Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JERÓNIMO FREITAS | ||
Descritores: | DECISÃO SURPRESA PROVA DE UM FACTO CONTRATO DE TRABALHO INTERNACIONAL LEI APLICÁVEL CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE | ||
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Nº do Documento: | RP20230605551/20.0T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/05/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA. | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - De acordo com o disposto no art.º 3.º3, do CCPC, se o juiz conclui que para a apreciação e decisão do litígio vai debruçar-se sobre questão que as partes não suscitaram nos seus articulados, nem sobre ela tiveram oportunidade de se pronunciarem, a fim de evitar a prolação de uma decisão surpresa, antes de avançar, sob pena de incorrer em nulidade que pode influir no exame ou decisão da causa (art.º 195.º 1, CPC), deve ordenar a notificação das partes dando-lhes conta daquele propósito e facultando-lhes a possibilidade de exercerem o contraditório. II - Verificando-se, que na PI a autora suscitou a questão da invalidade do contrato celebrado entre as partes, na parte em previa situações de “licença sem vencimento”, alegadamente por visar contornar as regras de admissibilidade de trabalho intermitente estabelecidas no art.º 157.º do Código do Trabalho, à qual a Ré na contestação contrapôs argumentação, para além do mais afirmando que caso se aplicasse a lei portuguesa, ainda assim, “poderia unilateralmente fazê-lo [..] em qualquer caso no âmbito de um contrato de trabalho intermitente à luz da lei portuguesa (caso fosse aplicável),” afirmando, para essa hipótese, “que o contrato cumpre os requisitos mínimos para esse efeito”, para apreciar essa questão o Tribunal a quo não tinha que previamente determinar a notificação da Ré para se pronunciar. III - Para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. IV - Estando provado que a Recorrente nunca pagou subsídio de férias à Autora durante todo o período de vigência do contrato, compreendido entre 25.03.2012 e 28.02.2019, nem tão pouco pagou subsídio de Natal, sobre ela recaía o ónus de alegação e prova de que a escolha da lei irlandesa para regular o contrato e a consequente estrutura retributiva fixada e praticada, não importou como consequência para trabalhadora privá-la “da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 8.º”, em concreto, o direito a serem-lhe pagos os subsídios em causa, previstos na legislação portuguesa em normas inderrogáveis, nomeadamente, nos artigos 263º, nº1 e 264º, nº4 do CT/09, por ser a lei do país “a partir do qual presta habitualmente o seu trabalho” [art.º 8.º/2 do Regulamento Roma I]. V - Não estando definido em termos expressos no contrato, o número concreto “anual de horas de trabalho, ou [o] número anual de dias de trabalho a tempo completo” em que a autora iria prestar a sua actividade, não se mostra observada a exigência do art.º 158.º 1/c, do CT, para viabilizar a sua validade como contrato de trabalho intermitente. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | APELAÇÃO n.º 551/20.0T8PRT.P1 SECÇÃO SOCIAL ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I. RELATÓRIO I.1 No Tribunal da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo, AA intentou a presente acção de processo comum contra A..., Limited, pedindo que a ré seja condenada no pagamento do valor global de €45.150,20 relativos aos subsídios de férias (€11.139,81) e de natal (€11.139,81) não pagos durante a vigência do contrato, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento bem como da formação não ministrada (€1.879,50) e das retribuições não pagas durante o período de inatividade (€20.991,08), a entregar à Segurança Social Portuguesa o valor das contribuições devidas desde Março de 2018 ou em alternativa restituir esse montante à Autora e no pagamento do valor de €2.000,00 a título de danos não patrimoniais acrescidos dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento. No tocante ao período de inatividade, caso não se considere o valor total, peticiona a Autora a condenação da Ré em 20% desse valor, ou seja, em 20% de 20.991,08, no total de €4.198,21, reconhecendo-se a existência de um contrato de trabalho intermitente. Alegou, em síntese: Em 25.03.2012 foi admitida ao serviço da Ré, tendo exercido funções de tripulante de cabine para a empresa B... Dac até 28.02.2019. Nunca recebeu qualquer pagamento por parte da Ré relativo a subsídios de férias e subsídios de Natal. A A. não tinha vencimento base, recebendo um valor por cada hora de voo, tendo recebido nos últimos 12 meses de contrato a seguinte remuneração: Março de 2018 – 0; Abril de 2018 - €818,16; Maio de 2018 - €1.913,91; Junho de 2018 - €1.625,53; Julho de 2018 - €1.652,32; Agosto de 2018- €2.071,75; Setembro de 2018 - €2.072,80; Outubro de 2018- €1.737,05; Novembro de 2018- €1.682,04; Dezembro de 2018- €1.088,51; Janeiro de 2019 - €1.443,64 e Fevereiro de 2019 – 0, tendo a autora estado de licença sem vencimento, por imposição da Ré, nos meses de Março de 2018 e Fevereiro de 2019, sem que lhe tivesse sido pago qualquer valor, não podendo, por isso, esses dois meses serem contabilizados, apenas devendo ser tida em conta a remuneração média dos outros 10 meses, que foi de €1.610,58. Nos últimos 3 anos de contrato a Autora não tem registo de ter efectuado qualquer formação, sendo, por isso, credora de 105 horas, e do correspondente valor de €1.879,50 de crédito de horas de formação não ministrada. Atendendo à sazonalidade da base de Faro, a Autora teve um período de cerca de 3 meses por ano de licença sem vencimento, por solicitação da própria Ré, o que é ilícito, tendo a trabalhadora direito a ser ressarcida pelos períodos de inactividade de 7.11.2012 a 28.02.2019 perfazendo o montante total de €20.991,08. A situação da Autora na segurança social portuguesa não está regularizada, tendo a Ré retido o valor devido a título de contribuição para a segurança social mas não o entregou à segurança social portuguesa, requerendo por isso a condenação da Ré no pagamento dos referidos valores à entidade respectiva ou que os restitua à Autora, quantas essas que a Autora reclama, acrescida de juros de mora à taxa legal, contabilizados desde a data da notificação da P.I. até efectivo e integral pagamento. Toda esta situação de tensão junto da sua entidade empregadora, os seus reiterados incumprimentos que levaram à saída da Autora da Ré causaram danos não patrimoniais àquela, causados pela actuação culposa da Ré, que, pela sua gravidade, devem ser ressarcidos nos termos dos artigos 483º e 496º, ambos do Código Civil e do artigo 15º do Código do Trabalho, face aos constantes incumprimentos, que provocaram e continuam a provocar na Autora uma elevadíssima frustração, perturbação, desgosto e ansiedade resultando na diminuição da sua qualidade de vida. Ao que acresce a ilicitude da Ré de nem sequer ter providenciado pelos descontos à segurança social, impedindo assim que pudesse ter qualquer apoio por parte do Estado Português, peticionando a Autora a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €2.000,00 pelos danos não patrimoniais por si sofridos. Realizada a audiência de partes sem que tenha sido obtida a sua conciliação, foi a Ré notificada para apresentar, querendo, contestação. A Ré apresentou contestação, onde deduziu, entre o mais, a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, por entender, em síntese, que os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para apreciar o litígio. Mais alegou a Ré que é a lei irlandesa a aplicável ao presente litígio, por ter sido a lei escolhida pelas partes; e, que não pode colher a tese da Autora de que se encontram em falta os pagamentos de subsídios de férias e de Natal pois a lei portuguesa não é aplicável nesta matéria à relação laboral entre as partes. Alega, ainda, que nos últimos 3 anos da relação laboral a Autora cumpriu variadíssimas formações profissionais, que perfizeram 59,5 horas de formação que deverão ser descontadas ao valor de 105 horas reclamado, saldando-se num total de 45 horas e 30 minutos. Quanto aos valores reclamados a título de créditos por período de inactividade, não são devidos, desde logo, por aplicação da lei irlandesa à relação laboral, mas mesmo que fosse aplicável a lei portuguesa é falso que a Ré tenha obrigado a A. a pedir licença sem vencimento nos períodos alegados, tendo tais períodos sido solicitados unilateralmente por ela, suspendendo-se nesses períodos o contrato sem que nada seja devido, inclusivamente pediu outras licenças que não lhe puderam ser concedidas. Concluí a Ré que esse pedido é totalmente improcedente; e, caso se aplicasse a lei portuguesa apenas o pedido subsidiário quanto a esta matéria poderia ser atendível. Mais invocou a Ré que o foro laboral não é competente para o pedido das quantias relativas a descontos para a Segurança Social e que o pedido de danos não patrimoniais é totalmente desprovido de mérito e de sentido. Pede a improcedência total da acção. I.1.1 Pelo Tribunal a quo foi proferido despacho a determinar a notificação da Autora para, em dez dias, se pronunciar, quanto às exceções invocadas, querendo. Foi, ainda, proferido despacho a determinar a notificação da Autora e da Ré para juntarem aos autos, em dez dias, as traduções em falta dos documentos redigidos em língua que não a portuguesa. Em 25 de Setembro de 2020 foi proferido Despacho por Juiz 2 do Juízo do Trabalho do Porto a declarar esse tribunal incompetente em razão do território para conhecer dos termos da presente ação, ordenando a sua remessa ao Juízo do Trabalho de Valongo, lugar da residência da Autora. Em consequência, em 19/10/2020 os autos foram remetidos ao Juízo do Trabalho de Valongo, onde foram distribuídos ao J1. Em 26/10/2020 foi proferido Despacho a determinar a notificação das partes para juntarem tradução para português da totalidade dos documentos que juntaram em língua inglesa. A Ré veio ainda juntar dois pareceres que se debruçam sobre os créditos reclamados a título de subsídios de Natal e de férias, um parecer da Professora Doutora Maria do Rosário Palma Ramalho e outro da autoria dos Professores João Leal Amado e Milena da Silva Rouxinol. I.1.1 Seguidamente, o Tribunal a quo proferiu despacho saneador, no âmbito do qual tendo relegado para final o conhecimento da excepção da competência do tribunal, fixado valor da acção em €47.150,20, e identificado o objecto do litígio e enunciou os temas da prova. Os autos prosseguiram para julgamento, o qual se realizou segundo o legal formalismo, com a gravação do depoimento testemunhal aí prestado I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte: -«Pelo exposto, e sem necessidade de ulteriores considerações: a) julgo improcedente a excepção da incompetência absoluta, julgando- se os Tribunais Portugueses competentes, mormente o presente Juízo do Trabalho para dirimir o presente litígio; b) julgo a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência : b1) condeno a Ré no pagamento à Autora : b1a) do montante de €11.139,81 relativo aos subsídios de férias não pagos durante a vigência do contrato, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento; b1b) do montante de €11.139,81 relativo aos subsídios de Natal não pagos durante a vigência do contrato, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento; b1c) do montante de €700,70, a título de formação não ministrada, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento; b1d) do montante de €20.991,08, pelas retribuições não pagas durante o período de inactividade, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento; c) julgo verificada a excepção da incompetência material do presente Juízo do Trabalho para conhecer do pedido de condenação da Ré a entregar à Segurança Social o valor das contribuições devidas desde Março de 2018 ou em alternativa restituir esse montante à Autora e em consequência absolvo a Ré da instância quanto a tal pedido. d) Absolvo a Ré do demais contra si peticionado. * As custas deverão ser suportadas pela Autora e pela Ré, na proporção do respectivo decaimento na proporção de 6,74% (quanto à Autora) e de 93,26% (quanto à Ré), (artigo 527.ºdo Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a autora.* [..]».I.3 Inconformada com aquela decisão, a Ré apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios. As alegações foram encerradas com as conclusões seguintes: I. O Tribunal a quo, numa decisão surpresa, decidiu que o contrato celebrado entre as partes não poderia ser considerado um contrato de trabalho intermitente, por falta de forma (no período de 25.03.2012 a 24.03.2017), condenando a Apelante no pagamento total dos alegados períodos de inatividade. II. No entanto, a suposta nulidade por vício de forma não foi alguma vez alegada nem esteve em causa, razão pela qual nem a Apelante nem a Apelada a abordaram, não se tendo produzido prova ou mesmo qualquer pronúncia sobre este tema tão simplesmente porque as Partes sabiam que existiam contratos escritos celebrados anteriores a 2017 pelo que não foi algo que tivessem pretendido discutir. III. O Tribunal não está vinculado à qualificação de Direito conferida pelas Partes, mas querendo decidir sobre uma determinada qualificação deve dar às Partes a oportunidade de sobre ela se pronunciar; não o fazendo, o Tribunal a quo violou o direito da Apelante ao contraditório, o que consubstancia uma nulidade processual nos termos do número 3 do art. 3.º e número 1 do art. 195.º, ambos do CPC, a qual se invoca para os devidos efeitos legais. IV. Estando a decisão-surpresa coberta por decisão judicial, nada obsta a que a mesma seja invocada e conhecida em sede de recurso, razão pela qual a sentença em crise deve ser revogada, considerando-se que o contrato de trabalho qualificado como intermitente não padece de qualquer vício de forma, sem prejuízo dos demais temas da apelação que infra se abordam. DA MATÉRIA DE FACTO INCORRETAMENTE APRECIADA i. V. Consta do número 1. e do número 3 dos Factos Provados que a Apelada iniciou o contrato de trabalho em 25.03.2012 na base de Faro, no entanto, o depoimento da testemunha BB deixou claro que a Apelada iniciou as suas funções em Espanha, em 2011, cfr. ficheiro 20211213114202_15823893_2871596: 08:23 – Tradutor: trabalhou cerca de um ano através de Espanha e depois transferiu- se para Faro em março de 2012. VI. Pelo exposto, deveria ter-se dado como provado que a Apelada iniciou as suas funções para a Apelante em março de 2011, em ..., Espanha, pelo que se propõe que os números 1 e 3 dos Factos Provados sejam alterados, conforme redação que se sugere: Número 1: “A Autora foi admitida ao serviço da Ré, por um contrato de trabalho que teve início por volta de março de 2011 (...)” Número 3: “(...) adstrita à base aérea de ..., em Espanha, até 27 de março de 2012, data em que foi transferida para a base de Faro, em Portugal.” ii. VII. Consta dos números 52. e 53. dos Factos Provados que a Apelada teve diversos períodos de inatividade, não remunerados, no entanto, a Apelada não fez qualquer prova de que os períodos em questão tenham sido impostos e a sua única testemunha declarou que não conhece a Apelada, nunca com ela trabalhou, não trabalhou para a Apelante (mas sim para outra empresa, a C...) e não tem conhecimento sobre a concreta marcação de licenças sem vencimento pela Apelada, cfr. ficheiro 20211213100014_15823893_2871596: 55:33 – Mandatário da R.: aqui quanto às licenças o que disse foi que a empresa abria uma altura em que dizia para se os trabalhadores pudessem se sujeitar quem quisesse a licenças voluntárias, sabe se as licenças que a autora gozou foram voluntárias ou não? 55:59 – CC: não, não sei VIII. O que resulta de prova documental é que a Apelada requereu voluntariamente licenças sem vencimento e que algumas até foram negadas ex.: Doc. n. 3 junto com a PI), veja-se o depoimento da testemunha BB, cfr. ficheiro 20211213114202_15823893_2871596: 34:05 – Tradutor: relativamente às licenças não pagas se alguma delas foi recusada, a testemunha não consegue responder a essa questão, não sabe se alguma licença foi recusada, sabe todavia que algumas licenças não pagas, licenças sem vencimento foram planeadas, inclusivamente receberam uma carta da AA, uma comunicação, no sentido destas licenças porque a sra. AA queria auferir de alguns benefícios na irlanda. 34:45 – Mandatário da R.: e essas foram solicitadas pela autora? 34:58 - Tradutor: sim as datas são normalmente solicitadas pelos trabalhadores. IX. Mas também o depoimento da testemunha da Apelada, CC, nos leva a poder concluir o mesmo, cfr. ficheiro 20211213100014_15823893_2871596: 23:40 – CC: o que havia era vai ser preciso x pessoas ou vai ser preciso licenças sem vencimento vamos ouvir algum pedido voluntário, vamos atribuir as licenças sem vencimento que fossem pedidas pelos tripulantes mas se elas não forem suficientes vamos impô-las ao resto das tripulações (...) X. Acresce que, não foi feita qualquer prova no sentido de que se a Apelada não marcasse as referidas licenças sem vencimento a Apelante marcaria, unilateralmente, licenças sem vencimento à Apelada – nem esta situação alguma vez ocorreu. XI. Pelo exposto, deveria ter-se dado como provado que a Apelada gozou as diversas licenças sem vencimento de forma voluntária, ou seja, pedidas por esta e aprovadas pela Apelante, pelo que se propõe que os números 53 e 53 dos Factos Provados sejam alterados, conforme redação que se sugere: Número 52: “A trabalhadora requereu os seguintes períodos de licenças sem vencimento: (...)” Número 53: “Nos meses de Março de 2018 e Fevereiro de 2019 a trabalhadora esteve de licença sem vencimento, requerida por si.” iii. XII. Nos números 51. e 53. dos Factos Provados encontra-se como assente que durante os períodos de licença sem vencimento a Apelada não auferiu qualquer valor, no entanto, resulta da prova testemunhal (BB e CC), que nestes períodos de licença sem vencimento a segurança social irlandesa pagava aos trabalhadores um subsídio de cerca de € 250 por mês, razão pela qual se deveria ter dado como provado que a Apelada apesar de não ser remunerada pela Apelante durante os períodos de licença sem vencimento recebia um subsídio por parte da segurança social irlandesa, subsídio esse que seria superior a 20% da remuneração média da Apelada, pelo que se propõe que os números 53 e 53 dos Factos Provados sejam alterados, conforme redação que se sugere: Número 51: “Durante esses meses a trabalhadora recebia um subsídio semanal, por parte na segurança social irlandesa, no montante de € 250” Número 53: “Nos meses de Março de 2018 e Fevereiro de 2019 a trabalhadora esteve de licença sem vencimento, requerida por si, recebendo, por parte da segurança social irlandesa, um subsídio de €250 por semana de licença sem vencimento.” iv. XIII. Os números 35. a 38. dos Factos Provados (conforme arts. 39º, 40º, 56º e 41º da Petição Inicial) foram impugnados pela Apelante e a escolha de aplicação da lei irlandesa resulta clara do contrato de trabalho junto aos autos, não tendo a Apelada produzido qualquer prova, documental ou testemunhal, suscetível de provar os referidos factos, razão pela qual devem ser removidos dos Factos Provados. XIV. Os números 56., 57. e 58. dos Factos Provados foram impugnados pela Apelante, não tendo a Apelada produzido qualquer prova, documental ou testemunhal, no sentido do que alegou, sendo certo, porém, que o Tribunal a quo se declarou incompetente para conhecer da questão das contribuições para a segurança social, razão pela qual estes factos devem ser removidos dos Factos Provados. DOS SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DE NATAL XV. Alegou a Apelada na sua petição inicial ser credora de putativos subsídios de férias e de Natal vencidos ao longo da relação laboral, posição com a qual o Tribunal a quo concordou, tendo condenado a Apelante no pagamento de €22.279,62, no entanto, considerando toda a prova produzida, a decisão referente aos reclamados subsídios teria, forçosamente, de ser diversa. XVI. Com efeito, a Apelada tem nacionalidade estrangeira, foi recrutada no estrangeiro, fez formação no estrangeiro, celebrou o contrato de trabalho em inglês o qual era claro no sentido de aplicação da lei irlandesa à relação laboral entre as partes e iniciou o seu trabalho em base estrangeira, tendo posteriormente sido transferida para Portugal, sendo certo que se fez prova suficiente de que as partes escolheram a legislação irlandesa como aplicável ao contrato de trabalho e que acordaram uma remuneração que incluía todos os montantes devidos à Apelada. XVII. Na verdade, o Tribunal a quo deveria ter feito uma análise sobre o quantum remuneratório global e não das concretas e individuais rúbricas pagas à Apelada, pois como se sabe, a lei irlandesa não prevê a figura do subsídio de férias de Natal. XVIII. De acordo com a prova produzida, parece ser claro que a única interpretação possível da vontade das partes aquando da celebração do contrato é a de que estas acordaram que a Apelada receberia um valor de SBH que incluiria todos os montantes a que teria direito em virtude da execução do seu contrato, pois como é lógico, se a Apelante estivesse obrigada a pagar mais dois salários, a título de subsídio de férias e de Natal, o valor de SBH previsto no contrato seria inferior para acomodar um pagamento 14 vezes por ano. XIX. Só esta interpretação tem apego à vontade contratual das partes conforme expressa no contrato e só ela resulta do contexto, legal e histórico, existente à data do acordo e da aplicação das normas legais da vontade negocial das partes, que deve ser aferida sob o prisma da impressão do destinatário, artigo 236.º n.º 1 do Código Civil. XX. Ficou ainda assente que as partes escolheram a lei irlandesa como aplicável à sua relação laboral (cfr. ponto 37 do contrato de trabalho, Doc. 1 da Petição Inicial) e que apenas a partir de 1 de fevereiro de 2019 passaram a aplicar a lei laboral portuguesa, no entanto, o Tribunal a quo entendeu que no presente caso seria subsidiariamente aplicável a lei portuguesa devido à base de afetação da Apelada se situar em Portugal. XXI. Sem prejuízo do exposto pela Apelante na sua Contestação, a verdade é que mesmo que se aplicasse o artigo 8.º n.º 2 do Regulamento Roma I, não seria a lei portuguesa a lei subsidiariamente aplicável, pois de acordo com a jurisprudência do TJUE o conceito de “local habitual do trabalho” é apenas um indício que não esgota a análise a ser efetuada. No caso Heiko Koelzch, o TJUE apontou como indícios: (i) o lugar em que efetuava as suas missões de transporte; (ii) recebia instruções sobre a sua atividade e organizava o seu trabalho; (iii) o lugar em que se encontravam as ferramentas de trabalho; (iv) os locais onde se procedia habitualmente ao transporte; (v) os locais de carga e descarga; (vi) o lugar onde o trabalhador regressa, sendo sempre sublinhado que os critérios devem ser adequados à atividade em causa. XXII. Noutras decisões relevantes nesta matéria, veja-se o caso Hebert Weber c. Universal Ogden Services Ltd. onde TJUE sublinhou a importância do critério temporal como elemento a tomar em conta na definição do local de trabalho habitua e o caso Sandra Nogueira e outros c. C... Ltd, onde o TJUE clarificou que o conceito de base de afetação não se reconduz diretamente ao conceito de local habitual do trabalho. XXIII. Também a decisão n.º 33/2018, de 9 de janeiro de 2018 do Tribunal de Valência, a decisão de 29.11.2013 do Tribunal do Trabalho de Velletri, Itália, o caso Dominguez v. C..., proc. n.º 1 Ca 2253/09, de 02.02.2010 do Tribunal do Trabalho de Wesel, Alemanha e o caso de Blasio v. B..., proc. n.º 920/2014, 12.03.2015 do Tribunal do Trabalho de Bergamo, Itália seguem no sentido defendido pela Apelante. XXIV. Assim, da aplicação do critério “local de trabalho” não resulta a aplicação subsidiária da legislação portuguesa, sendo certo que o Regulamento Roma I dá prioridade à lei escolhida pelas Partes (lei irlandesa) sendo que esta só será afastada nas matérias (e apenas e só nestas) das quais resulte que a lei subsidiariamente aplicável conferiria um âmbito de proteção superior, pelo que a potencial aplicação da lei portuguesa como subsidiária depende de se concluir que essa lei, na matéria em discussão, é mais protetora do que a lei subsidiária. XXV. Ora, o Tribunal a quo fez uma apreciação demasiado sucinta, simplista, incompleta, inaceitável e, em consequência, conducente a um resultado injusto, ilegal e irrealista quando entendeu que a aplicação da lei irlandesa privou a Apelada da proteção pecuniária que lhe é conferida pela Lei portuguesa, utilizando para o efeito a Teoria do Cúmulo: iv. Os subsídios de férias e de Natal constam de disposições não derrogáveis por acordo das partes; v. Ao analisar a lei irlandesa, não se vislumbra que contenha qualquer previsão geral do pagamento de subsídio de férias ou de Natal; vi. Logo, a lei portuguesa é mais favorável nesta matéria. XXVI. Mas esta teoria foi abandonada pela doutrina e pela jurisprudência, como doutamente explica a Senhora Professora Maria do Rosário Palma Ramalho (cfr. páginas 76 e seguintes do Parecer): “No caso do Trabalhador da C... apreciado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, este problema foi resolvido de uma forma simples: verificando que os subsídios de Natal e de férias não são previstos na lei irlandesa, ao passo que na lei portuguesa constituem uma prestação obrigatória do empregador, o Tribunal considerou ipso facto que a lei portuguesa era mais favorável, e, em consequência, concluiu que aqueles subsídios eram devidos em acréscimo à remuneração do trabalhador. Por outras palavras, na apreciação do problema o Tribunal absteve-se de comparar globalmente o regime remuneratório destes trabalhadores e a lei irlandesa com a lei portuguesa na mesma matéria – justificando, adicionalmente, a dispensa de uma comparação global com a natureza supostamente não retributiva dos subsídios de Natal e de férias – e, à maneira de teoria do cúmulo, simplesmente «aditou» ao regime remuneratório previsto no contrato, as prestações remuneratórias relativas aos subsídios de férias e de Natal. (...) A nosso ver e com a devida vénia, este não é o método adequado para fazer a comparação entre os dois ordenamentos em confronto, pelas razões que já deixámos enunciadas na parte anterior deste Parecer. De facto, a comparação entre os dois ordenamentos jurídicos em conflito não pode ser feita norma a norma, à maneira da teoria do cúmulo, porque um tal método de comparação desemboca num somatório de vantagens destituído de unidade normativa. Ora, este resultado não é aceitável em termos gerais nem, muito menos, no contexto do art. 8º nº 1 do Reg. Roma I, uma vez que esta norma não pretende obter o nível máximo de protecção mas apenas salvaguardar o nível mínimo de tutela garantido pela lei da conexão objectiva – ou seja, como dissemos no local próprio, esta regra do Regulamento não visa colocar o trabalhador numa situação mais benéfica do que a que teria se as partes não tivessem escolhido a lei aplicável, mas apenas assegurar um nível mínimo de tutela no caso de terem feito aquela escolha. Ora, no caso em apreço não se pode retirar automaticamente da falta de previsão dos subsídios de Natal e de férias na lei irlandesa a conclusão de que fica comprometido o tal nível mínimo de tutela do trabalhador garantido pelas normas do Código do Trabalho que consagram tais subsídios. É que, como se sabe, sendo os ordenamentos juslaborais muito diferentes e o modo como protegem os trabalhadores igualmente diferente, a mera ausência de determinado direito ou prestação num desses ordenamentos não autoriza, de per si, a conclusão de que a aplicação das normas do dito sistema resulta na privação do nível mínimo de tutela dos trabalhadores garantido pelo outro sistema. Assim, reitera-se que apenas a comparação global das normas dos dois sistemas normativos na matéria a que se refere o potencial conflito (i.e., uma comparação pelo método da conglobação limitada) nos permite concluir com segurança se o nível mínimo de tutela garantido pela lei da conexão objectiva do contrato foi, de facto, posto em causa. (...) Em suma, apreciando o regime remuneratório dos tripulantes ao serviço da B... em termos globais e atendendo também à lei irlandesa (ou seja considerando o grupo incindível de regras aplicável a estes contratos em matéria remuneratória, como se impõe), não podemos concluir que este regime seja menos favorável do que o que decorreria da aplicação da lei portuguesa, porque apesar de não contemplar especificamente o direito aos subsídios de Natal e de férias, assenta numa base remuneratória mais favorável e contempla outras prestações remuneratórias que não são previstas no ordenamento português. Deste modo e concluindo, apesar de terem natureza imperativa, as normas do Código do Trabalho português que consagram o direito ao subsídio de férias e de Natal não devem neste caso ser aplicadas, porque não se verifica a segunda condição material que o art. 8º nº 1, in fine, impõe para a prevalência da lei da conexão objectiva sobre a lei da escolha das partes. Assim, também por este motivo, os tripulantes da B... e da C..., não têm direito ao valor correspondente aos subsídios de Natal e de férias relativamente ao período de execução dos respectivos contratos anterior a 1 de Fevereiro de 2019.” XXVII. No entendimento do Tribunal a quo, a Apelante ao acordar a aplicação da lei irlandesa teria de: (i) cumprir o valor de remuneração mínima irlandesa, e (ii) suportar tal valor 14 vezes por ano, pagando os subsídios de férias e de Natal que resultam da lei portuguesa. XXVIII. Ora, este é um resultado sem sentido e não expressa a preocupação do legislador europeu que não pretendeu que o trabalhador fosse beneficiado em detrimento do empregador, veja-se o Parecer dos Professores João Leal Amado e Milena Silva Rouxinol, juntos com a Contestação: “Evidentemente, pois, se passassem a ser pagas catorze prestações – uma em cada um dos doze meses do ano e, adicionalmente, o subsídio de férias e o de Natal – de montante equivalente ao que sempre fora pago apenas doze vezes, prejudicar-se-ia o equilíbrio negocial em que se ergueu, desde a constituição do vínculo e ao longo da sua execução, o sinalagma negocial (...)”22 XXIX. Veja-se que a Apelada nunca reclamou durante a sua relação laboral estar em falta qualquer pagamento de remuneração ou subsídios, exatamente por saber que acordou com a Apelante o pagamento de um valor de SBH (€ 17,90 por cada hora de bloco programada) que cobriria todo e qualquer valor eventualmente devido pela execução do seu contrato, nada mais lhe sendo devido. XXX. O legislador comunitário coloca acento tónico na ideia de não “privar” o trabalhador dos seus direitos, mas não privar não é acrescer direitos, neste sentido, o Douto Parecer da Professora Maria do Rosário Palma Ramalho: “Nos casos em que o valor que corresponderia àqueles subsídios na lei portuguesa não se possa considerar incluído na remuneração dos trabalhadores (seja esta remuneração fixada numa base anual ou numa base mensal), os trabalhadores não têm direito adicional aos ditos subsídios, porque não se verificam as condições materiais de prevalência das normas da lei de conexão objetiva do contrato (no caso a lei portuguesa) sobre a lei da escolha das partes exigidas pela segunda regra do art. 8º nº 1 do Reg. Roma I” XXXI. A título de exemplo, no âmbito do destacamento de trabalhadores é imperativo o princípio da salvaguarda dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente os direitos mínimos previstos pela legislação laboral do local da prestação de serviços, sendo que, para salvaguardar esses mínimos, a Diretiva (UE) 2018/957 do Parlamento Europeu e do Conselho de 28 de junho de 2018 que altera a Diretiva 96/71/CE, estipula diversas obrigações de garantia aos Estados Membros, sendo disso exemplo o Considerando 9 da Diretiva, onde se pode ler: “No entanto, tendo em conta a longa duração de alguns destacamentos e reconhecendo a ligação entre o mercado de trabalho do Estado-Membro de acolhimento e os trabalhadores destacados por períodos tão longos, em caso de destacamento por períodos superiores a 12 meses, os Estados-Membros de acolhimento deverão assegurar que as empresas que destacam trabalhadores para o seu território lhes garantam um conjunto suplementar de condições de trabalho e emprego obrigatoriamente aplicáveis aos trabalhadores no Estado-Membro onde o trabalho é executado.” (sublinhado nosso). XXXII. Ora, o mesmo legislador, no mesmo diploma, também esclarece qual o método a adotar para comparar o enquadramento remuneratório. Com efeito, dispõe o Considerando 18, da mesma Diretiva: “Ao comparar a remuneração paga a um trabalhador destacado e a remuneração devida em conformidade com o direito e/ ou as práticas nacionais do Estado-Membro de acolhimento, deverá ter-se em conta o montante bruto da remuneração. Deverão ser comparados os montantes brutos totais da remuneração, em vez dos elementos constitutivos individuais da remuneração tornados obrigatórios conforme previsto na presente diretiva.” (sublinhado nosso). XXXIII. Ou seja, o próprio legislador comunitário (o mesmo que dispõe a salvaguarda de aplicação da lei local), esclareceu já aquilo que nos parece óbvio: ao comparar-se a retribuição devida à luz de uma e outra lei, para efeitos de defesa do trabalhador, deve comparar-se o montante bruto e global, pois é naturalmente indiferente se o mesmo é pago 12 vezes ao ano, ou 14 vezes ao ano, ou até 52 vezes ao ano como ocorre em países que usualmente pagam uma remuneração semanal. XXXIV. Assim, de acordo com o método comparativo proposto pela Apelante, não nos basta olhar para as normas isoladamente (valor da RMMG, subsídio de férias, subsídio de Natal...), temos de analisar o conjunto normativo em apreço (no nosso caso, a retribuição global da Apelada) para se comparar o nível de proteção dada por cada uma das leis em confronto, como nos explica a melhor jurisprudência: “Segundo a teoria do cúmulo, nos conflitos hierárquicos deve prevalecer a norma mais favorável para o trabalhador: a comparação assim pressuposta deverá ser feita regra a regra, isoladamente, para que o regime aplicável às situações laborais seja equivalente a um somatório (isto é, a um cúmulo) de normas retiradas de diversas fontes e que, em comum, têm apenas o serem mais favoráveis para os trabalhadores. Esta teoria é geralmente acusada de violar a unidade da disciplina da situação jurídica laboral estabelecida por cada uma das fontes conflituantes. Já a teoria da conglobação preconiza que a regra do tratamento mais favorável deveria ser aplicada comparando as fontes em presença, na sua globalidade: prevalece a que, no conjunto, se revele mais útil para os trabalhadores. Contra a conglobação jogam as dificuldades de comparação a que pode conduzir -como cotejar dispositivos inteiramente diversos - e que a via por ela encetada pode provocar retrocessos em certos aspectos favoráveis, já conquistados para os trabalhadores. Numa posição intermédia surge a tese da conexão interna, ou conglobação limitada, segundo a qual a comparação deve ser feita não entre normas singulares nem entre as fontes na sua globalidade, mas entre grupos de normas incindíveis, que se encontrem entre si numa particular conexão interna: uma regra do tratamento mais favorável, a ter um conteúdo útil e uma presença actuante, deve efectivamente computar vantagens concretas e não meras conveniências abstractas, sendo que estas vantagens devem ser claramente apreciadas, ponto por ponto, não se devendo separar o incindível, sob pena de se perder uma base realista para qualquer apreciação. (...) Em primeiro lugar, há que atentar no preciso ponto em que vai operar a comparação que faculta o juízo de favorabilidade. Qualquer cotejo a realizar em Direito - e, para mais, com relevo em soluções materiais - há-de ser uma comparação de resultados. Contrapor normas releva de um positivismo ingénuo, que toma a proposição pela decisão aplicativa, os conceitos pela causa e a formulação pela substância: no fundo, emerge aqui, de novo, um nível linguístico de solução juslaboral, que se desliga das soluções efectivas e das realidades que, ao Direito, compete enquadrar e resolver. Em Direito, um «resultado» implica, com frequência, uma série de normas, teleologicamente interligadas, às quais se deve ainda, muitas vezes, juntar princípios. Comparar fontes no seu conjunto não é consequente, uma vez que elas podem somar problemáticas muito diversas, ao sabor de acasos que nada tenham de dogmático. Mas separar normas incíndíveis é puro irrealismo: equivale a abdicar de, na comparação, apurar resultados materiais. (...) Optou-se, por isso pela tese da conexão interna – ou, se se quiser, pela teoria da conglobação limitada.” [Ac. TRL de 15.12.2005, Proc. n. 2287/2005-4, Relatora: Paula Sá Fernandes]. XXXV. Veja-se que o enquadramento legal da remuneração sob a lei irlandesa assegura um valor mínimo de €9,80 por hora (facto provado 68.), cerca de €18.816,00 por ano, o que, comparado com o valor mínimo assegurado pela lei portuguesa é quase vexante, pois o salário mínimo português, na mesma data, cifrava-se em €580,00/ mês, €8.120,00 por ano. XXXVI. Ora, ao contrário da tese defendida pelo Tribunal a quo, estes subsídios fazem parte da remuneração anual global da Apelada e emergem da simples prestação normal de trabalho dentro do período normal de trabalho. XXXVII. Com efeito, os subsídios de férias e Natal são hoje em dia e de forma pacífica, considerados como tendo uma natureza retributiva, neste sentido, o Parecer dos Professores João Leal Amado e Milena Rouxinol: “Mas, note-se, a natureza jurídica de tais subsídios, de férias e de Natal, é igual à das demais prestações – têm, todas elas, caráter retributivo, compõem a retribuição global complexiva do trabalhador, ainda que os respetivos períodos de vencimento e pagamento sejam distintos” XXXVIII. Historicamente o subsídio de Natal foi aprovado, pela primeira vez em Portugal, para os funcionários públicos, porque não foi possível aprovar atualização salariais definitivas pelo Governo vigente, veja-se o preambulo ilustrativo do Decreto-Lei 457/72, de 15 de novembro: “No que toca às remunerações, sabe-se da elevadíssima expressão que, em termos de despesa, desde logo assume qualquer pequena modificação que se introduza nas tabelas de vencimentos em vigor. Esta circunstância, e o facto de as alterações introduzidas e a introduzir nos regimes da aposentação e das pensões de sobrevivência envolverem também encargos de montante extraordinariamente avultado, exigem que se ponderem cuidadosamente as possibilidades efectivas resultantes do comportamento provisional das receitas e das despesas públicas e que se garanta, através de um exame aprofundado das hipóteses de solução que se apresentam, a máxima rentabilidade económica e social dos esquemas a instituir. O estudo de tais esquemas, em colaboração com os serviços de reforma administrativa, encontram-se em fase de adiantamento que permite prever possam funcionar já em 1973. 5. Não é, assim, possível definir neste momento os termos da desejável actualização das remunerações dos servidores do Estado. Reconhecendo-se, todavia, que a situação desses servidores, em cuja dedicação e esforço assenta a possibilidade real de se prosseguirem e de se atingirem os objectivos essenciais da Nação, é de molde a impor que se lhes atribua, desde já, com referência a 1972, e embora em modalidade puramente acidental, válida apenas para o caso específico que se tem em vista resolver, a compensação razoável que as disponibilidades existentes consintam: Resolveu-se, assim, ponderadas as disponibilidades referidas, atribuir aos servidores do Estado, com referência ao corrente exercício, o suplemento eventual de um mês de remuneração, pagável em Dezembro, conjuntamente com a remuneração ordinária.” XXXIX. Como bem esclarece Bernardo Lobo Xavier, relativamente ao subsídio de Natal, tendo em conta o disposto no artigo 263.º: “Desta forma a lei optou por um sistema em que o subsídio de Natal é considerado como um salário diferido, que se amontoa mensalmente a favor do trabalhador”26 XL. Veja-se que nada impede que empregador e trabalhador acordem o pagamento destes subsídios em duodécimos, o que até é uma prática vigente em algumas empresas em Portugal, para que os trabalhadores possam beneficiar antecipadamente de uma maior disponibilidade financeira mensal. XLI. Esta visão realista é proposta também por Júlio Gomes quando questiona e põe em causa a propalada natureza acessória ou complementar do subsídio de Natal, questionando se não será hoje: “(...) retribuição normal para todos os efeitos, sucedendo apenas que o montante recebido por um trabalhador já não é hoje dividido em 12 prestações mensais.”27. XLII. Igual lógica, mutatis mutandis, deverá ser transposta para o subsídio de férias, que se sabe é uma realidade, à semelhança do subsídio de Natal, rara no espaço europeu, não sendo verdade que o subsídio de férias sirva para fazer frente ao acréscimo de gastos neste período, note-se o que João Leal Amado escreve sobre este tema: “[O subsídio de Natal] “caracteriza-se por ser uma prestação retributiva de formação progressiva ao longo do ano civil, num salário diferido que se vai sedimentado gradualmente.” XLIII. Assim, os argumentos esgrimidos pelo Tribunal a quo (fazer frente ao acréscimo de gastos nas férias e maior consumo da época natalícia) não tem já qualquer razão de ser. XLIV. Também neste sentido, veja-se o Parecer da Professora Maria do Rosário Palma Ramalho: “Em suma, o regime jurídico dos subsídios de Natal e de férias demonstra que estas prestações se foram progressivamente desligando da sua motivação premial ou compensatória originária para, como refere MONTEIRO FERNANDES, passarem a ser valores «...que «corrigem» ou «ajustam» a retribuição global (anual, se se quiser) ao benefício auferido pela entidade empregadora» Mas, e com isto concluímos em definitivo sobre este ponto: Se estas prestações deixaram de ter uma motivação diferenciada da actividade de trabalho e, sendo certo que nelas concorrem todos os outros elementos do conceito técnico-jurídico de retribuição (ou seja, constituem um direito do trabalhador, têm a sua base na lei, têm carácter patrimonial e são atribuídas de modo regular e periódico, sendo neste caso a periodicidade anual), nos termos da presunção de retribuição constante do art. 258º nº 3 do CT, elas devem ser qualificadas como complementos remuneratórios de índole retributiva, ou seja, como parte integrante da retribuição do trabalhador. Em suma, do ponto de vista jurídico e em termos substanciais, o subsídio de Natal e o subsídio de férias correspondem, afinal, à designação pela qual são vulgarmente conhecidos, i.e., a um 13º e a um 14º mês (de salário)”. XLV. Assim, e tal como vem recentemente entendendo a nossa jurisprudência, os “subsídios de férias e de Natal são incontestavelmente rendimentos provenientes do trabalho”, são, nada mais, nada menos que “parcelas de retribuição do trabalho e não extras para umas férias ou um Natal melhorados” XLVI. Em resultado, deve a decisão recorrida ser revogada nesta parte e substituída por Acórdão que declare a aplicação da lei irlandesa às matérias remuneratórias da relação laboral em apreço, por ser esta a lei escolhida pelas partes e por ser também a que prevê um enquadramento remuneratório global mais favorável à Apelada, concluindo-se pela improcedência dos pedidos da Apelada também nesta parte. DAS RETRIBUIÇÕES NÃO PAGAS DURANTE O PERÍODO DE INATIVIDADE XLVII. Como se viu, a Apelada pediu e gozou diversas licenças sem vencimento voluntárias (e alguns pedidos até foram negados, cfr. Doc. 3 junto com a contestação), não tendo sido produzida qualquer prova no sentido de que se a Apelada não tirasse licenças sem vencimento a Apelante marcaria unilateralmente os períodos gozados, razão pela qual não existe lugar ao pagamento de qualquer valor pelos “períodos de inatividade”, devendo a sentença ser revogada e substituída por uma que indefira o pedido da Apelada. XLVIII. Como também ficou claro, as Partes sujeitaram legitimamente a sua relação laboral ao ordenamento irlandês e a A. não alegou nem provou, como seria seu ónus, que quanto a este tema o regime nacional era mais protetor da sua posição (nem o poderia fazer, pois ao abrigo da lei portuguesa apenas teria direito a 20% da remuneração no período de inatividade e ao abrigo da lei irlandesa recebeu um valor líquido de cerca de Eur 250,00 por semana quando se encontrava em regime de inatividade, valor superior a 20% da sua remuneração base). XLIX. Assim, à A. não eram aplicáveis os artigos 157º e ss. do Código do Trabalho, pelo que deve a sentença ser revogada nesta Parte e reconhecida a maior proteção do regime jurídico irlandês nesta matéria, ou pelo menos não provado que o regime nacional fosse mais protetor por falta de alegação neste sentido, concluindo-se pela improcedência integral do pedido da A. nesta matéria. L. Mas mesmo que se considerasse que as licenças sem vencimento pedidas pela Apelada lhe foram impostas e que seria aplicável a lei portuguesa à matéria em causa, o que não se concede e se refere por mera cautela de patrocínio, então estaríamos perante um contrato de trabalho intermitente, conclusão que o Tribunal a quo afasta, em suma, alegando a falta de forma escrita e a falta de indicação do número anual de horas de trabalho. LI. Ora, quanto à falta de forma escrita, a Apelada já se pronunciou por via da invocada nulidade por decisão surpresa. LII. A sentença também refere, en passant, que a relação de trabalho intermitente não pode ser celebrada em regime de trabalho temporário, sem daí extrair qualquer consequência legal, no entanto, esta referência é irrelevante pois a falta de observação do disposto no artigo 157.º n.º 2 do Código do Trabalho não determinaria que se considerasse o contrato celebrado sem período de inatividade, pois essa consequência apenas se aplica nos casos expressamente previstos no artigo 158.º nº 2 do Código do Trabalho. LIII. Na verdade, a existência de um contrato de trabalho intermitente em regime de trabalho temporário apenas poderia determinar a inaplicabilidade do regime do trabalho temporário, sendo esta uma solução analógica à conferida pela lei à aposição de termos inválidos a um contrato de trabalho a termo resolutivo, pois se assim não se entendesse, a cominação de inexistência de período de inatividade não só obrigaria o empregador a pagar por trabalho que não recebeu, mas também se permitiria ao trabalhador enriquecer sem causa, considerando que este poderá ter auferido rendimentos de trabalho prestado, quer seja subordinado ou independente, no período de inatividade. LIV. Já no que concerne ao alegado incumprimento do disposto no artigo 158.º n.º 1, b), do Código do Trabalho, o contrato de trabalho da Apelante não específica o número anual de dias de trabalho mas indica o número anual de meses de trabalho (9 meses, ou seja, 270 dias), pelo que não se pode entender que esta norma seja violada por um acordo escrito que, ao invés de estabelecer um número de dias, acolhe concretamente o período de atividade mínimo que é assegurado, indicando as datas precisas em que se verifica atividade. LV. Não se pode, portanto, concordar que o contrato de trabalho intermitente celebrado viole o disposto no artigo 158.º n.º1, b), do Código do Trabalho, pelo que deve a sentença ser revogada e substituída por uma que declare válido o período de intermitência estabelecido entre as partes e que qualquer valor eventualmente devido à Apelada pelo período de inatividade deverá ser calculado em razão de 20% do salário base da Apelada e não do salário médio indicado por esta (que contém rubricas além do salário base). LVI. Acresce que, como se viu, durante este período de licenças sem vencimento a Apelada recebeu da segurança social irlandesa cerca de €250 por semana, valor superior aos 20% a que teria direito ao abrigo da lei portuguesa, pelo que sob pena de enriquecimento sem causa da Apelada e fraude ao sistema de segurança social irlandês, qualquer valor eventualmente devido à Apelada deverá ser deduzido dos montantes já pagos pela segurança social irlandesa, pelo que deve esta discussão ser dirimida em sede de liquidação de sentença. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente Recurso, devendo ser revogada a Sentença recorrida na parte em que condenou a Apelante ao pagamento de subsídios de férias e de Natal e de retribuições não pagas durante o período de inatividade, com todas as legais consequências. I.4 A Ré apresentou contra-alegações, encerrando-as com as conclusões seguintes: A. Relativamente à aplicação da lei portuguesa ao caso dos autos, já a A. se expressou exaustivamente no seu articulado de contestação à motivação, para lá remetendo e dando aqui por reproduzido, para os legais efeitos, tudo quanto alegou nessa sede. B. Ora, quer os Tribunais de 1.ª Instância, quer os Tribunais Superiores (incluindo esta Veneranda Relação), que sobre esta mesma questão já se pronunciaram, decidiram, por unanimidade, que era a lei portuguesa a aplicável, como é exemplo disso o Acórdão proferido no processo n.º2368/18.3T8CSC.L1 – Secção Social, o Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 19733/19.1T8LSB.L1 ou o Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 2191/19.8T8PDL.L1. C. Nas suas alegações, a Recorrente manifesta a sua absoluta discordância com a decisão preconizada pelo tribunal “a quo”. D. Com o devido respeito, não se compreende é a insistência da Recorrida nesta matéria, após tantas decisões já transitadas em julgado sobre o tema, persistindo em alegar que a lei irlandesa é mais vantajosa porque o ordenado mínimo fixado na Irlanda é muito superior ao que vigora em Portugal. E. No que tange ao arrazoado da Ré nesta matéria e salvo melhor opinião, entendemos que é de todo improcedente. F. Sempre com o devido respeito, nada de novo alega a Recorrente para sustentar a sua inconformidade com a aplicação da lei portuguesa à matéria das férias e dos subsídios de férias e de Natal. G. Nenhum elemento jurídico inovador é carreado para os autos que possa relevar para a reapreciação desta questão. H. Com efeito, d) Os subsídios de férias e de Natal contam de disposição não derrogáveis por acordo das Partes; e) A lei irlandesa não contém qualquer previsão geral do pagamento de subsídio de férias ou de Natal; e f) A lei portuguesa é mais favorável nesta matéria; I. Trata-se de uma verdade incontornável, que a Recorrente pretende, a qualquer custo, escamotear, sustentando a sua argumentação num alegado “benefício injustificado” para os Trabalhadores da empresa, por o regime irlandês “estipular remuneração global mais vantajosa”. J. Nada mais falacioso, sobretudo vindo de uma empresa que nem sequer aplica aos seus trabalhadores um “salário mínimo” dependendo a respetiva retribuição mensal das horas de voo que a própria Ré decide atribuir. K. Com efeito, verificando-se no contrato de trabalho vigente, a ausência da garantia para a Recorrida de uma prestação retributiva mensal mínima, se a Recorrente apenas o nomeasse para 2 dias do mês, a retribuição mensal correspondente apenas refletiria as efetivas horas de voo realizadas, sem que lhe fosse assegurada uma base mínima de vencimento. L. Não obstante, a Recorrente insiste na maior favorabilidade do vencimento dos seus tripulantes à luz da aplicação da lei irlandesa, o que não é verdade e nem a mesma carreou para os autos factualidade que lhe permita fazer tal afirmação. M. A Recorrida nunca recebeu qualquer valor a título de subsídios de férias e de natal pelo que esses valores são legalmente devidos. N. A Recorrida não recebeu a formação profissional que tem direito, pelo que este valor é lhe integralmente devido. O. A Recorrida celebrou um contrato de trabalho com uma cláusula nula à luz do direito nacional, pelo que essa cláusula deve ser considerada como não escrita, tendo a Recorrida direito a receber as quantias que deixou de auferir a título de períodos de inatividade. P. Assim, deve ser confirmada a bondade da sentença em crise na sua totalidade. I.5 O Digno Procurador Geral Adjunto junto desta Relação emitiu o parecer a que alude o art.º 87.º 3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso, na consideração, no essencial, do seguinte: -«[..] 2. Vem a Recorrente arguir nulidade processual nos termos do número 3 do art.º 3.º e número 1 do art.º 195.º, ambos do CPC. Porque, o Tribunal a quo, numa decisão surpresa, decidiu que o contrato celebrado entre as partes não poderia ser considerado um contrato de trabalho intermitente, por falta de forma (no período de 25.03.2012 a 24.03.2017), condenando a Apelante no pagamento total dos alegados períodos de inatividade. A questão dos períodos de inactividade foi abordada pela Autora e Ré nos articulados, não sendo uma questão nova, agora levantada e decidida. A decisão em recurso tomou posição e decidiu em função do alegado pelas partes e demais elementos de prova, não havendo necessidade, salvo melhor opinião, de ouvir as partes, antes de decidir, em relação a cada posição e interpretação ou argumentação jurídica utilizada. 3. Quanto ao mais acompanhamos a douta sentença em recurso, com a qual concordamos, e para a qual se remete, evitando desnecessárias repetições, devendo a mesma ser confirmada atentos os fundamentos de facto e de direito nela consignados e que determinaram a procedência parcial da acção. [..]». I.6 Cumpridos os vistos legais procedeu-se ao envio do projecto de acórdão aos excelentíssimos adjuntos e determinou-se que o processo fosse submetido à conferência para julgamento. I.7 Delimitação do objecto do recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões que se colocam para apreciação consistem em saber o seguinte: i) Se o Tribunal a quo incorreu em nulidade processual nos termos do art. 195.º n.º1, por violação do número 3 do art. 3.º, ambos do CPC [conclusões I a IV]; ii) Se o Tribunal a quo errou na apreciação da prova e fixação da matéria de facto, quanto aos pontos 1, 3, 52, 53; 51 e 53; 33 a 38; e, 56, 57 e 58 [conclusões V a XIV]; iii) Se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos ao entender ser subsidiariamente aplicável a lei portuguesa: condenando no pagamento em subsídios de férias e de Natal [conclusões XV a XLVI]; e, considerando que o contrato de trabalho intermitente celebrado viola o disposto no artigo 158.º n.º1, b), do CT, condenando no pagamento de retribuições II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO O Tribunal a quo fixou o elenco factual seguinte: A - Factos provados Discutida a causa, resultou provada a seguinte matéria de facto (alinhada de forma lógica e cronológica): 1. A Autora foi admitida ao serviço da Ré, por um contrato de trabalho que teve início em 25.03.2012 e no âmbito do qual a Autora exerceu funções de tripulante de cabine para a empresa B... Dac, ininterruptamente, até 28.02.2019 data em que a Autora comunicou à Ré a decisão de sair da empresa, (cfr. artº1º, artºA) e artº92º, todos da P.I.). 2. A Autora desempenhava as funções de tripulante de cabine, na base aérea do Aeroporto de Faro, sob ordens e instruções da Ré e de acordo com o horário de trabalho por esta designado, (cfr. artº2º da P.I.). 3. A Autora desempenhava as funções de tripulante de cabine ao serviço da Ré e encontrava-se adstrita à base aérea do Aeroporto de Faro, durante toda a execução do contrato de trabalho, (cfr. artº11º da P.I.). 4. A Autora fixou a sua residência habitual em Portugal, sendo este o local onde habitualmente goza as suas folgas e onde tem inserido o seu centro de vida e família, (artº12º da P.I.). 5. Para desempenhar as suas funções, a Autora apresentava-se, todos os dias em que prestasse trabalho, junto da competente sala dos tripulantes (usualmente denominada Crew Room), no referido Aeroporto, em Portugal, a qual era disponibilizada e titulada pela Ré, (arto13º da P.I.). 6. Portugal é o País no qual a Autora se apresentava a trabalhar e o País onde iniciava e ao qual regressava no final da sua jornada de trabalho, (cfr. artº14º da P.I. e cfr. artº 63º, 1ª parte, da Contestação). 7. Os aviões da Ré encontravam-se estacionados no referido Aeroporto de Faro, Portugal, (artº 15º da P.I.). 8. Na referida sala dos tripulantes, a Autora registava a sua entrada ao serviço em computador destinado para o efeito, bem como registava a sua saída no final de cada dia de trabalho, (artº16º da P.I.). 9. Sendo obrigatório e imperativo tal registo, sob pena de marcação de falta, (artº17º da P.I.). 10. Aquando da realização deste registo, a Ré poderia também comunicar à Autora alterações ao seu horário de trabalho, (arto18º da P.I.). 11. Nos dias em que o serviço da Autora consistisse em voos programados, a mesma deveria apresentar-se e registar a sua entrada 45 minutos antes de cada voo, (arto19º da P.I.). 12. Reunindo com a restante tripulação nos 45 minutos que antecediam o voo, com vista a programar e configurar o dia de trabalho, (artº20º da P.I.). 13. Bem como, consultando tabelas de objectivos de vendas das rotas a operar previamente definidos pelos Supervisores da Base e documentos publicados periodicamente pela Ré, constantes em arquivos existentes em tal sala, (artº21º da P.I.). 14. Nos dias em que se encontrasse de prevenção presencial deveria permanecer em tal sala durante oito horas, executando diversas tarefas, tais como preparação de documentos, recolha de correio interno, arrumação e restabelecimento de material, (artº22º da P.I.). 15. Nos dias em que se encontrasse de prevenção não presencial, a Autora não era remunerada se não fosse chamada a prestar trabalho, mas também não era obrigada a comparecer no Aeroporto, (cfr. artº23º da P.I.). 16. Tendo, antes de permanecer em determinado período de tempo (normalmente onze horas), alerta e atenta ao telemóvel, pronta para receber chamada de urgência e disponível para se apresentar na mencionada sala em 60 (sessenta) minutos, (artº24º da P.I.). 17. A Autora era obrigada a residir a curta distância do Aeroporto, a qual lhe permitisse sair de casa e apresentar-se ao trabalho, devidamente fardada e pronta para prestar trabalho, em menos de 60 (sessenta) minutos, (cfr. artº25º da P.I.). 18. A Autora recebia as instruções de trabalho dos seus superiores hierárquicos – Supervisores da Base, (artº26º da P.I.). 19. As quais podiam ser fornecidas diária ou esporadicamente, de forma verbal ou escrita, e consistiam, designadamente, na proposta de organização do serviço a bordo da aeronave, na indicação dos produtos a destacar no dia e na recepção e discussão dos resultados e relatórios do dia, (artº27º da P.I.). 20. Recebendo também diariamente instruções dos seus superiores hierárquicos Chefes de Cabine, que igualmente se encontravam em Faro e operavam o voo juntamente com a Autora, (artº28º da P.I.). 21. Tais instruções e supervisão iniciavam-se na referida sala dos tripulantes, passavam pelo avião e terminavam na mencionada sala, no final do dia, (artº29º da P.I.). 22. Em voo a A. prestava as suas funções de tripulante de cabine num avião registado na Irlanda, sobrevoando o espaço aéreo de diferentes países e espaço aéreo internacional, (cfr. artºs 22º e 23º da contestação). 23. A A. realizava aterragens e partidas nos mais variados países, (artº24º da contestação). 24. Após a aterragem no final da sua jornada de trabalho, e o regresso à referida sala, a Autora redigia os relatórios necessários, depositando os mesmos em local destinado para o efeito ou introduzindo-os eletronicamente em computador existente na sala, de acordo com a categoria de cada um dos relatórios, (artº 30º da P.I.). 25. É, ainda, no referido computador sito na crewroom que é feito o sign-in do trabalhador, bem como é ali que se encontra disponível a ferramenta de avaliação TOP CLASS, (artº31º da P.I.). 26. Bem como depositava em cofre existente na referida sala, o dinheiro faturado durante o dia e o transportava, sendo caso disso, para Dublin, (artº 32º da P.I.). 27. As marcações de férias ocorriam em Portugal, na sala da Ré ou em computador com ligação à Internet, (artº 33º da P.I.). 28. A Autora recebia, ainda, formação e avaliação anual recorrente que tinha lugar na sala da tripulação, (artº 34º da P.I.). 29. Caso a Autora se encontrasse incapacitada de prestar trabalho, deveria disso dar conhecimento ao supervisor da base e à central de controle de tripulação, (artº 35º da P.I.). 30. Em caso de atraso ou falta ao serviço a Autora era chamada para uma reunião com o supervisor da base, na sala da tripulação, em Faro, (artº 36º da P.I.). 31. Todas as trocas de horário acordadas entre tripulantes, bem como os requerimentos de licença sem vencimento da Autora eram submetidos à aprovação do supervisor da base, em Faro, superior hierárquico da Autora, (artº 37º da P.I.). 32. A A. também recebia instruções, planeamento, horários e intervenções hierárquicas a partir de Dublin, na Irlanda, (cfr. artº 27º da Contestação). 33. A A. recebia os pagamentos efectuados pela R. numa conta bancária irlandesa, (cfr. artº 28º da Contestação). 34. O departamento de recrutamento da Ré situa-se em Dublin, na Irlanda e é lá que é gerido todo o processo, (artº 37º da Contestação). 35. A Autora nunca acordou na celebração de qualquer pacto de jurisdição, (artº39º da P.I.). 36. Nem aceitou o afastamento da aplicação da Lei Portuguesa, (cfr. artº40º da P.I.). 37. A Autora nunca escolheu a aplicação da Lei Irlandesa em derrogação da Lei Portuguesa, (cfr. artº 56º da P.I.). 38. A Ré sempre negou à Autora a possibilidade de negociação de qualquer cláusula contratual, não tendo sido lida ou explicada à Autora qualquer cláusula contratual que estipulasse qualquer pacto de jurisdição, (cfr. artº41º da P.I.). 39. No contrato de trabalho é feita referência de que as relações laborais entre o trabalhador e o empregador devem ser feitas ao abrigo da lei irlandesa, (cfr. artº 4º da P.I.). 40. Nunca foi lida ou explicada à Autora qualquer cláusula contratual que estipulasse a aplicação da Lei Irlandesa, (cfr. artº 58º da P.I.). 41. A Autora assinou o contrato onde quer que estivesse à data e enviou-o por email para a Irlanda para a Ré, (artº 38º da Contestação). 42. A Autora assinou documentos pré elaborados, em minuta contratual previamente preparada pela R., nos quais a Autora não teve qualquer poder de negociação ou intervenção na sua elaboração, apenas tendo tido a escolha de assinar ou não assinar tais documentos, (cfr. artº s 60º e 61º da P.I. e cfr. artº 74º da Contestação). 43. Por acordo de 28/11/2018 com o Sindicato do Pessoal de Voo da Aviação Civil, a R. concordou em passar a aplicar a partir de 1 de Fevereiro de 2019 a legislação nacional às relações laborais com os trabalhadores alocados a bases em Portugal, tendo ainda sido acordado que “a B... não contestará a jurisdição dos tribunais portugueses para dirimir quaisquer disputas laborais entre a B... e os Tripulantes de Cabine”, (cfr. artº s 6º e 7º da Contestação). 44. A Ré nunca pagou subsídio de férias à Autora durante todo o período de vigência do contrato, compreendido entre 25.03.2012 e 28.02.2019, (cfr. artºs 92º e 94º da P.I.). 45. A Ré nunca pagou subsídio de Natal à Autora, (cfr. artº 104º da P.I.). 46. A Autora não tinha vencimento base, recebendo um valor por cada hora de voo, (artº 95º da P.I.). 47. Nos últimos 12 meses de contrato, a Autora recebeu da Ré a seguinte remuneração: Março de 2018 – 0 Abril de 2018 - €818,16 Maio de 2018- €1.913,91 Junho de 2018 - €1.625,53 Julho de 2018 - €1.652,32 Agosto de 2018 - €2.071,75 Setembro de 2018- €2.072,80 Outubro de 2018- €1.737,05 Novembro de 2018 - €1.682,04 Dezembro de 2018 - €1.088,51 Janeiro de 2019 - €1.443,64 Fevereiro de 2019 - €0 (cfr. artº 96º da P.I.). 48. Atendendo à sazonalidade da base de Faro, durante o Inverno existia uma diminuição na operação, o que justificava que durante cerca de 3 meses os tripulantes tivessem “unpaid leave” ou seja, licença sem vencimento, (cfr. artº 109º da P.I.). 49. Nesses períodos os trabalhadores pediam licença sem vencimento nos termos contratualmente previstos, (cfr. artº 112º da P.I.). 50. A Ré facultava aos trabalhadores a possibilidade de escolher, dentro de determinados meses, os meses em que queriam estar de licença sem retribuição, (cfr. artº 115º da P.I.). 51. Durante esses meses a trabalhadora não recebia qualquer remuneração, (cfr. artº 117º da P.I.). 52. A trabalhadora teve os seguintes períodos de inatividade: 07.11.2012 a 09.11.2012 – 3 dias 22.11.2012 a 26.12.2012 – 5 dias 22.12.2012 a 26.12.2012 – 5 dias 12.02.2013 a 23.03.2013 – 1 mês e 12 dias 22.12.2015 a 17.03.2016 – 2 meses e 27 dias 17.12.2016 a 03.03.2017 – 2 meses e 18 dias 12.12.2017 a 14.03.2018 – 3 meses e 3 dias 08.01.2019 a 28.02.2019 – 2 meses e 18 dias , (cfr. artº118º da P.I.). 53. Nos meses de Março de 2018 e Fevereiro de 2019 a trabalhadora esteve de licença sem vencimento, por imposição contratual, sem que lhe tivesse sido pago qualquer valor, (cfr. artº97º da P.I.). 54. A Autora teve conhecimento, através da carta enviada pela Ré, que desde Março de 2018 que os seus descontos para a segurança social deixariam de ser efetuados na Irlanda mas passariam a ser feitos em Portugal, (cfr. artº 123º da P.I.). 55. Conforme consta da comunicação da Ré, esta continua a descontar o valor devido pela contribuição à segurança social, competindo à Autora providenciar pela sua inscrição neste sistema contributivo, (artº 124º da P.I.). 56. Após consulta na segurança social Portuguesa, até à data de hoje e não obstante as diversas insistências da Autora junto da Ré, essa situação não está regularizada, tendo a Ré retido o valor devido a título de contribuição para a segurança social mas não o entregou à segurança social portuguesa, (cfr. artºs 125º e 126º, ambos da P.I.). 57. Quando a Autora se deslocou à segurança social para verificar que benefícios poderia ter em virtude de se encontrar desempregada, constatou que não teria direito a qualquer valor nem a qualquer apoio uma vez que a sua carreira contributiva junto da segurança social portuguesa é nula, (cfr. artº127º da P.I.). 58. Não obstante todos os meses lhe terem sido retirados os respectivos valores, (cfr. artº128º da P.I.). 59. A A. fez formação profissional fora de Portugal, nomeadamente em ..., em Inglaterra, (artº 26º da Contestação). 60. A A. frequentou a formação de line check em 12.09.2016, em 30.08.2017 e 04.07.2018, cada uma com uma duração de cerca de 2 horas, (artº135º da Contestação). 61. A A. completou a formação de CRMS, Security and Dangerous Good training and checking, em 05.08.2016, em 24.08.2017 e 02.08.2018, sendo que cada uma destas formações anuais tem a duração de 2 dias, com 8 horas em cada dia, (artº 136º da Contestação). 62. A A. completou formação em situação de incêndio, crew triennial recurrent training and checking- 3RT (fire training), em 29.09.2016 e novamente em 01.10.2016, cada uma com uma duração de cerca de 1 hora, (artº 137º da Contestação). 63. Acrescem ainda formações e certificações, através de e-learning, de cerca de 30 minutos cada, nos seguintes termos: • Solas Reporting System, em 28.03.2017; • Uk Immigration and Security, em 31.03.2017; • CPD 6, em 30.04.2017; • Revised Fire Fighting Procedures, em 26.06.2017; • CPD 7, em 19.03.2018; • Regulamento Proteção de Dados (GDPR), em 07.05.2018; • CPD 8, em 24.06.2018, (arto138º da Contestação). 64. A A. completou, também, as seguintes formações internas, com uma duração de cerca de 2 horas cada: • Boeing sky interior BSI, em 18.01.2016; • New Lavatory BSI Training, em 12.09.2016; • Introduction to Automatic External Defibrillators- AED, em 18.03.2017, (arto139º da Contestação). 65. A Ré não tem qualquer actividade em Portugal hoje em dia, (cfr. artº 18º da contestação). 66. É na Irlanda que a Ré se encontra domiciliada, (cfr. artº 53º da contestação). 67. O contrato da A. celebrado em 16/02/2017, junto a estes autos, está escrito em Inglês, (cfr. artº 54º da contestação). 68. O salário mínimo na Irlanda para um trabalhador experiente, com mais de 2 anos nas funções é de €9,80 por hora, (cfr. artº 105º da contestação). 69. Era na Irlanda que decorria qualquer procedimento disciplinar, (cfr. artº 56º da Contestação). B - Factos não provados Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos anteriormente referidos, designadamente que: - a A. tenha sido contratada pela Ré para prestar trabalho na base de ..., em Espanha, (cfr. artos 13º, 36º e 85º da contestação); - a A. tenha estado alocada à base de ... desde 25 de março de 2011 até 27 de março de 2012, (cfr. artºs 14º e 86º da contestação); - em ... e aquando da sua contratação, tenha sido o contrato perfeitamente explicado à A. que, poderia colocar dúvidas quanto ao mesmo, algo que nunca fez, (cfr. artº 15º da contestação); - a A. estivesse alocada à base de ... e que tenha solicitado por sua iniciativa a transferência para ficar alocada à base de Faro, (cfr. artºs 16º e 36º da contestação); - a A. tenha sido alocada à base de Faro apenas a partir de 28 de março de 2012 e que aí prestasse trabalho em regime de trabalho temporário, (cfr. artºs 17º e 86º da contestação). - a Autora não tenha concordado com a aplicação da Lei Irlandesa, (cfr. artº 40º da P.I.); - a Autora não concordaria com a aplicação de qualquer cláusula contratual que estipulasse a aplicação da lei irlandesa, (cfr. artº 59º da P.I.); - a Ré tenha compelido a Autora a assinar documentos pré elaborados, (cfr. artº 60 º da P.I.); - nos últimos 3 anos de contrato a Autora não tenha efectuado qualquer formação, (cfr. artº107º da P.I.); - o valor hora fosse de €17,90, (cfr. artº108º da P.I.); - a Autora tenha saído da Ré por reiterados incumprimentos desta, (cfr. artº130º da P.I.); - a saída da Autora da empresa Ré tenha provocado e continue a provocar na Autora uma elevadíssima frustração, perturbação, desgosto e ansiedade resultando na diminuição da sua qualidade de vida, (cfr. artº 132º da P.I.); - a A. já tenha estado alocada a mais que uma base, (cfr. artº 33º da Contestação); - na Crewroom da B... seja realizada uma parte muito pouco significativa das suas funções, (cfr. artº35º da Contestação); - a A. apenas receba as instruções do trabalho a partir da Irlanda, (cfr. artº 50º da Contestação); - apenas na Irlanda se encontrem os superiores hierárquicos da A., (cfr. artº 51º da Contestação); - todo o agendamento e actos instrutórios da prestação de trabalho da A. ocorram na Irlanda, nomeadamente todo o agendamento de voos, alteração de voos, planeamento da atividade, marcação de férias, (cfr. artº 55º da Contestação); - a A. tenha tido nos últimos 3 anos de contrato apenas 59,5 horas de formação, (cfr.art.º 140º da Contestação). II.2 Da arguida nulidade processual/decisão surpresa A recorrente vem defender que o Tribunal a quo incorreu em nulidade processual nos termos do art.º 195.º n.º1, por violação do número 3 do art.º 3.º, ambos do CPC [conclusões I a IV]. Alega, no essencial, que o Tribunal a quo, numa decisão surpresa, decidiu que o contrato celebrado entre as partes não poderia ser considerado um contrato de trabalho intermitente, por falta de forma (no período de 25.03.2012 a 24.03.2017), condenando a Apelante no pagamento total dos alegados períodos de inatividade. Refere que a suposta nulidade por vício de forma não foi alguma vez alegada nem esteve em causa, razão pela qual nem a Apelante nem a Apelada a abordaram, não se tendo produzido prova ou mesmo qualquer pronúncia sobre este tema tão simplesmente porque as Partes sabiam que existiam contratos escritos celebrados anteriores a 2017 pelo que não foi algo que tivessem pretendido discutir. Defende que, querendo decidir sobre uma determinada qualificação o tribunal deve dar às partes a oportunidade de sobre ela se pronunciar; não o fazendo, o Tribunal a quo violou o direito da Apelante ao contraditório, o que consubstancia uma nulidade processual nos termos do número 3 do art.º 3.º e número 1 do art.º 195.º, ambos do CPC, a qual se invoca para os devidos efeitos legais. Mais alega, que estando a decisão-surpresa coberta por decisão judicial, nada obsta a que a mesma seja invocada e conhecida em sede de recurso, para concluir pedindo que “[..] a sentença em crise deve ser revogada, considerando-se que o contrato de trabalho qualificado como intermitente não padece de qualquer vício de forma, sem prejuízo dos demais temas da apelação que infra se abordam”. No despacho sobre a admissibilidade do recurso, em cumprimento do disposto no art.º 641.º /1, do CPC, o Tribunal a quo, pelas razões que deixou consignadas, assumiu estar-se perante a arguição uma nulidade da sentença, pronunciando-se, no essencial, como segue: -«[..] Ora, conforme ensina o Prof. Miguel Teixeira de Sousa a violação pelo tribunal do disposto no artigo 3º, nº3, do CPC dá lugar a uma causa de nulidade da sentença taxativamente prevista no artigo 615º do CPC. Com efeito, ensina-nos aquele Professor que “[...] Se, apesar da omissão indevida de um acto, o juiz conhecer na decisão de algo de que não podia conhecer sem a realização do acto omitido (ou, pela positiva, conhecer de algo de que só podia conhecer na sequência da realização do acto), essa decisão é nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º1, al. d), CPC) [...].” É que “o objecto do recurso é sempre uma decisão impugnada” . “(...) É, aliás, porque o objecto do recurso é sempre a decisão impugnada e porque o tribunal ad quem só pode conhecer desse objecto que se deve entender que uma decisão - surpresa é nula por excesso de pronúncia.” - cf. Blog do IPPC, 28/01/2019 Jurisprudência 2018 (163) disponível em https://blogippc.blogspot.com/2019/01/jurisprudencia-2018- 163.html. O que necessariamente implica que o que esteja em causa apurar é se a sentença recorrida enferma da causa de nulidade de excesso de pronúncia, nos termos da alínea d) do nº1 do artigo 615º do CPC. * Aqui chegados, importa, também, desde logo, atentar a que, contrariamente ao que parece alegar o recorrente, do artigo 3º, nº1 do CPC não decorre que “querendo decidir sobre uma determinada qualificação deve dar às Partes a oportunidade de sobre ela se pronunciar; não o fazendo, o Tribunal a quo violou o direito da Apelante ao contraditório, o que consubstancia uma nulidade a qual se invoca para os devidos efeitos legais”, (sic).O que o artigo 3ºo, nº3, do CPC estatui é bem diverso: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.” Ou seja, o que está em causa é o conhecimento de questões e não de argumentos ou qualificações jurídicas, até porque, nos termos do disposto no artº5º, nº3, do CPC “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.” Com efeito, o que releva é que o tribunal não decida “questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”, (cfr. arto3º, nº3, do CPC), pois doutra forma o Tribunal passa a conhecer “de questões de que não podia tomar conhecimento”, (cfr. artº615º, nº1, al.d) do CPC). E quais são as questões de que o tribunal deve tomar conhecimento, por as partes terem tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem? A essa pergunta, responde-nos o nº2 do artigo 608º do CPC: Todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, (excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras), tendo, aliás, o juiz o dever de resolver tais questões, sob pena de ser cometida a nulidade (de sentido inverso) de omissão de pronúncia, nos termos também previstos na al.d) do nº1 do artigo 615º do CPC. Ocupando-se o tribunal na sentença (como é o seu dever- artº608º, nº2, e 615º, nº1, al. d), 1ª parte a contrario, ambos do CPC) das questões suscitadas pelas partes nos respectivos articulados e requerimentos, está-se perante questões relativamente às quais as partes tiveram, necessariamente, a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, nunca podendo, por isso, a apreciação e decisão de tais questões constituir uma “decisão-surpresa” por violação do contraditório. * Com efeito, conforme consta e se refere na sentença ora posta em crise, «o objecto da sentença é delimitado por todas as questões que as partes tenham submetido à apreciação do tribunal, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, (cfr. art. 608º, no 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei no 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al.a) do Código de Processo do Trabalho).Assim, as questões que importa a apreciar são as seguintes: A. Se os tribunais portugueses dispõem de competência internacional para dirimir o presente litígio. B. Se é obrigatório o pagamento a trabalhadores cujo contrato de trabalho está a ser executado em Portugal de subsídio de férias e de Natal. C. Qual a lei aplicável ao contrato da A. com a Ré durante o seu período de execução; D. Formação não ministrada; E. Retribuições não pagas durante o período de inatividade. F. Contrato de trabalho intermitente. G. Competência material do presente tribunal do trabalho para o conhecimento do pedido de condenação da Ré a entregar à Segurança Social portuguesa o valor das contribuições devidas desde Março de 2018. H. Danos não patrimoniais. Vejamos”, (sic). Ou seja, o tribunal apenas apreciou e decidiu na sentença todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, como lhe impunha o disposto no nº2 do artigo 608º do CPC, questões essas porque suscitadas pelas partes no processo, estas tiveram a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, assim se mostrando necessariamente observado o princípio do contraditório, e não se podendo falar em qualquer “decisão surpresa” precisamente porque as partes não podem deixar de saber o dever do tribunal conhecer de tais questões, sob pena de a sentença enfermar de omissão de pronúncia, (cfr. artº608º, nº2, do CPC). * Mais particularmente sobre a questão do “D6. Contrato de trabalho intermitente”, conforme se refere na sentença proferida “Conforme já se referiu supra em D3. e D5. importa, desde logo, enfrentarmos a questão, também suscitada pela Autora, no que parece haver consenso da Ré nesse ponto (cfr.artº148º da contestação) de saber se o contrato que vigorou entre as partes foi um verdadeiro contrato de trabalho intermitente”, (sic).Ou seja, está-se perante uma questão suscitada pela Autora na sua P.I., relativamente à qual a Ré teve a possibilidade de sobre ela se pronunciar na sua Contestação, assim exercendo o seu contraditório. Sendo certo que prescrevendo o nº1 do artigo 158º do CT que “o contrato de trabalho intermitente está sujeito a forma escrita e deve conter: a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes; b) Indicação do número anual de horas de trabalho, ou do número anual de dias de trabalho a tempo completo”, está-se perante formalidades “ad substantiam”, estando-se perante factos para cuja prova se exige documento escrito, não podendo a sua falta ser suprida por outros meios de prova, (cfr. artigo 568º, al.d) do CPC), sendo, por isso, a apreciação dessas formalidades essencial na apreciação da questão do contrato de trabalho intermitente, tal como sucede no caso dos contratos de trabalho a termo resolutivo, em que sua forma escrita também é essencial. Ora, “toda a defesa deve ser deduzida na contestação”, (arto573º, nº1, 1ª parte, do CPC) e “na contestação deve o réu” “apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova”, (artº 572º, al. d) do CPC), designadamente os documentos, (cfr. artº 423º, nº1, do CPC), pelo que incumbia à Recorrente o cumprimento dos ónus legais relativos aos princípios da concentração da defesa e da preclusão estabelecidos na primeira parte do art.º 573.º, n.º1, do CPC, que sobre si impendiam como contestante. Não o tendo feito, sibi imputet, não podendo agora a Recorrente, salvo o devido respeito, procurar “remediar” qualquer eventual insuficiência na observância, que a onerava, do princípio da preclusão e da instrução documental da sua contestação, com um qualquer pretenso dever do tribunal de lhe concede o contraditório sobre uma questão sobre a qual a Recorrente teve, na sua contestação, já a possibilidade de sobre ela se pronunciar. Não podendo a recorrente desconhecer, como é óbvio, a essencialidade da forma escrita para o contrato de trabalho intermitente e a circunstância de tal forma escrita apenas poder ser provada por documento, apenas a si se podendo ficar a dever qualquer eventual omissão de junção de documentos com a sua contestação que apenas tenha detectado após a prolação da sentença, (cfr.. artº6º do Código Civil). * Destarte, tendo o Tribunal apenas tomado conhecimento, apreciado e decidido na sentença agora posta em crise todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, e que tinha o dever de apreciar e decidir, nos termos previstos no artº608º, nº2, do CPC, sobre as quais as partes, mormente a Ré, tiveram a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, necessariamente que não se vislumbra qualquer violação do disposto no artº3º, nº3, do CPC, nem que a sentença enferme de nulidade por excesso de pronúncia.Importa, assim, concluir pela não verificação da nulidade prevista no art.º 615º, n.º 1, alínea d) do CPC, não enfermando a sentença da nulidade que lhe vem imputada pela recorrente na sua alegação de recurso. ** Pelo exposto, e sem necessidade de ulteriores considerações, conclui-se, assim, que a sentença recorrida não enferma da causa de nulidade invocada pela Recorrente.[..]». Passemos à apreciação. O artigo 3.º do CPC, com a epígrafe “Necessidade do pedido e da contradição”, no seu n.º3, dispõe o seguinte: [3] O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. A norma foi introduzida com a reforma do Código de Processo Civil, operada em 1995/1996 pelos Decretos-Lei nºs 329°-A/95 de 12 de Dezembro e 180/96 de 25 de Setembro, acentuando a importância dos princípios da contraditório e da igualdade das partes, passando aquele a ter uma ampliada consagração legal. Deste princípio decorre que cada parte é chamada a apresentar as suas razões de facto e de direito, a oferecer as suas provas e a pronunciarem-se sobre o valor e resultado de umas e outras e, portanto, salvo caso de manifesta desnecessidade, não é lícito ao juiz decidir sobre questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. Visto noutra perspectiva, significa isto também, que se porventura o juiz conclui que para a apreciação e decisão do litígio vai debruçar-se sobre questão que as partes não suscitaram nos seus articulados, nem sobre ela tiveram oportunidade de se pronunciarem, a fim de evitar a prolação de uma decisão surpresa, antes de avançar, sob pena de incorrer em nulidade que pode influir no exame ou decisão da causa (art.º 195.º 1, CPC), deve ordenar a notificação das partes dando-lhes conta daquele propósito e facultando-lhes a possibilidade de exercerem o contraditório. Como se elucida no Ac. do STJ de 24-02-2015 [proc.º 116/14.6YLSB, Conselheira Ana Paula Boularot, disponível em www.dgsi.pt] “[A] decisão surpresa faz supor que a parte possa ser apanhada em falta por uma decisão que embora pudesse ser juridicamente possível, não esteja prevista nem tivesse sido por si configurada”. A violação do princípio do contraditório consubstancia nulidade processual por omissão de ato que deveria ter sido praticado, com influência na decisão da causa (art. 195º, nº 1, do CPC). Trata-se, todavia, de nulidade processual que, por estar coberta pela própria sentença, já que foi nesta que a mesma foi cometida, é impugnável por via de recurso a interpor da sentença, acabando por equivaler ou consubstanciar nulidade da sentença. Neste sentido, afirma o Acórdão do TRP de 08.10-2018 [Proc. 721/12.5TVPRT.P1,Desembargadora Ana Paula Amorim, disponível em www.dgsi.pt]: “I - Suscitada a título oficioso a apreciação de uma questão de direito, o exercício do contraditório, nos termos do art. 3º/3 CPC dependerá sempre da verificação de uma nova abordagem jurídica da questão perante o objeto do litígio, que não fosse perspetivada pelas partes, mesmo usando da diligência devida. II-A omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar “decisões-surpresa”, configura a nulidade da sentença/despacho, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º/1 d) CPC”. Servindo-nos agora da elucidativa síntese do Ac. de 02-12-2019, deste TRP [Proc.º 14227/19.8T8PRT.P1, Desembargadora Eugénia Cunha, disponível em www,dgsi.pt]: -«Decisão-surpresa é a solução dada a uma questão que, embora pudesse ser previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que esta tivesse obrigação de prever fosse proferida. A proibição da decisão-surpresa reporta-se, principalmente, às questões suscitadas oficiosamente pelo tribunal. O juiz que pretenda basear a sua decisão em questões não suscitadas pelas partes mas oficiosamente levantadas por si, “ex novo”, seja através de conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve, previamente, convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer, conforme dispõe o nº 3, do art. 3º, em casos de manifesta desnecessidade. Com este princípio quis-se impedir que as partes pudessem ser surpreendidas, no despacho saneador ou na decisão final, com soluções de direito inesperadas, por não discutidas no processo, as quais, no regime anterior, eram permitidas. Pretendeu-se, pois, proibir as decisões-surpresa embora tal não retire a liberdade e independência que o juiz tem, em termos absolutos, de subsumir, selecionar, qualificar, interpretar e aplicar a norma jurídica que bem entender, aplicando o direito aos factos de modo totalmente autónomo. Impõe, sim, ao julgador que, para além de dar a possibilidade às partes de alegarem de direito, sempre que surge uma questão de direito ainda não discutida ao longo do processo tem de, antes de decidir, facultar às partes a sua discussão. A regra do contraditório passou, assim, a abarcar a própria decisão de uma questão de direito, decisiva para a sorte do pleito, inovatória, inesperada e não perspetivada pelas partes, tendo de ser dada a estas a possibilidade de, previamente, a discutirem sendo que tal “entendimento amplo da regra do contraditório, afirmado pelo nº3, do art. 3º, não limita obviamente a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º); trata-se apenas e tão somente, de, previamente ao exercício de tal “liberdade subsuntiva” do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de exceções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar”[4]. [4] REGO, Carlos Lopes do (2004). Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., vol. I. Coimbra: Almedina, pág 32]. Revertendo ao caso, assinala o Tribunal a quo no transcrito despacho, que na sentença recorrida afirmou-se a necessidade de conhecer da questão relativa ao contrato de trabalho intermitente ”também suscitada pela Autora, no que parece haver consenso da Ré nesse ponto (cfr.artº148º da contestação) de saber se o contrato que vigorou entre as partes foi um verdadeiro contrato de trabalho intermitente”, (sic). Ou seja, está-se perante uma questão suscitada pela Autora na sua P.I., relativamente à qual a Ré teve a possibilidade de sobre ela se pronunciar na sua Contestação, assim exercendo o seu contraditório”, nessa consideração concluindo que apenas foi conhecido, “[..] apreciado e decidido na sentença agora posta em crise todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, e que tinha o dever de apreciar e decidir, nos termos previstos no artº608º, nº2, do CPC, sobre as quais as partes, mormente a Ré, tiveram a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, necessariamente que não se vislumbra qualquer violação do disposto no artº3º, nº3, do CPC, nem que a sentença enferme de nulidade por excesso de pronúncia”. Atentando na petição inicial, a A. reclama o “direito a ser ressarcida pelos valores correspondentes aos seguintes períodos de inatividade” que indica [art.º 118.º a 121.º], nos termos seguintes: 118.º [..] conforme cópia das comunicações da empresa que se juntam como doc.4: 07.11.2012 a 09.11.2012 – 3 dias 22.11.2012 a 26.12.2012 – 5 dias 22.12.2012 a 26.12.2012 – 5 dias 12.02.2013 a 23.03.2013 – 1 mês e 12 dias 22.12.2015 a 17.03.2016 – 2 meses e 27 dias 17.12.2016 a 03.03.2017 – 2 meses e 18 dias 12.12.2017 a 14.03.2018 – 3 meses e 3 dias 08.01.2019 a 28.02.2019 – 2 meses e 18 dias 119. O que corresponde a, tendo novamente por referência a remuneração média mensal apurada de €1.610,58 (30 dias de trabalho), aos seguintes montantes: 07.11.2012 a 09.11.2012 – 3 dias – €161,00 22.11.2012 a 26.11.2012 – 5 dias - €268,43 22.12.2012 a 26.12.2012 – 5 dias - €268,43 12.02.2013 a 23.03.2013 – 1 mês e 12 dias – €2.254,8 22.12.2015 a 17.03.2016 – 2 meses e 27 dias – €4.670,68 17.12.2016 a 03.03.2017 – 2 meses e 18 dias - €4.187,50 12.12.2017 a 14.03.2018 – 3 meses e 3 dias – 4.992,74 08.01.2019 a 28.02.2019 – 2 meses e 18 dias – 4.187,50 120. O que perfaz o montante total de €20.991,08 121. Caso assim não se entenda, sempre se dirá que indo ao encontro da lei portuguesa e face à similitude da situação supra descrita com o contrato de trabalho intermitente, a Autora sempre teria direito ao previsto no artigo 160.º do Código do Trabalho, ou seja, ao valor de € 20% da sua retribuição base, o que no caso concreto, seria o valor de €4.198,21 (20% de € 20.991,08)». Previamente, para sustentar esse alegado direito, alegou o seguinte: -«109. Para além do mais, conforme consta do ponto 3 do último contrato de trabalho, junto como doc1., atendendo à sazonalidade da base de Faro, durante o Inverno existia uma diminuição na operação, o que justificava que durante cerca de 3 meses os tripulantes tivessem de “unpaid leave” ou seja, de licença sem vencimento. 110. Na verdade, este tipo de contrato encontra-se previsto na nossa legislação sob a nomenclatura de contrato de trabalho intermitente. 111. Assim, nos termos do artigo 157.º do Código do Trabalho, em empresa que se exerça atividade com descontinuidade ou intensidade variável, as Partes podem acordar que a prestação de trabalho seja intercalada por um ou mais períodos de inatividade, o que era o caso. 112. A empresa nestes períodos solicitava aos trabalhadores que pedissem licença sem vencimento, sendo que estes pedidos não eram da vontade destes. 113. Na realidade, a Ré encontrou refúgio na figura das licenças sem vencimento, porque o contrato de trabalho intermitente não é válido para empresas de trabalho temporário, o que é o caso da Ré. 114. Contudo, conforme resulta do disposto no artigo 317.º do Código do Trabalho, o empregador pode conceder ao trabalhador, a pedido deste, licença sem retribuição. 115. Ora, apesar da Ré facultar aos trabalhadores a possibilidade de escolher, dentro de determinados meses, os meses em que queriam estar de licença sem retribuição, a verdade é que esse pedido não parte da vontade do trabalhador mas sim da Ré. 116. Se tal não fosse, tal situação não estaria especificamente prevista no contrato de trabalho que é dado a assinar à Autora aquando do início da relação laboral. 117. Assim, na realidade a Ré solicitou à sua trabalhadora que durante determinados meses não recebesse qualquer remuneração, o que é, naturalmente ilícito». Resulta desta alegação, que a autora defendeu que “a Ré encontrou refúgio na figura das licenças sem vencimento, porque o contrato de trabalho intermitente não é válido para empresas de trabalho temporário, o que é o caso da Ré”, ou seja, pôs em causa a validade do contrato celebrado com a Ré, na parte em que previa situações de “licença sem vencimento”, alegadamente por visar contornar as regras de admissibilidade de trabalho intermitente, estabelecidas no art.º 157.º do Código do Trabalho, sendo que previamente já defendera a aplicação da lei laboral nacional à relação de trabalho subordinado entre si e aquela. A essa alegação respondeu a Ré, nos artigos 141º a 148.º, da contestação, constando estes sob o título “VIII. Dos alegados créditos em períodos de inatividade”, sendo o conteúdo dos mesmos o seguinte: 141.º Os valores reclamados a título de créditos por período de inatividade não são devidos, desde logo, por aplicação da lei irlandesa à relação laboral, nos termos já supra deduzidos. 142.º Considerando que o contrato em causa era regido pela lei irlandesa, o contrato não era aplicável a necessidade de qualquer pagamento em períodos de inatividade. 143.º De todo o modo, e mesmo que fosse aplicável a lei portuguesa, é simplesmente falso que a Ré tenha obrigado a A. a pedir licença sem vencimento nos períodos alegados. 144.º De facto, nos termos do contrato, a Ré poderia unilateralmente fazê-lo, tal como o poderia fazer em qualquer caso no âmbito de um contrato de trabalho intermitente à luz da lei portuguesa (caso fosse aplicável). 145.º Sendo, aliás, que o contrato cumpre os requisitos mínimos para esse efeito, pelo que o pedido principal da A. não é mais do que uma vã tentativa de se locupletar e receber sem ter trabalhado. 146.º No entanto, os períodos de inatividade que constam do artigo 119.º foram solicitados unilateralmente pela A., tendo apenas a A. acedido aos mesmos pelo que configuram uma mera licença sem vencimento, suspendendo-se nesses períodos o contrato sem que nada seja devido. 147.º A A., inclusivamente pediu outras licenças que não puderam ser concedidas, cfr. doc. n.º 3 que se junta e se dá por reproduzido. 148.º Este pedido é, portanto, totalmente improcedente e mesmo que fosse verdade que a R. obrigasse a A. a não trabalhar, e caso se aplicasse a lei portuguesa, apenas o pedido subsidiário da A. quanto a esta matéria poderia ser atendível». Como se retira destes artigos, a Ré opôs, no essencial, o seguinte: i) o contrato em causa era regido pela lei irlandesa”; i) “mesmo que fosse aplicável a lei portuguesa, é simplesmente falso que a Ré tenha obrigado a A. a pedir licença sem vencimento nos períodos alegados” iii) mas “poderia unilateralmente fazê-lo [..] em qualquer caso no âmbito de um contrato de trabalho intermitente à luz da lei portuguesa (caso fosse aplicável)”; iv) Sendo, aliás, que o contrato cumpre os requisitos mínimos para esse efeito”; v) “ e caso se aplicasse a lei portuguesa, apenas o pedido subsidiário da A. quanto a esta matéria poderia ser atendível”. Verifica-se, pois, que a Ré foi confrontada pela autora com a questão da invalidade do contrato celebrado entre as partes, na parte em previa situações de “licença sem vencimento”, alegadamente por visar contornar as regras de admissibilidade de trabalho intermitente, estabelecidas no art.º 157.º do Código do Trabalho, à qual contrapôs aquela argumentação, para além do mais afirmando que caso se aplicasse a lei portuguesa, ainda assim, “poderia unilateralmente fazê-lo [..] em qualquer caso no âmbito de um contrato de trabalho intermitente à luz da lei portuguesa (caso fosse aplicável), afirmando, para essa hipótese, “que o contrato cumpre os requisitos mínimos para esse efeito”. É certo que não foi invocada a inobservância da forma legal, mas sabendo a Ré que a questão da validade da admissibilidade de prestação de trabalho intermitente estava suscitada e, logo, que o Tribunal a quo sobre ela se deveria debruçar, afirmando a sua validade, o que vale por dizer, do que nele foi clausulado, então deveria ter cuidado de juntar os respectivos documentos, para o demonstrar, não podendo ignorar que nos termos do art.º 342.º do CC, sobre ela recaía esse ónus de alegação e prova, na medida em que a lei impõe a forma escrita e a menção de determinados conteúdos para a celebração do contrato de trabalho intermitente [art.º 158.º , do CT]. Assim, conclui-se pela improcedência da arguida nulidade. A talhe de foice, diremos ainda, que mesmo que houvesse razões para a sua procedência, as consequências não seriam as pretendidas pela recorrente, ou seja, não poderia considerar-se “[..] que o contrato de trabalho qualificado como intermitente não padece de qualquer vício de forma, sem prejuízo dos demais temas da apelação que infra se abordam”. Com efeito, se a decisão estivesse ferida de nulidade caberia antes anulá-la, para determinar fosse dado cumprimento ao disposto no n.º3 do artigo 3º do Código de Processo Civil. II.3 IMPUGAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO Insurge-se o recorrente quanto à decisão sobre a matéria de facto, impugnando-a relativamente aos pontos 1, 3, 52, 53; 51 e 53; 33 a 38; e, 56, 57 e 58 [conclusões V a XIV]. A recorrida não se pronunciou, em termos concretos e precisos, quanto a esta vertente do recurso. Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222]. O mesmo autor, após observar que a possibilidade de alteração da matéria de facto deixou de ter carácter excepcional, acabando “por ser assumida como uma função normal do Tribunal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra”, logo prossegue advertindo que “Nesta operação foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente“ [Op. cit., p. 123/124]. Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes: - Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; - Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; - A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. - Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. No que concerne ao que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)]. Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt]. É também entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do STJ, que o recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto no art.º 640º, nº 1, al b), do CPC, quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspetiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas. Nesse sentido, acompanhando o entendimento afirmado nos acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018 [respectivamente, nos processos n.ºs 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt], no acórdão de 20-02-2019, daquela mesma instância [proc.º 1338/15.8T8PNF.P1.S2, Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt], consignou-se no respectivo sumário o seguinte: - I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos. Ainda a este propósito, o recente Acórdão do STJ de 06-07-2022 [Proc.º 3683/20.1T8VNG.P1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt], após enunciar a “jurisprudência do STJ, norteada por critérios de proporcionalidade e de razoabilidade e rejeitando abordagens desta problemática de raiz essencialmente formal” – como nele se refere, consolidada, entre outros, nos acórdãos de 13.01.2022 [Proc. nº 417/18.4T8PNF.P1.S1], 27.10.2021 [Proc. n.º 1372/19.9T8VFR.P1-A.S1], de 14.07.2021 [Proc. n.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1], de 19-05-2021 [Proc. n.º 4925/17.6T8OAZ.P1.S1] e de 14.01.2021 [Proc. nº 1121/13.5TVLSB.L2.S1] – sintetiza no respectivo sumário o entendimento seguinte: I - As implicações das falhas evidenciadas no plano do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º, do CPC, avaliam-se em função das circunstâncias de cada caso concreto, tendo em conta, nomeadamente, o número de factos impugnados, o número e a conexão existente entre os factos integrantes de cada “bloco”, o número e a extensão dos meios de prova, a maior ou menor precisão na indicação dos meios de prova e na formulação das pretendidas alternativas decisórias e o grau de clareza com que tenham sido expostas as razões subjacentes ao peticionado, razões que devem ser nitidamente percecionáveis, pois não é suposto que o tribunal da Relação se dedique à descoberta de motivos e raciocínio não explicitados claramente. II - Impugnar uma decisão significa refutar as premissas e os motivos que lhe subjazem, contrapondo-lhe um pensamento (racionalidade) alternativo, que não dispensa a justificação das afirmações e a expressão de argumentos (tendentes a demonstrar a bondade dos motivos apresentados como sendo “bons motivos”). III - Independentemente das exigências especificamente contidas no art. 640.º, do CPC, o recorrente – em qualquer recurso – não pode dispensar-se de claramente explicitar os “fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” (art. 639.º, n.º 1, do mesmo diploma), resultando da articulação destas disposições legais que o recorrente é onerado com imposições (de motivação) situadas em dois planos que, sendo complementares, têm natureza diversa: i) por um lado, impõe-se-lhe a precisa delimitação do objeto do recurso; ii) por outro lado, exige-se-lhe a efetiva e clara compreensibilidade das razões em que assenta o recurso, por forma a que na sua apreciação o tribunal não se confronte com dificuldades desmesuradas, nem demore tempo excessivo. Para encerrar estas notas, acresce dizer, que conforme o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, quando o recorrente não cumpra o ónus imposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, que está reservado para os recursos da matéria de direito [Cfr. acórdãos de 7-7-2016, processo n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha; e, de 27-10-2016, processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; (ambos disponíveis em www.dgsi.pt)]. Atentos os princípios enunciados, cabe verificar se algo obsta à apreciação da impugnação. No que concerne às conclusões, verifica-se que cumprem o que se entende exigível. Delas decorre quais os factos objecto de impugnação, bem assim as alterações que o recorrente pretende sejam efectuadas. Quanto aos demais ónus, compulsadas as alegações, deve concluir-se que foram igualmente preenchidos, inclusive no que concerne à indicação dos tempos de gravação. II.3.1 Dado o número de factos impugnados, mas também pelo facto do tribunal a quo ter efectuado uma síntese dos testemunhos relacionando-os com as matérias que estavam em discussão, sem especificar pontos concretos provados ou não provados, optamos por transcrever integralmente a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, embora sem prejuízo de quando necessário referirmos partes concretas relacionadas com os factos que estejam em apreciação. Consta dessa decisão o seguinte: -«Para além dos factos provados 1), 2), 11) e 39) constituírem matéria de facto assente por acordo de ambas as partes (cfr. artos 1º, 2º, 4º e 19º da P.I. e cfr. artº11º da Contestação), a convicção do Tribunal quanto à determinação da demais matéria de facto provada, fundou-se, ainda, na análise e apreciação crítica, à luz das regras da lógica e da experiência comum, da globalidade da prova produzida, analisada e contraditada em audiência de discussão e julgamento, designadamente no teor do documento junto a fls.13 a 16 v. e 113 a 121 v., conjugado com o teor dos documentos juntos a fls.17 a 26 v., 27 a 32 v. e 122 a 133, 33 a 35 v. e 134 a 138 v., 36 e v. e 139 a 141, 37, 67 a 71, 72 a 76 v., 77 a 83 e 94 a 107 v., fls.. 84 e 89 a 92 e com os depoimentos credíveis e convincentes das testemunhas CC (tripulante de cabine da D... e delegado sindical, daí decorrendo a sua razão de ciência) e DD (gerente de recursos humanos da Ré para quem trabalha desde Novembro de 2015, daí decorrendo a sua razão de ciência) e com a parte que mereceu credibilidade ao Tribunal do depoimento da testemunha BB (administradora de recursos humanos, que trabalha há 14 anos para uma empresa que presta serviços para a Ré, chamada “E...”, daí decorrendo a sua razão de ciência). Assim, a testemunha CC, num depoimento claro e consistente, referiu que a C... e a A... prestavam serviço exclusivamente à B...; que a testemunha trabalhou 4 anos para a C..., que é uma “empresa irmã” da A...; que na qualidade de dirigente sindical a testemunha teve acesso às queixas da autora que são similares às queixas que são apresentadas por outros trabalhadores; que a autora estava afecta à base de Faro; que se a autora estava adstrita à base de Faro tinha que ter vivido em Faro; que a autora era obrigada a residir perto do aeroporto porque nos dias de prevenção se fosse chamada de urgência tinha que se apresentar em 60 minutos no aeroporto a que estava adstrita; que a trabalhadora tinha que estar a 60 minutos do aeroporto de Faro, caso contrário não podia executar o trabalho; que os aviões só fazem idas e voltas; que o trabalhador começa e termina o dia de trabalho sempre no mesmo local; que os aviões da B... estavam estacionados no aeroporto de Faro onde a testemunha tinha estado 2 anos; que quando eram chamados tinham 60 minutos para estar na sala dos tripulantes; que também havia assistências no aeroporto; que o serviço de assistência é praticado numa crewroom (sala dos tripulantes) e tinha que se apresentar nessa sala do aeroporto para poder arrancar para qualquer voo; que ficavam dentro dessa sala entre 7 a 8 horas nos dias de prevenção presencial; que as actividades dum aeroporto começam às 5 h da manhã e terminam por volta da 1 hora da manhã; que dentro dessa sala tinham várias tarefas para executar, sendo tarefas de escritório, arrumar fotocópias e organizar os arquivos; que o supervisor da base é a chefia directa de todos os tipos de colaboradores da base; que existe o supervisor da base tendo como função, basicamente, acompanhar presencialmente os voos e as tripulações e gerir as tripulações; que a testemunha foi trabalhador da A... mas o serviço era da B... e era o superior hierárquico que se responsalizava por quaisquer problemas que pudessem existir, designadamente pelos atrasos; que os briefings eram uma conversa do supervisor com a tripulação depois do voo acerca de qualquer problema ocorrido no voo, designadamente atrasos ou problemas com o aeroporto que tenham ocorrido; que os briefings eram só feitos pelo supervisor da base no final com a tripulação; que não havia qualquer estrutura de recursos humanos da A..., estando toda a estrutura de recursos humanos centralizada em Dublin; que as sanções disciplinares eram tratadas em Dublin; que se houvesse qualquer problema os funcionários eram chamados a Dublin e era aí que eram tratadas as sanções disciplinares; que o procedimento disciplinar era feito em Dublin e não na base onde o trabalhador estava; que os supervisores recebiam as informações e reportavam para Dublin e eram os recursos humanos em Dublin que decidiam avançar ou não com o processo disciplinar; que o sign in era feito no computador da sala da tripulação; que eram dadas formação e instruções na referida sala; que nesse computador tiravam as operações de voo, tiravam os dados dos passageiros, para operarem o voo; relativamente às aterragens deveriam informar as crew control em Dublin; em Portugal era prática comum avisar o supervisor da base, que só entrava às 09h00; que dos contratos de trabalho consta como lei aplicável a lei irlandesa e como tribunais competentes para julgar as divergências que possam existir os tribunais irlandeses; que o contrato é apresentado e o trabalhador ou assina aquele contrato ou não assina nenhum; que no caso da testemunha apareceu uma pessoa da C... que distribuiu os contratos por cada uma das pessoas que lá estavam, leu os contratos em 10 ou 15 minutos, perguntou se havia alguma questão mas não explicou as implicações desse contrato, nem deu nenhuma explicação; que no contrato inicial assinado pela testemunha em ... era a lei britânica a lei que aí constava como aplicável; que depois quando a testemunha foi trabalhar para Itália no contrato de trabalho que aí assinou a lei aplicável era a lei irlandesa; que a testemunha nunca esteve afecto a nenhuma base irlandesa; que a testemunha esteve afecto à base de Faro quando esta abriu em 2010 todos os contratos da C... tinham essa cláusula; que no Verão havia mais aviões para operar, tendo no 1º ano de operação da base de Faro foram contratados tripulantes com contratos de termo certo; que foi o sistema de licenças sem vencimento que fez a testemunha sair da C... e da B... porque a testemunha foi obrigada a tirar uma licença sem vencimento; que os tripulantes precisavam de tirar 5 ou 6 semanas de licença sem vencimento entre Outubro e Março; que nessa situação da licença sem vencimento a empresa não paga nada em termos de remuneração; que a única remuneração era através da Segurança Social irlandesa; que era lá que faziam os descontos e tinham que se deslocar a Dublin e pediam à Segurança Social irlandesa, apresentando o formulário fornecido pela C... a dizer que estavam durante aquelas semanas sem trabalhar e a Segurança Social irlandesa atribuía um valor fixo por semana de cerca de €200; que se estivesse o mês inteiro de prevenção em casa o rendimento esse mês era zero; que não havia um mínimo de horas garantidas; que os trabalhadores da A... recebiam por hora; que depois recebiam comissões de vendas a bordo (sales bonus); que se a testemunha estivesse um mês inteiro em casa – 30 dias- o rendimento no final do mês era zero; que não recebem subsídio de férias nem subsídio de Natal; que como pela lei irlandesa não têm subsídio de férias nem subsídio de Natal não recebem esses subsídios; que houve um acordo em Novembro de 2018 entre o sindicato de pessoal de voo da aviação civil e a A... e a C... relativamente à aplicação da lei a partir de Fevereiro de 2019 de acordo com a legislação portuguesa; que antes dessa data o sindicato não aceitava a aplicação da lei irlandesa a um trabalhador a prestar serviço em Portugal e a morar em Portugal tendo o mesmo de ter um contrato de trabalho que cumprisse integralmente a legislação laboral portuguesa; que a partir de Fevereiro/Março de 2019 a C..., a A... e a B... “não cumprem a lei portuguesa porque a C... e a A... deixaram de operar em Portugal e só pagam 12 retribuições num ano, não pagando subsídio de férias nem de Natal” (sic); que a testemunha tenha conhecimento, a autora nunca recebeu subsídio de férias nem subsídio de Natal; que fazem descontos para a Segurança Social irlandesa sem se concretizarem descontos para a Segurança Social portuguesa; que a testemunha trabalhou na base de Faro até 2012 tendo conhecimento do caso através do sindicato; que a questão do subsídio de férias e do subsídio de Natal tem sido sobretudo discutido com o sindicato, que peticiona tais subsídios como créditos laborais nas acções que patrocina; que até o sindicato ter intervindo na B... os trabalhadores nunca se debruçaram sobre esse assunto do subsídio de férias e do subsídio de Natal; que é uma questão de litígio muito grande entre o sindicato e a empresa; que os trabalhadores que trabalham em Portugal têm que estar sujeitos à legislação laboral portuguesa e sempre foi objectivo do sindicato obter esse acordo pois o que na prática se aplicava era a lei irlandesa conforme estava nos contratos de trabalho; que com a aplicação da lei portuguesa aos contratos de trabalho os trabalhadores beneficiam não só do subsídio de férias e do subsídio de Natal mas também da lei da parentalidade que a legislação portuguesa consagra: que era inaceitável um contrato de trabalho que não contempla sequer o valor base da retribuição do trabalhador; que a C..., a A... e a B... sabem que deviam começar a pagar o subsídio de férias e o subsídio de Natal; que nunca foi garantida uma retribuição mínima à testemunha, que se estivesse um mês de assistência á família em casa recebia zero euros de vencimento; que havendo qualquer situação que pare a aviação na Europa, ficando os aviões da B... sem voar e os trabalhadores da C..., da A... e da B... sem receber; que não havia nenhuma garantia que tal não sucedesse, pois a lei irlandesa não prevê uma retribuição mínima garantida; que o contrato de trabalho é dado para ler e ser assinado pelo trabalhador, tendo uma hora para o efeito; que o trabalhador apenas tem duas opções : ou assina o contrato ou não assina; que o contrato está todo em inglês; que a testemunha desconhece a nacionalidade da autora, quando a mesma começou a trabalhar nem onde foi recrutada; que o supervisor era o chefe dentro da base; que o horário era publicado directamente; que as férias resultantes do horário de trabalho eram todas centralizadas em Dublin; que a conta bancária na altura era na Irlanda; que estavam inscritos na segurança social da Irlanda; que o que era pago em 2011 na Irlanda pelo período de licenças sem vencimento, de cerca de 200 euros era superior a 20%; que a B... tem um grande centro de formação em Frankfurt; que os cursos são dados pela empresa; que todas as vendas a bordo era 10% do valor e que há sempre discrepâncias. Por sua vez, a testemunha DD, num depoimento igualmente claro e consistente, referiu que a Autora foi trabalhadora da Ré de 2011 a 2019; que a autora teve formação profissional (workplan training), designadamente uma vez por ano 2 dias, com 8 horas diárias, formação de TRT nos dias 19/09/2016 (2 horas) e 1/10/2016 (uma formação teórica de cerca de 40mn), que em 28/03/2017 a autora teve uma formação cerca de 11 horas por ano de sales reported sistem, que a autora teve uma formação no Reino Unido, em 31/03/2017 sobre emigration and security, teve uma formação de CDP 6 em 30/04/2017, teve uma outra formação de RFL em 26/06/2017, teve uma formação de CDP 7 em 19/03/2018, teve uma outra formação em 07/05/2018 e teve uma formação de CDP 8 em 24/06/2018, teve ainda uma formação de Boeing Sky Theorie em 18/01/2016 (3 horas), teve uma formação on line de New Level BS training em 10/09/2016 (cerca de 3 horas) e que autora teve uma formação em 18/03/2017 (2 horas); que essas formações foram agendadas pelo Departamento de Formação da empresa; que as formações são obrigatórias para que a tripulação possa exercer a sua actividade num avião e que a Sra AA é nacional da Eslováquia. Na parte do seu depoimento que mereceu credibilidade ao Tribunal, a testemunha BB referiu que conhece a autora, tendo sido trabalhadora da Ré; que os aviões onde a Autora prestava serviço estavam registados na Irlanda; que a autora iniciou o seu trabalho na Espanha em 2012 e foi transferida para Faro em Março de 2012; que o treino inicial (fire training) foi fora de Portugal; que em Portugal não há esse tipo de formação; que essa formação é sempre fora de Portugal; que as instruções e o planeamento do trabalho da autora era feito a partir de Dublin; que as férias são agendadas através do escritório da Irlanda; que a autora recebia através duma conta irlandesa; que a A... não tem nenhum estabelecimento em Portugal e continua a não ter; que qualquer decisão final é sempre através da sede na Irlanda; que mostram o contrato, as pessoas têm tempo para ler o contrato, respondem a questões que as pessoas possam ter, indicam onde as pessoas devem assinar e as pessoas podem ter mais tempo; que em raras ocasiões as pessoas recusam assinar o contrato e as pessoas “walk away”; que os trabalhadores podem enviar e-mails, podem fazer perguntas por telefone e podem utilizar a aplicação high crew e podem consultar os recursos humanos em Dublin; que as questões são sempre respondidas; que a autora enviou alguns e-mails; que “she knew how the contract worked. There are no doubt” (sic); que as licenças sem vencimento foram planeadas; que os trabalhadores com licenças sem vencimento quando necessário podem recorrer à segurança social irlandesa, recebendo €240 ou €250 líquidos; que é um valor pago directamente pela segurança social irlandesa; que todos os contratos são feitos e impressos na Irlanda; que as formações on line podem ser feitas on line a partir de qualquer lugar; que a autora prestava serviço em Portugal; que a A... deixou de prestar serviço em Portugal em 2019; que aplicam a rate aplicável à base; que aplicam as rates dos países; que são diferentes os rates aplicados na Alemanha, em França, em Portugal e em Espanha; que a autora tinha um pagamento variável; que a autora recebeu em Maio €1.593,70 e em Junho €1.833 e que na Alemanha pagam €18,90 à hora e em Portugal pagam pelo ordenado mínimo de €9,18 à hora. * A factualidade não provada, não resultou provada por não ter sido feita qualquer prova a esse respeito que permitisse ao Tribunal tomar uma posição diversa acerca de tal factualidade.* Não mereceu credibilidade ao Tribunal:- a parte do depoimento da testemunha BB em que a mesma referiu que “a A... não presta serviços em Portugal” (sic) por tal afirmação estar em contradição com o teor do documento junto a fls.13 a 16 v. e 113 a 121 v., com o teor dos documentos juntos a fls.17 a 26 v., 27 a 32 v. e 122 a 133, 33 a 35 v. e 134 a 138 v., 36 e v. e 139 a 141, 37, 67 a 71, 72 a 76 v., 77 a 83 e 94 a 107 v., fls.. 84 e 89 a 92 e com os depoimentos credíveis e convincentes das testemunhas CC e DD, de onde resulta que desde 25.03.2012 até 28.02.2019 a Autora, ao serviço da Ré A..., desempenhou as suas funções na base aérea do aeroporto de Faro, o que permite concluir que, contrariamente ao afirmado pela testemunha BB, pelo menos de 25.03.2012 até 28.02.2019 a A... prestou serviços em Portugal, através da aqui Autora, sua trabalhadora; - a parte do depoimento da testemunha BB em que a mesma referiu que o supervisor de base não tem poder para dar instruções aos funcionários da A... e que tudo é feito nos escritórios de Dublin, por tais afirmações estarem em contradição com o depoimento credível e convincente da testemunha CC, cujo depoimento mereceu mais credibilidade que as referidas afirmações da testemunha BB; - a parte do depoimento da testemunha BB em que a mesma referiu que “não faria sentido pagar mais dois salários” (sic) por se tratar de uma mera opinião da testemunha, sem qualquer valor probatório ou objectividade que permitisse ao Tribunal formar a sua convicção; - a parte do depoimento da testemunha BB em que a mesma referiu que o salário está sempre bem explicito no contrato que eles assinam, por tal afirmação estar em total contradição com o teor do contrato junto a fls.13 a 16 v. e 113 a 121 v». II.3.1.1 Defende a recorrente que os pontos 1 e 3, dos factos provados devem ser alterados, sustentando-se nos extractos do testemunho de BB, que transcreve e indica onde se localizam na gravação. Nos factos em causa lê-se o seguinte: -1. A Autora foi admitida ao serviço da Ré, por um contrato de trabalho que teve início em 25.03.2012 e no âmbito do qual a Autora exerceu funções de tripulante de cabine para a empresa B... Dac, ininterruptamente, até 28.02.2019 data em que a Autora comunicou à Ré a decisão de sair da empresa. 3. A Autora desempenhava as funções de tripulante de cabine ao serviço da Ré e encontrava-se adstrita à base aérea do Aeroporto de Faro, durante toda a execução do contrato de trabalho. Pretende a recorrente que se passe a considerar provado o que segue: - [1] “A Autora foi admitida ao serviço da Ré, por um contrato de trabalho que teve início por volta de março de 2011 (...)”; - [3] “(...) adstrita à base aérea de ..., em Espanha, até 27 de março de 2012, data em que foi transferida para a base de Faro, em Portugal.” Referiu a testemunha o seguinte: - “trabalhou cerca de um ano através de Espanha e depois transferiu-se para Faro em março de 2012”. Deve sublinhar-se, desde já, que a impugnação nesta parte falha quanto a um aspecto fulcral. O Tribunal a quo julgou não provado que: i) “a A. tenha sido contratada pela Ré para prestar trabalho na base de ..., em Espanha, (cfr. artos 13º, 36º e 85º da contestação)”; ii) “a A. tenha estado alocada à base de ... desde 25 de março de 2011 até 27 de março de 2012, (cfr. artos 14º e 86º da contestação)”. Ora, a Recorrente não impugnou estes facto não provados, cujo conteúdo abrange o que pretende ver provado em alteração aos factos provados 1 e 3, pelo que a alterar-se aqueles como pretendido e a manterem-se estes – visto não terem sido impugnados – resultaria uma evidente contradição. Mas ainda que assim não acontecesse, como refere o tribunal a quo, o facto provado 1 resulta do alegado no art.º 1.º da Pi e foi dado por assente em razão de ter sido aceite pela Ré na contestação, nomeadamente, no artigo 11.º, onde se lê ”Aceita-se por corresponder à verdade, o vertido nos artigos 1.º, 2.º, 4.ºe 19.º”. Mal se percebe, pois, que agora venha a recorrente fazer tábua rasa da posição que ali assumiu, para querer impugnar o facto provado 1. Quanto ao facto provado 3, para além de não ter impugnado o facto não provado que exclui essa matéria, a prova que invoca limita-se a uma singela passagem do testemunho de BB, acrescendo que o mesmo, pelas razões que constam especificadas na fundamentação, nem tão pouco foi considerado inteiramente credível pelo Tribunal a quo. Ora, como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436]. Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradição ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado. Assim, quanto a estes pontos improcede a impugnação. II.3.1.2 Discorda a recorrente dos factos provados 52 e 53, onde consta o seguinte: 52. A trabalhadora teve os seguintes períodos de inatividade: 07.11.2012 a 09.11.2012 – 3 dias 22.11.2012 a 26.12.2012 – 5 dias 22.12.2012 a 26.12.2012 – 5 dias 12.02.2013 a 23.03.2013 – 1 mês e 12 dias 22.12.2015 a 17.03.2016 – 2 meses e 27 dias 17.12.2016 a 03.03.2017 – 2 meses e 18 dias 12.12.2017 a 14.03.2018 – 3 meses e 3 dias 08.01.2019 a 28.02.2019 – 2 meses e 18 dias , (cfr. artº118º da P.I.). 53. Nos meses de Março de 2018 e Fevereiro de 2019 a trabalhadora esteve de licença sem vencimento, por imposição contratual, sem que lhe tivesse sido pago qualquer valor, (cfr. artº97º da P.I.). Pretende que seja alterada a redacção dos mesmos, passando a ser a seguinte: [52] “A trabalhadora requereu os seguintes períodos de licenças sem vencimento: 07.11.2012 a 09.11.2012 – 3 dias 22.11.2012 a 26.12.2012 – 5 dias 22.12.2012 a 26.12.2012 – 5 dias 12.02.2013 a 23.03.2013 – 1 mês e 12 dias 22.12.2015 a 17.03.2016 – 2 meses e 27 dias 17.12.2016 a 03.03.2017 – 2 meses e 18 dias 12.12.2017 a 14.03.2018 – 3 meses e 3 dias 08.01.2019 a 28.02.2019 – 2 meses e 18 dias”. [53] “Nos meses de Março de 2018 e Fevereiro de 2019 a trabalhadora esteve de licença sem vencimento, requerida por si.” Invoca que a única testemunha da autora – CC - declarou não ter conhecimento sobre a concreta marcação de licenças sem vencimento pela Apelada, tendo declarado o seguinte: - Mandatário da R.: aqui quanto às licenças o que disse foi que a empresa abria uma altura em que dizia para se os trabalhadores pudessem se sujeitar quem quisesse a licenças voluntárias, sabe se as licenças que a autora gozou foram voluntárias ou não? – CC: não, não sei Desta testemunha invoca, ainda, os extractos seguintes: “o que havia era vai ser preciso x pessoas ou vai ser preciso licenças sem vencimento vamos ouvir algum pedido voluntário, vamos atribuir as licenças sem vencimento que fossem pedidas pelos tripulantes mas se elas não forem suficientes vamos impô-las ao resto das tripulações (...)”. Invoca, ainda, resultar do Doc. 3, junto com a Pi, que a Apelada requereu voluntariamente licenças sem vencimento e, agora estribando-se no testemunho de BB – nos termos referidos pelo tradutor - , que algumas até foram negadas. Os extractos do tradutor [referindo o que a testemunha respondeu] são os seguintes: - “sim, os trabalhadores solicitam à empresa o planeamento destas licenças sem vencimento”; - “relativamente às licenças não pagas se alguma delas foi recusada, a testemunha não consegue responder a essa questão, não sabe se alguma licença foi recusada, sabe todavia que algumas licenças não pagas, licenças sem vencimento foram planeadas, inclusivamente receberam uma carta da AA, uma comunicação, no sentido destas licenças porque a sra. AA queria auferir de alguns benefícios na irlanda. -[..] “sim as datas são normalmente solicitadas pelos trabalhadores”. Com base nesta prova, alega a recorrente que dela resulta que a Apelada requereu voluntariamente licenças sem vencimento e que algumas até foram negadas. A posição da recorrente não pode ser acolhida. Nenhuma das testemunhas invocadas revelou conhecimento para se poder dar como provado no facto 52, que a Autora “requereu os seguintes períodos de licenças sem vencimento “, nem tal se retira do documento invocado. O mesmo é de dizer quanto à alteração pretendida para o ponto 53. As testemunhas fazem afirmações genéricas, nada concretizando quanto à autora. Por outro lado, a recorrente parece esquecer que a matéria provada nos factos 48 a 51, está relacionada com esta, dando-lhe sustentação, por deles constar seguintes: 48. Atendendo à sazonalidade da base de Faro, durante o Inverno existia uma diminuição na operação, o que justificava que durante cerca de 3 meses os tripulantes tivessem “unpaid leave” ou seja, licença sem vencimento, (cfr. art.º109º da P.I.). 49. Nesses períodos os trabalhadores pediam licença sem vencimento nos termos contratualmente previstos, (cfr. artº112º da P.I.). 50. A Ré facultava aos trabalhadores a possibilidade de escolher, dentro de determinados meses, os meses em que queriam estar de licença sem retribuição, (cfr. arto115º da P.I.). 51. Durante esses meses a trabalhadora não recebia qualquer remuneração, (cfr. arto117º da P.I.). Deles decorre, no que aqui releva, que estava previsto contratualmente que os trabalhadores requeressem licença sem vencimento naqueles períodos, não lhe sendo paga qualquer valor a título de retribuição. Concluindo, também nesta parte improcede a impugnação. II.3.1.3 Segue-se a impugnação dirigida ao ponto 51 e, de novo ao ponto 53. Neles consta o que segue: 51. Durante esses meses a trabalhadora não recebia qualquer remuneração, (cfr. artº 117º da P.I.). 53. Nos meses de Março de 2018 e Fevereiro de 2019 a trabalhadora esteve de licença sem vencimento, por imposição contratual, sem que lhe tivesse sido pago qualquer valor, (cfr. artº97º da P.I.). Pretende a recorrente que se altere a redacção e passe a constar o seguinte: [51] “Durante esses meses a trabalhadora recebia um subsídio semanal, por parte na segurança social irlandesa, no montante de €250”. [53] “Nos meses de Março de 2018 e Fevereiro de 2019 a trabalhadora esteve de licença sem vencimento, requerida por si, recebendo, por parte da segurança social irlandesa, um subsídio de €250 por semana de licença sem vencimento”. Neste último parte do pressuposto de ver atendida a impugnação que já fizera incidir sobre o ponto 53, agora pretendendo que se acrescente ainda “recebendo, por parte da segurança social irlandesa, um subsídio de €250 por semana de licença sem vencimento”. Invoca mais uma vez os testemunhos de BB e CC, dizendo que deles resulta que nestes períodos de licença sem vencimento a segurança social irlandesa pagava aos trabalhadores um subsídio de cerca de €250 por mês, razão pela qual se deveria ter dado como provado que a Apelada apesar de não ser remunerada pela Apelante durante os períodos de licença sem vencimento recebia um subsídio por parte da segurança social irlandesa. Nos extractos invocados, pelas testemunhas foi referido o seguinte: i) testemunha BB, no relato feito pelo tradutor: - “sim, no caso de licença sem vencimento solicitam um benefício à segurança social na irlanda, qual o montante, varia anualmente, não tem bem a certeza mas é certa de duzentos e quarenta duzentos e cinquenta euros”. ii) testemunha CC: -[ Mandatário da R.: nas alturas em que estavam de licença disse que tinham acesso a um valor pago pela segurança social irlandesa de duzentos e tal euros (..)?]: “sim, o que me lembro de ter ido a dublin em dois mil e onze tinha que preencher um formulário a dizer que tinha seis semanas ou seis blocos de licença sem vencimento para ser pago o valor equivalente a esse duzentos (...) -“ (...) este valor pago pela Irlanda era de facto superior a vinte por cento daquilo que eu recebia (...)”. Com o devido respeito, a pretensão não tem lógica. Como a própria recorrente reconhece, está a pretender que se considere provado que apesar da Apelada “não ser remunerada pela Apelante durante os períodos de licença sem vencimento” , “recebia um subsídio por parte da segurança social irlandesa”, ou seja, em termos rectos, pretende que se elimine matéria que até reconhece dever estar provada, nomeadamente, que naqueles períodos nada pagava à autora, para se dar como provada matéria completamente diversa. O que está em causa s nos factos é não ser paga retribuição pela Ré à autora nos períodos de licença sem vencimento, nada mais. Por isso mesmo, não pode eliminar-se o que foi alegado pela autora e é reconhecido pela Ré, para se passar a dar como provada matéria diversa que, de resto, nem sequer foi alegada pelas partes, máxime por esta. Por outro lado, ainda que assim não fosse, nenhuma das testemunhas sabe concretamente se a A. requereu o aludido subsídio, quando o pediu, e se porventura lhe foi atribuído e quanto lhe foi pago, isto é, não há de todo prova segura que permitisse considerar provado que nos meses em que esteve em licença sem vencimento ao A. “recebia um subsídio semanal, por parte na segurança social irlandesa, no montante de €250”, designadamente, nos meses de “Nos meses de Março de 2018 e Fevereiro de 2019”. Assim, também nesta parte improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. II.3.1.4 Prosseguimos para a impugnação dos pontos provados 35º. a 38.º, onde consta: 35. A Autora nunca acordou na celebração de qualquer pacto de jurisdição, (artº39º da P.I.). 36. Nem aceitou o afastamento da aplicação da Lei Portuguesa, (cfr. artº40º da P.I.). 37. A Autora nunca escolheu a aplicação da Lei Irlandesa em derrogação da Lei Portuguesa, (cfr. artº 56º da P.I.). 38. A Ré sempre negou à Autora a possibilidade de negociação de qualquer cláusula contratual, não tendo sido lida ou explicada à Autora qualquer cláusula contratual que estipulasse qualquer pacto de jurisdição, (cfr. artº41º da P.I.). Alega a recorrente que impugnou os artigos 39º, 40º, 56º e 41º da Petição Inicial e que a escolha de aplicação da lei irlandesa resulta clara do contrato de trabalho junto aos autos, não tendo a Apelada produzido qualquer prova, documental ou testemunhal, suscetível de provar os referidos factos, razão pela qual devem ser removidos dos Factos Provados. Consta provado que [39] “ No contrato de trabalho é feita referência de que as relações laborais entre o trabalhador e o empregador devem ser feitas ao abrigo da lei irlandesa, (cfr. artº 4º da P.I.”. Mas entre esse facto e os impugnados não há contradição. São realidades distintas. Por outro lado, a A. nem carecia de alegar os factos em causa. Os mesmos interessam à Ré, consubstanciam matéria de excepção e, logo, de acordo com as regras sobre a repartição do ónus de prova, sobre ela recaia a responsabilidade de alegação e prova [art.º 342.º2, do CC]. Daí que a Ré tenha alegado o que segue: 15.º Em ... e aquando da sua contratação foi o contrato perfeitamente explicado à A. que, poderia colocar dúvidas quanto ao mesmo, algo que nunca fez. 73.º Note-se que não pode colher a tese da A. de que não escolheu nem pactou a escolha da lei irlandesa. 74.º Seria o equivalente a dizer que também não acordou no seu local de trabalho, no seu salário, na sua entidade empregadora pois também todos esses elementos lhe foram apresentados em minuta contratual previamente preparada pela R.. 75.º E com todos esses elementos a A. concordou, tanto que até tinha em vigor relação laboral em Espanha podendo livremente não aceitar as condições propostas pela R.. 76.º Na verdade, a A. quis e concordou com as condições que lhe eram propostas e o contrato regista o conjunto de regras que escolheu aceitar e cumprir, assim como a R. as escolheu aceitar e cumprir. Sucede constar não provado que “em ... e aquando da sua contratação, tenha sido o contrato perfeitamente explicado à A. que, poderia colocar dúvidas quanto ao mesmo, algo que nunca fez, (cfr. artº 15º da contestação)”, ponto que a recorrente não impugnou, o que sempre impedia que concomitantemente se desse como não provado o ponto 38. Quanto aos demais, não resulta do contrato ou outros documentos o contrário do provado e do testemunho de CC, que pela sua qualidade de delegado sindical e experiência pessoal conhece os métodos usados pela Ré na contratação, resultou, como mencionado pelo Tribunal a quo na fundamentação, “que o contrato é apresentado e o trabalhador ou assina aquele contrato ou não assina nenhum; que no caso da testemunha apareceu uma pessoa da C... que distribuiu os contratos por cada uma das pessoas que lá estavam, leu os contratos em 10 ou 15 minutos, perguntou se havia alguma questão mas não explicou as implicações desse contrato, nem deu nenhuma explicação”. Mais, o testemunho de BB também não põe isso em causa, referindo-se também na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, ter declarado “que mostram o contrato, as pessoas têm tempo para ler o contrato, respondem a questões que as pessoas possam ter, indicam onde as pessoas devem assinar e as pessoas podem ter mais tempo”. Por conseguinte, também nesta parte improcede a impugnação. II.3.1.5 Resta apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto na parte dirigida aos pontos provados 56, 57 e 58, nos quais consta o seguinte: 56. Após consulta na segurança social Portuguesa, até à data de hoje e não obstante as diversas insistências da Autora junto da Ré, essa situação não está regularizada, tendo a Ré retido o valor devido a título de contribuição para a segurança social mas não o entregou à segurança social portuguesa, (cfr. artºs 125º e 126º, ambos da P.I.). 57. Quando a Autora se deslocou à segurança social para verificar que benefícios poderia ter em virtude de se encontrar desempregada, constatou que não teria direito a qualquer valor nem a qualquer apoio uma vez que a sua carreira contributiva junto da segurança social portuguesa é nula, (cfr. artº127º da P.I.). 58. Não obstante todos os meses lhe terem sido retirados os respectivos valores, (cfr. artº128º da P.I.). Alega a recorrente que a Apelada não produziu qualquer prova, documental ou testemunhal, no sentido do que alegou, bem assim que o Tribunal a quo declarou-se incompetente para conhecer da questão das contribuições para a segurança social, razão pela qual estes factos devem ser removidos dos Factos Provados. Esta construção não pode ser acolhida, pois, salvo o devido respeito, assenta num erro de raciocínio, ou seja, o direito aplica-se aos factos e não o inverso. O Tribunal a quo apreciou a questão da “Competência material do presente tribunal do trabalho para o conhecimento do pedido de condenação da Ré a entregar à Segurança Social portuguesa o valor das contribuições devidas desde Março de 2018”, na sentença, na aplicação do direito aos factos, tendo por base factual para justificar essa apreciação os factos em causa. Caso não estivessem provados esses factos, a apreciação da questão estaria prejudicada. O Tribunal a quo decidiu julgar “verificada a invocada excepção da incompetência material do presente Juízo do Trabalho para conhecer do pedido de condenação da Ré a entregar à Segurança Social o valor das contribuições devidas desde Março de 2018 ou em alternativa restituir esse montante à Autora e em consequência absolvo a Ré da instância quanto a tal pedido”. Ora, se a decisão é favorável à Ré, esta não tem sequer fundamento, entenda-se, um legítimo interesse, para procurar impugnar a matéria de facto que justificou a apreciação da questão. Concluindo, improcede também esta derradeira parte da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. II.4 MOTIVAÇÃO DE DIREITO A recorrente insurge-se contra a sentença por alegado erro na aplicação do direito aos factos, em razão do Tribunal a quo ter entendido ser subsidiariamente aplicável a lei portuguesa, condenando-a no pagamento em subsídios de férias e de Natal [conclusões XV a XLVI]; e, considerando que o contrato de trabalho intermitente celebrado viola o disposto no artigo 158.º n.º1, b), do CT, condenando-a no pagamento de retribuições [conclusões XLVII a LVI]. II.4.1 Quanto à primeira questão, começando por atentar na fundamentação da sentença, o Tribunal a quo pronunciou-se, no essencial, como segue: -[..] D2. Se é obrigatório o pagamento a trabalhadores cujo contrato de trabalho está a ser executado em Portugal de subsídio de férias e de Natal. Neste caso a questão com que estamos confrontados é a determinação da lei aplicável a um contrato de trabalho em que as partes acordaram na aplicação de uma lei estrangeira – a lei irlandesa – como resulta do facto provado 39, mas em que a trabalhadora, enquanto tripulante de bordo, desde 25 de março de 2012, que está afeta à base de Faro por conta da C... Ireland, devendo prestar a sua atividade para a B... (factos 1 e 2) e é a partir de Portugal que a A. efetua o seu trabalho de tripulante, iniciando habitualmente o seu período de trabalho e aqui voltando para pernoitar (cfr. facto 6). Conforme decidiu o Acórdão do Tribunal de Lisboa de 15 de Janeiro de 2020 (Proc. Nº 2368/18.3T8CSC.L1), por aplicação do artigo 8.º do Regulamento Roma I importa concluir que “tendo as partes escolhido a Lei irlandesa para regular as relações contratuais entre as partes, mas verificando-se que as normas imperativas da Lei portuguesa que atribuem o direito aos subsídios de férias e de Natal conferem à trabalhadora maior proteção que a Lei irlandesa, dever-se-á aplicar a Lei portuguesa, nos termos previstos no art. 8.º, n.° l do Regulamento Roma I (CE) n.° 593/2008” (n.º 2 do sumário do Acórdão). Com efeito, a parte final do artº 8º, nº1 do Reg. Roma I [Regulamento CE nº593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Junho de 2008 (Regulamento Roma I), sobre a Lai Aplicável às Obrigações Contratuais (JO L 177 de 04/07/2008)] dispõe que a escolha da lei “não pode ter como consequência privar o trabalhador da protecção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos nos 2, 3 e 4 do presente artigo”. Assim, e em apreciação desta norma, a autonomia das partes nos contratos internacionais está limitada no direito europeu por um “compromisso entre a liberdade das partes de escolherem a lei aplicável e a protecção do trabalhador enquanto parte mais fraca do contrato”, “ainda que as partes tenham escolhido determinada lei para regular o seu contrato de trabalho, o trabalhador será sempre protegido pelas disposições mais generosas da lei do país onde o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho.” E assim embora as partes tivessem inequivocamente escolhido sujeitar o contrato à lei irlandesa (o que podiam fazer ao abrigo do primeiro segmento da norma do art.8º, nº1, do aludido Regulamento Roma I), nos termos do segundo segmento da norma do art.8º, nº1, do aludido Regulamento Roma I, a lei subsidiariamente aplicável ao contrato nas matérias inderrogáveis por acordo das partes era a lei portuguesa, por força dos critérios do nº2 do mesmo artigo, que mandam atender ao “país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho ou a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato” e isto porque o aeroporto de base do trabalhador era, desde há 12 meses e essencialmente, o aeroporto de Lisboa, sendo nesse aeroporto que o trabalhador se devia manter à disposição do empregador. Ora, como na lei portuguesa as normas legais que consagram direito ao subsídio de Natal e o direito ao subsídio de férias (respectivamente, arts. 263º, nº1 e 264º, nº4 do CT) “são imperativas e não podem ser derrogadas por acordo das partes – excepto in melius”, elas oferecem ao trabalhador “uma protecção mais ampla do que a que decorreria da lei laboral irlandesa, que (...) não contém qualquer previsão geral do pagamento de subsídio de Natal ou de subsídio de férias aos trabalhadores.” E como os subsídios de férias e de Natal são “prestações obrigatórias”, com uma “natureza distinta da retribuição mensal paga como contrapartida do trabalho prestado” e “com uma finalidade específica”, sendo a finalidade do subsídio de férias “possibilitar que o trabalhador enfrente este previsível aumento de gastos” com as férias, enquanto o subsídio de Natal visa “assegurar ao trabalhador uma disponibilidade financeira que lhe permita enfrentar o acréscimo de despesas tradicionalmente associado a esta época do ano”, nem sequer colhe o argumento da comparação em bloco do regime remuneratório do trabalhador ao abrigo do ordenamento português e irlandês para determinar in casu qual é o mais favorável ao trabalhador. E assim, “a aplicação da lei irlandesa a estas prestações priva o trabalhador da protecção pecuniária que lhe proporcionam as disposições da lei portuguesa, não derrogáveis por acordo, relativas ao subsídio de férias e de Natal”, pelo que o trabalhador tem direito aos ditos subsídios vencidos desde o início da execução do contrato. Com efeito, «relativamente à aplicação do artigo 8.º n.º1 do Regulamento Roma I, não só a doutrina tem sublinhado que o artigo 8.º do Regulamento Roma I não consagra soluções muito inovadoras relativamente ao que já resultava anteriormente do artigo 6.º da Convenção de Roma (Cfr., por todos, PETER MANKOWSKI, Employment Contracts under Article 8 of the Rome I Regulation, in FRANCO FERRARI/STEFAN LEIBLE, Rome I Regulation, The Law Applicable to Contractual Obligations in Europe, sellier, European Law Publishers, Munich, 2009, p. 171: “employment contracts are definetely not the área where the Rome I Regulation brought about the most importante changes”), como não se verifica, ao nível da nossa jurisprudência controvérsia que justifique a intervenção deste Tribunal a propósito das normas inderrogáveis por acordo que devem aplicar-se, tanto mais que sendo “a partir de Lisboa que a A. efetua o seu trabalho de tripulante, iniciando habitualmente o seu período de trabalho e aqui voltando para pernoitar” (facto 38), não subsistem dúvidas, face à jurisprudência do Tribunal de Justiça (veja-se o Acórdão de 14 de setembro de 2017, processos apensos C-168/16 e C-169/16, em que se decidiu que o conceito de base de afetação constitui um indício significativo para determinar o lugar onde o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho) quanto à aplicabilidade ao caso dos autos da legislação laboral portuguesa” (...) “não havendo qualquer perturbação da consciência social em decidir, como se decidiu, que uma trabalhadora a cujo contrato ou relação de trabalho é aplicável a lei portuguesa tem direito, em regra, como mínimo legal a 22 dias de férias por ano e a receber subsídio de Natal e subsídio de férias. Sublinhe-se que também não se cria, assim, qualquer óbice à circulação de trabalhadores (Conclusão VII), tendo apenas o empregador interesse em acordar com o trabalhador, contratado inicialmente para trabalhar no estrangeiro, antes da mudança do local de trabalho habitual para Portugal, por exemplo, a distribuição da retribuição anual de modo a cumprir a norma imperativa da lei portuguesa que obriga todos os empregadores a pagar aos seus trabalhadores subsídio de férias e subsídio de Natal.” E quanto à questão da imperatividade dos subsídios de férias e subsídios de Natal “o Recorrente não invoca qualquer Acórdão, das Relações ou do Supremo, que se tenha pronunciado no sentido de serem derrogáveis por acordo as normas legais que preveem o subsídio de férias e o subsídio de Natal”, (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de outubro de 2021; www.dgsi.jsjt.pt-Proc. no19733/19.1T8LSB.L1.S2). Com efeito, “que se trata de normas inderrogáveis por acordo das partes do contrato individual de trabalho é questão que não tem suscitado qualquer controvérsia doutrinal e jurisprudencial”, (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-02-2022; www.dgsi.jstj.pt- Proc. no2191/19.8T8PDL.L1.S2). Tendo sido inequivocamente afirmado pelo nosso mais Alto Tribunal que “são normas inderrogáveis da lei portuguesa, mormente para efeitos de aplicação do artigo 8º nº1 do Regulamento Roma I, as que respeitam à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal”, (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-02-2022; www.dgsi.jstj.pt-Proc. no2191/19.8T8PDL.L1.S2). E assim, importa concluir que a autora, que executa o seu contrato em Portugal, tem direito, em regra, como mínimo legal a 22 dias de férias por ano e a receber subsídio de Natal e subsídio de férias. * D3. Qual a lei aplicável ao contrato da A. com a Ré durante o seu período de execução.Assim, decorre do ponto que antecede (D2.) que a lei aplicável ao contrato da A. com a Ré durante o seu período de execução é a lei portuguesa. Para além do já referido supra no aludido ponto D2. que antecede, e que por óbvias razões de economia processual nos escusamos aqui de repetir, não é despiciendo sublinhar que “nos litígios entre o trabalhador e a entidade patronal, o principal critério de conexão constante do Regulamento Bruxelas I (reformulação) e do Regulamento Roma I que atribui o litígio a um determinado tribunal e a uma lei aplicável específica é o «lugar onde o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho». [..] Ora, conforme decorre dos factos provados 2), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 16), 17), 18), 20), 21), 24), 25), 26), 27), 28), 29), 30) e 31), o lugar onde a trabalhadora, aqui autora, efetua habitualmente o seu trabalho é no aeroporto de Faro, em Portugal, sendo, também por esse fundamento, a lei portuguesa a lei aplicável para a resolução do presente litígio. Ao que acresce ter resultado ainda provado que por acordo de 28/11/2018 com o Sindicato do Pessoal de Voo da Aviação Civil, a R. concordou em passar a aplicar a partir de 1 de Fevereiro de 2019 a legislação nacional às relações laborais com os trabalhadores alocados a bases em Portugal, (cfr. facto provado 43.), pelo que sempre relativamente aos direitos laborais invocados pela autora na presente acção vencidos posteriormente a 1 de Fevereiro de 2019, sempre seria aplicável, até pelo aludido acordo da Ré, a lei portuguesa ao litígio em discussão nos presentes autos. E assim, tendo ainda presente que “são normas inderrogáveis da lei portuguesa, mormente para efeitos de aplicação do artigo 8o no1 do Regulamento Roma I, as que respeitam à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal”, (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-02-2022; www.dgsi.jstj.pt-Proc. nº2191/19.8T8PDL.L1.S2) importa concluir que a autora, que executa o seu contrato em Portugal, tem direito, em regra, como mínimo legal a 22 dias de férias por ano e a receber subsídio de Natal e subsídio de férias. Vejamos em que termos in casu. [..]». A recorrente defende que “ considerando toda a prova produzida, a decisão referente aos reclamados subsídios teria, forçosamente”, alegando, no essencial, o seguinte: - a Apelada tem nacionalidade estrangeira, foi recrutada no estrangeiro, fez formação no estrangeiro, celebrou o contrato de trabalho em inglês o qual era claro no sentido de aplicação da lei irlandesa à relação laboral entre as partes e iniciou o seu trabalho em base estrangeira, tendo posteriormente sido transferida para Portugal, sendo certo que se fez prova suficiente de que as partes escolheram a legislação irlandesa como aplicável ao contrato de trabalho e que acordaram uma remuneração que incluía todos os montantes devidos à Apelada. - o Tribunal a quo deveria ter feito uma análise sobre o quantum remuneratório global e não das concretas e individuais rúbricas pagas à Apelada, pois como se sabe, a lei irlandesa não prevê a figura do subsídio de férias de Natal. - De acordo com a prova produzida, a única interpretação possível da vontade das partes aquando da celebração do contrato é a de que estas acordaram que a Apelada receberia um valor de SBH que incluiria todos os montantes a que teria direito em virtude da execução do seu contrato; se a Apelante estivesse obrigada a pagar mais dois salários, a título de subsídio de férias e de Natal, o valor de SBH previsto no contrato seria inferior para acomodar um pagamento 14 vezes por ano. - Mesmo que se aplicasse o artigo 8.º n.º 2 do Regulamento Roma I, não seria a lei portuguesa a lei subsidiariamente aplicável, pois de acordo com a jurisprudência do TJUE o conceito de “local habitual do trabalho” é apenas um indício que não esgota a análise a ser efetuada. - O Tribunal a quo fez uma apreciação demasiado sucinta, simplista e incompleta, inaceitável quando entendeu que a aplicação da lei irlandesa privou a Apelada da proteção pecuniária que lhe é conferida pela Lei portuguesa, utilizando para o efeito a Teoria do Cúmulo: Os subsídios de férias e de Natal constam de disposições não derrogáveis por acordo das partes; Ao analisar a lei irlandesa, não se vislumbra que contenha qualquer previsão geral do pagamento de subsídio de férias ou de Natal; Logo, a lei portuguesa é mais favorável nesta matéria. - Esta teoria foi abandonada pela doutrina e pela jurisprudência, como doutamente explica a Senhora Professora Maria do Rosário Palma Ramalho (cfr. páginas 76 e seguintes do Parecer): “No caso do Trabalhador da C... apreciado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, este problema foi resolvido de uma forma simples: verificando que os subsídios de Natal e de férias não são previstos na lei irlandesa, ao passo que na lei portuguesa constituem uma prestação obrigatória do empregador, o Tribunal considerou ipso facto que a lei portuguesa era mais favorável, e, em consequência, concluiu que aqueles subsídios eram devidos em acréscimo à remuneração do trabalhador. Por outras palavras, na apreciação do problema o Tribunal absteve-se de comparar globalmente o regime remuneratório destes trabalhadores e a lei irlandesa com a lei portuguesa na mesma matéria – justificando, adicionalmente, a dispensa de uma comparação global com a natureza supostamente não retributiva dos subsídios de Natal e de férias – e, à maneira de teoria do cúmulo, simplesmente «aditou» ao regime remuneratório previsto no contrato, as prestações remuneratórias relativas aos subsídios de férias e de Natal. (...) A nosso ver e com a devida vénia, este não é o método adequado para fazer a comparação entre os dois ordenamentos em confronto, pelas razões que já deixámos enunciadas na parte anterior deste Parecer. De facto, a comparação entre os dois ordenamentos jurídicos em conflito não pode ser feita norma a norma, à maneira da teoria do cúmulo, porque um tal método de comparação desemboca num somatório de vantagens destituído de unidade normativa. Ora, este resultado não é aceitável em termos gerais nem, muito menos, no contexto do art. 8º nº 1 do Reg. Roma I, uma vez que esta norma não pretende obter o nível máximo de protecção mas apenas salvaguardar o nível mínimo de tutela garantido pela lei da conexão objectiva – ou seja, como dissemos no local próprio, esta regra do Regulamento não visa colocar o trabalhador numa situação mais benéfica do que a que teria se as partes não tivessem escolhido a lei aplicável, mas apenas assegurar um nível mínimo de tutela no caso de terem feito aquela escolha. Ora, no caso em apreço não se pode retirar automaticamente da falta de previsão dos subsídios de Natal e de férias na lei irlandesa a conclusão de que fica comprometido o tal nível mínimo de tutela do trabalhador garantido pelas normas do Código do Trabalho que consagram tais subsídios. É que, como se sabe, sendo os ordenamentos juslaborais muito diferentes e o modo como protegem os trabalhadores igualmente diferente, a mera ausência de determinado direito ou prestação num desses ordenamentos não autoriza, de per si, a conclusão de que a aplicação das normas do dito sistema resulta na privação do nível mínimo de tutela dos trabalhadores garantido pelo outro sistema. Assim, reitera-se que apenas a comparação global das normas dos dois sistemas normativos na matéria a que se refere o potencial conflito (i.e., uma comparação pelo método da conglobação limitada) nos permite concluir com segurança se o nível mínimo de tutela garantido pela lei da conexão objectiva do contrato foi, de facto, posto em causa. (...) Em suma, apreciando o regime remuneratório dos tripulantes ao serviço da B... em termos globais e atendendo também à lei irlandesa (ou seja considerando o grupo incindível de regras aplicável a estes contratos em matéria remuneratória, como se impõe), não podemos concluir que este regime seja menos favorável do que o que decorreria da aplicação da lei portuguesa, porque apesar de não contemplar especificamente o direito aos subsídios de Natal e de férias, assenta numa base remuneratória mais favorável e contempla outras prestações remuneratórias que não são previstas no ordenamento português. Deste modo e concluindo, apesar de terem natureza imperativa, as normas do Código do Trabalho português que consagram o direito ao subsídio de férias e de Natal não devem neste caso ser aplicadas, porque não se verifica a segunda condição material que o art. 8º nº 1, in fine, impõe para a prevalência da lei da conexão objectiva sobre a lei da escolha das partes. Assim, também por este motivo, os tripulantes da B... e da C..., não têm direito ao valor correspondente aos subsídios de Natal e de férias relativamente ao período de execução dos respectivos contratos anterior a 1 de Fevereiro de 2019.” - O legislador europeu não pretendeu que o trabalhador fosse beneficiado em detrimento do empregador, veja-se o Parecer dos Professores João Leal Amado e Milena Silva Rouxinol, juntos com a Contestação: “Evidentemente, pois, se passassem a ser pagas catorze prestações – uma em cada um dos doze meses do ano e, adicionalmente, o subsídio de férias e o de Natal – de montante equivalente ao que sempre fora pago apenas doze vezes, prejudicar-se-ia o equilíbrio negocial em que se ergueu, desde a constituição do vínculo e ao longo da sua execução, o sinalagma negocial (...)”. - O legislador comunitário coloca acento tónico na ideia de não “privar” o trabalhador dos seus direitos, mas não privar não é acrescer direitos, neste sentido, o Douto Parecer da Professora Maria do Rosário Palma Ramalho: “Nos casos em que o valor que corresponderia àqueles subsídios na lei portuguesa não se possa considerar incluído na remuneração dos trabalhadores (seja esta remuneração fixada numa base anual ou numa base mensal), os trabalhadores não têm direito adicional aos ditos subsídios, porque não se verificam as condições materiais de prevalência das normas da lei de conexão objetiva do contrato (no caso a lei portuguesa) sobre a lei da escolha das partes exigidas pela segunda regra do art. 8º nº 1 do Reg. Roma I” - De acordo com o método comparativo proposto pela Apelante, não nos basta olhar para as normas isoladamente (valor da RMMG, subsídio de férias, subsídio de Natal...), temos de analisar o conjunto normativo em apreço (no nosso caso, a retribuição global da Apelada) para se comparar o nível de proteção dada por cada uma das leis em confronto. - O enquadramento legal da remuneração sob a lei irlandesa assegura um valor mínimo de €9,80 por hora (facto provado 68.), cerca de €18.816,00 por ano, o que, comparado com o valor mínimo assegurado pela lei portuguesa é quase vexante, pois o salário mínimo português, na mesma data, cifrava-se em €580,00/ mês, €8.120,00 por ano. - Os subsídios de férias e Natal são hoje em dia e de forma pacífica, considerados como tendo uma natureza retributiva, neste sentido, o Parecer dos Professores João Leal Amado e Milena Rouxinol: “Mas, note-se, a natureza jurídica de tais subsídios, de férias e de Natal, é igual à das demais prestações – têm, todas elas, caráter retributivo, compõem a retribuição global complexiva do trabalhador, ainda que os respetivos períodos de vencimento e pagamento sejam distintos”. - Como bem esclarece Bernardo Lobo Xavier, relativamente ao subsídio de Natal, tendo em conta o disposto no artigo 263.º: “Desta forma a lei optou por um sistema em que o subsídio de Natal é considerado como um salário diferido, que se amontoa mensalmente a favor do trabalhador”. - Neste sentido, veja-se o Parecer da Professora Maria do Rosário Palma Ramalho: “Em suma, o regime jurídico dos subsídios de Natal e de férias demonstra que estas prestações se foram progressivamente desligando da sua motivação premial ou compensatória originária para, como refere MONTEIRO FERNANDES, passarem a ser valores «...que «corrigem» ou «ajustam» a retribuição global (anual, se se quiser) ao benefício auferido pela entidade empregadora». - Deve a decisão recorrida ser revogada nesta parte e substituída por Acórdão que declare a aplicação da lei irlandesa às matérias remuneratórias da relação laboral em apreço, por ser esta a lei escolhida pelas partes e por ser também a que prevê um enquadramento remuneratório global mais favorável à Apelada, concluindo-se pela improcedência dos pedidos da Apelada também nesta parte. Contrapõe a recorrida, também no essencial, que não se compreende a insistência da Recorrida, após tantas decisões já transitadas em julgado sobre o tema, persistindo em alegar que a lei irlandesa é mais vantajosa porque o ordenado mínimo fixado na Irlanda é muito superior ao que vigora em Portugal. Nenhum elemento jurídico inovador é carreado para os autos que possa relevar para a reapreciação desta questão. Os subsídios de férias e de Natal contam de disposição não derrogáveis por acordo das Partes; a lei irlandesa não contém qualquer previsão geral do pagamento de subsídio de férias ou de Natal; e, a lei portuguesa é mais favorável nesta matéria. Mais refere que o alegado “benefício injustificado”, por o regime irlandês “estipular remuneração global mais vantajosa” é um argumento falacioso, sobretudo vindo de uma empresa que nem sequer aplica aos seus trabalhadores um “salário mínimo” dependendo a respetiva retribuição mensal das horas de voo que a própria Ré decide atribuir. II.4.1.1 Passando à apreciação, começaremos por dizer que a recorrida tem razão quando afirma que a recorrente não introduz qualquer argumento novo. Com efeito, a argumentação usada no recurso consiste na total reiteração da que foi alegada na acção. Acresce dizer que a argumentação da recorrente assenta, em parte, no pressuposto da procedência da impugnação da matéria de facto, para se considerarem provados factos que alegou na contestação, mas que a 1.ª instância não deu como provados. Daí que, tendo a impugnação improcedido, para repor o rigor das coisas importe deixar claro que da matéria provada não constam factos que sustentem as afirmações de que a autora “foi recrutada no estrangeiro [..], tendo posteriormente sido transferida para Portugal”. Tendo a A. sido admitida ao serviço da Ré, por um contrato de trabalho que teve início em 25.03.2012 [facto 1], a questão de saber se à relação contratual é aplicável subsidiariamente a lei portuguesa deve ser aferida face ao Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento e do Conselho de 17 de junho de 2008 [Roma I], “aplicável às obrigações contratuais em matéria civil e comercial que impliquem um conflito de leis”[art.º 1.º/1]. O art.º 8.º do Regulamento, com a epígrafe “Contratos individuais de trabalho”, estabelece o seguinte: 1. O contrato individual de trabalho é regulado pela lei escolhida pelas partes nos termos do artigo 3.º. Esta escolha da lei não pode, porém, ter como consequência privar o trabalhador da protecção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do presente artigo. 2. Se a lei aplicável ao contrato individual de trabalho não tiver sido escolhida pelas partes, o contrato é regulado pela lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato ou, na sua falta, a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato. Não se considera que o país onde o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho mude quando o trabalhador estiver temporariamente empregado noutro país. 3. Se não for possível determinar a lei aplicável nos termos do n.º 2, o contrato é regulado pela lei do país onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador. 4. Se resultar do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um país diferente do indicado nos n.ºs 2 ou 3, é aplicável a lei desse outro país. Por seu turno, o art.º 3.º [Liberdade de escolha], para onde o n.º 1, do transcrito art.º8.º, no que aqui releva, estabelece o seguinte: 1. O contrato rege-se pela lei escolhida pelas partes. A escolha deve ser expressa ou resultar de forma clara das disposições do contrato, ou das circunstâncias do caso. Mediante a sua escolha, as partes podem designar a lei aplicável à totalidade ou apenas a parte do contrato. Acolhendo-nos nas palavras de Cristina Martins da Cruz, no estudo “Trabalhar além-fronteiras: o contrato individual de trabalho Internacional” [in DE LEGIBUS Revista de Direito, 3/ Julho de 2022, Faculdade de Direito — Universidade Lusófona, pp. 46 e sgts.], a propósito do art.º 8.º do Regulamento Roma , observa a autora, no que aqui releva, o seguinte: -«Nos contratos de trabalho, tal como sucedia na Convenção de Roma, vigora o princípio da liberdade de escolha do artigo 3.º, regendo a vontade, expressa ou tácita, das partes na escolha de lei, a todo, ou apenas parte, do contrato; acordo que pode ser anterior ou posterior à celebração do contrato e modificativo da lei anteriormente aplicável. [..] A escolha de lei pelas partes tem limites, postulados nos artigos 3.º, n.º 2, e 8.º, n.º 1, do Regulamento: • Se o acordo for modificativo da lei anteriormente aplicável não prejudica os direitos de terceiros que desta lei resultavam; • Não pode ter como consequência privar o trabalhador da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 8.º (limite substancial). Ao julgador, na determinação da lei aplicável, cumprirá, num primeiro momento, a interpretação da vontade das partes, expressa ou que resulte, de forma clara, das disposições do contrato, ou das circunstâncias do caso – artigo 3.º, n.º 1. Nos casos em que haja alteração ocorrida posteriormente à celebração do contrato, caber-lhe-á desaplicar: • As normas que contendam com a validade formal do contrato, nos termos do artigo 11.o, n.º 1 e 2:, isto é, os requisitos de forma prescritos: - pela lei reguladora da substância, determinada nos termos do regulamento, ou - no caso dos contratos celebrados por pessoas ou pelos seus representantes que se encontrem no mesmo país aquando da sua celebração, pela lei do país em que é celebrado, ou - nos contratos celebrados por pessoas ou pelos seus representantes que se encontrem em países diferentes aquando da sua celebração, a lei do país em que se encontre qualquer das partes ou os seus representantes aquando da sua celebração, ou pela lei do país em que qualquer das partes tenha a sua residência habitual nessa data; 67 • O regime da lei que prejudique direitos de terceiros, que resultariam da lei anteriormente aplicável, como preceituado no artigo 3.º, n.º 2. O iter traçado, ainda que sob o paradigma de justiça formal – a validade formal do contrato e as disposições de terceiros corresponde ao que designa “paradigma de justiça formal” –68 não despoje o Regulamento da sua veste de norma de conflitos, habilita-o com adereços de uma solução alcançada com função material: sacrificada a segurança jurídica pela proteção da parte mais fraca, evita que o potencial ascendente da entidade patronal no momento da celebração do contrato resulte na aplicação de uma lei que seja mais desfavorável ao trabalhador; é uma regra de conflitos que adota um princípio substancial (favor laboris), pois só se aplicará se em concreto for mais favorável para o trabalhador do que a lei escolhida. À semelhança do que sucedia na Convenção de Roma, também o Regulamento não dispensa o julgador de determinar na lei que seria aplicável na falta de acordo; as disposições não derrogáveis que proporcionariam proteção ao trabalhador; assim como as normas de aplicação imediata e ordem pública do foro. 5.3.1 A lei aplicável O Regulamento fixa os critérios para determinação da lei aplicável na falta de acordo nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 8.º O artigo 8.º segue uma técnica de construção em cascata. A lei supletivamente aplicável será, primeiramente, nos termos do artigo 8.º, n.º 2, a lei do país “da prestação habitual do trabalho” ou “a partir do qual presta habitualmente o seu trabalho”.69 Pese embora o segmento “a partir do qual presta habitualmente o seu trabalho” apenas haja sido introduzido pelo Regulamento – não constando da Convenção de Roma –, a interpretação dos conceitos do artigo 8.º convoca a feita para os conceitos desta (Convenção), designadamente o entendimento expresso pelo TJUE nos acórdãos Koelzsch e Voogsgeerd. Não são, à semelhança da Convenção de Roma, relevantes as situações em que a prestação de trabalho noutro país se considera temporária, como no caso de o trabalhador retomar o seu trabalho no país de origem, após o cumprimento das suas tarefas no estrangeiro (a celebração de um novo contrato de trabalho com o mesmo empregador ou outro pertencente ao mesmo grupo de empresas não é obstáculo para se considerar que houve destacamento temporário).70 [..]». Em suma, na apreciação da questão colocada pela recorrente - insurgindo-se quanto à aplicação da lei portuguesa-, num primeiro momento deve indagar-se se a relação laboral em presença deve ser aferida, quanto à sua conformidade, face ao disposto no art.º 8.º do Regulamento Roma I. Caso assim se conclua, em seguida caberá ter presente que de acordo com o art.º 3º/1, para onde remete o art.º 8.º/1, ambos do Regulamento Roma I, o contrato individual de trabalho rege-se pela lei escolhida pelas partes, começando por interpretar a vontade das partes, expressa ou que resulte, de forma clara, das disposições do contrato, ou das circunstâncias do caso. Mas concomitantemente, como a escolha de lei pelas partes tem limites, designadamente, no que aqui releva, o estabelecido na segunda parte do n.º1, do art.º 8.º - a escolha da lei “não pode, porém, ter como consequência privar o trabalhador da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 8.º” – caberá indagar se face aos termos contratualmente acordados a autora ficou privada do direito a receber subsídios de férias e de Natal, estabelecido na legislação portuguesa. II.4.1.2 Atentemos, num primeiro passo, no essencial da decisão recorrida. Suportando-se na percurso acima transcrito – com apoio na jurisprudência que cita, nomeadamente, no Acórdão do TRL de 15 de Janeiro de 2020 [Proc. Nº 2368/18.3T8CSC.L1] e no Acórdão do STJ de 22-02-2022 [Proc. no2191/19.8T8PDL.L1.S2]- o Tribunal a quo concluiu “que a lei aplicável ao contrato da A. com a Ré durante o seu período de execução é a lei portuguesa”, sublinhando que “nos litígios entre o trabalhador e a entidade patronal, o principal critério de conexão constante do Regulamento Bruxelas I (reformulação) e do Regulamento Roma I que atribui o litígio a um determinado tribunal e a uma lei aplicável específica é o «lugar onde o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho»” , enunciando que “ conforme decorre dos factos provados 2), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 16), 17), 18), 20), 21), 24), 25), 26), 27), 28), 29), 30) e 31), o lugar onde a trabalhadora, aqui autora, efetua habitualmente o seu trabalho é no aeroporto de Faro, em Portugal, sendo, também por esse fundamento, a lei portuguesa a lei aplicável para a resolução do presente litígio”. Em acréscimo, relevou “[..] ter resultado ainda provado que por acordo de 28/11/2018 com o Sindicato do Pessoal de Voo da Aviação Civil, a R. concordou em passar a aplicar a partir de 1 de Fevereiro de 2019 a legislação nacional às relações laborais com os trabalhadores alocados a bases em Portugal, (cfr. facto provado 43.), pelo que sempre relativamente aos direitos laborais invocados pela autora na presente acção vencidos posteriormente a 1 de Fevereiro de 2019, sempre seria aplicável, até pelo aludido acordo da Ré, a lei portuguesa ao litígio em discussão nos presentes autos”. Rematou esta apreciação, referindo «[..] tendo ainda presente que “são normas inderrogáveis da lei portuguesa, mormente para efeitos de aplicação do artigo 8º nº1 do Regulamento Roma I, as que respeitam à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal”, (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-02-2022; www.dgsi.jstj.pt-Proc. nº2191/19.8T8PDL.L1.S2) importa concluir que a autora, que executa o seu contrato em Portugal, tem direito, em regra, como mínimo legal a 22 dias de férias por ano e a receber subsídio de Natal e subsídio de férias». Está provado, como invoca a Recorrente, que o contrato de trabalho celebrado entre si e a autora refere que “que as relações laborais entre o trabalhador e o empregador devem ser feitas ao abrigo da lei irlandesa” [facto 39], bem assim que está redigido em língua inglesa [facto 67]. Porém, há um conjunto vasto de factos, designadamente, os referidos pelo Tribunal a quo, dos quais se retira com segurança que caso as partes não tivessem inserido essa referência no contrato de trabalho a lei aplicável seria a portuguesa, por ser a partir do território nacional que a autora habitualmente prestava o seu trabalho em execução do contrato. São esses factos os seguintes: 2. A Autora desempenhava as funções de tripulante de cabine, na base aérea do Aeroporto de Faro, sob ordens e instruções da Ré e de acordo com o horário de trabalho por esta designado. 3. A Autora desempenhava as funções de tripulante de cabine ao serviço da Ré e encontrava-se adstrita à base aérea do Aeroporto de Faro, durante toda a execução do contrato de trabalho. 4. A Autora fixou a sua residência habitual em Portugal, sendo este o local onde habitualmente goza as suas folgas e onde tem inserido o seu centro de vida e família. 5. Para desempenhar as suas funções, a Autora apresentava-se, todos os dias em que prestasse trabalho, junto da competente sala dos tripulantes (usualmente denominada Crew Room), no referido Aeroporto, em Portugal, a qual era disponibilizada e titulada pela Ré. 6. Portugal é o País no qual a Autora se apresentava a trabalhar e o País onde iniciava e ao qual regressava no final da sua jornada de trabalho. 7. Os aviões da Ré encontravam-se estacionados no referido Aeroporto de Faro, Portugal. 8. Na referida sala dos tripulantes, a Autora registava a sua entrada ao serviço em computador destinado para o efeito, bem como registava a sua saída no final de cada dia de trabalho. 9. Sendo obrigatório e imperativo tal registo, sob pena de marcação de falta. 10. Aquando da realização deste registo, a Ré poderia também comunicar à Autora alterações ao seu horário de trabalho. 11. Nos dias em que o serviço da Autora consistisse em voos programados, a mesma deveria apresentar-se e registar a sua entrada 45 minutos antes de cada voo. 12. Reunindo com a restante tripulação nos 45 minutos que antecediam o voo, com vista a programar e configurar o dia de trabalho. 13. Bem como, consultando tabelas de objectivos de vendas das rotas a operar previamente definidos pelos Supervisores da Base e documentos publicados periodicamente pela Ré, constantes em arquivos existentes em tal sala. 14. Nos dias em que se encontrasse de prevenção presencial deveria permanecer em tal sala durante oito horas, executando diversas tarefas, tais como preparação de documentos, recolha de correio interno, arrumação e restabelecimento de material. 16. Tendo, antes de permanecer em determinado período de tempo (normalmente onze horas), alerta e atenta ao telemóvel, pronta para receber chamada de urgência e disponível para se apresentar na mencionada sala em 60 (sessenta) minutos. 17. A Autora era obrigada a residir a curta distância do Aeroporto, a qual lhe permitisse sair de casa e apresentar-se ao trabalho, devidamente fardada e pronta para prestar trabalho, em menos de 60 (sessenta) minutos. 18. A Autora recebia as instruções de trabalho dos seus superiores hierárquicos – Supervisores da Base. 19. As quais podiam ser fornecidas diária ou esporadicamente, de forma verbal ou escrita, e consistiam, designadamente, na proposta de organização do serviço a bordo da aeronave, na indicação dos produtos a destacar no dia e na recepção e discussão dos resultados e relatórios do dia. 20. Recebendo também diariamente instruções dos seus superiores hierárquicos Chefes de Cabine, que igualmente se encontravam em Faro e operavam o voo juntamente com a Autora. 21. Tais instruções e supervisão iniciavam-se na referida sala dos tripulantes, passavam pelo avião e terminavam na mencionada sala, no final do dia. 24. Após a aterragem no final da sua jornada de trabalho, e o regresso à referida sala, a Autora redigia os relatórios necessários, depositando os mesmos em local destinado para o efeito ou introduzindo-os eletronicamente em computador existente na sala, de acordo com a categoria de cada um dos relatórios. 25. É, ainda, no referido computador sito na crewroom que é feito o sign-in do trabalhador, bem como é ali que se encontra disponível a ferramenta de avaliação TOP CLASS,. 26. Bem como depositava em cofre existente na referida sala, o dinheiro faturado durante o dia e o transportava, sendo caso disso, para Dublin. 27. As marcações de férias ocorriam em Portugal, na sala da Ré ou em computador com ligação à Internet. 28. A Autora recebia, ainda, formação e avaliação anual recorrente que tinha lugar na sala da tripulação. 29. Caso a Autora se encontrasse incapacitada de prestar trabalho, deveria disso dar conhecimento ao supervisor da base e à central de controle de tripulação. 30. Em caso de atraso ou falta ao serviço a Autora era chamada para uma reunião com o supervisor da base, na sala da tripulação, em Faro. 31. Todas as trocas de horário acordadas entre tripulantes, bem como os requerimentos de licença sem vencimento da Autora eram submetidos à aprovação do supervisor da base, em Faro, superior hierárquico da Autora. Atento este quadro, reafirma-se, temos por inequívoco que caso o contrato de trabalho não contivesse aquela cláusula, a lei supletivamente aplicável seria a portuguesa, por ser a lei do país “a partir do qual presta habitualmente o seu trabalho” [art.º 8.º/2 do Regulamento Roma I]. Contendo o contrato aquela previsão e chegando-se a esta conclusão, como a escolha de lei pelas partes tem limites, designadamente, no que aqui releva, o estabelecido na segunda parte do n.º1, do art.º 8.º - a escolha da lei “não pode, porém, ter como consequência privar o trabalhador da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 8.º” – importa agora indagar se face aos termos contratualmente acordados a autora ficou privada do direito a receber subsídios de férias e de Natal, estabelecido na legislação portuguesa, para tanto procurando interpretar a vontade das partes à luz dos termos do contrato, ou das circunstâncias do caso. Na perspectiva da recorrente, o Tribunal a quo terá errado por não ter atendido ao quantum remuneratório global pago à Autora, defendendo que de acordo com a prova produzida, a única interpretação possível da vontade das partes aquando da celebração do contrato é a de que acordaram um valor de SBH que incluiria todos os montantes, argumentando que se estivesse obrigada a pagar mais dois salários, a título de subsídio de férias e de Natal, o valor de SBH previsto no contrato seria inferior para acomodar um pagamento 14 vezes por ano. Esgrime que “O enquadramento legal da remuneração sob a lei irlandesa assegura um valor mínimo de € 9,80 por hora (facto provado 68.), cerca de € 18.816,00 por ano, o que, comparado com o valor mínimo assegurado pela lei portuguesa é quase vexante, pois o salário mínimo português, na mesma data, cifrava-se em € 580,00/ mês, € 8.120,00 por ano”. Refere, ainda, com apoio nos pareceres que juntou aos autos que os subsídios de férias e Natal são hoje em dia e de forma pacífica, considerados como tendo uma natureza retributiva, que “[..] compõem a retribuição global complexiva do trabalhador, ainda que os respetivos períodos de vencimento e pagamento sejam distintos”. Refira-se que a Recorrente não questiona a sentença quando afirma a imperatividade dos subsídios de férias e subsídios de Natal, ou seja, como referido na fundamentação com apoio à jurisprudência citada, que os artigos 263º, nº1 e 264º, nº4 do CT “são normas inderrogáveis da lei portuguesa, mormente para efeitos de aplicação do artigo 8º nº1 do Regulamento Roma I, as que respeitam à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal”, (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-02-2022; www.dgsi.jstj.pt-Proc. no2191/19.8T8PDL.L1.S2). Com apoio nos pareceres que juntou aos autos, alega é que os subsídios de férias e Natal são hoje em dia e de forma pacífica, considerados como tendo uma natureza retributiva, que “[..] compõem a retribuição global complexiva do trabalhador, ainda que os respetivos períodos de vencimento e pagamento sejam distintos”, para defender que o respectivo pagamento não tem necessariamente que estar previsto e ser efectuado em duas prestações autónomas, em acréscimo às 12 retribuições mensais, podendo o valor correspondente estar integrado no “quantum remuneratório global , tendo as partes acordado “ uma remuneração que incluía todos os montantes devidos à Apelada”, tanto mais que “a lei irlandesa não prevê a figura do subsídio de férias de Natal”. Começando justamente por este ponto, concordamos com o entendimento afirmado pelos autores dos pareceres juntos, consonante com o afirmado por António Monteiro Fernandes, nomeadamente, no estudo “A noção de retribuição no regime do contrato de trabalho: uma revisão da matéria” [Direito E Justiça, 1 (Especial),295-325. https://doi.org/10.34632/direitoejustica.2015.9924, pp. 308/309 e 310], aí a propósito do que deve integrar estas prestações – a base de cálculo - , mas com pertinência para o caso, observando o seguinte: “[..] não há espaço para dúvidas acerca do carácter retributivo de qualquer das prestações em causa: remuneração do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal. Ao contrário do que, por vezes, se sugere19, essas prestações integram a contrapartida anual do trabalho prestado ao longo do ano – não têm, em rigor, nenhum carácter “complementar” nem, muito menos, nelas se encontram quaisquer resíduos da natureza das “gratificações” que podem ser praticadas nas relações de trabalho20. O que acontece é, simplesmente, que a actividade prestada em onze meses é paga em catorze prestações. O que particulariza estas três atribuições patrimoniais é que a sua correlação com a prestação de trabalho não é, como se disse, directa – dia por dia, semana por semana, mês por mês –, opera à escala do ano e tende, por isso, a ser insensível às variações que, no decurso desse período, atinjam o perfil concreto das actividades através das quais o contrato de trabalho é executado. [..] … estas atribuições patrimoniais não se relacionam directamente com concretas prestações de actividade, localizadas no tempo e no espaço (cujas características ou circunstâncias devessem ter nelas contrapartida económica), antes funcionam como “correctivos” da contrapartida anual do trabalho prestado. [..]». Diga-se, ainda, que do disposto no art.ºs 263º, n.º 1, e 264º, n.º 3, do Código do Trabalho, não resulta obstáculo a que as partes acordem no pagamento, respectivamente, do subsídio de Natal e do subsídio de férias, de forma diversa da prestação única, p. ex. em duodécimos conjuntamente com a retribuição mensal, dado aquelas normas disporem, em termos de regulamentação supletiva, quanto ao primeiro, que “[..] que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano”; e, quando ao segundo, que “Salvo acordo escrito em contrário, o subsídio de férias deve ser pago antes do início do período de férias [..]”. Porém, sendo certo que a Recorrente nunca pagou subsídio de férias à Autora durante todo o período de vigência do contrato, compreendido entre 25.03.2012 e 28.02.2019, nem tão pouco pagou subsídio de Natal [factos 44 e 45], para que aquelas considerações tenham proveito para o caso, ou seja, possa aquele entendimento ser aqui aplicado, é necessário concluir-se - como pretende a recorrente-, que a vontade das partes aquando da celebração foi a de acordarem um valor de retribuição que incluiria “todos os montantes”, isto é, que as 12 retribuições mensais englobassem uma parte destinada a cobrir os valores a título de subsídio de férias e de Natal. A resposta à questão passa necessariamente pela interpretação das declarações de vontade das partes, à luz da regra estabelecida no n.º1, do art.º 236.º do CC, entendendo-se que “o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido pro um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante” [Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1987, p. 223]. Com relevo para essa indagação, dos factos provados consta o seguinte: 46. A Autora não tinha vencimento base, recebendo um valor por cada hora de voo. 47. Nos últimos 12 meses de contrato, a Autora recebeu da Ré a seguinte remuneração: Março de 2018 – 0 Abril de 2018 - €818,16 Maio de 2018- €1.913,91 Junho de 2018 - €1.625,53 Julho de 2018 - €1.652,32 Agosto de 2018 - €2.071,75 Setembro de 2018- €2.072,80 Outubro de 2018- €1.737,05 Novembro de 2018 - €1.682,04 Dezembro de 2018 - €1.088,51 Janeiro de 2019 - €1.443,64 Fevereiro de 2019 - €0. 68. O salário mínimo na Irlanda para um trabalhador experiente, com mais de 2 anos nas funções é de €9,80 por hora. Releva, ainda, mencionar não ter ficado provado que “o valor hora fosse de €17,90”, alegado pela Autora no art.º 108.º da PI, para liquidar o pedido de crédito de horas de formação não ministrada. Em concreto, alegou, “Atendendo a que o seu valor hora era de €17,90, a Autora tem direito a auferir o valor de € 1.879,5 de crédito de horas de formação não ministrada, valor esse que lhe deveria ter sido pago na data de cessação do seu contrato de trabalho”. Por conseguinte, como bem se vê, não há qualquer facto provado – nem foi alegado - que minimamente indicie que na celebração do contrato as partes quiseram fixar um valor global de retribuição mais alto cobrindo logo o que seria devido a título de subsídio de férias e subsídio de Natal, estabelecendo esse acordo no clausulado do contrato. Para além disso, verifica-se que a autora não tinha fixado uma retribuição base mensal, antes “recebendo um valor por cada hora de voo” [facto 46], acrescendo que nem tão pouco se sabe qual era o valor hora acordado, conhecendo-se apenas os valores que recebeu nos últimos 12 meses de contrato, entre Março de 2018 e Fevereiro de 2019, enunciados no facto 47, mas sem sequer se conseguir extrair qual o valor hora que foi pago, dado que não se sabe quantas horas de voo foram prestadas, nem mesmo se esses valores foram calculados apenas com base no factor valor hora de voo ou se incorporam alguma outra componente retributiva. Vale isto por dizer, que estes factos são manifestamente insuficientes para permitir extrair a conclusão que a recorrente pretende quanto à interpretação da vontade das partes. Em abono da verdade, a recorrente tem essa noção. Por isso mesmo, usou na acção e aqui reitera, o argumento de que “O enquadramento legal da remuneração sob a lei irlandesa assegura um valor mínimo de €9,80 por hora (facto provado 68.), cerca de €18.816,00 por ano, o que, comparado com o valor mínimo assegurado pela lei portuguesa é quase vexante, pois o salário mínimo português, na mesma data, cifrava-se em € 580,00/ mês, €8.120,00 por ano”. Ora, com o devido respeito, para a questão em causa é descabido invocar os valores dos salários mínimos irlandês e português para fazer comparações. Desde logo, qualquer comparação relativa à retribuição só faria sentido se tivesse como referência o valor da retribuição auferida por trabalhador que exercesse as mesmas funções que a autora, incluindo os subsídios de férias e de Natal, ou seja, o correspondente a 14 retribuições anuais. Para além disso, para que a comparação pudesse ser feita em termos válidos, era necessário saber qual a retribuição efectivamente acordada com autora, dado fulcral que se desconhece. Estando provado que a Recorrente nunca pagou subsídio de férias à Autora durante todo o período de vigência do contrato, compreendido entre 25.03.2012 e 28.02.2019, nem tão pouco pagou subsídio de Natal, sobre ela recaía o ónus de alegação e prova de que a escolha da lei irlandesa para regular o contrato e a consequente estrutura retributiva fixada e praticada, não importou como consequência para trabalhadora, privá-la da “da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 8.º”, em concreto, o direito a serem-lhe pagos os subsídios em causa, previstos na legislação portuguesa em normas inderrogáveis, nomeadamente, nos artigos 263º, nº1 e 264º, nº4 do CT/09, por ser a lei do país “a partir do qual presta habitualmente o seu trabalho” [art.º 8.º/2 do Regulamento Roma I]. Essa prova não foi feita e, logo, nesta parte soçobra o recurso. Numa derradeira nota, não é despiciendo assinalar que esta Relação já se pronunciou neste sentido no recente acórdão de 23-10-2023 [proc.º 158/20.2T8MTS.P1, Desembargador António Luís Carvalhão, disponível em www.dgsi.pt], no qual se colocava esta precisa questão. Embora nesse processo fosse Ré “B... DAC (Designated Activity Company)”, a factualidade relevante e a questão colocada é em tudo similar à aqui em apreço, o mesmo sendo de dizer quanto à argumentação da Ré, inclusive, no que respeita ao argumento do salário mínimo irlandês em confronto com o salário mínimo nacional e à junção dos mesmos pareceres. Conclui-se nesse aresto, que “[..] tem a Autora a haver da Ré os referidos subsídios durante a pendência do contrato, por aplicação dos preceitos inderrogáveis da lei portuguesa, [..]”. Consta do sumário desse acórdão o seguinte: I - Nada obsta a que o salário seja negociado e previsto num valor anual global, assim como não é imperativo que o pagamento dos subsídios de férias e de Natal sejam pagos de uma vez só. II - No entanto, em contrato internacional, ao qual se aplica a lei irlandesa, para se concluir que foi acordado o pagamento dos subsídios de férias e de Natal no valor do salário acordado, impõe-se que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, o possa deduzir do acordo realizado”. II.4.2 Por último discorda recorrente da sentença por ter considerando que o contrato de trabalho intermitente celebrado viola o disposto no artigo 158.º n.º1, b), do CT, condenando-a no pagamento de retribuições [conclusões XLVII a LVI]. Na parte da fundamentação da sentença que trata esta questão, no que agora releva, lê-se o seguinte: -«-«D5. Retribuições não pagas durante o período de inatividade. Resultou ainda provado que a Autora não tinha vencimento base, recebendo um valor por cada hora de voo, (facto provado 46.) e que nos últimos 12 meses de contrato, a Autora recebeu da Ré a seguinte remuneração : Março de 2018 – 0 Abril de 2018 - €818,16 Maio de 2018- €1.913,91 Junho de 2018 - €1.625,53 Julho de 2018 - €1.652,32 Agosto de 2018 - €2.071,75 Setembro de 2018- €2.072,80 Outubro de 2018- €1.737,05 Novembro de 2018 - €1.682,04 Dezembro de 2018 - €1.088,51 Janeiro de 2019 - €1.443,64 Fevereiro de 2019 - €0 (facto provado 47.). Mais resultou provado que atendendo à sazonalidade da base de Faro, durante o Inverno existia uma diminuição na operação, o que justificava que durante cerca de 3 meses os tripulantes tivessem “unpaid leave” ou seja, licença sem vencimento, (facto provado 48.), que nesses períodos os trabalhadores pediam licença sem vencimento nos termos contratualmente previstos, (facto provado 49.), que a Ré facultava aos trabalhadores a possibilidade de escolher, dentro de determinados meses, os meses em que queriam estar de licença sem retribuição, (facto provado 50.), que durante esses meses a trabalhadora não recebia qualquer remuneração, (facto provado 51.) e que a trabalhadora teve os seguintes períodos de inatividade: 07.11.2012 a 09.11.2012 – 3 dias 22.11.2012 a 26.12.2012 – 5 dias 22.12.2012 a 26.12.2012 – 5 dias 12.02.2013 a 23.03.2013 – 1 mês e 12 dias 22.12.2015 a 17.03.2016 – 2 meses e 27 dias 17.12.2016 a 03.03.2017 – 2 meses e 18 dias 12.12.2017 a 14.03.2018 – 3 meses e 3 dias 08.01.2019 a 28.02.2019 – 2 meses e 18 dias, (facto provado 52.). Resultou ainda provado que nos meses de Março de 2018 e Fevereiro de 2019 a trabalhadora esteve de licença sem vencimento, por imposição contratual, sem que lhe tivesse sido pago qualquer valor, (facto provado 53.). Ora, conforme já se referiu supra em D3. importa, desde logo, enfrentarmos a questão, também suscitada pela Autora, no que parece haver consenso da Ré nesse ponto (cfr.arto148º da contestação) de saber se o contrato que vigorou entre as partes foi um verdadeiro contrato de trabalho intermitente. Perante a factualidade provada, afigura-se-nos-ia ser, desde logo, afirmativa a resposta a tal questão, pois resulta de tal factualidade que, por acordo das partes, a prestação de trabalho era intercalada por um ou mais períodos de inactividade (cfr. artº 157º, nº1, do CT) e não resulta provado nos autos que o contrato celebrado entre a Autora e a Ré, com início em 25.03.2012 se tratasse de um contrato de trabalho celebrado a termo resolutivo ou em regime de trabalho temporário, (cfr. artº157º, nº2, a contrario, do CT). Porém, nos termos do artigo 158º, nº1, do CT «o contrato de trabalho intermitente está sujeito a forma escrita» e, conforme revelam os autos, não foi junto aos autos qualquer contrato escrito titulando o contrato celebrado entre a Autora e a Ré, com início em 25.03.2012, (cfr. facto provado 1). Apenas se encontra junto aos autos um contrato escrito celebrado entre a A. e a Ré referente ao período de 25/03/2017 a 24/03/2020, (cfr. fls.13 a 16 v. e cfr. fls.113 a 121 v.). Porém, se relativamente a tal período de execução do contrato as exigências de forma exigidas pelo artigo 158º, nº1, do CT para o contrato de trabalho intermitente já se mostram cumpridas, do teor do aludido contrato resulta que o mesmo se trata de um contrato em regime de trabalho temporário, o que, em face do disposto no artigo 157º, nº2, do CT sempre inviabilizaria a celebração de um contrato de trabalho intermitente, ainda que apenas para o período subsequente a 25/03/2017. Ao mesmo tempo não consta de tal contrato, junto aos autos, a indicação do número anual de horas de trabalho, ou do número anual de dias de trabalho a tempo completo, pelo que, nos termos do disposto no artigo 158º, nº2, do CT considera-se o contrato celebrado sem período de inactividade. E assim sendo, nos termos do disposto no artigo 272º, nº1, do CT “compete ao tribunal, tendo em conta a prática da empresa e os usos do sector ou locais, determinar o valor da retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável.” Antes de enunciarmos os argumentos da recorrente, diremos de antemão que parte deles assentam no pressuposto da pretendida alteração da matéria de facto ter sido atendida, pelo que tendo o recurso improcedido quanto a essa vertente, necessariamente improcedem de imediato esses argumentos. Alega a recorrente que as partes sujeitaram a sua relação laboral ao ordenamento irlandês e a A. não alegou nem provou que quanto a este tema o regime nacional era mais protetor da sua posição, nem o poderia fazer, pois ao abrigo da lei portuguesa apenas teria direito a 20% da remuneração no período de inatividade e ao abrigo da lei irlandesa recebeu um valor líquido de cerca de Eur 250,00 por semana quando se encontrava em regime de inatividade, valor superior a 20% da sua remuneração base. Nesse pressuposto, defende que “não eram aplicáveis os artigos 157º e ss. do Código do Trabalho [..] e reconhecida a maior proteção do regime jurídico irlandês nesta matéria, ou pelo menos não provado que o regime nacional fosse mais protetor por falta de alegação neste sentido, concluindo-se pela improcedência integral do pedido da A. nesta matéria” [conclusões XLVIII e XLIX]. Como visto acima, não foi alegado pela Ré, nem tão pouco se provou que a Autora, “no período de inatividade e ao abrigo da lei irlandesa recebeu um valor líquido de cerca de Eur 250,00 por semana”. Assim, este argumento não tem sequer base factual concreta para permitir que se prossiga a apreciação, não podendo ser acolhido. Prossegue, defendendo que “mesmo que se considerasse que as licenças sem vencimento pedidas pela Apelada lhe foram impostas e que seria aplicável a lei portuguesa [..], então estaríamos perante um contrato de trabalho intermitente, conclusão que o Tribunal a quo afasta, em suma, alegando a falta de forma escrita e a falta de indicação do número anual de horas de trabalho”, para dizer de seguida que “quanto à falta de forma escrita, a Apelada já se pronunciou por via da invocada nulidade por decisão surpresa [conclusões L e LI]. É certo que a Ré se pronunciou quanto essa questão, mas apenas aduzindo argumentos para sustentar a nulidade arguida, que improcedeu. Assim sendo, também este argumento sucumbe. Alega de seguida que “[A] sentença também refere, [..], que a relação de trabalho intermitente não pode ser celebrada em regime de trabalho temporário, sem daí extrair qualquer consequência legal, no entanto, esta referência é irrelevante pois a falta de observação do disposto no artigo 157.º n.º 2 do Código do Trabalho não determinaria que se considerasse o contrato celebrado sem período de inatividade, pois essa consequência apenas se aplica nos casos expressamente previstos no artigo 158.º nº 2 do Código do Trabalho. [..] a existência de um contrato de trabalho intermitente em regime de trabalho temporário apenas poderia determinar a inaplicabilidade do regime do trabalho temporário [..]” [conclusões LII e LIII]. Com o devido respeito, a recorrente põe em dúvida a construção lógica do raciocínio seguido na fundamentação pelo Tribunal a quo, mas como decorre das conclusões seguintes, vê-se que bem percebeu os pressupostos em que assentou a decisão. Admite-se que a fundamentação podia ser mais clara, mas dela não decorre de todo, como parece querer sugerir a recorrente, afirmações inconsequentes, nem que delas tenha retirado alguma consequência. Lida a fundamentação com a devida atenção e interpretada no conjunto, no essencial, retira-se que o raciocínio formulado pelo Senhor Juiz - partindo dos factos previamente referidos - assenta no pressuposto base de “resulta[r] de tal factualidade que, por acordo das partes, a prestação de trabalho era intercalada por um ou mais períodos de inactividade (cfr. artº 157º, nº1, do CT)” e distingue dois períodos contratuais - o primeiro com início em 25.03.2012 e o segundo referente ao período de 25/03/2017 a 24/03/2020 - , relativamente aos quais depois enuncia mais os pressupostos seguintes: i) quanto ao primeiro período, com início em 25.03.2012, “não resulta provado [que] se tratasse de um contrato de trabalho celebrado a termo resolutivo ou em regime de trabalho temporário, (cfr. artº157º, nº2, a contrario, do CT)”, querendo significar que a estar provado o contrário seria impeditivo, não sendo esse o caso; estando-se perante um contrato de trabalho intermitente, como “não foi junto aos autos qualquer contrato escrito titulando[-o..]”, não se mostra demonstrado o cumprimento da exigência de forma imposta pelo art.º 158.º 2, do CT, com a consequência aí prevista, ou seja, considera-se o contrato celebrado sem período de inactividade; ii) quanto ao segundo período, de 25/03/2017 a 24/03/2020, “[..] encontra[se] junto aos autos um contrato escrito celebrado entre a A. e a Ré”, mostrando-se cumpridas as exigências de forma exigidas do artigo 158º, nº1, do CT, mas não consta “[..] a indicação do número anual de horas de trabalho, ou do número anual de dias de trabalho a tempo completo, pelo que, nos termos do disposto no artigo 158º, nº2, do CT considera-se o contrato celebrado sem período de inactividade”. E, dissemos que a Recorrente bem percebeu os pressupostos em que assentou a decisão, dado que de seguida vem dizer “ no que concerne ao alegado incumprimento do disposto no artigo 158.º n.º 1, b), do Código do Trabalho, o contrato de trabalho da Apelante não específica o número anual de dias de trabalho mas indica o número anual de meses de trabalho (9 meses, ou seja, 270 dias), pelo que não se pode entender que esta norma seja violada por um acordo escrito que, ao invés de estabelecer um número de dias, acolhe concretamente o período de atividade mínimo que é assegurado, indicando as datas precisas em que se verifica atividade”, para defender estar observado o disposto no artigo 158.º n.º1, b), do Código do Trabalho, devendo considerar-se “válido o período de intermitência estabelecido entre as partes e que qualquer valor eventualmente devido à Apelada pelo período de inatividade deverá ser calculado em razão de 20% do salário base da Apelada e não do salário médio indicado por esta (que contém rubricas além do salário base) [conclusões LIV e LV]. O argumento é laborioso, mas não colhe. O artigo 158.º do CT, com a epígrafe “Forma e conteúdo de contrato de trabalho intermitente”, estabelece o seguinte: 1 - O contrato de trabalho intermitente está sujeito a forma escrita e deve conter: a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes; b) Indicação do número anual de horas de trabalho, ou do número anual de dias de trabalho a tempo completo. 2 - Quando não tenha sido observada a forma escrita, ou na falta da indicação referida na alínea b) do número anterior, considera-se o contrato celebrado sem período de inactividade. 3 - O contrato considera-se celebrado pelo número anual de horas resultante do disposto no n.º 2 do artigo seguinte, caso o número anual de horas de trabalho ou o número anual de dias de trabalho a tempo completo seja inferior a esse limite. Como se retira da al. b) do n.º1, no contrato deve constar a indicação expressa do “número anual de horas de trabalho, ou do número anual de dias de trabalho a tempo completo”. E, nos termos do n.º 2, na falta dessa indicação “considera-se o contrato celebrado sem período de inactividade”. Refira-se, ainda, que nos termos do n.º 2 do art.º 159.º, a lei impõe um mínimo anual, não podendo a prestação de trabalho “ ser inferior a cinco meses a tempo completo, por ano, dos quais pelo menos três meses devem ser consecutivos”. Mais se refira, que da arquitectura desta figura decorre que durante os períodos da execução do contrato é aplicável o regime retributivo normal e correspondente à actividade prestada. Em contraponto, nos períodos de inactividade, “[..] o trabalhador tem direito a compensação retributiva, a pagar pelo empregador com periodicidade igual à da retribuição, em valor estabelecido em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou, na sua falta, de 20 /prct. da retribuição base”. No caso concreto, ou seja, no contrato em causa - de que o Tribunal a quo não cuidou de transcrever na matéria assente os traços essenciais, limitando-se a referi-lo e a remeter para o documento -, consta o seguinte: -« [..] 3. SAZONALIDADE DO CONTRATO 3.1 A empresa tem uma diminuição da procura durante o período de Inverno entre Novembro e Março inclusive de cada ano. É-lhe solicitado que trabalhe aproximadamente nove meses durante o nosso ano de ano entre Abril e Março de cada ano. Estes nove meses serão tipicamente em forma de trabalho normal entre Abril e Outubro com uma licença sem vencimento por três meses (ou seja, habitualmente entre Novembro e Março inclusivamente). Qualquer período de licença sem vencimento será planeado à discrição da Empresa e não terá de ser necessariamente em períodos consecutivos. Não existe qualquer garantia de que não será chamada para voar ou para cumprir funções em terra durante o período de inverno e o período de tempo em que não será convocada para voar ou para funções em terra poderá ocorrer durante o ano, de acordo com necessidades operacionais. 3.2 Haverá uma notificação escrita da época que lhe for atribuída como licença sem vencimento antes do seu começo. Durante os períodos de licença sem vencimento: - a sua continuidade no emprego não será afectada; - não irá receber qualquer pagamento (incluindo pagamento por voo, bónus de vendas, subsídios mensais, etc.; - a companhia não irá efectuar quaisquer descontos para a segurança social por sua conta; e - não adquirirá direito a férias. [..]». Importa, ainda, ter presentes os factos provados seguintes: 5. Para desempenhar as suas funções, a Autora apresentava-se, todos os dias em que prestasse trabalho, junto da competente sala dos tripulantes (usualmente denominada Crew Room), no referido Aeroporto, em Portugal, a qual era disponibilizada e titulada pela Ré, (arto13º da P.I.). 15. Nos dias em que se encontrasse de prevenção não presencial, a Autora não era remunerada se não fosse chamada a prestar trabalho, mas também não era obrigada a comparecer no Aeroporto, (cfr. artº23º da P.I.). 46. A Autora não tinha vencimento base, recebendo um valor por cada hora de voo. 48. Atendendo à sazonalidade da base de Faro, durante o Inverno existia uma diminuição na operação, o que justificava que durante cerca de 3 meses os tripulantes tivessem “unpaid leave” ou seja, licença sem vencimento. 51. Durante esses meses a trabalhadora não recebia qualquer remuneração. 51. Durante esses meses a trabalhadora não recebia qualquer remuneração. 52. A trabalhadora teve os seguintes períodos de inatividade: 07.11.2012 a 09.11.2012 – 3 dias 22.11.2012 a 26.12.2012 – 5 dias 22.12.2012 a 26.12.2012 – 5 dias 12.02.2013 a 23.03.2013 – 1 mês e 12 dias 22.12.2015 a 17.03.2016 – 2 meses e 27 dias 17.12.2016 a 03.03.2017 – 2 meses e 18 dias 12.12.2017 a 14.03.2018 – 3 meses e 3 dias 08.01.2019 a 28.02.2019 – 2 meses e 18 dias . 53. Nos meses de Março de 2018 e Fevereiro de 2019 a trabalhadora esteve de licença sem vencimento, por imposição contratual, sem que lhe tivesse sido pago qualquer valor. A Recorrente defende, no essencial, que este contrato – abrangendo o período temporal de 25/03/2017 a 24/03/2020 - cumpre a exigência de indicação do número anual de horas de trabalho, ou do número anual de dias de trabalho a tempo completo, por indicar “ [..] o número anual de meses de trabalho (9 meses, ou seja, 270 dias)”. Com o devido respeito, conjugado o contrato com os factos provados acima enunciados não é isso que resulta. O contrato refere “É-lhe solicitado que trabalhe aproximadamente nove meses durante o nosso ano de ano entre Abril e Março de cada ano”, mas esta expressão deve ser entendida como a imposição à trabalhadora para estar disponível para desempenhar as suas funções, quando fosse convocada para tal, sendo que nesse caso recebia um valor por cada hora de voo. Ou seja, não estava definido em termos expressos no contrato, o número concreto “anual de horas de trabalho, ou [o] número anual de dias de trabalho a tempo completo” em que a autora iria prestar a sua actividade. E, se assim é, como cremos forçoso concluir, aquela menção não satisfaz a exigência do art.º 158.º 1/c, do CT, para viabilizar a sua validade como contrato de trabalho intermitente. Prosseguindo, mais alega a recorrente que “[..] como se viu, durante este período de licenças sem vencimento a Apelada recebeu da segurança social irlandesa cerca de €250 por semana, valor superior aos 20% a que teria direito ao abrigo da lei portuguesa, pelo que sob pena de enriquecimento sem causa da Apelada e fraude ao sistema de segurança social irlandês, qualquer valor eventualmente devido à Apelada deverá ser deduzido dos montantes já pagos pela segurança social irlandesa, pelo que deve esta discussão ser dirimida em sede de liquidação de sentença”. Como já se percebeu, este é mais um argumento que estava dependente da alteração da matéria provada, ao pretender a recorrente que se desse como provado “Durante esses meses a trabalhadora recebia um subsídio semanal, por parte na segurança social irlandesa, no montante de €250” e que “Nos meses de Março de 2018 e Fevereiro de 2019 a trabalhadora esteve de licença sem vencimento, requerida por si, recebendo, por parte da segurança social irlandesa, um subsídio de €250 por semana de licença sem vencimento.” Como a impugnação não foi atendida, sucumbe o argumento, sem necessidade de mais considerações. Assim, não resultando das conclusões XLVII a LVI outros argumentos para além dos apreciados, resta concluir pela improcedência do recurso também nesta parte. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso nos termos seguintes: i) Improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto; ii) Improcedente a impugnação por erro na aplicação do direito, confirmando-se a sentença. Custas do recurso a cargo da recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º do CPC). Registe e Notifique Porto, 5 de Junho de 2022 Jerónimo Freitas Nelson Fernandes Teresa Sá Lopes |