e aferindo-se o grau de gravidade (que se reputa de muito elevado) das mesmas por padrões de carácter objetivo, perfila-se como mais justo e equilibrado o montante global de € 17.500,00, que se fixa com recurso à equidade (art.ºs 494.º e 496.º, n.ºs 1 e 3, do CC).
54.ª - A sentença violou, neste particular, designadamente, o art.º 483.º, 562.º, o n.º 2 do art.º 566.º e o n.º 3 do art.º 496.º, todos do Código Civil.
55.ª - Finalmente, vejamos a questão da privação do uso do motociclo:
Quanto a esta matéria, deu-se como provado que, “o motociclo ainda hoje se encontra por reparar e em consequência do sinistro ficou impedido de circular.
O Autor está privado do motociclo desde a data do sinistro.
56.ª - Provou-se que o motociclo era utilizado diariamente pelo Autor nas suas deslocações diárias, mormente para se deslocar para a sua actividade profissional. Na falta do motociclo, o Autor tem recorrido a transportes públicos e a veículos emprestados.”
57.ª - No caso dos autos, apenas se apurou que o veículo do autor não circulou em virtude do embate e que a ré é responsável parcialmente (nos termos supra descritos) pelo ressarcimento dos danos provocados por tal embate.
58.ª - Podemos, no entanto, dar como assente que a mera paralisação causa danos ao autor, atenta a perda das faculdades inerentes ao direito de propriedade (conclusão jurídica).
59.ª - Continuamos a apoiar-nos nas doutas considerações da sentença recorrida: Em conclusão, não obstante não ter sido feita prova de qualquer utilização lucrativa do veículo, existe obrigação da parte da Ré de ressarcir os danos decorrentes da paralisação do veículo, atenta a existência de indisponibilidade do bem, não tendo a Ré alegado qualquer facto tendente a demonstrar que a paralisação nenhum prejuízo relevante determinou.
60.ª - Passando para a questão da quantificação do referido dano, tomando em consideração o montante peticionado pelo autor, as circunstâncias do caso concreto (natureza do veículo, modo como o responsável e o lesado agiram na resolução do caso) e tendo em conta as regras da equidade, entendemos que deve ser fixado o montante de € 10,00 diários, montante este justo e adequado ao ressarcimento do autor.
61.ª - Face ao exposto, a ré terá que pagar ao autor a quantia de € 10,00, a título de dano de privação do uso desde a data do embate até efectivo e integral pagamento.
62.ª - Ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos artºs. 483º; 562º; 564º nºs. 1 e 2 e 566º, todos do Código Civil.
63.ª – Os valores indemnizatórios supra referidos não devem merecer qualquer redução, atento que a responsabilidade pela ocorrência do sinistro é da total responsabilidade do condutor do veículo seguro.
TERMOS EM QUE, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO NÃO PROVADO E IMPROCEDENTE, COMO É DE INTEIRA JUSTIÇA!”

Da Apelante Ré/Companhia de Seguros C…, SA.
“1. A aqui Recorrente não se conforma com a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença ora recorrida, nomeadamente no que concerne ao ponto 92 da factologia dada como provada.
2. Na verdade, o Tribunal a quo considerou como provado que “em deslocações para os tratamentos médicos, o Autor suportou uma importância não inferior a € 150,00” (92 dos Factos Provados).
3. Sucede que, e salvo devido respeito, não compreende a Recorrente, e tendo em conta toda a prova produzida nos presentes autos, como o Mmo. Juiz a quo considerou tal facto como provado - sendo certo que nada é dito a respeito de tal facto nas doutas motivações.
4. Na verdade, o Autor, aqui Recorrido, pese embora tenha alegado tal facto na sua petição inicial, não conseguiu fazer prova de tal facto, quer pela via documental (não tendo juntado qualquer documento que pudesse ser apto a provar tal facto), quer pela via testemunhal.
5. Ora, o Autor pretendeu fazer prova de tal facto através das suas declarações de parte do Autor e do depoimento testemunhal de sua mulher, Ana Maria Azevedo Henriques, mesmo atendendo unicamente a esse meio probatório, entende a aqui Recorrente que a decisão deveria ter sido diferente daquela proferida na douta sentença.
6. No que diz respeito às declaração de parte do Autor, que se encontram gravadas no sistema informático do Tribunal, no dia 03-06-2016, entre as 14:36:09 e as 15:20:20, foi dito pelo Autor que:
7. - “Era a minha esposa e o meu filho” (31:13 – 31:19 das suas declarações em resposta à pergunta do Ilustre Mandatário do Autor relativamente a quem conduzia o Autor aos tratamentos médicos);
8. - “Não... em casa pago o que é nosso” (42:16 – 43:14 das suas declarações em resposta à pergunta do Mandatário da aqui Recorrida relativamente a um eventual pagamento como contrapartida das “boleias” oferecidas pela sua mulher e filho aos tratamentos médicos).
9. Sendo certo que, nessa mesma sessão de julgamento, em 31:24 – 31:27, o Ilustre Mandatário do Autor questionou, na sequência da declaração do Autor que seria a mulher e o filho a conduzir o Autor aos tratamentos médicos, se o Autor tinha gasto dinheiro relativamente a isso, não ficando gravada qualquer resposta do Autor.
10. Contudo, e mesmo na hipótese, que não se concede, de o Autor ter efectuado qualquer um gesto ou expressão coincidente com uma resposta afirmativa à questão efectuada pelo Ilustre Mandatário do Autor, tal não basta, na opinião da aqui Recorrente, para se dar como provado o facto sub iudice.
11. Na verdade, as regras da experiência de vida e os usos levam a querer que o Autor não terá pago qualquer quantia à sua mulher e/ou ao seu filho para que estes o conduzissem aos tratamentos médicos, quer hospitalares quer às sessões de fisioterapia.
12. No que diz respeito ao depoimento da testemunha F…, casada com o Autor, que se encontra gravado no sistema informático do Tribunal, no dia 03-06-2016, entre as 15:48:25 e as 16:16:10, foi dito pela testemunha que:
13. - “Quando ia para as consultas e fisioterapia” (15:35 – 15:46 do seu depoimento em resposta à pergunta do Ilustre Mandatário do Autor relativamente ao facto do Autor recorrer a transportes públicos para se deslocar aos tratamentos médicos);
14. - “Foi algumas vezes...poucas vezes” (21:09 – 21:20 do seu depoimento em resposta à pergunta do Ilustre Mandatário do Autor relativamente à frequência em que o Autor recorria a transportes públicos para se deslocar aos tratamentos médicos);
15. Ora, mesmo na hipótese, que mais uma vez não se concede, que tais declarações são bastantes para ser dado como provado que o Autor despendeu alguma quantia em dinheiro com as deslocações que efectuou, nenhuma prova foi feita em relação ao montante ou quantia efectivamente despendidas.
16. Assim, e salvo o devido respeito, entende a Recorrente que a douta sentença recorrida, por menos feliz interpretação da prova, errou ao dar como provado o facto constante do ponto 92, devendo a sentença ser substituída por outra que dê como não provado tal facto.
17. Nos termos do disposto no art.º 662º do CPCivil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão inversa – é o que desde já respeitosamente se requer a este Venerando Tribunal, no sentido do facto constante do ponto 92 dos factos provados na douta sentença recorrida passar a ser considerado não provado.
18. Sendo certo que, sendo considerado tal facto (“em deslocações para os tratamentos médicos, o Autor suportou uma importância não inferior a € 150,00”) como não provado, importa a redução na quantia que a aqui Recorrente foi condenada a pagar ao Autor.
Da condenação no pagamento das quantias já liquidadas e a liquidar a título de privação de uso do veículo
19. Perante a factualidade dada como provada na douta sentença recorrida, considera a recorrente não se encontrarem preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar pela privação de uso do veículo.
20. Para haver indemnização, tem de haver danos, o que vale por dizer que a simples privação do uso de um veículo, sem a demonstração de qualquer dano concreto ocasionado por essa privação, ou seja, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar.
21. Para que a imobilização de uma viatura possa traduzir-se em danos para o seu proprietário, susceptíveis de serem indemnizados, é necessário que o lesado alegue e prove os factos que consubstanciam esses danos, o que no caso dos autos não ocorre.
22. É neste sentido que tem decidido a melhor jurisprudência pátria, quando chamada a pronunciar-se sobre a questão. Neste particular, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-2012, disponível em www.dgsi.pt, no qual se decidiu que:
V - A simples privação do uso de um veículo, desacompanhada da demonstração de outros danos – seja na modalidade de lucros cessantes (frustração de ganhos), seja na de danos emergentes (despesas acrescidas justificadas pela impossibilidade de utilização) – não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar.
VI - Daí que, não tendo a autora alegado, nem demonstrado, quaisquer ganhos ou vantagens frustradas pela impossibilidade de utilização do veículo sinistrado, nem as despesas que teve de suportar com o aluguer de viaturas – inexista dano de privação.
23. Também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-07-2013 se decidiu: A privação do uso de um veículo automóvel não é suficiente para nela fundar a obrigação de indemnizar, a não serem alegados e provados danos emergentes e (ou) lucros cessantes por aquela causados.
24. E em muitos e muitos outros acórdãos deste Supremo Tribunal que perfilham este entendimento, dos quais a título exemplificativo se citam os acórdãos de 10-01-2012, 03-05-2011, 04-05-2010, 21-04-2010, 09-03-2010, 02-06-2009, 30-10-2008, 09-12-2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
25. Entendimento esse também perfilhado em diversos acórdãos da Relação, dos quais se citam a título de exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-11-2015 e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-05-2016.
26. Na douta sentença recorrida fez-se menos acertada interpretação dos factos e errada aplicação da Lei, designadamente, dos art.ºs 562º e 566º, ambos do CCivil e do art.º 41º do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto.
Pelo exposto, Na procedência das conclusões do recurso da recorrente, deve a douta sentença ora recorrida ser revogada nos termos supra descritos, assim se fazendo Justiça.”

Houve contra-alegações apresentadas pela Recorrida/Companhia de Seguros C…, SA., concluindo pela improcedência do recurso apresentado pelo Apelante/Autor/B…

Foram colhidos os vistos. Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. As questões a resolver consistem em saber se:
Do Apelante Autor/B…
(1) Há fundamento para alterar os factos não provados, concretamente: “ Uma vez que não avistou qualquer veículo que o impossibilitasse de realizar a referida manobra de mudança de direcção, e apurou que não se encontrava qualquer veículo a circular naquele sentido. Quando tinha percorrido apenas cerca de dois metros e ainda se encontrava dentro da hemifaixa de rodagem, destinada ao trânsito que se processa em sentido … – …, o Autor apercebe-se que do seu lado esquerdo, e no início da referida lomba, surge o ligeiro de passageiros, conduzido pelo D… e, como estava a arrancar imobiliza, o veículo”, considerando esta facticidade demonstrada?
(2) Reapreciada a decisão da matéria de facto, com ou sem os ajustes pugnados pelo Recorrente, divisamos errada subsunção jurídica da mesma, quanto à responsabilidade na eclosão do acidente ajuizado?
(3) Deve ser atribuída ao Autor, autónoma indemnização pelos danos futuros decorrentes da incapacidade permanente geral de que ficou a padecer, em virtude do acidente ajuizado, outrossim, o valor que lhe foi atribuído, a título de compensação dos danos de natureza não patrimonial, peca por defeito, impondo-se como justo e equilibrado o montante global de €17.500,00?
(4) O valor atribuído ao Autor, a título de indemnização pela privação do uso do seu motociclo, é inadequado?
II. 1. 1. As questões a resolver consistem em saber se:
Da Apelante Ré/Companhia de Seguros C…, SA.
(1) Há fundamento para alterar, considerando-se como não provado, o ponto 92 da factologia dada como provado, concretamente: “em deslocações para os tratamentos médicos, o Autor suportou uma importância não inferior a €150,00”?
(2) Perante a factualidade dada como provada na sentença recorrida, não se encontram preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar pela privação de uso do veículo?

II. 2. Da Matéria de Facto

Em 1ª instância foi fixada a seguinte matéria de facto:

Factos provados:

Da petição inicial:

1. No dia 6 de Abril de 2013, pelas 09,45 horas, ocorreu um evento estradal na Estrada Nacional no. …, ao quilómetro no. 4.3, na freguesia de …, comarca de Oliveira de Azeméis.
2. Nesse evento, foram intervenientes os seguintes veículos:
1º. – motociclo de matrícula ..-..-EA;
2º. – veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-IB.
3. O motociclo era conduzido pelo A.
4. Na altura do evento, o direito de propriedade do motociclo encontrava-se registado na competente Conservatória de Registo Automóvel a favor do autor.
5. O veículo automóvel ligeiro de passageiros era conduzido por D….
6. A Estrada Nacional nº. …, no local do evento, configura um troço de recta, com uma extensão superior a trezentos (300,00) metros.
7. A sua faixa de rodagem tem uma largura de cerca de 8,00 metros.
8. O seu piso era, como é, pavimentado a asfalto.
9. O tempo estava bom e seco.
10. E o pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. … encontrava-se limpo, seco e em bom estado de conservação.
11. No preciso local do evento, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. … configura um entroncamento.
12. Pois, pela sua margem esquerda, tendo em conta o sentido … – …, conflui com ela, de modo a formar um ângulo recto, a Rua ….
13. Para quem se situa no entroncamento referido, consegue avistar a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. …:
1º. – no sentido … – …, ao longo de uma distância não superior a 60 metros;
2º. – no sentido oposto, ao longo de uma distância superior a 200 metros.
14. Na EN n.º …, sentido … – …, cerca de 60 metros antes do entroncamento, existe uma lomba alta que apenas permite a visibilidade para a frente da via, depois de ter sido percorrida.
15. Para quem circula pela Rua … em sentido convergente em relação ao dito entroncamento, existia, à data do sinistro, como existe na presente data, no topo desta via, no local da confluência com a E. N. no. …, um sinal de forma octogonal, com a orla branca e o fundo de cor vermelha, sobre o qual se encontrava, como se encontra, pintada a cor branca, a inscrição “STOP”: Sinal B2 - Paragem Obrigatória na Intersecção.
16. Nas referidas circunstâncias temporais, o A. desenvolvia a sua marcha na Rua … no sentido convergente em relação à faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ….
17. O Autor pretendia penetrar, com o referido veículo, na faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. … e efectuar a manobra de mudança de direcção à sua esquerda.
18. E prosseguir a sua marcha, pela faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. …, no sentido … – ….
19. Ao chegar ao referido entroncamento, o Autor abrandou o ritmo de marcha do seu motociclo e, seguidamente, parou.
20. De forma a atentar no restante trânsito.
21. O Autor, pretendia aceder ao entroncamento referido,
22. Nesse momento, o autor olhou para a EN n.o … em direcção a … e certificou-se de que nenhum veículo circulava nessa via.
23. Acto contínuo, olhou para o lado direito da via, em direcção a ….
24. Arrancou e,
25. Simultaneamente, apercebeu-se de que o veículo IB apareceu no seu campo de visão.
26. Acto contínuo, travou e imobilizou o motociclo.
27. Tendo ficado parado a cerca de 1,5 metro do eixo da via.
28. Ao deparar com o motociclo conduzido pelo Autor imobilizado na faixa de rodagem destinada ao trânsito que se processava em sentido contrário ao seu.
29. Trava a fundo e perde o controlo do veículo que conduzia.
30. Invadindo a faixa de rodagem destinada ao sentido contrário ao tomado por si,
31. Ultrapassando a linha longitudinal contínua existente no local.
32. Por via de tal manobra, o veículo ligeiro foi embater no motociclo conduzido pelo autor.
33. O embate ocorreu na faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito … – ….
34. O limite de velocidade naquele local, para quem circulava na EN n.o …, era de 70 Km/h.
35. Antes do local do embate, o veículo automóvel ligeiro de passageiros conduzido pelo D… deixou, marcados no pavimento da hemi-faixa de rodagem do lado esquerdo, tendo em conta o sentido … – …, rastos de travagem, com um comprimento de 21,70 metros.
36. O veículo IB vinha animado de uma velocidade não concretamente apurada mas que se situa entre os 50 Km/h e os 60 Km/h.
37. Como consequência directa e necessária do embate supra descrito, o autor sofreu fractura da coluna lombar – vertebra L3 com depressão da plataformica somática – sem retrodesvio do muro posterior e sem fractura do arco neural posterior, traumatismo das costelas, traumatismo do tórax, dos membros superiores e inferiores, assim como diversas escoriações e hematomas espalhados pelo corpo todo.
38. Verificava-se, também, estenose canalar central em L3 / L4 e protrusão discal póstero lateral esquerda em L5 /S1, com compressão da raíz S1 esquerda.
39. O A. foi transportado, de ambulância, para o Centro Hospital …, EPE. - Hospital de … em Santa Maria da Feira, plano duro e com aposição de um colar cervical, onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respectivo Serviço de Urgência.
40. Foram-lhe, aí, efectuadas limpezas cirúrgicas, à região das escoriações e feridas sofridas, tendo efectuado penso na região nadegar.
41. Foram-lhe efeituados exames radiológicos.
42. Foram-lhe efectuadas desinfecções às feridas e às escoriações sofridas.
43. E foram-lhe efectuadas curativos às escoriações e às feridas sofridas.
44. Nesse mesmo dia, foi explicado ao autor que, entre outras lesões, tinha uma fractura na coluna, (um elo da coluna que tinha um desvio de 3cm).
45. Foram-lhe, aí, prescritos medicamentos vários.
46. Nomeadamente, analgésicos e anti-inflamatórios.
47. Os quais o Autor se viu na necessidade de ingerir.
48. Durante o período de tempo de internamento e de permanência do Centro Hospital …, EPE. - Hospital … em Santa Maria da Feira, o Autor manteve-se, permanentemente, retido no leito.
49. Sempre deitado, de costas e sem se poder virar, na cama.
50. Foi, no leito, que, ao longo do referido período de tempo, tomou todas as suas refeições.
51. Que lhe eram servidas por uma terceira pessoa.
52. E foi, também, no leito que sempre fez todas as suas necessidades.
53. Com o auxílio de uma aparadeira.
54. Que lhe era servida por uma terceira pessoa, de que não podia prescindir.
55. Fez múltiplos exames radiológicos.
56. Fez análises clínicas.
57. O Autor manteve-se internado nessa unidade hospitalar até às 20 horas do dia 8 de Abril de 2013.
58. O Autor teve alta hospitalar, com a indicação de repouso total – repouso no leito – não fazer esforços nem pegar em pesos – utilizar lombostato devendo retirar e colocar deitado – não fazer rotação nem flexão da coluna e vigiar alterações neurológicas.
59. Regressado à sua casa de residência, o Autor manteve-se retido no leito, ao longo de um período de tempo de duas semanas.
60. Tendo se ser acompanhado por terceira pessoa que tratava da sua alimentação e higiene – que o ajudava a ir à casa de banho, lhe dava banho e a vestir-se e calçar-se.
61. O Autor só saia de casa para consultas médicas, exames e tratamentos.
62. Pois tinha muitas dores na coluna e na zona em que se verificou a fractura, que o impossibilitavam de se locomover sem ajuda de terceiros.
63. E mesmo assim, só o conseguia com muito esforço.
64. Em 23 de Maio de 2013, o autor deslocou-se a uma consulta ao Centro Hospitalar …, E.P.E. – Hospital …, em Santa Maria da Feira, a uma consulta externa que lhe tinha sido previamente marcada.
65. Nesta consulta, o clínico referiu que se mantivesse com a cinta elástica para que a fractura consolidasse, aguardando-se a sua evolução.
66. Assim, em 11 de Maio de 2013, o autor deslocou-se a uma nova consulta externa ao Centro Hospitalar …, E.P.E. – Hospital …, em Santa Maria da Feira, tendo sido submetido a um RX à coluna lombo-sagrada.
67. Tendo-se verificado que a fractura estava a consolidar de forma correta, mas aconselharam o autor a manter-se em descanso.
68. Recomeçou a trabalhar no dia 27 de Maio de 2013, sendo que se encontrou de baixa médica e impossibilitado para o trabalho desde o dia do acidente – 6 de Abril a 27 de Maio.
69. A profissão do autor é operador de pantógrafo – serralheiro – na E…, Lda., auferindo um vencimento base de € 1.067,62, acrescido de um prémio de produção na ordem dos 244,00 euros mensais.
70. Quando reiniciou o trabalho, o Autor começou por efectuar tarefas que não implicassem muito esforço físico nem rotação e flexão do tronco.
71. No entanto, e mesmo assim, as dores foram-se progressivamente agravando, implicando mesmo que o autor tivesse que fazer intervalos de descanso.
72. Perante tal facto, o Autor recorreu a uma nova consulta na Unidade de Saúde Familiar, tendo-se verificado a impossibilidade absoluta para o trabalho, ainda por via das lesões e sequelas advindas com o presente sinistro.
73. Tendo-lhe sido concedida baixa médica – uma primeira desde 2 de Julho a 13 de Julho de 2013.
74. E uma segunda desde 14 de Julho a 12 de Agosto de 2013.
75. Em 18 de Julho de 2013, o Autor deslocou-se a uma consulta no Centro Hospitalar …, E.P.E. – Hospital …, a fim de avaliar a sua situação clínica, tendo sido prescrito ao Autor a realização de tratamentos de fisioterapia – Medicina Física e Reabilitação – todas as segundas, quartas e sextas, até Setembro – data da próxima consulta.
76. O Autor já se deslocou aos tratamentos de fisioterapia no dia 19 e no dia 22 de Julho de 2013.
77. Para se deslocar para esses tratamentos de fisioterapia, o Autor utilizou os transportes públicos e/ou boleias, por não dispor da sua viatura reparada.
78. O autor, no momento da ocorrência do atropelamento e nos instantes que se seguiram sofreu um enorme susto.
79. Receou pela própria vida.
80. O autor tinha, à data do acidente, 44 anos pois nasceu em 25 de Abril de 1968.
81. O autor sofreu dores muito intensas localizadas ao nível da cervical, ombros e do tórax.
82. O Autor sofreu, além disso, os incómodos inerentes ao internamento hospitalar, à permanência no leito e aos tratamentos médicos a que foi sujeito.
83. E sofreu a privação da sua liberdade pessoal, inerente a esse período de tempo de acamamento, na sua casa de habitação.
84. À data do acidente, o A era um homem saudável.
85. À data do sinistro, o autor trabalhava na E…, Lda., auferindo um vencimento base de € 1.067,62, acrescido de um prémio de produção na ordem dos 244,00 euros mensais.
90. O A., por via das lesões ocorridas no presente sinistro, suportou a quantia de € 24,55 em despesas médicas e medicamentosas, valor que aqui se peticiona.
91. E viu inutilizada uma camisa, um casaco, umas calças e uns sapatos que usava na altura da ocorrência do acidente, no valor de € 20,00, € 40,00, € 25,00 e € 20,00, num total de 105,00.
92. Em deslocações para os tratamentos médicos, o Autor suportou uma importância não inferior a € 150,00.
93. Como consequência directa e necessária do embate, o motociclo do autor danificou as seguintes peças: Para-brisas, manete, punho completo, pisca direito, borrachas pousa pés direitas, uma tampa direita e molas;
94. Para a reparação do veículo é necessário despender a quantia de € 396,87, conforme peritagem efectuada pela Ré.
95. O motociclo ainda hoje se encontra por reparar e em consequência do sinistro ficou impedido de circular.
96. O Autor está privado do motociclo desde a data do sinistro.
*
Do primeiro articulado superveniente:

97. Desde a data da instauração da presente acção até 3 de Setembro de 2013, o autor efectuou, no Centro Hospitalar … – unidade de Santa Maria da Feira, os seguintes tratamentos:
18 Massagens Manuais;
18 Estimulações Elétricas dos pontos motores;
98. Nesse dia 3 de Setembro de 2013, o autor deslocou-se a uma consulta externa nessa unidade hospitalar, tendo sido submetido a um RX à coluna lombo sagrada – 2 incidências.
99. Nessa altura, foi prescrita a continuação dos tratamentos médicos ao Autor.
100. Assim, desde a data de 3 de Setembro de 2013 até 22 de Outubro de 2013, o autor efectuou, no Centro Hospitalar … – unidade de Santa Maria da Feira, os seguintes tratamentos:
15 Massagens Manuais;
15 Estimulações Eletricas dos pontos motores;
101. Nesse dia 22 de Outubro de 2013, o autor deslocou-se a uma consulta externa nessa unidade hospitalar, tendo sido submetido a um RX à coluna lombo sagrada – 2 incidências.
102. Nessa altura, foi prescrita a continuação dos tratamentos médicos ao Autor.
103. Desde a data de 22 de Outubro até 22 de Novembro de 2013, o autor efectuou, no Centro Hospitalar … – unidade de Santa Maria da Feira, os seguintes tratamentos:
8 Massagens Manuais;
8 Estimulações Eléctricas dos pontos motores;
104. Pelos referidos tratamentos, o autor suportou a quantia de € 139,95, que aqui se peticiona.
105. Nas deslocações para essa unidade hospitalar, a fim de realizar os referidos tratamentos e consultas, o Autor suportou uma quantia não inferior a € 150,00.
*
Do segundo articulado superveniente:

106. Como consequência directa e necessária do evento estradal o autor apresenta as seguintes sequelas:
- Ráquis: apresenta mobilidade dolorosa ao nível da coluna lombar com os movimentos activos. Sem deformidades ou atrofias musculares ao nível do dorso e dos membros inferiores. Prova Lasegue positiva bilateralmente na posição deitado. Reflexo rotuliano e aquiliano sem alterações.
107. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 21-11-2013;
108. - Período de Défice Funcional Temporário Total sendo assim fixável num período de 230 dias.
109. - Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total sendo assim fixável num período total de 230 dias;
110.- Quantum Doloris fixável no grau 4/7;
111. - Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos.
112. - As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
*
Da contestação:

113. O autor pretendia que o EA circulasse em direcção à hemi-faixa de rodagem da direita da EN …, atento o sentido de marcha …/…, ou seja, numa trajectória de atravessamento da linha de marcha do IB.
114. Por força do embate ambos os veículos acabaram por se imobilizar sensivelmente no local onde o mesmo ocorreu.
115. Os rastos de travagem tiveram início na hemi-faixa de rodagem da direita, atento o sentido de marcha do IB.
*
Do pedido de reembolso da Segurança Social:

116. Como consequência directa e necessária do evento estradal em causa nos autos, o autor esteve com baixa médica subsidiada de 08.04.2013 a 26.05.2013 e de 02.07.2013 a 31.07.2013, tendo recebido da Segurança Social a quantia de € 3077,47.
*
Da petição inicial do Centro Hospitalar (apenso A):

117. Como consequência directa e necessária do evento estradal em discussão nos autos, o Centro Hospitalar …, E.P.E., prestou ao autor diversos tratamentos médicos que tiveram o custo global de € 2096,09, formalizados através das facturas n.o ……48, ……84, ……93 e …..384.
Factos não provados:

Da petição inicial:

Uma vez que não avistou qualquer veículo que o impossibilitasse de realizar a referida manobra de mudança de direcção, e apurou que não se encontrava qualquer veículo a circular naquele sentido.
Quando tinha percorrido apenas cerca de dois metros e ainda se encontrava dentro da hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito que se processa em sentido … – …, O Autor apercebe-se que do seu lado esquerdo e no início da referida lomba, surge o ligeiro de passageiros conduzido pelo D… e como estava a arrancar imobiliza o veículo.
O local do sinistro configura uma localidade pois situa-se dentro do aglomerado urbano da freguesia de ….
O Autor, como se encontrava numa situação financeira difícil, solicitou ao médico de família que lhe desse alta para o trabalho, pois precisava do salário.
O Autor irá ter que se submeter a tratamentos de fisioterapia e custeará as deslocações referentes a esse tratamento médico.
Até hoje, tais momentos ainda, continuamente, assaltam o autor, provocando-lhe angústia e desespero. Provocando-lhe fobia.
Essas dores ainda hoje atormentam o requerente.
Essas dores atormentaram o Autor, de forma contínua e permanente e de forma intensa, ao longo de um período de tempo de três meses.
Essas dores ainda afectam o Autor, na presente data.
O autor teve ainda de suportar a despesa de € 62,00 em certidões que aqui se peticiona (participação de acidente de viação e certidão de nascimento).
Jamais apresentando a mesma desenvoltura de movimentos que apresentava anteriormente ao acidente.
Os factos descritos nos precedentes artigos causaram um profundo desgosto.
Manuseava com grande facilidade todos os instrumentos de trabalho inerentes à sua profissão de operador de pantógrafo – serralheiro.
Desfrutava de uma saúde e de uma energia física invulgares para a sua idade.
Na presente data, o Autor encontra-se numa situação de impossibilidade absoluta para o exercício da sua profissão - encontrando-se ainda numa situação de baixa médica.
Que ainda se vai prolongar, pois ainda vai ter que ser sujeito a tratamentos médicos, nomeadamente de medicina física e de reabilitação;
A partir da ocorrência do acidente dos presentes autos e das lesões e sequelas que ficou a padecer, o requerente jamais poderá exercer a sua actividade profissional como fazia antes do acidente.
Porquanto o exercício de tal profissão obriga a um permanente esforço quer nos membros inferiores quer nos membros inferiores quer na própria zona abdominal e lombar.
Conforme já se alegou, por via das lesões advindas do presente sinistro, o autor ainda se mantém com Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho;
Pelo que se ainda se vê absolutamente impossibilitado de desempenhar a sua profissão.
Não auferindo, desde a data do acidente, os rendimentos correspondentes ao seu trabalho.
O que, até à presente data, se traduziu num prejuízo de € 3.147,88, tendo em consideração o tempo de baixa médica e tendo em consideração a presente data – 23 de Julho de 2013.
Conforme já se referiu, nesta data, o autor ainda mantém a situação de incapacidade temporária absoluta para o trabalho.
E, a final, ficou a padecer de uma Incapacidade Parcial Permanente, para o trabalho, ainda não fixada, nem quantificada, na presente data, porquanto ainda se encontra numa situação de incapacidade temporária absoluta para o trabalho.
O motociclo era utilizado diariamente pelo Autor nas suas deslocações diárias, mormente para se deslocar para a sua actividade profissional.
Na falta do motociclo, o Autor tem recorrido a transportes públicos e a veículos emprestados.
*
Da contestação:

Fazia-o com atenção ao trânsito e pela hemi-faixa de rodagem da direita, atento o seu sentido de marcha, imprimindo ao veículo que conduzia a velocidade aproximada de 50km/hora.
O condutor do EA circulava desatento ao trânsito e em desrespeito pelas mais elementares regras estradais.
Quando o condutor do IB, circulando sempre pela hemi-faixa de rodagem da direita, atento o seu sentido de marcha, se encontrava a cerca de 30 metros do entroncamento formado pela EN … e pela Rua …, surgiu, provindo desta última artéria, o motociclo EA, conduzido pelo autor.
O condutor do EA, acedeu ao interior do entroncamento sem atentar na presença do IB.
Perante o aparecimento do EA, e na iminência do embate – a trajectória do EA era, como se viu, de corte da linha de marcha do IB – o condutor do IB ainda travou e desviou o veículo que conduzia para a sua esquerda.
E sem respeitar o sinal de STOP referido em 6. supra, isto é, sem imobilizar o EA antes de passar a circular no interior do entroncamento.
Nessa altura, o condutor do EA, apercebendo-se da presença do IB – e só nessa altura se apercebeu da presença do IB – atrapalhou-se e resolveu imobilizar o EA junto ao eixo da via, manobra que realizou após o condutor do IB travar o veículo e desviar a sua trajectória para a esquerda.
*
Consigna-se expressamente que o tribunal não respondeu a matéria conclusiva, alegações de direito, meras opiniões pessoais ou alegações factuais sem qualquer interesse para a causa. Finalmente, o tribunal também não respondeu a alegações que são meras repetições do que já tinha sido alegado noutro articulado.

II. 3. Do Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - artºs. 635º, 639º e 663º, todos do Código Processo Civil.

II. 3.1. Há fundamento para alterar os factos não provados, concretamente: “ Uma vez que não avistou qualquer veículo que o impossibilitasse de realizar a referida manobra de mudança de direcção, e apurou que não se encontrava qualquer veículo a circular naquele sentido. Quando tinha percorrido apenas cerca de dois metros e ainda se encontrava dentro da hemifaixa de rodagem, destinada ao trânsito que se processa em sentido … – …, o Autor apercebe-se que do seu lado esquerdo, e no início da referida lomba, surge o ligeiro de passageiros, conduzido pelo D…, como estava a arrancar imobiliza, o veículo”, considerando esta facticidade demonstrada? (1)
Neste segmento apreciaremos, conjuntamente, as questões recortadas dos recursos interpostos, quer pelo Autor/B…, quer pela Ré/Companhia de Seguros C…, SA., atinentes à impugnação da decisão de facto, uma vez que, neste particular, as enunciadas questões suscitadas nos recursos, cuja apreciação cabe a este Tribunal ad quem, pese embora sejam relativas a factos diversos, encerram uma matriz comum condizente à motivação da decisão de facto, consignada pelo Tribunal de 1ª Instância, impondo-se, assim, por conveniência de raciocínio e estruturação do próprio acórdão, o conhecimento cumulativo (II. 3.1. e II. 3.1.1), sendo que do recurso interposto pelo Apelante/Autor/B…, importa saber se há fundamento para alterar a facticidade não provada, qual seja “Uma vez que não avistou qualquer veículo que o impossibilitasse de realizar a referida manobra de mudança de direcção, e apurou que não se encontrava qualquer veículo a circular naquele sentido. Quando tinha percorrido apenas cerca de dois metros e ainda se encontrava dentro da hemifaixa de rodagem, destinada ao trânsito que se processa em sentido … – …, o Autor apercebe-se que do seu lado esquerdo, e no início da referida lomba, surge o ligeiro de passageiros, conduzido pelo D… e, como estava a arrancar imobiliza, o veículo”, ao passo que do recurso interposto pela Apelante/Ré/Companhia de Seguros C…, SA., importa saber se há fundamento para alterar o ponto 92 da factologia dada como provada, ou seja “Em deslocações para os tratamentos médicos, o Autor suportou uma importância não inferior a € 150,00”.
Os recorrentes, Autor/B… e Ré/Companhia de Seguros C…, SA., pretendem a reapreciação da decisão da matéria de facto, na medida em que entende que da conjugação das declarações das testemunhas e depoimento gravados, a par dos documentos juntos aos autos, a solução da matéria de facto haveria de ser diferente da consignada no aresto sob recurso.
Os apelantes, Autor/B… e Ré/Companhia de Seguros C…, SA., ao questionarem a decisão sobre a matéria de facto, impõem a análise sobre se há fundamento legal para alterar a decisão sobre a matéria de facto.
Como é sabido, fixada a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas, com ressalva dos factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, ou aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes, conforme consagrado nos termos do artº. 607º, n°. 5, do Código de Processo Civil, essa matéria de facto é, em princípio, inalterável.
A decisão da lª Instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artº. 662º, do Código de Processo Civil, ou seja:
1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2. A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Estas constituem as excepções à regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferida na lª Instância.
No caso em apreço, torna-se meridiano não ser aplicável a previsão do n°. 1, do artº. 662º, do Código de Processo Civil, pois que não foi apresentado documento novo superveniente, tão pouco os factos assentes impõem decisão diversa, conforme estabelecido no consignado no dispositivo adjectivo civil.
Tendo ocorrido, na presente demanda, a gravação dos depoimentos prestados, o Tribunal de recurso tem a prerrogativa, ditada pelo normativo consignado, de apreciar não só da credibilidade do(s) depoente(s) prestado(s) ou sobre o sentido do(s) respectivo(s) depoimento(s), bem como, caberá ao Tribunal ad quem conhecer da necessidade da produção de novos meios de prova, caso repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta, outrossim, apreciar da fundamentação da decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados, concedendo-se que foi cumprido o preceituado no artº. 640º, do Código de Processo Civil.
Importa ter presente que a finalidade do aludido dispositivo da lei adjectiva civil (artº. 662º do Código de Processo Civil) é garantir a correcção do apuramento da matéria de facto, sendo que tal possibilidade tem de ser levada a cabo tendo sempre presente, e em momento algum desprezar, as normas jurídicas/processuais atinentes.
A sindicância à convicção do julgador da 1ª Instância, por este Tribunal de recurso, tem de se mostrar adequada, isto é, não poderá permitir, em caso algum, que a mesma se apresenta manifestamente contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos, de tal sorte que possamos afirmar sem reservas que a reapreciação da prova configura, efectivamente, um novo julgamento.
Na verdade, no que tange aos concretos poderes de reapreciação da prova nesta 2ª Instância, dominou, até há algum tempo, uma tese restritiva que sustentava que os Tribunais da Relação não podiam procurar uma nova convicção, antes deviam limitar-se a apreciar se a do Julgador a quo, vertida nos factos provados e não provados e na fundamentação desse seu juízo valorativo, tinha suporte razoável no que a gravação permitiria percepcionar e em conjugação com os demais elementos probatórios que os autos fornecessem.
Ou seja, o Tribunal da Relação teria que cingir a sua actividade (de reapreciação da matéria de facto) ao apuramento da razoabilidade da convicção do julgador da 1ª Instância, reduzindo os poderes de alteração da matéria fáctica às situações que se apresentassem manifestamente contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos, aos casos de flagrante desconformidade com os elementos de prova disponíveis.
Imediatamente antes da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, ganhou força uma perspectiva mais ampla relativamente à reapreciação da prova, a qual, embora reconheça que a gravação dos depoimentos áudio ou vídeo não consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal “a quo”, nomeadamente, o modo como as declarações são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória e que existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia, entende, ainda assim, que na reapreciação da prova, as Relações têm a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª Instância, devendo proceder à audição dos depoimentos ou fazer incidir as regras da experiência, como efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição.
Quando um Tribunal de 2ª Instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeito, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, afirmando os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição, neste sentido, Abrantes Geraldes, apud, Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 2008, páginas 279 a 286; idem, mesmo Autor, in, Reforma dos Recursos em Processo Civil; Revista Julgar, nº. 4, Janeiro-Abril/2008, páginas 69 a 76; Amâncio Ferreira, apud, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2008, página 228, e Acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 2008 (Processo 08A3334), de 12 de Março de 2009 (Processo 08B3684), de 28 de Maio de 2009 (Processo 4303/05.0TBTVD.S1), e de 1 de Junho de 2010 (Processo 3003/04.2TVLSB.L1.S1), todos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj.
Com a introdução de novas regras sobre o regime legal disciplinador da admissão e reapreciação da prova feita em Juízo ditadas pelo Novo Código Processo Civil continuamos a reconhecer, como suporte essencial do nosso ordenamento jurídico, os princípios da imediação, oralidade e concentração, e da livre apreciação da prova, assumindo-se, inquestionavelmente, como princípios proeminentes na apreciação da matéria de facto, sendo que na reapreciação da prova, as Relações têm a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª Instância, devendo proceder à audição dos depoimentos gravados e analisar a documentação apresentada em Juízo, fazendo incidir as regras da experiência, como efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição, permitindo-nos sublinhar que a reapreciação da prova deve configurar, e efectivamente configura, um novo julgamento.
Sem deixar de reconhecer que, em regra, a convicção do julgador da 1ª Instância resulta da experiência, prudência e saber deste, sendo certo que é no contacto pessoal e directo com as provas, designadamente, com a testemunhal e no depoimento de parte, que aquelas qualidades de julgador mais são necessárias, pois é com base nelas que determinado depoimento pode ou não convencer quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recai, constituindo uma das manifestações dos princípios da oralidade e da imediação, em razão das quais o julgador tem a possibilidade de se aperceber da frontalidade, lucidez, rigor e firmeza com que os depoimentos são prestados, mesmo do confronto imediato entre os vários depoimentos, do contraditório formado pelos intervenientes, advogados e juízes, do interrogatório do advogado que a apresenta, do contraditório do outro mandatário e das dúvidas do próprio tribunal, não podemos deixar de enfatizar que o Tribunal de recurso tem agora prerrogativas legais que, sem quaisquer reservas, lhe permitem ajuizar e aquilatar da decisão de facto, e, sendo caso disso, ordenar a renovação da produção da prova, ordenar a produção de novos meios de prova, ou mesmo em casos extremos anular a decisão proferida na 1.ª Instância, ou determinar que o Tribunal de 1.ª Instância fundamente a decisão proferida, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Importa, ainda, considerar que a Relação deve reapreciar toda a prova produzida e não apenas a indicada pelos recorrentes e que, porventura, lhe seja favorável, obviando a conclusões descontextualizadas.
Dito isto, analisemos a possibilidade de alteração da decisão de facto.
Na decisão sobre a matéria de facto vertida nos autos, o Tribunal a quo no que à motivação da respectiva decisão respeita, fez constar:
“A convicção do Tribunal ancorou-se no conjunto da prova produzida em audiência, nomeadamente nas declarações de parte, prova testemunhal, prova documental e pericial:
Começou a audiência com as declarações de parte do autor B….
O autor descreveu o evento da seguinte forma:
Circulava pela rua … a conduzir o motociclo. O local em causa nos autos é um entroncamento que liga com a EN. A visibilidade para quem quer virar para … é cerca de 40 metros e para o lado de … é de cerca de 200 metros.
Quando chegou ao final da estrada … viu que tinha um Stop e parou uma vez que, nesse momento, ia a passar trânsito. Estavam dois veículos parados na EN no sentido … - …, do lado esquerdo, antes do entroncamento.
O autor avançou ligeiramente e certificou-se de que não vinha qualquer veículo nos dois sentidos. Então, avançou cerca de um metro e olhou novamente para a sua direita, momento em que viu o veículo automóvel a aparecer e a travar bruscamente, “ouvi os pneus a chiarem, o carro a vir aos zigue zagues e a bater-me”. Foi então projectado cerca de dois ou três metros; a mota ficou no mesmo sítio, “virou e ficou”.
Referiu que foi embatido mais do lado esquerdo do veículo (do lado do passageiro da frente do veículo) e sensivelmente a meio da moto. Esclareceu que não apanhou a perna porquanto, para se defender, a levantou. Não conseguiu, contudo, evitar que o calcanhar fosse embatido.
Nunca perdeu a consciência e as declarações foram prestadas no local.
Dentro do veículo ia um casal que se chegou a si muito atrapalhado.
O autor visualizou o croquis do acidente, junto aos autos, e referiu que a mota ficou na perpendicular e não de frente para o carro. Quanto ao local do embate, o autor concorda com o mesmo.
O autor disse ainda que os veículos não foram mexidos antes da chegada das autoridades policiais.
No que concerne aos danos, o autor referiu que sente bastantes limitações a pegar em pesos e em andar a pé, referiu que ficou impedido de “ter a liberdade de andar a pular” e de ajudar o seu pai em actividades agrícolas.
O autor verbalizou também que, depois de ter vindo do hospital, teve duas semanas muito complicadas em que se viu forçado a ficar na cama em repouso absoluto, com a ajuda da sua mulher e de uma sobrinha.
A seguir a esse período, começou a recuperar lentamente, a descer escadas e a recuperar a sua autonomia física.
No essencial, o autor depôs de uma forma isenta e objectiva e com bastante distanciamento face à causa. Apresentou em audiência uma postura calma e segura e um discurso isento de qualquer contradição ou imprecisão. Expôs sempre o evento de uma forma coerente, detalhada e circunstanciada, conseguindo exibir uma visão fílmica do evento estradal em discussão nos autos. Por estes motivos, o tribunal considerou que as declarações do autor deviam ser valoradas e tidas em consideração, tendo servido para o tribunal ficar convencido do modo como o evento ocorreu, nomeadamente, o facto de o autor ter imobilizado o seu veículo no STOP, o local do embate, o facto de o veículo automóvel ter entrado em derrapagem e, finalmente, o facto de o motociclo estar parado quando foi embatido.
Refira-se, contudo, que do cotejo de toda a prova produzida em audiência, nomeadamente, das declarações do condutor do veículo automóvel, da análise do croquis e das fotografias do local, do rasto de travagem e da própria posição dos veículos, não nos parece possível que, quando o autor arranca da rua …, o IB não estivesse já no seu campo de visão.
Isto porque, provou-se que o IB circulava a uma velocidade aproximada de 50 Km/h. Logo, contando que do entroncamento ao início da lomba distam cerca de 60 metros, não seria possível que a essa velocidade de 50 Km/h (aqui considerada por defeito), o IB tivesse percorrido cerca de 40 metros enquanto o EA apenas circulou 2 metros (sensivelmente) de modo a colocar-se a cerca de 1,5 metros do eixo da via quando foi embatido.
Parece-nos muito mais lógico e provável que, sensivelmente ao mesmo tempo em que o EA arranca da Rua …, o IB tenha surgido no campo de visão do condutor do motociclo e que, das duas uma, ou o autor arrancou o motociclo com a intenção de o imobilizar mais perto do eixo de modo a que o IB pudesse passar por si (tese que não pode ser descurada); ou o autor só se apercebe da presença do IB quando já está mais perto do eixo da via, tendo nesse momento imobilizado o motociclo.
O certo é que, entre o momento em que o EA arranca e o momento em que o IB aparece depois da lomba, decorreu uma fracção temporal muito reduzida.
Vejamos agora a prova testemunhal produzida em audiência.
Continuou a audiência com o depoimento da testemunha, G…, operário químico, é sobrinho da mulher do autor.
Presenciou o embate, “quando fiz a curva vi mesmo o embate”, concretizando que apenas viu a parte final do embate, “quando vi já o carro vermelho estava totalmente na faixa do B…”, desconhecendo se o motociclo parou ou não, ou qual a velocidade a que circulava o veículo vermelho.
Não sabe a dinâmica do evento porquanto não viu nada antes desse momento.
Confirmou que viu no local rastos de travagens na via.
A testemunha visualizou o local do embate constante do programa “Google Maps” e confirmou que era o local do embate – tais fotografias foram juntas aos autos.
O tribunal considera que a testemunha apresentou em audiência um depoimento inteiramente credível e sincero, apresentando uma postura corporal relaxada e segura e proferindo afirmações sempre de uma forma espontânea e nada ensaiada.
O seu depoimento foi importante para o tribunal ficar convencido de que o local do embate é o que consta do croquis junto aos autos, uma vez que a testemunha informou o tribunal de que não presenciou a dinâmica dos veículos antes do embate.
Continuou a audiência com as declarações da testemunha H…. Sobrinha do autor. Não presenciou o evento.
Esteve em casa do autor durante duas semanas a prestar auxílio uma vez que o seu tio não tinha autonomia para efectuar as tarefas quotidianas. Referiu que o autor estava deitado, só podia ir à casa de banho e nada mais.
O seu depoimento mereceu inteira credibilidade e foi importante para o tribunal ficar convencido dos danos sofridos pelo autor logo após o evento em causa nos autos e para dar como provada a condição física do autor antes do evento em discussão nos autos.
Continuou a audiência com o depoimento da testemunha, F…, operadora de máquinas. É mulher do autor.
Não presenciou o evento estradal em causa nos autos. Deslocou-se ao local momentos após o embate. Quando chegou ao local, os veículos ainda ali se encontravam. No local existia um rasto de travagem.
No mais, confirmou as lesões sofridas pelo autor momentos após o embate, o tempo de internamento e a recuperação do mesmo após o regresso a casa.
A testemunha asseverou que o seu marido era uma pessoa saudável antes do evento e que nunca tinha tido qualquer acidente. Actualmente, faz a sua vida normal mas com algumas limitações, especialmente no que concerne a pegar em pesos e a cansar-se mais facilmente.
Referiu que a mota ainda não foi arranjada em virtude de não terem dinheiro para a reparar e que, por isso, o seu marido não a pôde utilizar mais. A mota era utilizada para o seu marido se deslocar diariamente.
Quanto às roupas do acidente, a testemunha referiu que as mesmas foram para o lixo.
No que concerne aos danos morais, a testemunha mencionou que o seu marido ficou muito rezingão depois do acidente e que foi muito difícil lidar com ele; actualmente encontra-se muito melhor.
O tribunal valorou as declarações da testemunha na medida em que a mesma depôs de uma forma isenta e objectiva, distanciada e fundamentada.
Ouviu-se igualmente a testemunha, I…, agente da GNR responsável pela feitura do auto de participação de acidente de viação.
Quando chegou ao local constatou que era um entroncamento e que o motociclo vinha de um arruamento e que o outro veículo vinha de ….
Os veículos encontravam-se na via. O agente confirmou na totalidade o conteúdo do auto de participação de acidente de viação.
Confirmou que no local existiam rastos de travagem e que os mesmos tinham a configuração exactamente igual à que consta do croquis. Disse ainda que não tem dúvidas de que os rastos de travagens correspondem ao veículo em causa nos autos e que os mesmos eram contínuos, sem demonstrar qualquer interrupção.
Não soube dizer qual o limite de velocidade no local.
Também não soube precisar que distância medeia entre o entroncamento e a lomba existente no local.
As declarações da testemunha foram valoradas pelo tribunal e serviram para atribuir inteira credibilidade ao conteúdo do croquis junto aos autos.
O depoimento da testemunha, J…, perito averiguador da Companhia de Seguros, foi relevante, apenas, para o tribunal ficar convencido da existência de rastos de travagem no local na medida em que a testemunha deslocou-se ao local e constatou a existência das travagens nos termos constantes do croquis junto aos autos.
Quanto ao limite de velocidade, a testemunha referiu que era de 70 Km/s porquanto existia uma placa de limitação de velocidade, afirmação que se veio a apurar como verídica atendendo ao ofício das Estradas de Portugal que confirmou que essa era a velocidade existente no local.
Por fim, ouviu-se a testemunha, D…, condutor do veículo automóvel interveniente no evento estradal em causa nos autos. A testemunha confirmou a configuração do local do evento assim como o seu sentido de trânsito. Descreveu a dinâmica do evento da seguinte forma: Quando passou a lomba que existe antes do entroncamento, a sensivelmente 50 metros, passou a ter visibilidade para o local do embate. Nesse momento, não vê ninguém a circular na estrada, “de repente vejo o Sr. B… e tive que me tentar desviar para evitar o acidente”. Clarificou que já se encontrava a circular na via há cerca de 30 metros quando surge o motociclo.
A testemunha não reparou que o condutor do motociclo olhou para os dois lados da estrada mas lembra-se que a moto não parou, foi sempre em andamento desde que o viu. “Ele depois pára, já quando estávamos quase a embater. Parou já no eixo, quando estávamos mesmo a embater. Eu tinha travado e tentei-me desviar mas não consegui evitar”.
“Quando o Sr. B… se estava a meter eu já pouco espaço tinha” acrescentando que estava a circular a 50 ou 60 Km/h. Referiu que estava a cerca de 10 metros, “se calhar, se calhar nem tanto. Eu pensei que conseguia imobilizar”, esclarecendo que travou a fundo.
Disse ainda que quando travou o carro bloqueou os pneus tendo os mesmos começado a chiar.
O veículo não tinha sistema ABS. Detalhou que tenta desviar o carro quando o mesmo já estava em derrapagem, “já pouco controlo tinha sobre o carro”.
Explicou que o embate ocorreu sensivelmente a meio do motociclo e a meio do veículo automóvel, mais para o lado esquerdo.
Logo depois da pancada, saiu imediatamente do veículo e o autor estava a cerca de dois ou três metros do veículo automóvel, imobilizado. A mota ficou a cerca de um metro do automóvel. A mota foi embatida quando já se encontrava na diagonal em relação ao eixo da via, para quem pretende circular no sentido ….
A testemunha disse que o local do embate terá sido no eixo da via “já a pender para mim”, acrescentando que não tem dúvidas quanto a esse local. A testemunha disse ainda que nenhum dos veículos foi retirado da via, “ninguém mexeu nos veículos”.
A testemunha foi confrontada com o local do embate mas não concorda que tenha sido esse, assim como não concorda com o local do rasto de travagem constante do croquis.
Não soube dizer se, caso tivesse seguido em frente, teria ou não batido no motociclo.
A testemunha disse ainda que tem a percepção de que, quando bateu na moto, esta estava em andamento.
Como nos parece evidente, a versão trazida à lide pela testemunha encontra-se eivada de contradições. Desde logo, o local do embate e o local onde se encontravam os rastos de travagem são de todo incompatíveis com a versão que a testemunha descreveu. E, relembre-se, o conteúdo do auto de participação de acidente de viação não foi minimamente posto em causa em audiência, tanto mais que a própria testemunha disse que nenhum dos veículos foi movido após a produção do embate e até chegar a GNR.
Portanto, o tribunal, na generalidade, não atribuiu credibilidade às declarações da testemunha porquanto consideramos que a mesma apresentou em audiência uma versão dos factos que visava eximi-lo de qualquer responsabilidade na produção do evento ficando por isso contaminada na isenção e distanciamento exigidos face à causa. Ainda assim, consideramos que o depoimento da testemunha pode ser valorado no que se reporta ao facto de o IB já se encontrar a circular depois da lomba quando o EA arranca do entroncamento. Tal conclusão, como já se disse, é imposta pela distância do entroncamento à lomba, pela velocidade dos veículos e pela distância percorrida pelos mesmos – facultada pelos rastos de travagem do IB e local do embate (perto do eixo da via).
A nível de prova documental, o tribunal valorou o auto de participação de acidente de viação, junto a fls. 16 e seguintes dos autos. Este documento, integralmente confirmado em audiência pelo seu subscritor, serviu para o tribunal dar como provado o local do embate, a existência de rastos de travagem (bem como a sua extensão), a posição dos veículos e a configuração do local.
Os documentos clínicos constantes de 18 a 32, assim como os documentos de fls. 95-99, 103-108, 113-118, 122-132, 149-190 e ainda o parecer do IML junto aos autos a fls. 192 e seguintes, foram relevantes para o tribunal dar como provada a matéria relativa às lesões corporais do autor.
Diga-se que o relatório pericial foi inteiramente valorado pelo tribunal na medida em que se encontra bem fundamentado e com rigor científico pelo que não tivemos qualquer dúvida em atribuir credibilidade ao seu conteúdo.
O tribunal também valorou as fotografias juntas pela ré a fls. 46 e seguintes dos autos e que foram importantes para formular o convencimento do tribunal quanto aos danos ocorridos no veículo.
As fotografias de fls. 239 a 244 serviram para o tribunal adquirir uma visualização mais abrangente e pormenorizada do local do embate.
Finalmente, os documentos juntos a fls. 6 a 8 do apenso A, serviram para o tribunal dar como provados os serviços de assistência hospitalar ministrados pelo centro hospitalar ao autor, assim como o respectivo custo.
Em súmula, o tribunal deu como provado a configuração do local, o concreto local do embate na via, a posição dos veículos, o rasto de travagem, os danos nos veículos e o local da pancada nos veículos tendo em consideração o auto de participação de acidente de viação e a prova testemunhal produzida.
No que concerne à velocidade do veículo automóvel, o tribunal deu como provado que o veículo circulava a uma velocidade, não concretamente apurada, mas entre 50 e 60 Km/h, tendo por referência as marcas de travagem na via, 21 metros, o facto de o piso ser em asfalto, em bom estado de conservação, estar seco, ser uma recta, ter declive positivo (embora com um grau de inclinação muito diminuto), o condutor ter 24 anos à data do acidente, com tempos de reacção médios, e ainda o facto de o veículo em causa ser do ano de 1997 e não ter ABS. Finalmente, o tribunal valorou o facto de não ter existido qualquer projecção do motociclo com a pancada do veículo automóvel o que indicia claramente que, quando se dá o embate, já o veículo automóvel está praticamente parado.
Os gastos medico-medicamentosos foram dados como provados atendendo aos documentos clínicos anteriormente descritos.
O valor das roupas do autor, perdidas como consequência do evento estradal, foi encontrado tendo por base normas de experiência comum e de normalidade.”
Ouvidas as declarações de todas as testemunhas, e o depoimento de parte prestado, constantes do suporte digital junto aos presentes autos, confirmamos o consignado e descrito na motivação da decisão do Tribunal recorrido, no que a mesma tem de relevante.
Sublinhamos que importa reapreciar sempre toda a prova produzida, obviando a conclusões descontextualizadas.
Da audição fonográfica da referida prova em conjugação com a restante prova trazida a juízo, resulta que a convicção do Julgador da 1ª Instância merece somente um simples reparo no que respeita à motivação do facto impugnado, considerado como provado e constante do ponto 92 da respectiva factologia, sendo imodificável a facticidade questionada pelo Apelante/Autor/B… e Recorrente/Ré/Companhia de Seguros C…, SA..
Tendo como adquirido que a bondade de qualquer decisão de direito está intrinsecamente ligada ao julgamento da matéria de facto, cremos que do escrutínio da decisão da matéria de facto em apreço, ressalvado o reparo adiante concretizado, é inequívoco que o Mmº. Juiz a quo alicerçou a decisão fáctica, evidenciando uma adequada análise critica das provas produzidas e uma consignação das razões que foram determinantes para a formação da convicção do Tribunal, corporizando os elementos probatórios, por nós sufragados, atento o retrato feito dos depoimentos prestados em audiência, registado na fundamentação da decisão de facto, concluindo o Julgador apelado, e bem, a nosso ver, pela sua insuficiência para demonstrarem os factos constantes dos factos não provados, concretamente “Uma vez que não avistou qualquer veículo que o impossibilitasse de realizar a referida manobra de mudança de direcção, e apurou que não se encontrava qualquer veículo a circular naquele sentido. Quando tinha percorrido apenas cerca de dois metros e ainda se encontrava dentro da hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito que se processa em sentido … – …, o Autor apercebe-se que do seu lado esquerdo e no início da referida lomba, surge o ligeiro de passageiros, conduzido pelo D… e como estava a arrancar imobiliza o veículo”, acabando por os considerar como não provados, sendo também suficiente para demonstrar o ponto 92 da factologia dada como provado, conquanto, na fixação do valor mínimo dos custos das deslocações, o Tribunal tivesse deixado de consignar na motivação, o apelo às normas de experiência comum e de normalidade.
Este Tribunal de recurso não tem, pois, qualquer elemento idóneo que possa abalar a livre convicção do Tribunal recorrido quanto aos fundamentos da decisão atinentes aos factos não provados, que se mantém inalterável, face à prova produzida, nomeadamente, do depoimento de parte do Autor/B…, e das declarações da testemunha, D…, condutor do veículo automóvel, segurado da Ré, cujos depoimentos o Tribunal a quo cuidou de valorar, atribuindo-lhes ou retirando-lhes crédito, conforme decorre da motivação consignada, e de igual modo, quanto ao ponto 92 da factologia considerada provada, que se mantém inalterado, atenta a prova produzida, designadamente, as declarações prestadas pelo Autor/B… e aqueloutras prestadas pela testemunha, F…, mulher do Autor, merecendo reparo a circunstância do Tribunal recorrido ter deixado de consignar na motivação, o apelo às normas de experiência comum e de normalidade, conforme, aliás, consignou, e bem, relativamente, ao valor das roupas do autor, perdidas como consequência do evento estradal, anotando que o dito valor foi encontrado tendo por base normas de experiência comum e de normalidade.
Realçamos que é no julgamento da 1ª Instância que as qualidades de julgador mais sobressaem (princípio da oralidade e imediação aí mais nitidamente presentes), concretizando-se o que se estabelece no artº. 396°, do Código Civil e nº. 5, do artº. 607º, do Código de Processo Civil (livre apreciação pelo tribunal).
Permitimo-nos, a propósito, sublinhar segmentos da motivação da decisão de facto, que confirmamos com a reapreciação da prova, atinente à fundamentação da decisão acerca da materialidade constante dos factos não provados.
Assim, do cotejo da motivação da decisão de facto, queremos enfatizar o excerto retirado da mesma, com a seguinte enunciação:
“Começou a audiência com as declarações de parte do autor B…. O autor descreveu o evento da seguinte forma: Circulava pela rua … a conduzir o motociclo. O local em causa nos autos é um entroncamento que liga com a EN. A visibilidade para quem quer virar para … é cerca de 40 metros e para o lado de … é de cerca de 200 metros.
Quando chegou ao final da estrada … viu que tinha um Stop e parou uma vez que, nesse momento, ia a passar trânsito. Estavam dois veículos parados na EN no sentido … - …, do lado esquerdo, antes do entroncamento. O autor avançou ligeiramente e certificou-se de que não vinha qualquer veículo nos dois sentidos. Então, avançou cerca de um metro e olhou novamente para a sua direita, momento em que viu o veículo automóvel a aparecer e a travar bruscamente, “ouvi os pneus a chiarem, o carro a vir aos zigue zagues e a bater-me”. Foi então projectado cerca de dois ou três metros; a mota ficou no mesmo sítio, “virou e ficou”.
Referiu que foi embatido mais do lado esquerdo do veículo (do lado do passageiro da frente do veículo) e sensivelmente a meio da moto.
(…) O autor visualizou o croquis do acidente, junto aos autos, e referiu que a mota ficou na perpendicular e não de frente para o carro. Quanto ao local do embate, o autor concorda com o mesmo.
(…) No essencial, o autor depôs de uma forma isenta e objectiva e com bastante distanciamento face à causa. Apresentou em audiência uma postura calma e segura e um discurso isento de qualquer contradição ou imprecisão. Expôs sempre o evento de uma forma coerente, detalhada e circunstanciada, conseguindo exibir uma visão fílmica do evento estradal em discussão nos autos. Por estes motivos, o tribunal considerou que as declarações do autor deviam ser valoradas e tidas em consideração, tendo servido para o tribunal ficar convencido do modo como o evento ocorreu, nomeadamente, o facto de o autor ter imobilizado o seu veículo no STOP, o local do embate, o facto de o veículo automóvel ter entrado em derrapagem e, finalmente, o facto de o motociclo estar parado quando foi embatido. Refira-se, contudo, que do cotejo de toda a prova produzida em audiência, nomeadamente, das declarações do condutor do veículo automóvel, da análise do croquis e das fotografias do local, do rasto de travagem e da própria posição dos veículos, não nos parece possível que, quando o autor arranca da rua …, o IB não estivesse já no seu campo de visão. Isto porque, provou-se que o IB circulava a uma velocidade aproximada de 50 Km/h. Logo, contando que do entroncamento ao início da lomba distam cerca de 60 metros, não seria possível que a essa velocidade de 50 Km/h (aqui considerada por defeito), o IB tivesse percorrido cerca de 40 metros enquanto o EA apenas circulou 2 metros (sensivelmente) de modo a colocar-se a cerca de 1,5 metros do eixo da via quando foi embatido.
Parece-nos muito mais lógico e provável que, sensivelmente ao mesmo tempo em que o EA arranca da Rua …, o IB tenha surgido no campo de visão do condutor do motociclo e que, das duas uma, ou o autor arrancou o motociclo com a intenção de o imobilizar mais perto do eixo de modo a que o IB pudesse passar por si (tese que não pode ser descurada); ou o autor só se apercebe da presença do IB quando já está mais perto do eixo da via, tendo nesse momento imobilizado o motociclo. O certo é que, entre o momento em que o EA arranca e o momento em que o IB aparece depois da lomba, decorreu uma fracção temporal muito reduzida.
Outrossim, queremos também acentuar outro trecho da motivação da decisão da matéria de facto, com evidente interesse, cremos nós, para a questão trazida a debate pelo Autor/B… ao impugnar a decisão da matéria de facto, e que passamos a consignar:
“O depoimento da testemunha, J…, perito averiguador da Companhia de Seguros, foi relevante, apenas, para o tribunal ficar convencido da existência de rastos de travagem no local na medida em que a testemunha deslocou-se ao local e constatou a existência das travagens nos termos constantes do croquis junto aos autos.
Quanto ao limite de velocidade, a testemunha referiu que era de 70 Km/s porquanto existia uma placa de limitação de velocidade, afirmação que se veio a apurar como verídica atendendo ao ofício das Estradas de Portugal que confirmou que essa era a velocidade existente no local.
Por fim, ouviu-se a testemunha, D…, condutor do veículo automóvel interveniente no evento estradal em causa nos autos.
(…) a versão trazida à lide pela testemunha encontra-se eivada de contradições. Desde logo, o local do embate e o local onde se encontravam os rastos de travagem são de todo incompatíveis com a versão que a testemunha descreveu. E, relembre-se, o conteúdo do auto de participação de acidente de viação não foi minimamente posto em causa em audiência, tanto mais que a própria testemunha disse que nenhum dos veículos foi movido após a produção do embate e até chegar a GNR.
Portanto, o tribunal, na generalidade, não atribuiu credibilidade às declarações da testemunha porquanto consideramos que a mesma apresentou em audiência uma versão dos factos que visava eximi-lo de qualquer responsabilidade na produção do evento ficando por isso contaminada na isenção e distanciamento exigidos face à causa. Ainda assim, consideramos que o depoimento da testemunha pode ser valorado no que se reporta ao facto de o IB já se encontrar a circular depois da lomba quando o EA arranca do entroncamento. Tal conclusão, como já se disse, é imposta pela distância do entroncamento à lomba, pela velocidade dos veículos e pela distância percorrida pelos mesmos – facultada pelos rastos de travagem do IB e local do embate (perto do eixo da via).
(…) No que concerne à velocidade do veículo automóvel, o tribunal deu como provado que o veículo circulava a uma velocidade, não concretamente apurada, mas entre 50 e 60 Km/h, tendo por referência as marcas de travagem na via, 21 metros, o facto de o piso ser em asfalto, em bom estado de conservação, estar seco, ser uma recta, ter declive positivo (embora com um grau de inclinação muito diminuto), o condutor ter 24 anos à data do acidente, com tempos de reacção médios, e ainda o facto de o veículo em causa ser do ano de 1997 e não ter ABS. Finalmente, o tribunal valorou o facto de não ter existido qualquer projecção do motociclo com a pancada do veículo automóvel o que indicia claramente que, quando se dá o embate, já o veículo automóvel está praticamente parado.”
De igual modo, anotamos segmentos da motivação da decisão de facto, que confirmamos com a reapreciação da prova, atinente à fundamentação da decisão acerca da materialidade constante do facto provado.
Assim.
“Continuou a audiência com as declarações da testemunha H…. Sobrinha do autor. (…) O seu depoimento mereceu inteira credibilidade e foi importante para o tribunal ficar convencido dos danos sofridos pelo autor logo após o evento em causa nos autos (…). Continuou a audiência com o depoimento da testemunha, F…, operadora de máquinas. É mulher do autor. (…) confirmou as lesões sofridas pelo autor momentos após o embate, o tempo de internamento e a recuperação do mesmo após o regresso a casa.”
Tal como, resulta da audição fonográfica (registo a 31,12 a 31,25 da gravação fonográfica), concretamente das declarações do Autor, quando interpelado pelo mandatário: “as deslocações que o senhor fazia para tratamentos era a sua esposa que o levava, era? respondeu: “era a minha esposa e o meu filho”, seguindo-se a pergunta do mandatário: “e gastou dinheiro relativamente a isso?”, não se percebendo se houve resposta verbalizada ou gestual, sendo óbvia a resposta segundo a experiência de vida, a par de que as declarações da testemunha, F…, corroboram as alegadas deslocações com inerente custo (registado a 8, 42 a 9,11; 15,39 a 15,50; 16, 15 a 16,25 e 21,08 a 21,40 da gravação fonográfica), pois, interpelada pelo mandatário que disse “Tem aqui algumas deslocações a consultas externas etc.. quem é que o levou?”, a testemunha respondeu: “às primeiras ia eu, depois ia o meu filho … depois quando começou a fazer fisioterapia ia sozinho … ia a minha filha com ele, era dividido …” e perguntada “ele ainda correu muitas vezes para lá? Gastou gasolina?” a testemunha, F… respondeu: “gasolina e não só”.
Tudo visto, concluímos, sem qualquer reserva, que este Tribunal de recurso não tem qualquer elemento idóneo que possa enfraquecer a livre convicção do Tribunal recorrido quanto às razões subjacentes à decisão de facto, congruentemente, consignadas na decisão da matéria de facto, mantendo inalterada a decisão de facto.

II. 3.2. Reapreciada a decisão da matéria de facto, com ou sem os ajustes pugnados pelo Recorrente/Autor/B…, divisamos errada subsunção jurídica da mesma, quanto à responsabilidade na eclosão do acidente ajuizado? (2)
O acidente de viação não é uma estática mas uma dinâmica, daí que os factos demonstrados foram interpretados numa perspectiva critica tendo o Tribunal recorrido apurado aqueles que tiveram a virtualidade de, só por si, desencadearem todo o nexo causal e necessário ao evento, concluindo que ambos os condutores violaram regras de condução estradal, rematando que a contribuição da culpa de cada um dos condutores, para a eclosão do acidente, foi de 50% de responsabilidade.
O Apelante/ Autor/B… questiona a culpa na eclosão do acidente, não se conformando com a decisão proferida em 1ª Instância, sustentando errada subsunção jurídica, pois, em seu entender, perante os factos que julga demonstrados nos autos (dando-se ou não provimento à impugnação de facto invocada, sendo que, como vimos, o Tribunal ad quem não acolheu a invocada impugnação), dever-se-á concluir que a culpa do acidente ajuizado pertence unicamente ao condutor do veiculo IB, segurado da Ré, e, mesmo que não seja perfilhado este entendimento, sustenta o Recorrente/Autor/B…, uma repartição de culpas, em proporção diversa da reconhecida pelo Tribunal a quo, na medida em que, concebendo-se que o culpa do Autor, para a eclosão do acidente ajuizado, foi tão diminuta, comparada com a actuação do condutor do veículo IB, segurado na Ré, que nunca poderá ser atribuída ao Autor, mais que 10% de responsabilidade, na eclosão do ajuizado acidente.

As questões que nesta sede de recurso se colocam, decorrentes das conclusões das alegações apresentadas pelo Apelante/Autor/B…, identificam-se com aqueloutras já colocadas e apreciadas pelo Tribunal recorrido (saber quem tem a responsabilidade pela produção do evento estradal em causa nos autos; num segundo momento, quem deve ser responsabilizado pelos danos verificados no veículo do autor e quais esses danos; numa derradeira etapa, importará fazer a contabilização dos danos), que veio a julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré/Companhia de Seguros C…, S.A., a pagar ao Autor/B…, as quantias que concretizou no respectivo dispositivo.
O aresto recorrido, ao reconhecer que o presente pleito se inscreve no domínio da responsabilidade civil aquiliana adianta que esta encerra quatro pressupostos essenciais, quais sejam, o facto ilícito, o nexo de imputação subjectiva, o dano e o nexo de causalidade, tendo, de seguida, valorado juridicamente a acção dos intervenientes no ajuizado acidente, apurando o respectivo grau de contribuição ou responsabilidade na produção do mesmo.
Assim, sustentou, e bem, o Tribunal a quo que “O autor imputa ao condutor do veículo seguro na R. a culpa pela produção do embate, por circular distraído ao trânsito e com excesso de velocidade. A R., por seu turno, não aceitou a culpa do condutor do aludido veículo na produção do embate. Ao invés, entende que foi o autor quem, pretendendo aceder à Estrada Nacional, não respeitou a sinalização de STOP ali existente e, consequentemente, teve a única e exclusiva responsabilidade na produção do evento estradal.
Quid iuris?
Vejamos as normas estradais regulatórias da circulação nas vias, e as normas existentes para a manobra de acesso a outra via.
De acordo com o artigo 24º do Código da Estrada, “o condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.”
O artigo 25º desse diploma prescreve que, “sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade: h) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida”.
Já o artigo 29º desse diploma legal refere que, “o condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar, ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direção deste.”
O artigo 30º reza o seguinte: “nos cruzamentos e entroncamentos o condutor deve ceder a passagem aos veículos que se lhe apresentem pela direita.”
O artigo 43º diz que “o condutor que pretenda mudar de direcção para a direita deve aproximar-se, com a necessária antecedência e quanto possível, do limite direito da faixa de rodagem e efectuar a manobra no trajecto mais curto.”
O artigo 21º, do Regulamento de Sinalização do Trânsito, B2 relativo ao sinal STOP, estipula que “paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento: indicação de que o condutor é obrigado a parar antes de entrar no cruzamento ou entroncamento junto do qual o sinal se encontra colocado e ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar.”
Refira-se que o artigo 146º, i), do Código da Estrada, define como contra-ordenação grave o desrespeito pela obrigação de parar imposta pelo sinal de paragem obrigatória nos cruzamentos, previsto no art. 21º, do Regulamento de Sinalização do Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar no 22-A/98, de 1 de Outubro.
A norma do artigo 3º, n.º 2 consagra um dever geral de zelo e cautela nas vias ao consagrar que, “as pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança, a visibilidade ou a comodidade dos utilizadores das vias, tendo em especial atenção os utilizadores vulneráveis.”
No caso concreto, ambos os condutores violaram normas estradais que, de uma forma, não só relevante como decisiva, motivaram o choque dos veículos, naquela fracção de segundo. É que, se o autor tinha a obrigação de se certificar de que não circulava qualquer veículo na via para onde pretendia aceder o que manifestamente não fez; também o condutor do IB tinha a obrigação de circular na sua hemi-faixa de rodagem e a uma velocidade adequada às circunstâncias da via.
Repare-se que, no caso concreto, não se provou que o autor tivesse desrespeitado o sinal STOP existente no entroncamento. Deu-se até como provado que o autor parou nesse sinal e só depois acedeu à via. Acontece que, ao aceder a essa via, o autor não se certificou de que não vinha qualquer veículo do Sentido ….
Por outro lado, o condutor do IB, apesar de se ter demonstrado que não vinha acima da velocidade imposta para o local, vinha animado de uma velocidade excessiva para o local em questão, depois de uma lomba e antes de um entroncamento.
E, repare-se, era imposto ao condutor do IB um especial dever de adequação da velocidade ao local o que o mesmo manifestamente não fez. Se o tivesse feito, teria conseguido imobilizar o veículo automóvel antes de embater no motociclo.
Outrossim, é importante fazer notar que o embate ocorre na hemi-faixa de rodagem contrária à que circulava o IB. Quer isto dizer, que o embate não teria ocorrido caso o IB não tivesse invadido a hemi-faixa de rodagem contrária.
Tudo sopesado, pensamos que a contribuição dos dois condutores para a produção do evento é similar, razão pela qual se considera adequada uma repartição da culpa em 50% para cada um dos condutores, artigo 487º do Código Civil.”
Ao sufragarmos, no essencial, a fundamentação vertida na sentença apelada, entendemos sublinhar o enquadramento jurídico perfilhado, antecipando, desde já, a falta de fundamento das alegações consignadas no recurso interposto pelo Autor/B….
Cotejada a facticidade tida por demonstrada, retiramos com interesse para a apreensão da dinâmica que envolveu o articulado acidente que “no dia 6 de Abril de 2013, pelas 09,45 horas, ocorreu um evento estradal na Estrada Nacional nº. …, ao quilómetro 4.3, na freguesia de …, Comarca de Oliveira de Azeméis, no qual foram intervenientes o motociclo de matrícula ..-..-EA, conduzido pelo Autor, e veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-IB, conduzido por D… e segurado da Ré.
Mais se apurou que a Estrada Nacional nº. …, no local do evento, configura um troço de recta, com uma extensão superior a trezentos (300,00) metros, sendo que a sua faixa de rodagem tem uma largura de cerca de 8,00 metros, com piso pavimentado a asfalto, estando, na ocasião, limpo, seco e em bom estado de conservação.
No preciso local do evento, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. … configura um entroncamento, pois, pela sua margem esquerda, tendo em conta o sentido … – …, conflui com ela, de modo a formar um ângulo recto, a Rua ….
Ademais, para quem se situa no entroncamento referido, consegue avistar a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. …, no sentido … – …, ao longo de uma distância não superior a 60 metros; e no sentido oposto, ao longo de uma distância superior a 200 metros.
Mais se demonstrou que na EN n.º …, sentido … – …, cerca de 60 metros antes do entroncamento, existe uma lomba alta que apenas permite a visibilidade para a frente da via, depois de ter sido percorrida, sendo que para quem circula pela Rua … em sentido convergente em relação ao dito entroncamento, existia, à data do sinistro, no topo desta via, no local da confluência com a E. N. nº. …, um sinal de forma octogonal, com a orla branca e o fundo de cor vermelha, sobre o qual se encontrava pintada a cor branca, a inscrição “STOP”.
Acontece que nas referidas circunstâncias temporais, o Autor desenvolvia a sua marcha na Rua … no sentido convergente em relação à faixa de rodagem da EN nº. …, e pretendia penetrar, com o referido veículo, na faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. … e efectuar a manobra de mudança de direcção à sua esquerda, com vista a prosseguir a sua marcha, pela faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. …, no sentido … – …. Ao chegar ao referido entroncamento, o Autor abrandou o ritmo de marcha do seu motociclo e, seguidamente, parou, por forma a atentar no restante trânsito, pretendendo aceder ao aludido entroncamento.
Está também adquirido processualmente que, nesse momento, o Autor olhou para a EN n.º … em direcção a … e certificou-se de que nenhum veículo circulava nessa via e, acto contínuo, olhou para o lado direito da via, em direcção a …, arrancou e, simultaneamente, apercebeu-se de que o veículo IB apareceu no seu campo de visão. Acto contínuo, o Autor travou e imobilizou o motociclo, tendo ficado parado a cerca de 1,5 metro do eixo da via. Ao deparar-se com o motociclo conduzido pelo Autor imobilizado na faixa de rodagem destinada ao trânsito que se processava em sentido contrário ao seu, o condutor do veículo IB, travou a fundo e perdeu o controlo do veículo que conduzia, invadindo a faixa de rodagem destinada ao sentido contrário ao tomado por si, ultrapassando a linha longitudinal contínua existente no local, indo embater no motociclo conduzido pelo Autor, sendo que o embate ocorreu na faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito … – ….
Ademais, ficou demonstrado que o limite de velocidade naquele local, para quem circulava na EN n.º …, era de 70 Km/h. Outrossim, ficou apurado que antes do local do embate, o veículo automóvel ligeiro de passageiros conduzido pelo D… deixou, marcados no pavimento da hemi-faixa de rodagem do lado esquerdo, tendo em conta o sentido … – … rastos de travagem, com um comprimento de 21,70 metros, sendo que o veículo IB vinha animado de uma velocidade não concretamente apurada mas que se situa entre os 50 Km/h e os 60 Km/h.
O autor pretendia que o EA circulasse em direcção à hemi-faixa de rodagem da direita da EN …, atento o sentido de marcha …/…, ou seja, numa trajectória de atravessamento da linha de marcha do IB, sendo que por força do embate ambos os veículos acabaram por se imobilizar sensivelmente no local onde o mesmo ocorreu, a par de que os rastos de travagem tiveram início na hemi-faixa de rodagem da direita, atento o sentido de marcha do IB.”
Sublinhamos que estamos no domínio da responsabilidade civil extracontratual, no campo dos acidentes de viação onde vigora o princípio geral do artº. 483°, do Código Civil, com a especificidade que de acordo com o artº. 487°, do citado diploma é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.
Não sofre dúvidas que a lei distingue (no campo mais geral da responsabilidade extracontratual), entre responsabilidade civil por factos ilícitos – artº. 483º, e seguintes, do Código Civil - e responsabilidade pelo risco – artºs. 499°, a 510° do mesmo diploma - sem prejuízo de, na regulamentação desta, fazer apelos à culpa, como acontece nos artºs. 500°, n°. 3, 503º n°. 3, e 506°, todos do Código Civil, e de mandar cumprir, na parte aplicável e na falta de preceitos legais em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos - artº. 499°, do Código Civil.
A responsabilidade por factos ilícitos, com base na culpa, é a regra, pois só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei - artº. 483°, n°. 2, do Código Civil.
É ao lesado que incumbe provar os pressupostos fixados no n°. 1, do artº. 483°do Código Civil, designadamente, a culpa, salvo quando haja presunção legal da mesma - artº. 487°, n°. 1, do Código Civil - pois, quem tem a seu favor presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz - artº. 350°, n°. 1, do Código Civil.
Na falta de outro critério legal, a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família face às circunstâncias do caso - artº. 487°, n°. 2, do Código Civil.
O elemento básico da responsabilidade é o facto do agente - um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana - pois só quanto a factos dessa índole têm cabimento a ideia da ilicitude, o requisito da culpa e a obrigação de reparar o dano nos termos em que a lei a impõe - neste sentido, A. Varela, apud, Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª edição, página 545.
Todavia, fundamental na responsabilidade por factos ilícitos, por culpa, além da ilicitude (elemento objectivo, o autor agiu objectivamente mal), é essencial concluir que a conduta do lesante se pode considerar reprovável, censurável.
Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo, neste sentido, A. Varela, ob. cit., página 582.
A questão trazida a Juízo contende com a ilicitude e com o nexo de imputação do facto ao agente, ou seja, da infracção e da culpa.
A ilicitude é sempre algo contrário ao direito, neste sentido, Pessoa Jorge, apud, Pressupostos, página 61.
Integram-na, por isso, todos e quaisquer actos ou omissões, que violem disposições da lei, do interesse e ordens públicas, ou normativos destinados a proteger interesses de terceiros.
Dispõe o artº. 3º, do Código da Estrada, sobre a liberdade de trânsito, no seu nº. 2, que “As pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança, a visibilidade ou a comodidade dos utilizadores das vias, tendo em especial atenção os utilizadores vulneráveis.”
Por outro lado, estatui o artº. 29º, do Código da Estrada acerca do princípio geral da cedência de passagem no trânsito de veículos e animais que “O condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar, ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direcção deste” (nº. 1), a par de que “O condutor com prioridade de passagem deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito.” (nº. 2)
Outrossim, uma vez demonstrado nos autos que o veículo conduzido pelo Autor circulava por uma via está colocado um sinal de STOP, destinado aos veículos que aí circulam, convirá consignar a previsão legal sobre esta sinalética estradal, fazendo alusão ao disposto no Decreto Regulamentar nº. 22-A/98 de 1 de Outubro, sinal vertical B2, donde se colhe que o sinal “Stop” impõe uma paragem obrigatória numa confluência de vias e uma cedência absoluta de passagem, isto é, obriga o condutor a parar antes do cruzamento ou entroncamento e a ceder passagem aos veículos que transitem na via onde vai entrar.

O Autor, condutor do motociclo deveria circular, de harmonia com as plasmadas regras do direito estradal, não o tendo feito, porém, conforme apurado nos autos, pelo que, fácil se torna concluir que violou as citadas disposições e respectivas normas imperativas, preenchendo o requisito da ilicitude.
Por outro lado, estabelece o artº. 24º, do Código da Estrada que “o condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.”
Anotamos também que o artº. 25º, do Código da Estrada estatui que, “sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade: h) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida” e o artº. 43º, do Código da estrada prescreve que “o condutor que pretenda mudar de direcção para a direita deve aproximar-se, com a necessária antecedência e quanto possível, do limite direito da faixa de rodagem e efectuar a manobra no trajecto mais curto” estabelecendo, por seu turno, o artº. 13º, nº.1 do Código da Estrada que “a posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes.”
Donde, subsumida a facticidade apurada e já consignada, elementar se torna concluir que o condutor do veiculo IB, segurado da Ré, deveria também circular, observando as anotadas regras estradais, pelo que, não o tendo feito, e ao desconsiderar as citadas disposições e respectivas normas imperativas, preencheu o requisito da ilicitude.
Conforme já adiantamos, fundamental na responsabilidade por factos ilícitos, por culpa, além da ilicitude, é essencial concluir que a conduta do lesante se pode considerar reprovável, censurável.
Assim, é fácil concluir, como, aliás, concluímos, que o condutor do veículo segurado da Ré e o Autor violaram as citadas disposições e respectivas normas imperativas, preenchendo o requisito da ilicitude.

Sublinhamos que na responsabilidade por factos ilícitos, por culpa, além da ilicitude, a conduta do lesante deve ser reprovável, censurável.
O nexo de imputação do facto ao agente, ou seja, a culpa, merecer-nos-á análise detalhada.
Ao Autor, conduzindo o seu motociclo, impunha-se uma paragem obrigatória numa confluência de vias e uma cedência absoluta de passagem, isto é, obriga o condutor/Autor a parar antes do entroncamento e a ceder passagem aos veículos que transitem na via onde vai entrar, de modo que não pusesse em perigo a circulação dos outros veículos.
Acaso tivesse cedido a passagem ao veículo IB, segurado na Ré, que transitava na via por onde pretendia circular, certamente teria evitado o acidente.
O Autor, porém, não se coibiu de circular nos termos consignados, bem sabendo que punha em perigo, como pôs, o tráfego que se fazia sentir na aludida artéria, violando, pois, um dos mais elementares deveres estradais.
Observa-se, contudo, que no caso trazido a Juízo, deu-se, inclusivamente, como provado que o Autor parou no sinal STOP que se lhe apresentava, e só depois é que acedeu à via, sendo que ao aceder a essa via, o Autor não se certificou de que não vinha qualquer veículo do sentido de ….
No que tange ao comportamento do condutor do veiculo IB, segurado na Ré, temos que este, apesar de se ter demonstrado que não vinha acima da velocidade imposta para o local, vinha animado de uma velocidade excessiva para o local em questão, tendo em consideração que circulava depois de uma lomba e antes de um entroncamento, impondo-se ao condutor do veiculo IB, segurado na Ré, um especial dever de adequação da velocidade ao local, o que o mesmo não fez, pois, se o tivesse feito, teria conseguido imobilizar o respectivo veículo automóvel antes de embater no motociclo, sendo de sublinhar que o embate ocorre na hemi-faixa de rodagem contrária à que circulava o veiculo IB, segurado da Ré, pelo que, também por esta razão, o embate não teria ocorrido caso o veículo IB, segurado na Ré, não tivesse invadido a hemi-faixa de rodagem contrária ao respectivo sentido de marcha.
Haverá, assim, que apreciar qual(ais) das condutas mencionadas são culposas, e em que termos, fazendo apelo aos considerando supra enunciados.
A culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência que é de aferir em abstracto pela diligência de um bom pai de família, como dispõe o artº. 487º, nº. 2, do citado Código Civil.
Não interessa a diligência que o lesante costuma usar. Interessa, sim, compará-la com a diligência do homem médio, do ponto de vista deontológico que é um padrão ideal, isento de defeitos de actuação tão frequentes no homem comum, neste sentido, entre outros Oliveira Matos, apud, Acidentes de Viação, página 339.
Por outras palavras, é o nexo de imputação ético - jurídico que liga o facto jurídico ilícito à vontade do agente, ou seja, a actuação deficiente, censurável, reprovável, abstraindo da pessoa do destinatário do dever violado, neste sentido, entre outros, Professor A. Varela, apud, Revista Legislação e Jurisprudência, ano 102º/60.
Ora, na condução de veículos deve o agente usar o cuidado, a serenidade e presença de espírito de um condutor hábil.
E, todo o condutor medianamente informado deve saber e têm a obrigação disso, que é sua obrigação parar, uma vez que se lhe depara um sinal de STOP, na via por onde circula, e, ao recair sobre si, o dever de ceder a passagem, importará abrandar a marcha, mesmo parar, para permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direcção deste, de modo a que não ponha em perigo a circulação dos outros veículos e peões, e que ao deixar de fazê-lo põe em perigo o tráfego que se faz sentir na estrada, violando, assim, sublinhamos, um dos mais elementares deveres estradais, outrossim, todo o condutor tem um especial dever de adequação da velocidade ao local onde circula e deve saber que a posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes, sob pena de pôr em perigo o tráfego que se faz sentir na estrada.
Ao ofender aqueles princípios de diligência, o condutor do veículo segurado da Ré, e o Autor, enquanto condutor do motociclo, agiram com culpa.
Analisemos, então, em que medida os aludidos comportamentos estradais, contribuíram para a produção do acidente ajuizado, sendo inequívoca a concorrência de culpas, quer do condutor do veículo segurado da Ré, quer do Autor, lesado, condutor do motociclo interveniente no acidente.
Se bem vemos esta questão, quer o Autor, condutor do motociclo EA, quer condutor do veículo IB, segurado na Ré, contribuíram decisivamente para a produção do acidente, praticando, por comparação, graves contravenções estradais, importando, a este propósito sufragar o entendimento do Tribunal recorrido ao consignar “No caso concreto, ambos os condutores violaram normas estradais que, de uma forma, não só relevante como decisiva, motivaram o choque dos veículos, naquela fracção de segundo. É que, se o autor tinha a obrigação de se certificar de que não circulava qualquer veículo na via para onde pretendia aceder o que manifestamente não fez; também o condutor do IB tinha a obrigação de circular na sua hemi-faixa de rodagem e a uma velocidade adequada às circunstâncias da via.
Repare-se que, no caso concreto, não se provou que o autor tivesse desrespeitado o sinal STOP existente no entroncamento. Deu-se até como provado que o autor parou nesse sinal e só depois acedeu à via. Acontece que, ao aceder a essa via, o autor não se certificou de que não vinha qualquer veículo do Sentido …. Por outro lado, o condutor do IB, apesar de se ter demonstrado que não vinha acima da velocidade imposta para o local, vinha animado de uma velocidade excessiva para o local em questão, depois de uma lomba e antes de um entroncamento.
E, repare-se, era imposto ao condutor do IB um especial dever de adequação da velocidade ao local o que o mesmo manifestamente não fez. Se o tivesse feito, teria conseguido imobilizar o veículo automóvel antes de embater no motociclo.
Outrossim, é importante fazer notar que o embate ocorre na hemi-faixa de rodagem contrária à que circulava o IB. Quer isto dizer, que o embate não teria ocorrido caso o IB não tivesse invadido a hemi-faixa de rodagem contrária.”
Flui do exposto que o condutor do veículo IB, segurado na Ré, e o Autor, agiram ilícita e culposamente, sendo co-responsáveis, pela eclosão do acidente, sendo que esta co-responsabilidade repercutir-se-á na esfera jurídica da Ré, enquanto seguradora, sendo que da apurada dinâmica do acidente ajuizado sempre se deverá concluir por igual contribuição do condutor do veículo IB, segurado na Ré, e do Autor, na eclosão do acidente, sufragando a argumentação do aresto recorrido, sublinhando-se que a prioridade do condutor do veículo IB, segurado na Ré, não é, de todo, absoluta.
A factologia enunciada legitima o juízo de censura aos comportamentos estradais do condutor do veiculo segurado na Ré e do Autor condutor do motociclo, permitindo considerar a concausalidade reconhecida, importando a contribuição, de cada um dos condutores, na proporção de 50%, para a eclosão do acidente articulado.
Atendendo ao quadro normativo e doutrinal que acabamos de enunciar, conjugado com a facticidade demonstrada nos autos, entendemos que não merece qualquer censura a reconhecida contribuição ou responsabilidade na eclosão do acidente ajuizado, questionada pelo Apelante/ Autor/B…, pelo que, neste particular, improcederão as conclusões tempestivamente formuladas.

II. 3.3. (a) Deve ser atribuída ao Autor, autónoma indemnização pelos danos futuros decorrentes da incapacidade permanente geral de que ficou a padecer, em virtude do acidente ajuizado, (b) outrossim, o valor que lhe foi atribuído, a título de compensação dos danos de natureza não patrimonial, peca por defeito, impondo-se como justo e equilibrado o montante global de €17.500,00 (b)? (3)
(a) Cuidaremos, de seguida dos danos, designadamente, os danos futuros decorrentes da incapacidade permanente geral de que o Autor/B… ficou a padecer, em virtude do acidente ajuizado, outrossim, dos danos de natureza não patrimonial, cujo valor reconhecido em 1ª Instância, foi também posto em causa, conforme se retira das questões suscitadas no recurso interposto pelo Apelante/Autor/B….
Sublinhamos que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter na sequência da lesão – Código Civil artº. 564º, nº. 1 - é o que se designa por danos emergentes e lucros cessantes.
Na fixação da indemnização pode o Tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, importando que o dano patrimonial compreenda também as utilidades futuras e simples expectativas de aquisição de bens.
O dano pode advir de dois modos, quer privando o terceiro daquilo que tem, quer impedindo-o de adquirir o que estava a caminho de ter.
Nos termos do artº. 564º, nº. 2, do Código Civil, deve atender-se aos danos futuros, desde que previsíveis, contemplando esta previsão a reparação dos danos emergentes plausíveis.
Se não puder ser quantificado, em termos de exactidão, o montante desses danos, julgará o tribunal equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados, de acordo com o disposto no artº. 566º, nº. 3, do Código Civil.
No caso de o lesado ter ficado afectado de uma Incapacidade permanente geral, como no caso ajuizado, podem configurar-se duas hipóteses, quais sejam; o lesado viu diminuída a sua capacidade de ganho efectiva (hipótese que apenas ocorrerá no caso de o lesado ficar afectado de um grau de incapacidade muito elevado), tendo, por virtude disso, direito a ser ressarcido desses prejuízos, devendo o quantum indemnizatório ter correspondência efectiva com esses prejuízos reais, ainda que futuros; o lesado não sofreu diminuição nos seus proventos - a capacidade de trabalho foi afectada, mas os rendimentos do trabalho mantém-se inalteráveis. Nesta circunstância, como vem sendo entendido pela Jurisprudência, esse dano deve ser também indemnizado, quer porque o lesado efectuará um esforço acrescido para exercer a sua profissão, quer por ver diminuída a sua valorização no mercado do trabalho.
No caso dos autos, apurou-se que, em consequência das lesões advindas do ajuizado acidente, o Autor ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, fixável em 5 pontos, sendo que as enunciadas sequelas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, implicando, porém, esforços suplementares, ademais, demonstrado ficou nos autos que o Autor tinha, à data do acidente, 44 anos, e, à data do acidente auferia do trabalho um vencimento mensal de €1.067,62, acrescido de um prémio de €244,00.

Contrariamente ao sustentado na sentença recorrida ao reconhecer que a incapacidade permanente geral de 5 pontos de que o Autor ficou a padecer em razão do acidente ajuizado, sem que as lesões tivessem determinado diminuição do seu rendimento, implicando apenas esforços suplementares, encerra um dano que não assume uma dimensão valorizável autonomamente para efeitos profissionais, mas apenas no domínio dos actos gerais da vida diária, a compensar em sede de danos não patrimoniais, entende este Tribunal ad quem que o dano apurado, lesivo da integridade físico-psíquica, é um verdadeiro dano primário, porque afecta o bem saúde, é um dano patrimonial, enquanto dano sucessivo, sendo indemnizável as perdas económicas, quer os danos emergentes, quer os lucros cessantes, causadas pela lesão.
Assim, ao lesado que fica a padecer de determinada incapacidade permanente geral, sendo a força de trabalho um bem patrimonial, uma vez que propicia rendimentos, a incapacidade permanente geral é, consequentemente, um dano patrimonial, importa reconhecer-lhe o direito a indemnização por danos futuros, danos que a lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis – artº. 564º, nº. 2, do Código Civil, sendo os danos previsíveis a que a lei se reporta, essencialmente, os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso da perda da capacidade produtiva por banda de quem trabalha ou até o maior esforço que, por via da lesão e das suas sequelas, terá que passar a desenvolver para obter os mesmos resultados.
A incapacidade permanente geral, é, pois, de per si, um dano patrimonial indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra e se encontrará na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, sendo indemnizável, quer a incapacidade que acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais.
Como calcular a indemnização, assente a incapacidade permanente geral de 5 pontos de que padece o Autor, a idade de 44 anos do Autor, à data do acidente, e o seu rendimento do trabalho (vencimento mensal de €1.067,62, acrescido de um prémio de €244,00), é a questão que se coloca e que urge responder.
Atendendo à delicadeza desta realidade, com a qual somos confrontados, deitamos mão da previsão legal contida no n°. 3, do artº. 566°, do Código Civil, daí que haja que recorrer à equidade ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos.
Perante a constatação das dificuldades associadas à fixação do montante indemnizatório para reparação dos danos futuros, traduzidos em lucros cessantes, há que firmar caminho seguro na apreciação desta temática.
Recorre-se, assim, à equidade, que pressupõe uma solução em sintonia com a lógica e o bom senso, com apelo às regras da boa prudência, da criteriosa ponderação das realidades da vida, na esteira, aliás, da apreciação dos danos não patrimoniais, sem submissão, porém, a critérios subjectivos de ponderação, tendo sempre em devida conta a gravidade do dano, confiando-se no prudente arbítrio do tribunal que visará alcançar a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, de forma que se tenha em conta, mais uma vez sublinhamos, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
Assim sendo, no caso em apreciação, serão indemnizáveis os danos patrimoniais futuros decorrentes das sequelas físicas e funcionais que o Autor, por virtude do acidente, sofreu e de que padece ainda, sendo que o correspondente valor indemnizatório há-de ser calculado tendo por base uma ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida e que não colida com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade.
No caso vertente, haverá que privilegiar fundamentalmente a natureza, extensão e gravidade das sequelas funcionais resultantes do acidente para o Autor, a idade que o mesmo tinha à data do acidente, e o rendimento do trabalho que auferia.
Considerando a idade do Autor à data do acidente, a esperança média de vida, o grau de défice funcional de que ficou afectado por virtude das lesões causadas pelo acidente e o valor do rendimento do trabalho, cremos que se ajusta atribuir ao Autor pelo dano sofrido traduzido na incapacidade permanente geral de 5 pontos, mas que não se traduziu numa efectiva perda de ganho por parte do lesado, uma vez que não o impede de prosseguir a sua actividade profissional ou qualquer outra, apenas acrescidos esforços para obter o mesmo resultado, reconhecemos que a reparação desses danos deve ser feita em termos específicos, como um dano biológico, sem se ficcionar um qualquer dano patrimonial futuro tendo por base a retribuição auferida, pois, como já adiantamos, admite este Tribunal ad quem, ser indemnizável, quer a incapacidade que acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer implique apenas um esforço acrescido para manter os níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo resultado.
Dirimir segundo a equidade significa dar a um conflito a solução que parecer mais justa, atendendo apenas às características da situação, pelo que, julgamos adequado atribuir a indemnização de €3.000,00 pelo dano sofrido pelo Autor traduzido no défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, fixável em 5 pontos, com sequelas que não têm repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares (incapacidade permanente geral [I.P.G.] de 5 pontos)
Por todo o exposto temos de convir que o Tribunal a quo andou mal ao reconhecer que a incapacidade permanente geral (I.P.G.) de 5 pontos de que o Autor ficou a padecer em razão do acidente ajuizado, sem que as lesões tivessem determinado diminuição do seu rendimento, implicando apenas esforços suplementares, encerrava um dano que não assume uma dimensão que possa ser valorizada autonomamente para efeitos profissionais, mas apenas no domínio dos actos gerais da vida diária, cuja apreciação foi levada a cabo em sede de compensação dos danos não patrimoniais.
Reconhece, pois, este Tribunal de recurso o consignado dano, como um dano patrimonial, cuja indemnização fixa em €3.000,00 (sendo de atribuir ao Autor a quantia de €1.500,00, em virtude da reconhecida repartição de culpas na eclosão do acidente, cabendo ao segurado da Ré 50%).
Considerando que na sentença em escrutínio, foi fixada uma indemnização de €15.000,00 (atribuindo ao Autor a quantia de €7.500,00, em virtude da reconhecida repartição de culpas na eclosão do acidente, cabendo ao segurado da Ré 50%), a título de danos não patrimoniais, onde se incluía o valor da indemnização a favor do Autor, em razão do sofrido défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, fixável em 5 pontos, com sequelas que não têm repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, implicando, porém, esforços suplementares (incapacidade permanente geral [I.P.G.] de 5 pontos), sem que tivesse sido concretizado qualquer valor parcelar a este respeito, antes a fixação daquele montante global de €15.000,00 (atribuindo ao Autor a quantia de €7.500,00, em virtude da reconhecida repartição de culpas na eclosão do acidente, cabendo ao segurado da Ré 50%), por todos os danos que o Tribunal a quo reconheceu como não patrimoniais, a decisão que ora se toma em reconhecer o consignado dano biológico, como um dano patrimonial, com autónoma consideração e fixação da indemnização a esse título, no caso, em €3.000,00 (sendo de atribuir ao Autor a quantia de €1.500,00, em virtude da reconhecida repartição de culpas na eclosão do acidente, cabendo ao segurado da Ré 50%), importará na sequência do que infra também se reconhecerá, uma reponderação do valor a fixar em termos de indemnização pelos danos não patrimoniais.
(b) O Apelante/Autor/B… questiona também, neste segmento do interposto recurso, o valor global atribuído pelos danos não patrimoniais sofridos, que em sua opinião, peca por defeito, devendo ser fixado no montante global de €17.500,00, sendo este o valor, que, em seu entender, se perfila como mais justo e equilibrado, atentos os danos sofridos e tendo em conta a aplicação dos critérios legais, concretamente, se se atender às características do acidente e aos factores que devem ser considerados na fixação deste tipo de indemnização, face às dores e padecimentos físicos e psíquicos sofridos pelo Autor; quantum doloris e deformidades corporais notáveis (estéticas, físicas e funcionais) de carácter persistente para si advenientes, atentas as específicas sequelas e demais circunstancialismo resultante da factualidade assente, designadamente, a idade do lesado ao tempo do evento a gravidade das lesões sofridas.
Sendo o nexo causal, um dos pressupostos da responsabilidade civil o nosso ordenamento jurídico acolheu nos artºs. 483º, e 563º do Código Civil a teoria da causalidade adequada, reportando-se esta a “todo o processo causal, a todo o encadeamento de factos que, em concreto, deram origem ao dano, e não à causa/efeito, isoladamente considerados”, neste sentido, Professor Pessoa Jorge, apud, Ensaio Sobre Responsabilidade Civil, defendendo, de igual modo, Professor Antunes Varela, apud, Das Obrigações em Geral, volume I, página 865 “do conceito de causalidade adequada pode extrair-se, desde logo, como corolário, que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”.
Reiteramos que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artº. 562º do Código Civil) é o que se designa pelo principio da reparação in pristinum, consagrando este normativo, o princípio da reconstituição natural, entendendo-se por dano, sufragando o Professor Antunes Varela, apud, Das Obrigações em Geral, I, 7ª edição, página 591, “a perda “in natura” que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar”.
A indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou, seja excessivamente onerosa para o devedor – Código Civil - artº. 566º, nº. 1 – sendo que a indemnização pecuniária tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existisse danos – Código Civil - artº. 566º, nº. 2 - .
Na particular quantificação do dano não patrimonial, observamos, desde já, que aqui não entram considerações do “perder” ou “ganhar”, mas do “sentir”, razão pela qual não rege a teoria da diferença, nem faz sentido o apelo ao conceito de dano de cálculo, pois que a indemnização/compensação do dano não patrimonial não se propõe remover o dano real, nem há lugar a reposição por equivalente.

Apreciemos, porque ao caso sub iudice interessa, as singularidades atinentes ao ressarcimento dos danos não patrimoniais.
Na feliz enunciação do Professor Mota Pinto, apud, Teoria Geral do Direito Civil, página 86, os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial “são infungíveis, não podendo ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro (…) em virtude da aptidão (diga-se, do dinheiro) para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses.”
Sempre que se trate de compensar a dor física ou a angústia moral, sofrida pelo lesado, atender-se-á ao critério pelo qual a quantia em dinheiro há-de permitir alcançar situações ou momentos de prazer bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade dessa respectiva dor, sem descurar que a obrigação de ressarcir os danos morais tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória.
Aos danos não patrimoniais refere-se o nº. 1, do artº. 496º, do Código Civil, ao estabelecer que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, sendo que no dizer do Professor Antunes Varela, apud, Das Obrigações em Geral, volume I, página 628, 9ª edição “a gravidade deve ser apreciada objectivamente.” De acordo com o nº. 3, deste preceito legal, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º...”.
Assim, reconhecemos que, como critério para a determinação equitativa dos danos não patrimoniais sofridos, há que atender à natureza e intensidade do dano causado, ao grau de culpa do lesado e demais circunstâncias que seja equitativo ter em conta, entre estas, doutrina e a jurisprudência, apontam a idade e sexo da vítima, a natureza das suas actividades, as incidências financeiras reais, possibilidades de melhoramento, de reeducação e de reclassificação … Daqui decorre que quanto à fixação do montante compensatório pelos danos não patrimoniais, a lei remete para juízos de equidade, haja culpa ou dolo.

A propósito da equidade, e na ausência de uma definição legal, a doutrina sublinha que o julgamento pela equidade “é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição”, neste sentido, Professor Menezes Cordeiro, in, O Direito, 122º/272.
O julgamento “ex aequo et bono” apela a um juízo de oportunidade, de justiça concreta, sem deixar de aplicar os critérios gerais do sistema, mas agora tendo por referência decisiva as necessidades de justiça que o concreto caso reclama. A equidade encerra um mecanismo de adaptação da lei às circunstâncias do caso concreto, a usar pelo juiz, aquando da aplicação do direito, permitindo-lhe adaptar a própria lei ao caso concreto, sendo que a equidade opera, em todo o caso, não apenas a respeito de normas jurídicas, mas também no momento de apreciar a prova dos factos, neste sentido, Alejandro Nieto, apud, El Arbitrio Judicial, Barcelona, 2000, págs. 234 e 235.
Nos presentes autos, e no que a esta particular questão da indemnização por danos não patrimoniais respeita, o Tribunal a quo considerou como demonstrado:
“Como consequência directa e necessária do embate supra descrito, o autor sofreu fractura da coluna lombar – vertebra L3 com depressão da plataformica somática – sem retrodesvio do muro posterior e sem fractura do arco neural posterior, traumatismo das costelas, traumatismo do tórax, dos membros superiores e inferiores, assim como diversas escoriações e hematomas espalhados pelo corpo todo;
Verificava-se, também, estenose canalar central em L3 / L4 e protrusão discal póstero lateral esquerda em L5 /S1, com compressão da raíz S1 esquerda;
O A. foi transportado, de ambulância, para o Centro Hospital …, EPE. - Hospital … em Santa Maria da Feira, plano duro e com aposição de um colar cervical, onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respectivo Serviço de Urgência;
Foram-lhe, aí, efectuadas limpezas cirúrgicas, à região das escoriações e feridas sofridas, tendo efectuado penso na região nadegar;
Foram-lhe efeituados exames radiológicos;
Foram-lhe efectuadas desinfecções às feridas e às escoriações sofridas;
E foram-lhe efectuadas curativos às escoriações e às feridas sofridas;
Nesse mesmo dia, foi explicado ao autor que, entre outras lesões, tinha uma fractura na coluna, (um elo da coluna que tinha um desvio de 3cm);
Foram-lhe, aí, prescritos medicamentos vários;
Nomeadamente, analgésicos e anti-inflamatórios;
Os quais o Autor se viu na necessidade de ingerir;
Durante o período de tempo de internamento e de permanência do Centro Hospital …, EPE. - Hospital … em Santa Maria da Feira, o Autor manteve-se, permanentemente, retido no leito;
Sempre deitado, de costas e sem se poder virar, na cama;
Foi, no leito, que, ao longo do referido período de tempo, tomou todas as suas refeições;
Que lhe eram servidas por uma terceira pessoa;
E foi, também, no leito que sempre fez todas as suas necessidades;
Com o auxílio de uma aparadeira;
Que lhe era servida por uma terceira pessoa, de que não podia prescindir;
Fez múltiplos exames radiológicos;
Fez análises clínicas;
O Autor manteve-se internado nessa unidade hospitalar até às 20 horas do dia 8 de Abril de 2013;
O Autor teve alta hospitalar, com a indicação de repouso total – repouso no leito – não fazer esforços nem pegar em pesos – utilizar lombostato devendo retirar e colocar deitado – não fazer rotação nem flexão da coluna e vigiar alterações neurológicas;
Regressado à sua casa de residência, o Autor manteve-se retido no leito, ao longo de um período de tempo de duas semanas;
Tendo se ser acompanhado por terceira pessoa que tratava da sua alimentação e higiene – que o ajudava a ir à casa de banho, lhe dava banho e a vestir-se e calçar-se;
O Autor só saia de casa para consultas médicas, exames e tratamentos;
Pois tinha muitas dores na coluna e na zona em que se verificou a fractura, que o impossibilitavam de se locomover sem ajuda de terceiros;
E mesmo assim, só o conseguia com muito esforço;
Em 23 de Maio de 2013, o autor deslocou-se a uma consulta ao Centro Hospitalar …, E.P.E. – Hospital …, em Santa Maria da Feira, a uma consulta externa que lhe tinha sido previamente marcada;
Nesta consulta, o clínico referiu que se mantivesse com a cinta elástica para que a fractura consolidasse, aguardando-se a sua evolução. Assim, em 11 de Maio de 2013, o autor deslocou-se a uma nova consulta externa ao Centro Hospitalar …, E.P.E. – Hospital …, em Santa Maria da Feira, tendo sido submetido a um RX à coluna lombo-sagrada;
Tendo-se verificado que a fractura estava a consolidar de forma correta, mas aconselharam o autor a manter-se em descanso;
Recomeçou a trabalhar no dia 27 de Maio de 2013, sendo que se encontrou de baixa médica e impossibilitado para o trabalho desde o dia do acidente – 6 de Abril a 27 de Maio;
Quando reiniciou o trabalho, o Autor começou por efectuar tarefas que não implicassem muito esforço físico nem rotação e flexão do tronco;
No entanto, e mesmo assim, as dores foram-se progressivamente agravando, implicando mesmo que o autor tivesse que fazer intervalos de descanso;
Perante tal facto, o Autor recorreu a uma nova consulta na Unidade de Saúde Familiar, tendo-se verificado a impossibilidade absoluta para o trabalho, ainda por via das lesões e sequelas advindas com o presente sinistro;
Tendo-lhe sido concedida baixa médica – uma primeira desde 2 de Julho a 13 de Julho de 2013;
E uma segunda desde 14 de Julho a 12 de Agosto de 2013;
Em 18 de Julho de 2013, o Autor deslocou-se a uma consulta no Centro Hospitalar …, E.P.E. – Hospital …, a fim de avaliar a sua situação clínica, tendo sido prescrito ao Autor a realização de tratamentos de fisioterapia – Medicina Física e Reabilitação – todas as segundas, quartas e sextas, até Setembro – data da próxima consulta;
O Autor já se deslocou aos tratamentos de fisioterapia no dia 19 e no dia 22 de Julho de 2013;
O autor, no momento da ocorrência do atropelamento e nos instantes que se seguiram sofreu um enorme susto;
Receou pela própria vida;
O autor tinha, à data do acidente, 44 anos pois nasceu em 25 de Abril de 1968;
O autor sofreu dores muito intensas localizadas ao nível da cervical, ombros e do tórax;
O Autor sofreu, além disso, os incómodos inerentes ao internamento hospitalar, à permanência no leito e aos tratamentos médicos a que foi sujeito;
E sofreu a privação da sua liberdade pessoal, inerente a esse período de tempo de acamamento, na sua casa de habitação;
À data do acidente, o A era um homem saudável;
Desde a data da instauração da presente acção até 3 de Setembro de 2013, o autor efectuou, no Centro Hospitalar … – unidade de Santa Maria da Feira, os seguintes tratamentos: 18 Massagens Manuais; 18 Estimulações Elétricas dos pontos motores;

Nesse dia 3 de Setembro de 2013, o autor deslocou-se a uma consulta externa nessa unidade hospitalar, tendo sido submetido a um RX à coluna lombo sagrada – 2 incidências;
Nessa altura, foi prescrita a continuação dos tratamentos médicos ao Autor;
Assim, desde a data de 3 de Setembro de 2013 até 22 de Outubro de 2013, o autor efectuou, no Centro Hospitalar … – unidade de Santa Maria da Feira, os seguintes tratamentos: 15 Massagens Manuais; 15 Estimulações Eletricas dos pontos motores;
Nesse dia 22 de Outubro de 2013, o autor deslocou-se a uma consulta externa nessa unidade hospitalar, tendo sido submetido a um RX à coluna lombo sagrada – 2 incidências;
Nessa altura, foi prescrita a continuação dos tratamentos médicos ao Autor;
Desde a data de 22 de Outubro até 22 de Novembro de 2013, o autor efectuou, no Centro Hospitalar … – unidade de Santa Maria da Feira, os seguintes tratamentos: 8 Massagens Manuais; 8 Estimulações Eléctricas dos pontos motores;
Como consequência directa e necessária do evento estradal o autor apresenta as seguintes sequelas:
- Ráquis: apresenta mobilidade dolorosa ao nível da coluna lombar com os movimentos activos. Sem deformidades ou atrofias musculares ao nível do dorso e dos membros inferiores. Prova Lasegue positiva bilateralmente na posição deitado. Reflexo rotuliano e aquiliano sem alterações;
A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 21-11-2013;
- Período de Défice Funcional Temporário Total sendo assim fixável num período de 230 dias;
- Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total sendo assim fixável num período total de 230 dias;
- Quantum Doloris fixável no grau 4/7;
- Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos;
- As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.”
Sublinhamos que o valor compensatório a atribuir há-de ser calculado com base em critérios de equidade assente numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida e que não colida com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade.

Ao liquidar o dano não patrimonial, o Tribunal deve levar em conta os sofrimentos efectivamente padecidos pelo lesado, bem como, a gravidade do ilícito e os demais elementos apurados, por forma a encontrar um valor ajustado ao caso concreto que efectivamente compense o dano sofrido
Cotejados os factos demonstrados, divisamos que o Autor patenteia danos, com algum significado, na vertente do “dano moral” propriamente dito, na vertente do dano existencial, traduzido, em especial, na necessidade de ajuda de terceiro durante um certo período de tempo, em relação a básicos actos da vida corrente, como decorre dos factos apurados que consubstanciam sofrimento emocional do Autor, traduzido num prejuízo de afirmação pessoal, sem desprezar os sofrimentos e abalos psicológicos sofridos aquando da eclosão do acidente, e posteriormente a este, em razão das lesões sofridas.
Reconhecendo que os Tribunais não se devem pautar por critérios miserabilistas, nem tão pouco seguir critérios de puro mercantilismo, e fazendo apelo a todos aqueles critérios que vimos de consignar com vista à justa compensação, usando juízos de equidade, ponderando a situação do lesado e do obrigado à reparação, sopesando a intensidade do grau de culpa do lesante e extensão e natureza das lesões sofridas, descortinamos como equilibrado o valor de €15.000,00 (sendo de atribuir ao Autor a quantia de €7.500,00, em virtude da reconhecida repartição de culpas na eclosão do acidente, cabendo ao segurado da Ré 50%), tendo em vista as próprias finalidades prosseguidas pela compensação neste tipo de danos, não esquecendo que a compensação pelo dano não patrimonial jamais poderá ser traduzido no equivalente à alegria vital perdida, mas uma compensação da dor sofrida.
Não queremos deixar de sublinhar e aqui registar que tivemos em consideração os critérios jurisprudenciais que, em nossa opinião, constituem importante baliza para o raciocínio da fixação do quantum indemnizatório, posto que aplicáveis, ainda que por semelhança, ao caso concreto.
Atendendo ao quadro normativo, jurisprudencial e doutrinal enunciado, conjugado com a facticidade demonstrada, concluímos (quanto a esta questão, em apreciação neste segmento) pela parcial procedência da argumentação esgrimida e trazida à discussão pelo Autor/B…, nas suas doutas alegações de recurso, revogando-se, nesta parte, a sentença em escrutínio, e, nesta medida, condena-se a Ré/Companhia de Seguros C…, SA., no pagamento ao Autor/B… da indemnização a título de dano patrimonial, pela incapacidade permanente geral (I.P.G.) de 5 pontos de que ficou a padecer em razão do acidente ajuizado, que se fixa em €3.000,00 (sendo de atribuir ao Autor a quantia de €1,500,00, em virtude da reconhecida repartição de culpas na eclosão do acidente, cabendo ao segurado da Ré 50%), a par do pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais, que se fixa em €15.000,00 (sendo de atribuir ao Autor a quantia de €7.500,00, em virtude da reconhecida repartição de culpas na eclosão do acidente, cabendo ao segurado da Ré 50%).

II. 3.4. O valor atribuído ao Autor, a título de indemnização pela privação do uso do seu motociclo, é inadequado? (4)
Neste segmento apreciaremos, conjuntamente, as questões recortadas dos recursos interpostos, quer pelo Autor/B…, quer pela Ré/Companhia de Seguros C…, SA., atinentes à privação do uso do motociclo, por parte do Autor, uma vez que, neste particular, a questão invocada pela Apelante/Ré é pressuposto da questão suscitada pelo Recorrente/Autor, impondo-se, assim, por conveniência de raciocínio e estruturação do próprio acórdão, o conhecimento cumulativo (II. 3.4. e II. 3.1.2), sendo que do recurso interposto pela Apelante/Ré/Companhia de Seguros C…, SA., importa saber se (a) perante a factualidade dada como provada na sentença recorrida, não se encontram preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar pela privação de uso do veículo, ao passo que do recurso interposto pelo Apelante/Autor/B…, importa saber se (b) o valor atribuído ao Autor, a título de indemnização pela privação do uso do seu motociclo, é inadequado.
Vejamos.

Conforme já reconhecemos, a responsabilidade subjectiva do condutor do veículo IB, segurado na Ré, para a eclosão do acidente ajuizado, foi partilhada em 50% com o lesado/Autor, sendo que essa responsabilidade repercutir-se-á na esfera jurídica da Ré, enquanto seguradora.
Em razão do objecto dos recursos interpostos, quer pela Apelante/Ré/Companhia de Seguros C…, SA., quer pelo Apelante/Autor/B…, importa saber se se encontram preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar pela privação de uso do veículo, e, na afirmativa, importa saber o valor a atribuir ao Autor, a título de indemnização pela privação do uso do seu motociclo.
Atentemos à reclamada indemnização em virtude da privação do uso do motociclo sinistrado, considerando os seguintes factos, demonstrado nos autos:
“No dia 6 de Abril de 2013, pelas 09,45 horas, ocorreu um evento estradal na Estrada Nacional no. …, ao quilómetro nº. 4.3, na freguesia de …, comarca de Oliveira de Azeméis; Nesse evento, foram intervenientes os seguintes veículos: 1º. – motociclo de matrícula ..-..-EA; 2º. – veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-IB; Na altura do evento, o direito de propriedade do motociclo encontrava-se registado na competente Conservatória de Registo Automóvel a favor do autor;
Como consequência directa e necessária do embate, o motociclo do autor danificou as seguintes peças: Pára-brisas, manete, punho completo, pisca direito, borrachas pousa pés direitas, uma tampa direita e molas, sendo que para a reparação do veículo é necessário despender a quantia de €396,87, conforme peritagem efectuada pela Ré; O motociclo ainda hoje se encontra por reparar e em consequência do sinistro ficou impedido de circular; O Autor está privado do motociclo desde a data do sinistro.”
Não deixando, neste particular, de referenciar e repristinar tudo quando já dissemos aquando do enquadramento jurídico atinente à fixação do quantum indemnizatório, queremos sublinhar que constitui dano indemnizável toda a perda, prejuízo ou desvantagem resultante da ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica.

Na verdade, o lesante deve reparar todos os prejuízos causados ao lesado que merecerem a tutela do direito de modo a colocá-lo na situação que existiria se não tivesse ocorrido a lesão, querendo significar, no que ao caso sub iudice respeita, que o atraso da reparação ou substituição que não seja imputável ao Autor deve ser suportado pela Ré por força do contrato de seguro.
O dano decorrente da privação do veículo constitui dano patrimonial autónomo susceptível de indemnização, sendo que o Autor/proprietário do motociclo danificado viu-se privado de um bem que faz parte do seu património, deixando de poder dispor e gozá-lo livremente, nos termos consagrados no artº. 1305º, do Código Civil, cabendo, assim, pela mera violação do direito de propriedade do Autor, o direito a indemnização pela ocorrência desse dano.
Este entendimento vem sendo sufragado pela Doutrina e pelos nossos Tribunais superiores.
A privação do uso de um veículo, traduzindo a perda dessa utilidade do veículo, é um dano, e um dano patrimonial, porque essa utilidade, considerada em si mesma, tem valor pecuniário.
O Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes Abrantes Geraldes refere que “não custa a compreender que a simples privação do uso seja uma causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que possa servir de base à determinação da indemnização” apud, Indemnização do Dano Privação do Uso, páginas 39-41. Face aos artºs. 562º, a 564º e 566º do Código Civil, da imobilização de um veículo em consequência de acidente, pode resultar: a) um dano emergente - a utilização mais onerosa de um transporte alternativo como o seria o aluguer de outro veículo; b) um lucro cessante - a perda de rendimento que o veículo dava com o seu destino a uma actividade lucrativa; c) um dano advindo da mera privação do uso do veículo que impossibilita o seu proprietário de dele livremente dispor com o conteúdo definido no artº. 1305º, do Código Civil, fruindo-o e aproveitando-o como bem entender, neste sentido, Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes Abrantes Geraldes, apud, ob. cit. páginas, 39-41.
Na Jurisprudência, por todos, refere o Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 2008, apud, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, Tomo I, pág. 90, “constitui princípio assente em direito, que a privação ilícita do uso de qualquer bem constitui um dano de que o lesado deve ser compensado (…) a mera indisponibilidade de um veículo, independentemente de, da mesma, terem resultado para o lesado prejuízos económicos quantificados, é passível de indemnização, a calcular nos termos prescritos no artº. 566° nº. 3, do Código Civil, como, aliás, vem sendo sufragado na doutrina” dando-se nota, naquele aresto, da orientação doutrinária, neste sentido, Menezes Leitão, apud, Direito das Obrigações, vol. I, pág. 317, Cadernos de Direito Privado, anotação de Júlio Gomes, nº. 3, pág. 62 e Temas do Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, vol. I, págs 90/91.
Pese embora alguma jurisprudência recente, designadamente no Supremo Tribunal de Justiça (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Setembro de 2008, de 30 de Outubro de 2008 e de 12 de Janeiro de 2012), tenha decidido no sentido do reforço das exigências de prova dos prejuízos emergentes da paralisação do veículo, continuamos a entender que se nos afigura que as circunstâncias que caracterizam este tipo de situações, nomeadamente, as atinentes às dificuldades de prova de alguns factos (de que são exemplo o deixar de passear, ou não ter praticado variadas acções por não poder dispor de motociclo), em conjugação com os despropositados benefícios que esta interpretação traz para as seguradoras (reconhecidamente a parte mais forte na relação contratual de seguro), as quais se sentem mais desobrigadas de fornecer um veículo de substituição, conduzem-nos a perfilhar a Jurisprudência tradicional, aliás maioritária.
Quando a privação do uso recaia sobre um veículo danificado num acidente de viação, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente - constituindo um facto notório ou resultando de presunções naturais a retirar da factualidade provada - para que se possa exigir do lesante uma indemnização a esse título, sem necessidade de provar directa e concretamente prejuízos efectivos.
Demonstrado que o Autor usava normalmente o motociclo, tendo-se visto privado do respectivo uso ordinário, desde a data do acidente, em consequência dos danos sofridos, provado está o prejuízo indemnizável durante o período da privação, representando, assim, repercussão negativa no património do Autor.
É neste contexto que a privação do uso por parte do Autor constitui, por si só, um prejuízo indemnizável calculado pelo recurso à equidade, com vista a encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa para a questão que ora importa dirimir, e não se diga, conforme faz a Apelante/ Ré/Companhia de Seguros C…, SA. que a factualidade dada como provada na sentença recorrida, não preenche os pressupostos da obrigação de indemnizar pela privação de uso do veículo,
Subsumindo a facticidade enunciada, este Tribunal ad quem, assente numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida e que não colida com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade, visando alcançar a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, de forma que se tenha em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem olvidar o valor aquisitivo do dinheiro na actualidade, entendemos ser o valor de €8 (oito euros) dia, o mais correcto para indemnizar os danos patrimoniais sofridos pela privação do uso do veiculo sinistrado (sendo de atribuir ao Autor a quantia de €4,00 dia, em virtude da reconhecida repartição de culpas na eclosão do acidente, cabendo ao segurado da Ré 50%), valor encontrado tendo por referência a data da prolação do aresto recorrido, não merecendo censura a decisão proferida pelo Tribunal a quo nos termos que constam do respectivo segmento do aresto recorrido.
Concluímos, assim, pela improcedência da argumentação esgrimida, pela Apelante/Companhia de Seguros C…, SA., e pelo Recorrente/B…, nas suas alegações de recurso, mantendo-se o decidido em 1ª Instância, ou seja, “Passando para a questão da quantificação do referido dano, tomando em consideração o montante peticionado pelo autor, as circunstâncias do caso concreto (natureza do veículo, modo como o responsável e o lesado agiram na resolução do caso) e tendo em conta as regras da equidade, entendo que o montante de € 8,00 diários são justos e adequados ao ressarcimento do autor. Face ao exposto, a ré terá que pagar ao autor a quantia de € 4,00 (correspondente a 50% da responsabilidade) a título de dano de privação do uso desde a data do embate até efectivo e integral pagamento.”
II. 3.1.1 Há fundamento para alterar, considerando-se como não provado, o ponto 92 da factologia provada, concretamente: “em deslocações para os tratamentos médicos, o Autor suportou uma importância não inferior a €150,00?” (1)
Conforme decorre do exposto em II. 3.1., foi já apreciada esta concreta e particular questão suscitada pela Apelante/Ré/Companhia de Seguros C…, SA., a par daqueloutra questão recortada do recurso interposto pelo Autor/B… atinente à impugnação da matéria de facto, uma vez que as enunciadas questões suscitadas nos recursos, pese embora divirjam quanto à matéria de facto a alterar, têm como matriz comum, os elementos probatórios apresentados em Juízos e a motivação da decisão de facto
Assim, damos como reproduzido tudo quanto consignamos no item II. 3.1., deste aresto, reiterando que soçobram as conclusões trazidas à discussão, pela Recorrente/Ré/Companhia de Seguros C…, SA.

II. 3.1.2 Perante a factualidade dada como provada na sentença recorrida, não se encontram preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar, pela privação de uso do motociclo do Autor? (2)
Como se colhe do item II.3.4. deste aresto, foi também já apreciada esta concreta questão suscitada pela Apelante/Ré/Companhia de Seguros C…, SA., a par daqueloutra questão recortada do recurso interposto pelo Autor/B… respeitante à privação do uso do motociclo, uma vez que a apreciação da questão invocada pela Apelante/Ré/Companhia de Seguros C…, SA., é pressuposto da questão invocada pelo Recorrente/Autor/B…, tendo-se imposto, por conveniência de raciocínio e estruturação do próprio acórdão, o conhecimento cumulativo.
Assim, não nos querendo redizer, damos como reproduzido tudo quanto consignamos no segmento II. 3.4., deste acórdão, soçobrando a argumentação esgrimida pela Recorrente/Ré/Companhia de Seguros C…, SA.
III. SUMÁRIO (artº. 663º nº. 7 do Código de Processo Civil)

1. As Relações têm a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª Instância, enquanto efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição, permitindo sublinhar que a reapreciação da prova em segunda Instância configura, efectivamente, um novo julgamento.
2. Na condução de veículos automóveis deve o agente usar o cuidado, a serenidade e presença de espírito de um condutor hábil. E, todo o condutor medianamente informado deve saber e têm a obrigação disso que é sua obrigação, uma vez que se lhe depara um sinal de STOP na via por onde circula, deverá abrandar a marcha, mesmo parar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direcção deste, de modo a não pôr em perigo a circulação dos outros veículos, outrossim, todo o condutor deve também saber que ao circular antes de um entroncamento, impõe-se um especial dever de adequação da velocidade ao local de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever, especialmente fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, a par de que a posição de marcha deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, de modo que lhe permita evitar acidentes, e que ao deixar de fazê-lo coloca em perigo o tráfego que se faz sentir, violando os mais elementares deveres estradais.
3. Demonstrada a factologia que sustenta a violação dos enunciados deveres estradais, assumida pelo condutor/Autor, que não respeitou o sinal “stop”, e pelo condutor do veiculo segurado da Ré, que ao aproximar-se do entroncamento, não adequou a velocidade de que vinha animado, a par de ter deixado de circular pelo lado direito da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, é legitimo o juízo de censura daqueles comportamentos estradais, permitindo considerar a concausalidade, importando a contribuição, de cada um daqueles condutores, na proporção de 50%, para a eclosão do acidente articulado.
4. A incapacidade permanente geral, é, de per si, um dano patrimonial indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra e se encontrará na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo resultado.
5. Sempre que se trate de compensar a dor física ou a angústia moral sofridas pelo lesado, atender-se-á ao critério pelo qual a quantia em dinheiro há-de permitir alcançar situações ou momentos de prazer bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade dessa dor, sem descurar que a obrigação de ressarcir os danos morais tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória, fazendo funcionar a figura da equidade, a qual visa alcançar a justiça do caso concreto, flexível, humana, de forma que se tenha em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
6. Quando a privação do uso recaia sobre um veículo danificado num acidente de viação, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente - constituindo um facto notório ou resultando de presunções naturais a retirar da factualidade provada - para que se possa exigir do lesante uma indemnização a esse título, sem necessidade de provar directa e concretamente prejuízos efectivos, sendo neste contexto que a privação do uso por parte do lesado constitui, por si só, um prejuízo indemnizável calculado pelo recurso à equidade, com vista a encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa.
IV. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Autor/B…, outrossim, julgam improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré/Companhia de Seguros C…, SA.
Assim, acordam os Juízes que constituem este Tribunal:
1. Condena-se a Ré/Companhia de Seguros C…, SA., a pagar ao Autor/B…, na parcial procedência da presente acção, as seguintes quantias:
a) A quantia de €209,75 (duzentos e nove euros e setenta e cinco cêntimos), relativa a despesas médicas e medicamentosas, às roupas que ostentava no dia do evento, às deslocações para tratamentos médicos e a tratamentos médicos diversos.
b) A quantia que se vier a apurar em sede de incidente de liquidação, relativa às quantias não ganhas pelo autor em resultado de ter estado 230 dias com repercussão temporária na actividade profissional total.
c) A quantia de €198,44 (cento e noventa e oito euros e quarenta e quatro cêntimos), relativa à reparação do motociclo.
d) A quantia de €4,00 (quatro euros) diários a título de dano de privação do uso desde a data do embate até efectivo e integral pagamento.
e) A quantia de €1.500,00 (um milhar e quinhentos euros) como indemnização a título de dano patrimonial, pela incapacidade permanente geral (I.P.G.) de 5 pontos de que o Autor ficou a padecer em razão do acidente ajuizado, tendo em atenção a proporção da responsabilidade da Ré, apurada nos autos, acrescida de juros de mora desde o trânsito deste aresto até efectivo e integral pagamento.
f) A quantia de €7.500,00 (sete milhares e quinhentos), relativa ao ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, tudo na proporção da responsabilidade da Ré, apurada nos autos, acrescida de juros de mora desde o trânsito deste aresto até efectivo e integral pagamento.
2. Julga-se parcialmente procedente o pedido de reembolso deduzido pelo Instituto da Segurança Social e, em consequência, condeno a Ré Companhia de Seguros C…, SA., no pagamento da quantia de €1.538,73 (mil quinhentos e trinta e oito euros e setenta e três cêntimos).
3. Condena-se as partes nas custas processuais, em 1ª Instância, na proporção dos respectivos decaimentos.
4. Julga-se parcialmente procedente a acção deduzida pelo Autor Centro Hospitalar …, E.P.E., e, em consequência, condena-se a Ré Companhia de Seguros C… a pagar ao Autor a quantia de €1.074,66 (mil setenta e quatro euros e sessenta e seis cêntimos) acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.
5. Condeno as partes nas custas processuais, em 1ª Instância, na proporção dos respectivos decaimentos, no que respeita ao apenso A.
6. Absolvo a Ré Companhia de Seguros C…., SA., dos restantes pedidos formulados.
7. Custas nesta Instância, pelo Autor/B… e Ré/Companhia de Seguros C…, SA., na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente, quanto ao recurso interposto pelo Apelante/Autor/B…, sendo as custas nesta Instância, a cargo da Ré/Companhia de Seguros C…, SA., quanto ao recurso interposto pela Apelante/Companhia de Seguros C…, SA.
Notifique.

Porto, 30 de Janeiro de 2017
Oliveira Abreu
António Eleutério
Isabel São Pedro Soeiro

(a redacção deste acórdão não obedeceu ao novo acordo ortográfico)