Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3200/15.5T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CTT
ACTO ADMINISTRATIVO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITO
JUROS DE MORA
COMPENSAÇÃO ESPECIAL
Nº do Documento: RP201606063200/15.5T8AVR.P1
Data do Acordão: 06/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º241, FLS.240-259)
Área Temática: .
Sumário: IOs actos de processamento dos vencimentos dos trabalhadores dos CTT vencidos entre 1985 e 19 de Maio de 1992 não constituem actos administrativos.
II À prescrição dos créditos dos trabalhadores dos CTT vencidos nesse período aplica-se, por analogia, o regime prescricional do direito laboral comum.
III Os juros de mora relativos a crédito laboral, consubstanciam créditos emergentes da violação do contrato de trabalho, sendo-lhes aplicável o regime especial de prescrição previsto na lei laboral e não o regime geral que decorre da alínea d) do artigo 310.º do Código Civil.
IV O início da contagem de tais juros coincide com o vencimento de cada uma das prestações sobre que incidem.
VA compensação especial que constitui pagamento da linha telefónica residencial e é paga ao trabalhador 12 vezes ao ano tem natureza retributiva.
VIOs abonos para falhas não têm carácter de retribuição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3200/15.5T8AVR.P1
4.ª Secção
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
*
1.1. B…, intentou a presente acção declarativa comum contra CTT – Correios de Portugal, S.A., pedindo que a R. seja condenada:
a) A reconhecer que as remunerações relativas a subsídio de trabalho nocturno, horas extra/trabalho suplementar, compensação especial e abono para falhas, fazem parte da retribuição e devem ser incluídas nas retribuições de férias, subsídio de férias e de Natal. E, em consequência,
b) A pagar-lhe, a esse título, a quantia global de € 3.715,13, discriminada e justificada nos artigos 33º e 34º da p.i., mais juros de mora, às taxas legais aplicáveis em cada período de tempo, desde o vencimento de cada uma das retribuições, até efectivo e integral pagamento, ascendendo a € 2.776,93 os vencidos até 23.09.2015.
Para tanto alega, em síntese: que foi admitida pela R., em 1984, para exercer as funções sob a autoridade e direcção desta, tendo actualmente a categoria profissional de Técnica de Negócio e Gestão (TNG); que a sua retribuição mensal é composta por prestações que lhe foram pagas ao longo dos anos, regular e periodicamente, a título de trabalho suplementar, trabalho nocturno, compensação especial e abono para falhas; que ao longo dos anos, desempenhou as suas funções em diversos horários, parcialmente nocturnos, efectuando regularmente trabalho suplementar, desempenhando funções de atendimento, efectuando pagamentos e recebimentos de vales, encomendas e outros objectos postais, sendo por esse facto que recebeu, ao longo da sua prestação de trabalho, as remunerações que pede agora que seja reconhecido fazerem parte da retribuição, que auferia com carácter regular e periódico e que a R. nunca lhe pagou no subsídio de Natal, nem nas retribuições das férias e subsídio de férias, até ao ano de 2003, inclusive, continuando a não lhe pagar nas retribuições das férias e subsídio de férias, mesmo depois de 2003, a compensação especial e o abono para falhas.
Depois de realizada a audiência de partes, sem que se tenha logrado a conciliação entre ambas, a R. apresentou contestação (a fls. 207 e ss.), onde invocou, em suma: a prescrição dos créditos laborais anteriores a Maio de 1992, assim como dos correspondentes juros de mora, alegando para tanto que com o DL 49368, de 10 de Novembro de 1969, que criou a empresa
pública Correios e Telecomunicações de Portugal, os CTT assumiram uma tradição de instituição pública e os seus trabalhadores um estatuto típico do funcionalismo público, ainda que com certas especificidades, estatuto esse que se manteve inalterado no Acordo de Empresa posteriormente outorgado pela R.; que a relação jurídica era de emprego de cariz público, sujeita ao direito administrativo, e não ao regime do contrato individual de trabalho; que, atentos os fortes traços de direito público de que se reveste o regime jurídico anterior à transformação dos CTT em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (concretizada pelo DL n.º 87/92, de 14 de Maio), tem de entender-se que as prestações reclamadas por trabalhadores contratados até 19 de Maio de 1992 e que respeitem apenas a esse período, foram determinadas por actos administrativos; que os actos de processamento de vencimentos e demais prestações remuneratórias praticados até essa data (19 de Maio de 1992) se entendem como actos administrativos e, não tendo os mesmos sido oportunamente impugnados, nos termos e prazos previstos na lei, não podem hoje ser objecto de apreciação judicial; que, mesmo que assim não se entenda, é forçoso concluir que as prestações reclamadas se encontram prescritas, porque o estatuto de natureza público-privada que os trabalhadores tinham, expressa e claramente excluía a aplicação da LCT, nomeadamente do regime de prescrição nela estipulado para o contrato individual de trabalho; que, não existindo no conjunto de diplomas que constituíram o estatuto privativo dos CTT normas relativas ao regime de prescrição dos créditos laborais, impõe-se recorrer às regras gerais de direito para suprir tal omissão (da norma prescricional) pelo que as pretensões relacionadas com créditos laborais prescreviam nos termos do artigo 310º, g), do Código Civil, iniciando-se a prescrição nos termos gerais do artigo 306º, nº 1 do mesmo diploma e não apenas após a cessação do contrato de trabalho, o que significa que a A. teria o prazo de cinco anos a contar da data de vencimento de cada prestação para exercer o seu direito; que, por estarem prescritas as diferenças retributivas nas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, entre 1985 e 1992, não são devidas, assim como, por maioria de razão, os juros relativos a este período; que não são devidos juros de mora desde o vencimento de cada uma das prestações porque nunca antes a A. lhe deu a entender que não concordava com a forma como a retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal estava a ser liquidada, existindo assim, ainda mais do que abuso de direito, na forma de “venire contra factum proprium”, a figura da “suppressio”, que constitui uma forma de abuso de direito que se traduz no exercício tardio de uma posição jurídica, de tal modo que o devedor, de todo, já não contasse com ela; que os juros de mora só são (eventualmente) devidos a partir do trânsito em julgado da sentença a proferir, ou quanto muito, a partir da citação, dado se trata de uma questão controvertida, não tendo existido interpelação para cumprimento, anterior à data da citação; que, para o caso de assim não se entender, se verifica a prescrição dos juros moratórios peticionados, que se hajam vencido há mais de cinco, nos termos do art. 310º, al. d) do Código Civil; que as compensações remuneratórias complementares indicadas não integram o conceito de retribuição e algumas delas não foram sequer pagas em todos os meses do ano, ou em pelo menos 11 meses do ano; que, sendo os valores que constam em “média anual”, a divisão por doze da soma anual (portanto, a média) dos subsídios em causa em cada quadro, verifica-se, por simples operação aritmética, que aquele valor é alcançado após divisão por onze meses e não por doze, como seria normal, facto que só se poderá explicar por mero lapso. Conclui pela improcedência da acção, com a consequente absolvição do pedido e defende que, caso se julgue provada a acção, deve ter-se em consideração que a média de pagamento dos complementos de um ano, deve repercutir-se no ano seguinte, pelo que deve ser relegada a liquidação do pedido em conformidade, para execução de sentença.
Juntou doutos Pareceres dos Professores Meneses Cordeiro, Sérvulo Correia e Monteiro Fernandes.
A A. respondeu nos termos de fls. 346 e ss., concluindo pela improcedência das excepções suscitadas.
Fixado à causa o valor de € 6.492,06, foi proferido despacho saneador em que se dispensou a audiência preliminar e a selecção da base instrutória (despacho de fls. 372 e verso).
As partes chegaram entretanto a acordo quanto à matéria de facto controvertida e prescindiram da realização da audiência de julgamento, requerendo a prolação da sentença (fls. 376 e ss.).
Em 21 de Janeiro de 2016 foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
“Em face do que se decide, na parcial procedência da ação:
1.Condenar a R:
A) A reconhecer que as quantias que pagou à A. no período de tempo compreendido entre Junho de 1985 e Dezembro de 2011, a título de subsídio hora extra/trabalho suplementar, compensação especial, e abono para falhas, discriminados no artigo 33º da p.i, nos anos supra assinalados, fazem parte integrante da retribuição, devendo ser incluídos, até ao ano de 2003 (inclusive), nas retribuições de férias e subsídios de férias e Natal, e de 2004 em diante, na retribuição de férias e subsídio de férias.
B) A pagar à A., a esse título e em relação aos anos supra assinalados, a quantia a liquidar ulteriormente, nos termos dos art.358ºnº2 e 609º nº2 do Cód de processo Civil, ex vi do art. 1º nº2 al. a) do Cód. Do Processo do Trabalho – correspondente.
- No que respeita ao período até ao ano de 2003 (inclusive, à média dos valores auferidos a título de subsídio de horas extra/trabalho suplementar, compensação especial e abono para falhas, nos 12 meses anteriores ao vencimento de cada uma das retribuições por férias e subsídio de férias e de Natal.
- No que respeita ao período desde o ano de 2004 (inclusive) em diante, à média dos valores auferidos a título de abono para falhas, nos 12 meses anteriores ao vencimento de cada uma das retribuições por férias e subsídio de férias.
C) A pagar à A. juros de mora vencidos e vincendos, sobre o diferencial devido nas retribuições por férias e subsídios de férias e de Natal, desde a data de vencimento de cada uma das retribuições em causa (férias e subsídio de férias e de Natal) até efetivo e integral pagamento, às taxas legais em vigor na altura desse vencimento.
[…]”
1.2. A R., inconformada, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
«I - Vem o presente recurso interposto, da Decisão que condenou a ora Recorrente nos termos infra transcritos
“ (...).”
II- A douta sentença recorrida não considera a invocada prescrição dos créditos laborais auferidos depois de Maio de 1992, aduzindo fundamentos como os quais nos permitimos discordar.
III- A Autora é trabalhadora do quadro permanente da Ré desde 09.10.1984, e na presente ação peticiona diferenças retributivas nas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal relativas ao período compreendido entre 1985 a 2011.
IV- Ora, no caso concreto, a relação jurídica entre Autora e Ré, estava conformada pelo quadro jurídico estabelecido, nomeadamente, pelos seguintes normativos legais:
- DL nº 49368, de 10 de Novembro de 1969
- Portaria nº 706/71, de 18 de Dezembro;
- Portaria de Regulamentação Coletiva de 29.07.1977;
- AE de 81.
- Portaria nº 348/87, de 26 de Abril
V-Com o DL 49368, de 10 de Novembro de 1969, que criou a empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal, os CTT assumiram uma tradição de instituição pública e os seus trabalhadores, um estatuto típico do funcionalismo público, ainda que com certas especificidades.
VI-A transformação dos CTT em empresa pública e o quadro legal decorrente do DL49368 não alteraram a natureza pública da relação jurídica de emprego com os respetivos trabalhadores.
VII-Empresa pública que enquanto pessoa coletiva de direito público – e mesmo após a sua transformação em sociedade anónima – se reconhece integrar a Administração pública em sentido orgânico (ou, pelo menos, constituir uma verdadeira Administração indireta privada).
VIII- Na verdade, através desse diploma legal foi conferido à Ré o estatuto de empresa pública regendo-se o seu pessoal por um regime jurídico privativo, de natureza pública, conforme determinava o art. 26º dos seus estatutos, que veio a ter posterior tradução nomeadamente nos diplomas e normativos acima indicados e que se manteve inalterado pelas disposições consubstanciadas no Acordo de Empresa posteriormente outorgado pela Ré.
VIX-A evolução do perfil organizacional dos CTT e a sua prévia existência enquanto verdadeira direção geral, de pleno integrado na administração direta do Estado - a que também não é estranha a fixação de prerrogativas aos seus trabalhadores, no período considerado, que evidenciam poderes de autoridade administrativa (vide art. 28º do DL 49368) - explicam a opção do legislador quando afasta o regime do contrato individual de trabalho, dada a expressa natureza jus privatística deste último.
X-E isto é o que resulta expressamente do ponto 3, in fine, do preâmbulo da Portaria 706/71, de 18 de Dezembro.
XI-Nem os aspetos diferenciadores do regime jurídico estabelecido, de carácter privativo, nem o quadro legal posteriormente fixado pelo DL 260/76, de 8 de Abril, procederam à desfuncionalização da relação de emprego público existente, nesse período, nem tiveram por efeito transformar os funcionários ao serviço dos CTT em trabalhadores ao abrigo do contrato de trabalho.
XII- Manteve-se, assim, uma relação jurídica de emprego de cariz público, sujeita ao direito administrativo, a que a natureza empresarial dos CTT nada obstou.
XIII-Atentos os fortes traços de direito público de que se reveste o regime jurídico anterior à transformação dos CTT em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos - concretizada pelo Dec-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, tem de entender-se assim, que em relação às prestações reclamadas por trabalhadores contratados até 19 de Maio de 1992 e que respeitem apenas a esse período, as mesmas foram determinadas por atos administrativos.
XIV-Porque sustentados numa relação jurídica materialmente administrativa, os atos de processamento de vencimentos e demais prestações remuneratórias praticados até essa data (leia-se, 19 de Maio de 1992) entendem-se como atos administrativos.
XV- Ora, não tendo os mesmos sido oportunamente impugnados, nos termos e prazos previstos na lei, não podem, hoje - passados mais de 20 anos -, ser objeto de apreciação judicial.
XVI- Mas mesmo que se entenda não terem as prestações ora reclamadas até àquela data de 19 de Maio de 1992 sido determinadas por atos administrativos, já inimpugnáveis, forçoso é concluir que as mesmas não se mostram devidas, por já se encontrarem prescritas. Com efeito,
XVII-Do quadro jurídico enunciado resulta a expressa definição e vigência, para os trabalhadores dos CTT Correios e Telecomunicações de Portugal, EP, admitidos antes da sua transformação em sociedade anónima de capitais públicos operada pelo DL 87/92, de 14 de Maio, de um estatuto próximo dos funcionários públicos mas de natureza híbrida, públicoprivada.
XVIII- Se por um lado, esse regime privativo, especial, assegurava aos trabalhadores dos CTT o recurso aos diversos meios germanísticos de direito público para o exercício dos seus direitos, designadamente de natureza laboral, mediante a aplicação do princípio da legalidade, da hierarquia administrativa e dos esquemas de recurso contencioso.
XIX-Expressa e claramente excluía a aplicação da LCT, como já referido, e consequentemente o regime de prescrição nela estipulado para o contrato individual de trabalho.
XX-Ora, não existindo – como não existe – no conjunto de diplomas que constituíram o estatuto privativo dos CTT normas relativas ao regime de prescrição dos créditos laborais e não sendo, como vimos, aplicável à relação o regime jurídico do contrato individual de trabalho (LCT) impõe-se recorrer às regras gerais de direito para suprir tal omissão (da norma prescricional).
XXI-Assim, no que o direito público não dispusesse de outro modo, as pretensões relacionadas com créditos laborais prescreviam nos termos do artigo 310º, g), do Código Civil, iniciando-se a prescrição nos termos gerais do artigo 306º, nº 1, do mesmo diploma e não apenas após a cessação do contrato de trabalho.
XXII-Pelo que aos créditos laborais reclamados nas circunstâncias dos presentes autos não se aplica o artigo 38º da LCT, veja-se a este propósito o Douto Parecer do Prof Sérvulo Correia, que se junta como Doc.1.
XXIII-Com efeito, o objetivo do artigo 38º da LCT é o de proteger os trabalhadores, acautelando a sua posição perante a entidade empregadora, prevenindo que, na vigência do contrato de trabalho, o trabalhador pudesse não se sentir livre para o pleno exercício dos seus direitos.
XXIV- Mas, como se viu, este raciocínio não opera perante os funcionários públicos – já que estes dispõem de outros mecanismos que asseguram o bom exercício dos seus direitos sem receio de represálias – nem perante os trabalhadores dos CTT face a este seu regime privativo, especial, que lhes dava garantias muito maiores e mais eficazes que o regime comum do trabalho.
XXV-Pelo que não tendo aplicação o artigo 38º da LCT mas sim a conjugação dos artigos 310º, g), e 306º do Código Civil, tal significa que o Autor teria o prazo de cinco anos a contar da data de vencimento de cada prestação para exercer o seu direito (isto é, para peticionar os créditos laborais alegados na presente ação).
XXVI-Assim, dúvidas não podem restar nada ser devido pela Ré à Autora, a título das diferenças retributivas nas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal anteriores a Maio de 1992, uma vez que os mesmos se encontram prescritos, bem como os juros reclamados relativos a este período.
XXVII – Vem a Decisão Recorrida condenar a R., aqui Recorrente, a pagar à A./Recorrido: “ (…) juros de mora vencidos e vincendos, sobre o diferencial devido nas retribuições por férias e subsídios de férias e de Natal, desde a data de vencimento de cada uma das retribuições em causa (férias e subsídio de férias e de Natal) até efetivo e integral pagamento, às taxas legais em vigor na altura desse vencimento
XXVIII- Porém, salvo melhor opinião e o devido respeito, que é muito, ao decidir como decidiu violou a, aliás, Douta Sentença, a Lei, em especial o disposto no artº 310º do Código Civil (C. C.).
XXIX- A presente discussão tem subjacente uma relação entre a Recorrente e a Recorrida decorrente da celebração, entre elas, de um contrato concretamente definido e tipificado na Lei e regulado em legislação especial, nos termos do disposto nos arts. 1152º e 1153º do Código Civil, denominado “Contrato de Trabalho”, pelo qual esta última se obrigou, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual à primeira, sob a autoridade e direcção desta;
XXX- À semelhança do referido contrato de trabalho previsto e tipificado no Código Civil, também aqui estão previstos tantos outros contratos de natureza e tipologia diversa, tais como o contrato de prestação de serviços, o contrato de compra e venda, o contrato de aluguer, o comodato, o mandato, etc., cada um com o seu regime especial, mas todos eles sujeitos às regras da caducidade, da prescrição e do cômputo de juros, previstas no Código Civil;
XXXI - O que acontece, também, com o contrato de trabalho, já que em lado algum se prevê, no Código Civil (C. C.) ou no Código do Trabalho (a legislação especial referida no artº 1153º do C. C.), que o facto de o contrato de trabalho, enquanto tal, se encontrar sujeito a legislação especial, afasta automaticamente o regime do C. C. a ele aplicável, nomeadamente no que respeita a matéria de juros de mora;
XXXII - Relativamente aos contratos previstos no Código Civil, entre os quais, como vimos, o contrato de trabalho, estão previstos prazos de caducidade e de prescrição diferentes,
variando esses prazos entre os poucos meses e os vinte anos, mas nem por isso as regras dos juros se alteram de acordo com tais prazos, aplicando-se sempre a regra geral de que os juros vencidos há mais de cinco anos prescrevem, se entretanto não se fizer valer o direito aos mesmos – artº 310º C. C.;
XXXIII - Ao prever-se que o contrato de trabalho seria sujeito a legislação especial, pretendeu-se, tão-somente, atenta a extensão e complexidade da matéria em causa, comparativamente à demais incluída no C. C., que tudo o que regulasse o contrato, enquanto tal, deveria constar de legislação própria, especial, e não o afastamento do regime geral, mormente do referente aos juros, previsto no C. C.;
XXXIV - Também não se pode sustentar que o facto de no Código do Trabalho de 2003, se prever que todos os créditos prescrevem no prazo de ano após a cessação do contrato de trabalho, significa que também os juros estão aí incluídos por se tratar de obrigação acessória à obrigação principal de pagamento das prestações em causa, pois, se assim fosse, dada a importância que tal matéria reveste, certamente que o legislador a teria expressamente previsto;
XXXV - Por outro lado, e mesmo que assim se não entendesse, sempre haveria que determinar a razão de, no Código do Trabalho presentemente em vigor, se ter retirado a expressão “todos os créditos”, passando a prever-se, no nº 1 do artº 337º do C.T. que “1. O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho. 2. O crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há atis de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo.”;
XXXVI - Tal regime não colide com o aplicável aos créditos laborais, entendendo-se como tais as prestações retributivas reclamadas pelo trabalhador, decorrentes de contrato de trabalho, os quais só prescrevem no prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho (artigo 337º do CT);
XXXVII – Como refere Pedro Romano Martinez – in Direito do Trabalho, 5ª edição, Almedina – “(…) III. O regime especial de prescrição aplica-se às prestações retributivas emergentes do contrato de trabalho ou da sua cessação, não se justificando aplicar este regime excepcional a todos os créditos do trabalhador. (…) Também não ficam abrangidos por este regime de tutela os juros de créditos laborais. De facto, do regime especial constante do art. 337º do CT 2009 decorre que, na pendência do contrato de trabalho, a prescrição do crédito emergente deste vínculo fica suspensa nos termos do artigo 318º do CC. (…) Trata-se de um regime de tutela do credor que permite que «as contas» se façam no termo da relação jurídica e por isso está unicamente em causa a dívida de capital especificamente referida. Não faria sentido que, concedendo-se uma situação de benefício ao credor, se lhe permitisse ainda «ganhar» com o valor de prestações acessórias, mormente a dívida de juros, particularmente quanto esta decorrer de mora no cumprimento da obrigação principal. Em suma, a prescrição só se inicia no termo da relação jurídica relativamente à dívida de capital (p.ex. retribuição não paga), mas esta regra de especial tutela do credor não se aplica à obrigação acessória de juros, que é autónoma daquela. De outro modo estar-seia a permitir que o credor beneficiasse de um venire contra factum proprium: não reclama o pagamento da dívida durante um período longo porque a prescrição não corre e vem depois exigir o pagamento de juros durante esse longo período. Tal hipótese, admitindo que o credor poderia reclamar juros de mora relativos a dezenas de anos quando beneficiou de uma suspensão da prescrição, conformaria, por via de regra, abuso de direito (art. 334º do CC) e, mesmo que assim não fosse, não poderia ser essa a solução pretendida pelo legislado de conferir simultaneamente suspensão da prescrição da prestação de capital e de manter a obrigação e juros durante todo o período de suspensão; a vantagem conferida ao credor (suspensão da prescrição) redundaria em prejuízo desmesurado para o devedor (pagamento de capital acrescido de juros de mora referentes a um longo período de suspensão da prescrição). Há ainda uma outra razão que inviabiliza a reclamação de juros moratórios durante todo o período em que a prescrição não correu: os juros de mora resultam do incumprimento culposo de uma prestação pecuniária (arts. 804º e 806º do CC) e apesar de a culpa do devedor se presumir (art. 799º, nº 1, do CC) não se lhe pode imputar tal responsabilidade se o credor, durante um longo período, não reclamou o pagamento ao abrigo de uma suspensão da prescrição. A suspensão da prescrição, estabelecida em prol do credor, não pode constituir fundamento de imputação ao devedor de responsabilidade correspondente a juros de mora, porque estar-se-ia a admitir que houve um comportamento culposo do devedor, o que é manifestamente improcedente num caso em que o credor não reclamou a dívida durante um longo período salvaguardado na mencionada suspensão da prescrição.”;
XXXVIII - Pelo que no caso em apreço, ainda mais do que abuso de direito na forma de venire contra factum proprium, estaremos perante a figura da suppressio, ou seja, perante o exercício tardio de uma posição jurídica de tal modo que a Recorrente, de todo, já não contasse com ela, face à inação da titular do direito (a Recorrida);
XXXIX- Certo é que a Recorrida, na presente ação, pede prestações que poderão não ser consideradas retribuição, pelo que, só após uma decisão Juiz, e no caso depois de proferido o douto acórdão sobre essa matéria, se saberá quais as prestações que terão tal natureza (ou não);
XL- Em conformidade, o pagamento das prestações peticionadas, só serão exigíveis a partir do trânsito em julgado do acórdão a proferir, nos termos do disposto no artº 805º do C. C., data em que o crédito se tornará líquido e dará direito ao pagamento de juros de mora em caso de incumprimento, por parte da Recorrente;
XLI- Mesmo que assim se não entendesse, e admitindo que a Recorrente incorreu em mora no que toca ao pagamento dos subsídios peticionados - o que por mero dever de patrocínio se concebe sem se conceder -, passando, por isso, a vencerem-se juros sobre cada uma daquelas prestações, de acordo com o previsto no artigo 310º, alínea d), do Código Civil, os juros vencidos há mais de cinco anos encontram-se prescritos, em virtude do decurso de tal prazo;
XLII – Conforme tem vindo a ser entendido pela doutrina, conforme melhor descrito no douto parecer do Professor. António Menezes Cordeiro, que se junta como Doc.2, e pela jurisprudência, que entende que a autonomia dos créditos aos juros moratórios em relação aos créditos retributivos laborais correspondentes, não exime aqueles à aplicação da regra prescricional estabelecida na alínea d) do artigo 310º CC - conforme Acórdão do STJ de 15/12/1998;
XLIII- No sumário do supra citado Acórdão pode ler-se:
“ (…) II- Os juros são excluídos do âmbito de aplicação do nº 1 do artigo 38º, da LCT, sendo o seu regime de prescrição o geral, decorrente da alínea d) do artigo 310º, do Código Civil. Os juros não se podem considerar propriamente como um verdadeiro crédito resultante do contrato de trabalho. Ele surge, antes, como uma “indemnização” pela mora no não pagamento do crédito. Assim sendo, os juros, não sendo um verdadeiro crédito resultante directamente do contrato de trabalho, estão fora do âmbito de aplicação da norma excepcional do nº 1, do artigo 38º, citado. E a eles não se aplicará o regime especial dessa prescrição, mas sim o regime geral decorrente da alínea d) do artigo 310º, do Código Civil, pelo que o prazo da sua prescrição é de cinco anos. (…)”;
XLIV- A este propósito, também o Tribunal da Relação de Lisboa se pronunciou, quer no Ac. da 4ª Secção, de 2 de Dezembro de 2013, proferido no Processo nº 4800/12.0TTLSB-L1, quer no A. proferido no Processo nº 8367/07, em que a Recorrente é parte, dizendo que: “(…) Vem o apelante sustentar que não tem aplicação o disposto pelo art. 310º al. d) do CC, porque tratando-se de lei geral, cede perante a lei especial, mais precisamente o nº 1 do art. 38º da LCT, máxime na parte em que determinam que o prazo de prescrição só começa a correr no dia seguinte ao da cessação do contrato. Na realidade o art. 38º da LCT (tal como o art. 381º do CT) contém uma norma especial que além de estabelecer um prazo de prescrição específico para os créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, também determina que esse regime especial de curta duração, não ocorre na vigência do contrato, começando a respectiva contagem apenas no dia seguinte ao da cessação. Trata-se porém de uma norma especial aplicável aos créditos laborais tout court e os juros de mora não têm essa natureza. A obrigação de juros pressupõe uma obrigação de capital, é uma obrigação acessória desta, mas não assume natureza laboral só porque a obrigação principal reveste essa natureza. Se a obrigação de capital e o concomitante crédito têm natureza laboral – e no caso isso sucede relativamente às diferenças salariais reclamadas, que emergem directamente do contrato de trabalho – aplica-se a norma especial do art. 38º da LCT, mas não se aplica esta norma especial relativamente à obrigação acessória e concomitante crédito de juros, por não revestirem natureza laboral: não emergem do contrato de trabalho, da respectiva violação ou cessação. Aplica-se-lhe, pois a norma geral do art. 310º al. d) do CC e não a norma especial do art. 38º da LCT, como pretende o apelante. (…)”;
XLV - Finalmente, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de Março de 2011, proferido no Processo nº 191/09.0TTCBR.C1 - cuja doutrina tem sido seguida desde então naquela Comarca - onde se entendeu o seguinte: “ (…) Adiantando a conclusão, consideramos que é aplicável o disposto no artigo 310º d) do Código Civil e que, de facto e por isso, os juros estão prescritos (…). Pelo conjunto de razões que ficam ditas, entendemos aplicável aos juros o disposto no artigo 310º aliena d) do CC, ou seja, consideramos que estes estão sujeitos ao prazo de prescrição de cinco anos e que esse prazo não se suspende por mero efeito de estar (ainda) em execução o contrato de trabalho”;
XLVII- Contrariamente ao entendido na douta sentença recorrida, o Abono para falhas, não pode integrar o conceito de retribuição por se tratar uma compensação por despesas efetivas ou potenciais, decorrentes da necessidade de repor faltas de dinheiro em caixa.
XLIII- Por isso, destinando-se a compensar lapsos/erros nos recebimentos/pagamentos tem uma finalidade específica, visando compensação de gastos ou eventuais prejuízos que só são suscetíveis de ocorrer durante o tempo de trabalho, e não num 13º e 14º mês, isso mesmo se pode aferir das diversas Ordens de Serviço que regulamentam essa matéria.
XLIX- Nas palavras do Acórdão da Relação de Lisboa (Processo 3026/06.7TTLSB.L1) “Quanto ao que as partes designam por subsídio de falhas, admitindo que se trate do abono para falhas, a que se refere a cláusula 144º do AE, afigura-se-nos manifesto que não constitui retribuição porquanto não é verdadeiramente contrapartida da prestação de trabalho, mas antes uma compensação para eventuais falhas que nas funções de recebedor-pagador o trabalhador possa ter de suportar.”
L- É portanto um subsídio que não se destina a compensar o trabalho prestado pela recorrida, mas antes as despesas e riscos decorrentes das funções suscetíveis de gerar perda de valores/ falhas decorrentes de operações de pagamento/ recebimento de valores, razão pela qual não pode integrar a retribuição de férias, subsídio de férias e de natal, veja-se a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-06-2015 proc 1094/13.4 TTLSB.L1 .
LI- Da mesma forma o subsídio pago a título de compensação especial, que não é mais do que o valor atribuído à assinatura de telefone da residência do A. – e que ocorre 12 vezes no ano - nada terá a ver com o desempenho da atividade laboral da mesma, pelo que também não integra o conceito de remuneração, não sendo devida à Recorrida.
LII-Aliás, isso mesmo se pode aferir das diversas Ordens de Serviço que regulamentam, internamente, esta matéria - onde se afirma o objetivo de compensar os trabalhadores pelo seu comportamento e assiduidade o que desde logo, e só por aí, exclui esta prestação do âmbito das prestações de natureza retributiva.
LIII- É pois uma atribuição patrimonial que tem uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho (para compensar um gasto), não havendo correspetividade entre a prestação recebida e o trabalho prestado, pelo que não cabe no conceito de retribuição, devendo também nesta parte se revogada a douta sentença recorrida.
LIV- Concluindo-se, assim, do exposto, que tais complementos não podem integrar o cálculo das médias retributivas a título de retribuição de férias, subsídios de férias e natal, razão pela qual deve a sentença recorrida ser alterada também nesta parte.”
1.3. Não consta que o A. tenha apresentado resposta às alegações.
1.4. O recurso foi admitido por despacho de 29 de Março de 2016.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se, em douto Parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Apenas a A. se pronunciou quanto a este Parecer, nos termos de fls. 513 e ss.
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Foi cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
Realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – da inexigibilidade e prescrição das diferenças retributivas anteriores a Maio de 1992 e dos inerentes juros (conclusões III a XXVI);
2.ª – da prescrição dos juros moratórios sobre as quantias peticionadas, vencidos há mais de cinco anos (conclusões XXVII a XXXVII e XLI a XLV);
3.ª – do dies a quo para a contagem dos juros de mora (conclusões XXXIX a XL);
4.ª – da existência de abuso do direito na exigência de juros de mora (conclusão XXXVIII);
5.ª – saber se as médias dos valores pagos ao A. a título de abono para falhas não devem qualificar-se como retribuição, não se incluindo nas quantias devidas à A. a título de férias e subsídios de férias e de Natal (conclusões XLII a L);
6.ª – saber se as médias dos valores pagos ao A. a título de compensação especial não devem qualificar-se como retribuição, não se incluindo nas quantias devidas à A. a título de férias e subsídios de férias e de Natal (conclusões LI a LIV).
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Na sentença da 1.ª instância considerou-se, em suma:
a) que os actos de processamento dos vencimentos dos trabalhadores dos CTT vencidos entre 1985 e 19 de Maio de 1992 não constituem actos administrativos;
b) que à prescrição dos créditos dos trabalhadores dos CTT vencidos nesse período se aplica o regime prescricional do direito laboral comum;
c) que aos juros de mora relativos a crédito laboral é aplicável o regime especial de prescrição previsto na lei laboral;
d) que tais juros se contam a partir do vencimento de cada uma das prestações sobre que incidem;
e) que tinham natureza retributiva as quantias que entre os anos de 1985 e 2011 foram pagas à A. a título de retribuição por trabalho nocturno, trabalho suplementar, compensação especial e abono para falhas;
f) que a atribuição de tal carácter retributivo depende de haver regularidade e periodicidade no pagamento das prestações variáveis, o que a sentença decidiu verificar-se quanto a todas as retribuições variáveis referidas na matéria de facto nos mencionados anos auferidas em, pelo menos, 11 meses em cada ano;
g) que a média de tais quantias deve reflectir-se nos valores devidos à A. durante os anos de 1985 a 2003 a título de subsídio de Natal;
h) que, relativamente aos subsídios de Natal vencidos após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, neles não se deve repercutir a média das retribuições complementares alegadas;
i) que a média de tais quantias deve reflectir-se nos valores devidos à A. durante todos os mencionados anos a título de férias e subsídios de férias;
j) que a A. não abusou do seu direito ao peticionar juros de mora.
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3. Fundamentação de facto
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Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
1. Para trabalhar por sua conta e sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, mediante retribuição, a R. admitiu a A. em 09.10.1984, por contrato de trabalho a termo, que se veio a converter em contrato por tempo indeterminado, tendo esta passado a estar, desde então, integrada na estrutura organizativa da R., de quem recebe ordens e instruções e a cujo poder disciplinar está sujeita.
2. Actualmente, à A. está atribuída a categoria profissional de TNG (Técnica de Negócio e Gestão), desempenhando funções de atendimento, efectuando pagamentos e recebimentos de vales, encomendas e outros objectos postais ao balcão, bem como verificação de contas dos carteiros, na Loja dos CTT na …, em Aveiro.
3. Auferindo uma retribuição base mensal ilíquida, composta por uma remuneração base no montante de € 1.241,40; por 6 diuturnidades no montante global de € 183,42; e por uma diuturnidade especial, no montante de € 13,11. A que tudo acresce um subsídio de alimentação de € 9,01.
4. A A. é sócia do Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações (SNTCT).
5. A A. foi admitida para trabalhar como Técnica de Exploração Postal (TEX), categoria profissional cuja denominação foi mudando ao longo dos anos, sendo actualmente TNG, para prestar trabalho na EC de …, prestando actualmente as suas funções na Loja dos CTT na Praça ….
6. Ao longo dos anos, a A. sempre desempenhou as suas funções em diversos horários, parcialmente nocturnos, efectuando trabalho suplementar, desempenhando funções de atendimento, efectuando pagamentos e recebimentos de vales, encomendas e outros objectos postais.
7. A A. recebeu, ao longo da sua prestação de trabalho, um subsídio de trabalho nocturno, horas extra/trabalho suplementar, compensação especial e abono para falhas.
8. Os referidos subsídios e retribuições nunca foram considerados pela R. nas retribuições de subsídio de Natal da A..
9. Até ao ano de 2003, inclusive, os referidos subsídios e retribuições nunca foram considerados pela R. nas retribuições de férias e de subsídio de férias da A..
10. Tendo a R. pago, a partir do ano de 2004, na retribuição de férias, os subsídios e retribuições de trabalho nocturno e horas extra/trabalho suplementar.
11. A R. pagou, a partir do ano de 2004, na retribuição de subsídio de férias, os subsídios e retribuições de trabalho nocturno e horas extra/trabalho suplementar.
12. Desde Junho de 1985 até Dezembro de 2011, a A. recebeu da R. as quantias discriminadas no quadro constante do art. 33º da p.i., a título de trabalho nocturno, horas extra/trabalho suplementar, compensação especial e abono para falhas.
13. Abono para falhas trata-se de um subsídio para reposição de valores em caixa paga mensalmente, por cada dia em que o trabalhador faça movimentos financeiros, mas independentemente da existência ou não de falhas ou valores a repor.
14. Compensação especial constitui pagamento da linha telefónica residencial, sendo paga 12 vezes ao ano.
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4. Fundamentação de direito[1]
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4.1. Os factos em análise no recurso ocorreram entre os anos de 1985 e 2011, o que suscita a questão prévia de determinar o regime jurídico à luz do qual devem ser decididas as questões suscitadas.
Nos termos do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto «[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento».
De modo similar dispõe o n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
Assim, o Código do Trabalho de 2003 aplica-se às retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal vencidos após a sua entrada em vigor (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003) e o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, aplica-se às retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal vencidos após a sua entrada em vigor (dia 17 de Fevereiro de 2009 — artigo 2.º da Lei).
Quanto às vencidas antes da vigência do Código do Trabalho de 2003 – as retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal que deveriam ter sido pagos entre 1999 e 2003 –, há que atender ao disposto no anterior regime jurídico das férias, feriados e faltas, previsto no Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, com as alterações conferidas pelo Decreto-Lei n.º 397/91, de 16 de Outubro, e pela Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto, e ainda na lei do subsídio de Natal, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho.
Ter-se-ão também presentes a PRT publicada no BTE, 1ª serie, n.º27/77, de 29 de Julho de 1977 e os AE celebrados pelos CTT, invocados pela A. e referidos na sentença recorrida uma vez que está demonstrada nos autos a filiação sindical do A. – cfr. o artigo 7º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 9 de Dezembro, o artigo 552.º do Código do Trabalho de 2003 e o artigo 496.º do Código do Trabalho de 2009, que acolheram o denominado “principio da filiação”] – e resulta da matéria de facto que aqueles AE são aplicados pela R. na sua empresa (facto 4.), sendo que os mesmos poderão auxiliar na compreensão das finalidades do pagamento das verbas em causa.
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4.2. Nas conclusões das alegações que apresentou, a recorrente invoca desde logo a inexigibilidade e prescrição das diferenças retributivas anteriores a Maio de 1992 e dos inerentes juros.
4.2.1. Começa por alegar que, os actos de processamento de vencimentos e demais prestações remuneratórias praticados no âmbito do regime jurídico anterior à transformação dos CTT em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos – concretizada pelo Decreto-Lei n.° 87/92, de 14 de Maio –, porque sustentados numa relação jurídica materialmente administrativa, entendem-se como actos administrativos que são inimpugnáveis e definitivamente conformadores das situações jurídicas individuais concretamente abrangidas.
Sustenta, ainda, que a não se entender assim se verifica a prescrição de tais créditos laborais da autora anteriores a 19 de Maio de 1992, porquanto a tais créditos, atenta a natureza pública da recorrente e a relação que firmou com os seus funcionários, regida por um regime jurídico privativo de natureza pública, não era aplicável o artigo 38.º da L.C.T., quanto à questão da prescrição, mas sim o disposto pelos artigos 306° n.º 1 e 310.° alínea g) do Código Civil.
Na decisão da 1.ª instância, sufragando-se o entendimento expresso no Acórdão da Relação do Porto de 13 de Abril de 2015, entendeu-se que os actos de processamento dos vencimentos dos trabalhadores dos CTT vencidos entre 1985 e 19 de Maio de 1992 não constituem actos administrativos e que à prescrição dos créditos dos trabalhadores dos CTT vencidos nesse período se aplica, por analogia, o regime prescricional do direito laboral comum.
Não nos merece censura este juízo.
Como resulta da alegação da recorrente, esta faz radicar a inimpugnabilidade dos actos de processamento de vencimentos e demais prestações remuneratórias anteriores a Maio de 1992 na natureza administrativa dos vínculos estabelecidos até então com os seus trabalhadores – a determinar a qualificação do acto de processamento de vencimentos como um acto administrativo –, o mesmo sucedendo com a defendida inaplicabilidade do regime do artigo 38.º da L.C.T. aos créditos até então vencidos, que fundamenta na natureza pública do regime jurídico que disciplinava tais vínculos.
A este propósito, cumpre reiterar o que já afirmámos no citado Acórdão de 13 de Abril de 2015, cujas considerações continuamos a sufragar.
4.2.2. Deve desde logo dizer-se que não é pacífico ao nível da jurisprudência administrativa que os actos de processamento de vencimentos dos próprios funcionários públicos sejam, em qualquer caso, verdadeiros actos administrativos, isto é, consubstanciam decisões, ao abrigo de normas de direito público, que produzem efeitos jurídicos, numa situação individual e concreta.
Depois de alguma controvérsia, o Supremo Tribunal Administrativo estabilizou o seu entendimento no sentido de que os actos de processamento de vencimentos dos funcionários públicos são verdadeiros actos administrativos (artigo 120º do CPA) quanto às questões sobre as quais tenham tomado posição com vontade de unilateralidade decisória (vide, entre outros, os acórdãos do STA de 2007.12.19, recurso nº 899/07, de 2007.11.28, recurso nº 414/07, de 2006.01.17, recurso nº 857/05, de 2004.03.16, recurso nº 1682/02 e de 2001.12.11, recurso nº 47.140) e de que, por sua vez, são actos de mera execução “os praticados em consequência necessária da definição de situações jurídicas constantes de outros actos administrativos anteriores” e que não contenham outros efeitos jurídicos que não sejam a concretização ou desenvolvimento das estatuições jurídicas contidas nos primeiros (vide os acórdãos do STA de 2003.07.08, recurso nº 44411, de 2003.12.16, recurso nº 1272/03 e de 2004.10.10, recurso nº 719/03)[2].
4.2.3. Independentemente, contudo, da questão de saber se os actos de processamento dos vencimentos percebidos pela A. entre 1985 e 19 Maio de 1992 contêm a definição inovatória da sua situação jurídica retributiva ou se, ao contrário, não geram qualquer efeito jurídico novo, é essencial para que tais actos possam qualificar-se como actos administrativos que a relação jurídica estabelecida naquele período entre as partes possa qualificar-se como uma relação jurídica materialmente administrativa, afirmação esta em que a apelante sustenta a sua conclusão de que os actos de processamento dos vencimentos e demais prestações remuneratórias constituem actos administrativos (vide a conclusão XIII).
É por isso relevante uma incursão breve no percurso trilhado pelos «CTT»:
• Decreto-Lei n.° 49.638, de 10 de Novembro de 1969 - determinou que a "partir de 1 de Janeiro de 1970, a Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones passa a constituir uma empresa pública do Estado, denominada «Correios e Telecomunicações de Portugal», regida pelo Estatuto constante do anexo ao presente decreto-lei (...)", a qual mantém a abreviatura tradicional de CTT (artigo 1.° do mesmo Decreto-Lei e n° 1 do artigo 1° do Estatuto dos Correios e Telecomunicações de Portugal a ele anexo, onde se consagra, ainda, no seu n.º 2 que "os Correios e Telecomunicações de Portugal são dotados de personalidade jurídica de direito público, possuem autonomia administrativa e financeira e têm a sua sede em Lisboa";
• Decreto-Lei n.° 87/92, de 14 de Maio – estabeleceu que a "empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal (CTT) criada pelo Decreto-Lei n. ° 49 368, de 10 de Novembro de 1969, é transformada pelo presente diploma em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, passando a denominar-se CTT - Correios e Telecomunicações de Portugal, S. A, abreviadamente designada por CTT, S.A" (artigo 1.º, n.º 1).
Quando em 1969 foi criada a empresa pública dos CTT pelo Decreto-Lei n.° 49.368 – que aprovou o Estatuto dos CTT –, para ela transitou o pessoal da anterior Administração Geral dos CTT com fixação do seu regime jurídico em regulamentos especiais.
O Estatuto dos CTT de 1969, aprovado por este Decreto-Lei n.° 49.368, era antecedido de um extenso preâmbulo no qual se dizia, com relevo para perceber o regime jurídico aplicável aos seus trabalhadores, o seguinte:
«(…) agrupou-se o pessoal dos CTT em três escalões: escalão I, correspondente aos actuais serventuários dos quadros permanentes, os quais manterão todos os direitos e deveres do Estatuto do Funcionalismo Público, mas passarão a auferir vencimentos iguais aos das categorias correspondentes do escalão seguinte, ficando, em correspondência, sujeitos aos mesmos horários e regime fiscal; escalão II, constituído por servidores a admitir por tempo indeterminado, que ocuparão posição intermédia entre o regime dos funcionários do Estado e o dos empregados das empresas privadas; escalão III, formado por servidores a admitir por prazo limitado, cujo regime deverá inspirar-se no dos assalariados.»
Em consonância, o art. 26.º do Estatuto dos CTT, inserido no Capítulo III (“Do Pessoal”) dispunha o seguinte:
«Art. 26.º
1. O pessoal dos CTT considera-se abrangido pelas disposições do artigo 36.º do Estatuto do Trabalho Nacional (Decreto-Lei 23548, de 23 de Setembro de 1933) e o seu regime jurídico será definido em regulamentos especiais.
2. Os referidos regulamentos serão elaborados pelo conselho de administração e estabelecerão para o pessoal um regime jurídico que se adapte às actividades específicas dos CTT e tenha em conta a diversidade de tarefas a que tais actividades obrigam. A aprovação desses regulamentos será dada em portaria conjunta dos Ministros das Comunicações e das Corporações e Previdência Social.
3. O pessoal dos CTT será integrado nos escalões seguintes:
a) Escalão I - Constituído pelos funcionários admitidos até 31 de Dezembro de 1969 nos quadros permanentes. Estes servidores manterão todos os direitos e deveres e passarão a auferir vencimentos iguais aos das categorias correspondentes do escalão II, com idênticos horários de trabalho e regime fiscal;
b) Escalão II - Constituído por servidores admitidos por tempo indeterminado, mas susceptíveis de despedimento, não só por motivos disciplinares, como por conveniência de serviço. Ingressará neste escalão o pessoal existente em 31 de Dezembro de 1969 das modalidades seguintes: o do quadro de reserva; o admitido ao abrigo do artigo 6.º do Decreto-Lei 36155, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 47488; e o do artigo 7.º daquele mesmo Decreto-Lei 36155, quando possua carácter de continuidade e esteja sujeito a qualquer dos horários semanais especificados nas alíneas a), b) e c) do artigo 26.º deste último diploma;
c) Escalão III - Constituído pelos servidores temporários, admitidos por prazo limitado, ainda que prorrogável. Ingressará neste escalão o pessoal dos CTT existente em 31 de Dezembro de 1969 não considerado nos escalões anteriores.
4. Os servidores dos CTT permanecem sujeitos ao poder disciplinar da empresa, nos termos do regulamento respectivo. (…)»
Por seu turno o artigo 66.º estabeleceu que:
«66.º - O conselho de administração apresentará ao Governo, por intermédio do Ministro das Comunicações, propostas fundamentadas de alterações ao presente Estatuto, decorridos no máximo três anos após a sua entrada em vigor, contemplando: a) A evolução do regime jurídico do pessoal do escalão II no sentido de o aproximar da regulamentação jurídica do contrato individual de trabalho sem prejuízo das características do serviço público de correios e telecomunicações; (…)» [sublinhado nosso]
Analisando os escalões do pessoal dos CTT que foram definidos no transcrito artigo 26.º do Estatuto dos CTT, aprovado em 1969 pelo Decreto-Lei n.° 49.368, em conformidade com o respectivo preâmbulo, verifica-se que o A. apenas é susceptível de se enquadrar no seu escalão II, não se enquadrando manifestamente nos seus escalões I e III.
Com efeito, a A. foi admitida em 1984 e está desde então ao serviço da R., aceitando esta que a mesma é trabalhadora do seu quadro permanente, assim pertencendo ao referido escalão II.
Ora, salvo o devido respeito, cremos que ressalta destes textos uma nítida intenção do legislador de subtrair ao regime jurídico do funcionalismo público as relações estabelecidas entre os CTT, EP e os seus trabalhadores do escalão II, mantendo ligados ao funcionalismo público apenas os do escalão I, admitidos até 31 de Dezembro de 1969.
Como se nota no Acórdão da Relação de Coimbra de 29 de Janeiro de 2015[3], há vários aspectos do regime plasmado no Estatuto dos CTT de 1969 que constituem indício desta intenção legislativa:
- nos termos do art. 26°, n.º 3, alínea b), os trabalhadores do escalão II poderiam ser despedidos não só por motivos disciplinares, mas também por conveniência de serviço, ao invés do que poderia suceder com os trabalhadores do escalão I, que continuaram sujeitos ao Estatuto da Função Pública, sendo devida àqueles uma indemnização calculada em função das regras do cômputo da indemnização, por despedimento pela entidade patronal, sem justa causa, nos termos da legislação do trabalho (art. 26°, n.º 5);
- a consagração explícita, em normas especiais, em relação a esses trabalhadores do escalão II, de determinadas prerrogativas típicas dos funcionários públicos (vg. art. 28°), que já lhes assistiriam se estivessem submetidos ao mencionado regime sem necessidade daquela consagração;
- a fixação da remuneração dos trabalhadores dos CTT pelo respectivo conselho de administração, levando necessariamente em conta o nível de remunerações na indústria privada (art. 27°, n.º 1, alínea d));
- a sujeição dos trabalhadores dos CTT a um regime de tributação distinto dos funcionários do Estado (art. 27°, n.º 3);
- a preconização de uma evolução do regime jurídico do escalão II no sentido de o aproximar da regulamentação jurídica do contrato individual de trabalho, sem prejuízo das características do serviço público de correios (art. 66.°, alínea a)).
Em conformidade com as indicações legais do Estatuto dos CTT de 1969, e na sequência do anunciado no seu artigo 26.º, n.º 1 acima transcrito quanto à elaboração de regulamentos especiais para definir o regime jurídico do pessoal dos CTT, veio a ser publicado o Regulamento Geral do Pessoal dos CTT, aprovado pela Portaria n.º 706/71, de 18 de Dezembro[4], o qual passou a constituir a base do regime jurídico dos trabalhadores da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal a partir de 1 de Janeiro de 1972 (data da sua entrada em vigor nos termos do artigo 100.º) do qual decorre, a nosso ver, um regime próprio que o diferencia do regime aplicável à relação de emprego público.
É o que resulta, designadamente, do seu Preâmbulo, quando neste se indica que:
«(…)De todo o exposto resultou a necessidade de combinar o Estatuto Geral da Função Pública, sob cuja tutela se encontrava o funcionalismo dos CTT - e à sombra do qual se constituíram direitos do pessoal do escalão I - com o direito comum do trabalho (…)
A participação do pessoal nos lucros da empresa; a integração, em princípio, de todos os profissionais em carreiras, conferindo-lhes direito de acesso; os benefícios de obras sociais em crescente desenvolvimento; a admissão de indivíduos com deformidades físicas, contanto que estas não sejam impeditivas do bom desempenho da função e a preferência, até, de que gozam os mutilados em determinadas circunstâncias; a garantia de promoção, dentro de certos períodos, que em alguns casos se verifica; o regime de trabalho a meio tempo, permitido em certos casos, no sentido de conjugar o binómio vida funcional-vida privada ou ainda a permitir a realização de legítimas aspirações; a limitação do tempo diário e semanal do serviço, mesmo no capítulo do trabalho extraordinário; a extensão muito sensível do período de doença remunerada - e na medida em que o é -, bem como da duração da situação de maternidade e as facilidades concedidas às servidoras mães em matéria de amamentação; a licença para casamento; o sistema de cálculo da licença para férias; os abonos aos aposentados desligados do serviço, e o regime de despedimento do pessoal dos escalões II e III - na medida em que pode ser da iniciativa do empregado ou dá direito, em certos casos, a indemnização - constituem, porventura, os aspectos socialmente mais salientes deste Regulamento, e muitos deles traduzem aproximação ao direito comum do trabalho (…)
Deste modo se observou o espírito do preceituado no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei 49408, de 24 de Novembro de 1969, que manda aplicar às empresas públicas o regime do contrato individual de trabalho com as adaptações exigidas pelas características destes serviços, não obstante tal diploma não ser aplicável ao pessoal da empresa pública CTT, uma vez que o mesmo continua, por força do estatuto da empresa, sujeito ao regime de direito público, tal como sucede, aliás, com outras empresas públicas, designadamente a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e a Imprensa Nacional. Mas a recepção dos princípios informadores do diploma fundamental do direito comum do trabalho é tão desejável que o próprio estatuto CTT - lei específica da empresa - a preconiza, de certo modo, na alínea a) do seu artigo 66.º E bem pode afirmar-se, analisando-se este Regulamento, que tais princípios só não foram recebidos quando tal se revelou de todo inviável; e, que, por outro lado, também, por vezes, foram largamente ultrapassados.
(…)» [sublinhados nosso]
Passando para as normas do articulado deste Regulamento Geral do Pessoal dos CTT de 1971, é importante atentar no conteúdo dos artigos 1.º e 2.º inseridos nas disposições preliminares e que estabelecem o seguinte:
«ARTIGO 1.º
(Regime jurídico do pessoal)
1. O pessoal dos CTT passa a reger-se por um estatuto privativo constituído pelas normas legais e regulamentares que disponham especialmente sobre o seu regime jurídico, deixando, em consequência, de estar sujeito ao preceituado no estatuto do funcionalismo público.
2. O presente Regulamento será completado por regulamentos especiais, designadamente o disciplinar e o da aposentação.
3. Os princípios consignados no estatuto privativo do pessoal serão desenvolvidos e executados por normas a ele subordinadas, contidas em ordens de serviço do conselho de administração.
ARTIGO 2.º
(Espécies de pessoal)
1. Os servidores dos escalões I e II, a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 26.º do estatuto da empresa, abrangem os profissionais CTT com carácter de permanência.
2. Os profissionais CTT com carácter temporário, admitidos por tempo limitado, ainda que prorrogável, a que alude a alínea c) do n.º 3 do citado artigo 26.º do estatuto, constituem o escalão III, que abrange, designadamente:
a) Os artífices assalariados por certo tempo;
b) Os indivíduos de outras qualificações profissionais eventualmente admitidos por determinado período.
3. Por não serem profissionais CTT, não são abrangidos pelas disposições deste Regulamento, mas sim pelo seu anexo que dele faz parte integrante, os assalariados acidentalmente e os indivíduos em regime de contrato de prestação de serviço, compreendendo o mandato, o depósito, a empreitada e outras modalidades a que são extensivas as regras do mandato. Ficam subordinados, assim, ao regime constante do anexo os indivíduos que prestem serviço:
a) Acidentalmente, como assalariados;
b) Encarregados de postos dos CTT;
c) Em sistema de avença;
d) Por tarefa;
e) Como arrematantes de conduções de malas.»
Perante o disposto no artigo 1.º, n.º 1 deste Regulamento de 1971, ficou patente que o legislador excluiu expressamente do preceituado no estatuto do funcionalismo público o regime do pessoal dos CTT, referenciando estar o mesmo sujeito a um estatuto privativo constituído pelas normas legais e regulamentares que disponham especialmente sobre o seu regime jurídico, “deixando, em consequência, de estar sujeito ao preceituado no estatuto do funcionalismo público”.
O que manifestamente nos impede de acolher as afirmações constantes das conclusões das alegações de que, antes da transformação dos CTT em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos concretizada pelo Decreto-Lei n.° 87/92, de 14 de Maio de 1992, os trabalhadores da apelante mantinham uma relação jurídica de emprego de cariz público, ainda que com especificidades e de que, atentos os fortes traços de direito público de que se revestia esse regime, tem de entender-se, assim, que em relação às prestações reclamadas por trabalhadores contratados até 19 de Maio de 1992 e as que respeitem apenas a esse período, as mesmas foram determinadas por actos administrativos que agora são inimpugnáveis[5].
É pois evidente o afastamento, nesta época, dos trabalhadores dos CTT (com excepção dos que integravam o escalão I) do regime do funcionalismo público.
Há ainda que ponderar – agora no sentido da aproximação do regime do pessoal dos CTT ao regime de direito comum – que o Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, que aprovou o novo regime jurídico do contrato de trabalho a ele anexo (LCT) e começou a vigorar em 1 de Janeiro de 1970 (art. 2.º), dispôs no seu art. 11.º o seguinte:
«1. Ressalvada a legislação em vigor, o regime do contrato individual de trabalho aplica-se às empresas concessionárias do serviço público, mas poderá vir a sofrer as adaptações exigidas pelas características destes serviços mediante decretos regulamentares referendados pelo Ministro das Corporações e Previdência Social e pelos Ministros competente.
2. O disposto no número anterior é aplicável às empresas públicas.»
Na mesma senda, o Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril – que veio estabelecer as bases gerais das empresas públicas, como o eram à data os CTT, EP –, veio dispor no seu artigo 30.º que "[o] estatuto do pessoal das empresas públicas deve basear-se no regime do contrato individual de trabalho, salvo quanto ao pessoal das empresas que explorem serviços públicos, para o qual, de acordo com o 2 do artigo 3, pode ser definido, em certos aspectos, um regime de direito administrativo baseado no Estatuto do Funcionalismo Público, com as modificações exigidas pela natureza específica da actividade de cada empresa” (n.º 1) e que “[a] matéria relativa à contratação colectiva que envolva as empresas públicas será regulada pela lei geral sobre contratação colectiva”.
E no seu artigo 3.º, n.º 2, dispôs que "[o]s estatutos das empresas que explorem serviços públicos, assegurem actividades que interessem fundamentalmente à defesa nacional ou exerçam a sua actividade em situação de monopólio podem submeter determinados aspectos do seu funcionamento a um regime de direito público bem como conceder-lhes especiais privilégios ou prerrogativas de autoridade", denotando assim que esta aproximação que admite ao regime do funcionalismo público é excepcional e deve ser expressamente regulada.
Entretanto, não pode deixar de se ter presente que, ainda antes de ser a A. admitida ao serviço dos CTT, foi publicada a Portaria de Regulamentação de Trabalho (PRT) para os CTT no B.T.E. n.º 28 de 29 de Julho de 1977 e, posteriormente, os Acordos de Empresa (AE) publicados no B.T.E. n.º 24 de 1981 e nos BTE nºs 35 e 39 de 1981, outorgados pela empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal «CTT», que passaram a obrigar a empresa e os trabalhadores ao seu serviço representados pelas associações sindicais outorgantes. Desde então (ou seja, bem antes de transformação da empresa em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos com o Decreto-Lei n.° 87/92), as relações de trabalho entre a ré e os seus trabalhadores têm sido reguladas por sucessivos instrumentos de regulamentação colectiva nos quais se encontra especifica e minuciosamente regulamentada a matéria respeitante a remunerações, abonos e subsídios (cláusulas 141.ª e ss. do AE de 1981), incluindo tempo e local de pagamentos (cláusula 142.ª, n.º 2 e 3 do mesmo AE) e respectivos documentos comprovativos (cláusula 142.ª, n.º 1 do mesmo AE).
Ora, como vem dito no já aludido Acórdão da Relação de Coimbra de 2015.01.29, “sendo os acordos de empresa instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, regulados pela lei civil e emergentes do encontro de vontades entre sindicados privados e a ré, mal se conceberia que os actos de processamentos salariais levados a efeito ao abrigo e cumprimento do estatuído naqueles instrumentos de regulamentação colectiva pudessem I revestir-se da natureza de actos administrativos”. Citando J. Acácio Lourenço (in As Relações de Trabalho nas Empresas Públicas, Coimbra Editora, p. 137), o mesmo aresto salienta que o Regulamento Geral de Pessoal foi alterado pela Portaria de Regulamentação de Trabalho (PRT) publicada no B.T.E. nº. 28 de 1977, que "aplicou ao pessoal dos C. T. T. a maioria dos aspectos que consubstanciam a disciplina do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho. Aliás, o processo adoptado para a fixação das condições colectivas de trabalho tem sido o da negociação entre o conselho de administração e os sindicatos representativos do pessoal"[6].
Tudo concorrendo assim para alicerçar a conclusão de que as prestações reclamadas nos presentes autos até àquela data de 19 de Maio de 1992 não foram determinadas por actos administrativos já inimpugnáveis.
4.2.4. Especificamente no que diz respeito ao regime prescricional, é certo que o Regulamento Geral do Pessoal dos CTT de 1971 nada previa sobre a prescrição dos créditos laborais e que o anexo a este Regulamento estabelece no seu artigo 2.º que “[o]s casos omissos neste anexo serão integrados pelas disposições do Código Civil, salvo quanto aos servidores abrangidos pela secção II”, o que, não se enquadrando o A. nesta Secção II (referente aos assalariados com carácter acidental), poderia levar numa primeira análise à conclusão de que os créditos laborais reclamados que se reportam aos anos de 1986 até Maio de 1992 estão submetidos ao prazo de prescrição de cinco anos fixado no art. 310.º, alínea g) do Código Civil, referente a “outras prescrições periodicamente renováveis” e não ao prazo de um ano previsto no art. 38.º da Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.).
Simplesmente, não pode perder-se de vista que, como decorre do artigo 2.º, n.º 3, do Regulamento Geral do Pessoal dos CTT (acima transcrito), o respectivo anexo se reporta apenas, além dos assalariados com carácter acidental (a), aos indivíduos não considerados profissionais dos CTT que prestem serviço como encarregados de postos dos CTT (b), em sistema de avença (c), por tarefa (d) e como arrematantes de conduções de malas (e).
No caso, a autora foi admitida em 09 de Outubro de 1984, por contrato de trabalho a termo, que se veio a converter em contrato por tempo indeterminado, como ficou provado, pelo que não se enquadra em qualquer destas categorias de indivíduos.
E, assim, não se lhe aplica a norma remissiva para o Código Civil constante do anexo ao Regulamento Geral do Pessoal dos CTT.
É certo que o Regulamento Geral do Pessoal dos CTT de 1971 nada previa sobre a prescrição dos créditos laborais, o mesmo acontecendo com a PRT de 1977, o que nos leva a constatar a existência de uma lacuna na lei, a integrar segundo os critérios emergentes do artigo 10.º do Código Civil.
Sobre esta questão, debruçou-se já o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08 de Outubro de 2014[7], e fê-lo em termos que merecem a nossa adesão.
Aí se escreveu:
«[…] não contendo a lei qualquer regra aplicável à situação vertente, quando é certo que deveria conter essa regulamentação, a lacuna da lei tem, necessariamente que ser integrada através da analogia.
E nesta integração jurídica, temos o caminho da analogia legis ou analogia juris, devendo fazer-se chamamento ao que dispõe o art. 10.º do Cód. Civil, com a previsão legal que melhor se adapte às razões justificativas de aplicação concreta.
E assim, a situação legalmente prevista que melhor se adapta à situação presente é a da que prevê a prescrição de créditos laborais, ou seja o disposto no art. 38.º da LCT, pois é disso que se trata (vide com interesse o Ac. da 1.ª secção do STA de 12.06.80 nº convencional JSTA00008949, disponível em www.dgsi.pt em cujo sumário se lê que “[a] decisão sobre redução do subsidio de residencia do pessoal dos CTT, matéria incluida no ponto 3 da base XCII da respectiva portaria de regulamentação do trabalho, não assume a natureza de acto administrativo definitivo e executorio e antes se integra no âmbito das relações laborais entre recorrente e recorrida).”
De resto, o legislador, no preâmbulo do Regulamento Geral do Pessoal dos CTT que transcrevemos supra nas partes que nos pareceram relevantes para a resolução desta questão, reconhece que o regulamento abrange, fundamentalmente, a relação jurídica de emprego e que se observou o espírito do preceituado no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, que manda aplicar às empresas públicas o regime do contrato individual de trabalho com as adaptações exigidas pelas características destes serviços, não obstante tal diploma não ser aplicável ao pessoal da empresa pública CTT, mas que a recepção dos princípios informadores do diploma fundamental do direito comum do trabalho é tão desejável que o próprio estatuto CTT - lei específica da empresa - a preconiza, de certo modo, na alínea a) do seu artigo 66.º.
Como se viu, esta alínea comete ao conselho de administração a tarefa de apresentar ao Governo, por intermédio do Ministro das Comunicações, propostas fundamentadas de alterações ao Estatuto, decorridos no máximo três anos após a sua entrada em vigor, contemplando designadamente “[a] evolução do regime jurídico do pessoal do escalão II no sentido de o aproximar da regulamentação jurídica do contrato individual de trabalho sem prejuízo das características do serviço público de correios e telecomunicações.”
Com efeito, o referido art. 38.º tem por fundamento e considera iniciado o prazo de prescrição logo que cessa a situação de subordinação jurídica e económica, implicando o receio do trabalhador limitativo do exercício dos seus direitos
Trata-se de um regime em que o início do prazo prescricional só ocorre após a cessação, de facto, da relação laboral, o que se justifica por razões de pacificação social, dando-se assim a possibilidade às partes, durante a vigência do contrato, de não instaurarem ações com vista à reclamação dos seus direitos, para não se envenenar o bom relacionamento entre elas.
Por outro lado, com o protelamento do seu início para o dia seguinte ao do termo do contrato, visou-se essencialmente proteger o trabalhador, dados os naturais constrangimentos que este pode ter para exigir os seus direitos durante a sua vigência, nomeadamente por receio de retaliações do empregador caso ousasse acioná-lo durante a vigência da relação laboral, e que poderiam atingir o risco do seu próprio despedimento.
Por estas razões, avisadamente estabeleceu o legislador que o prazo da prescrição dos créditos laborais só começa a correr depois do contrato se extinguir, verificando-se portanto uma suspensão do início do seu curso até esta altura.
[…]»
4.2.5. Em suma, nem se pode afirmar a inexigibilidade dos créditos anteriores a Maio de 1992 reclamados pela A. (inexigibilidade que a recorrente fundou na asserção indemonstrada de que os trabalhadores tinham uma relação jurídica de emprego de cariz público e, por isso, os actos de processamento de vencimentos do autor levados a efeito pela ré até então eram actos administrativos que se tornaram inimpugnáveis), nem se pode afirmar a aplicabilidade do regime prescricional previsto nos arts. 306°, n.º 1 e 310º, alínea g) do Código Civil (igualmente fundada na indemonstrada natureza público-administrativa da relação de trabalho, que a subtraía ao regime laboral comum, designadamente em matéria de prescrição), devendo aplicar-se, por analogia, o regime prescrito no artigo 38.º da L.C.T. aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969.
Improcede, neste aspecto, o recurso.
*
4.3. Quanto à questão da prescrição dos juros moratórios sobre as quantias peticionadas, vencidos há mais de cinco anos, a recorrente sustenta não ser aplicável aos juros o regime dos créditos laborais, mas o disposto no artigo 310.º, alínea d) do CC, considerando que estes estão sujeitos ao prazo de prescrição de cinco anos, o qual não se suspende por mero efeito de estar em execução o contrato de trabalho
A decisão da 1.ª instância não acolheu a perspectiva da recorrente essencialmente por considerar que sendo aplicável o regime do contrato de trabalho privado, na altura consagrado no Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.) e uma vez que o contrato de trabalho se mantém em vigor, não começou sequer a correr o prazo de prescrição dos créditos laborais em questão.
Ponderando as razões subjacentes ao regime especial estabelecido para os créditos “resultantes” (artigo 38.º da L.C.T. e art. 381.º do Código do Trabalho de 2003) ou “emergente[s]” (artigo 337.º do Código do Trabalho de 2009) do contrato de trabalho, sua violação ou cessação, inexiste efectivamente justificação para excluir de tal regime especial de prescrição os juros (obrigação acessória) dos créditos resultantes da obrigação principal. Se a lei entendeu não ser exigível ao trabalhador-credor, atenta a sua posição de dependência no contrato, que promova a efectivação do seu direito demandando judicialmente o empregador na pendência do contrato do vínculo, e apenas sanciona o não exercício expedito do direito depois de cessado o mesmo[8], não se justifica que não tenha esta mesma perspectiva no que diz respeito aos juros dos créditos laborais, obrigando o, trabalhador a reclamá-lo na pendência do contrato para que se não extinga o respectivo direito, ainda que não reclame o crédito principal.
Como sustenta o Prof. Júlio Gomes, o regime especial de prescrição dos créditos laborais, previsto no art. 381º do CT/2003, deve-se aplicar também aos juros de retribuições em mora. Escreve este autor que “[n]o passado, invocando-se a natureza autónoma da obrigação de juros, pretendeu-se que esta obrigação estaria sujeita às regras do direito civil em matéria de prescrição e não ao regime especial dos créditos laborais. Tal entendimento não só não é hoje confortado pela letra da lei, como confrontaria com a teleologia do preceito já que forçaria o trabalhador a recorrer aos tribunais na vigência do contrato ou, em alternativa, a resignar-se com a extinção do seu direito”[9].
Com efeito, constituindo os juros de mora em causa um crédito indemnizatório decorrente do incumprimento da obrigação que pagamento da retribuição, é manifesto que o mesmo decorre também da violação do contrato de trabalho e, nesse medida, está igualmente sujeito ao regime especial de prescrição consagrado nos sucessivamente previstos nos arts. 38º, nº 1, da LCT, 381º, nº 1, do CT/2003 e 337º, nº 1, do CT/2009 e não ao disposto no art. 310º, nº 1, al. d), do Código Civil.
Por outro lado, entendendo-se, como se entende, que na base deste regime prescricional especial se encontram razões ligadas à subordinação jurídica do trabalhador ao empregador, à eventual inibição deste de demandar o empregador na pendência do contrato de trabalho atenta a sua maior debilidade e à pacificação do desenvolvimento da relação laboral enquanto esta perdura, não se vislumbra justificação para que esta ratio apenas ocorra apenas quanto à dívida de capital, não se nos afigurando de todo razoável que se imponha ao trabalhador o ónus de accionar judicialmente o empregador na pendência do contrato para fazer valer a obrigação acessória de juros (sob pena de prescrição)[10].
Invoca ainda a recorrente que no Código do Trabalho presentemente em vigor se retirou a expressão “todos os créditos”, passando a prever-se, no n.º 1 do art. 337.º que “o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou
cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
Ora não cremos que esta alteração da letra do preceito que estabelece o regime especial da prescrição do crédito laboral – que deixou de referir “todos os créditos” do empregador ou do trabalhador resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, como o faziam os seus antecessores, passando a referir-se apenas ao “crédito de empregador ou de trabalhador resultante do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação” – tenha o significado que lhe pretende atribuir a recorrente.
A referência ao “crédito” reporta-se a qualquer crédito, naturalmente, desde que tenha um dos sujeitos indicados no artigo 337.º e a fonte indicada no mesmo preceito.
O crédito de juros de mora proveniente de uma obrigação retributiva laboral não cumprida pelo empregador, tem como sujeito o trabalhador e como fonte o não cumprimento atempado da obrigação de pagamento pontual da retribuição que constitui a obrigação principal do contrato de trabalho a cargo do empregador. Trata-se pois de um crédito indemnizatório que resulta directamente do incumprimento do contrato de trabalho.
Entendemos, assim, que da supressão da expressão plural não pode inferir-se que deixaram os juros de estar contemplados pelo regime prescricional especial da lei laboral, nem pode intuir-se que haja sido intenção do legislador excluir daquele regime os juros de mora.
Apesar de a jurisprudência não ser pacífica sobre esta matéria[11], não podemos deixar de notar que ao nível do Supremo Tribunal de Justiça desconhecemos que nos últimos anos tenha sido emitido algum aresto no sentido de que seja aplicável aos juros dos créditos laborais o prazo prescricional previsto na lei civil para os juros moratórios. Pelo contrário, a jurisprudência provinda daquele mais alto Tribunal tem sido constante na afirmação de que os juros de mora relativos a crédito laboral, enquanto indemnização resultante da mora no cumprimento dessa obrigação, consubstanciam créditos emergentes da violação do contrato de trabalho, sendo-lhes aplicável o regime especial de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 38.º da Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.) – que coincide com o ulteriormente plasmado nos artigos 381.º do Código do Trabalho de 2003 e 337.º do Código do Trabalho de 2009 –, o que afasta o regime geral estabelecido na alínea d) do artigo 310.º do Código Civil[12].
Não vendo razões para nos afastarmos da posição reiterada e unânime do Supremo Tribunal de Justiça desde, pelo menos, há mais de uma década e que tem sido sufragada por esta Relação[13], bem como pela Relação de Lisboa[14], reiteramos a nossa adesão à mesma.
Improcedem, nesta parte, as conclusões das alegações da recorrente.
*
4.4. A recorrente discorda também da decisão sob censura na parte em que a mesma diz serem os juros de mora devidos desde a data dos vencimentos das prestações retributivas, defendendo que o são apenas desde o trânsito em julgado do acórdão a proferir nos termos do artigo 805.º do Código Civil, uma vez que o devedor só fica constituído em mora desde a interpelação e sendo o crédito ilíquido não há mora enquanto não se tornar líquido, pelo que, sendo controvertida a questão da natureza retributiva dos complementos, não se pode considerar a quantia liquidada na data do pagamento das retribuições e subsídios.
Também aqui sufragamos o juízo expresso pelo Mmo. Julgador a quo no sentido de que os juros de mora são devidos desde a data do vencimento de cada uma das prestações em dívida.
Com efeito, a obrigação do pagamento da retribuição no período de férias, bem como dos subsídios de férias e de Natal consubstanciam obrigações com prazo certo de pagamento, pelo que, nos termos do disposto no art. 805º, nº 2, al. a), do Cód. Civil, existe mora desde a data em que deveriam ter sido pagas, independentemente de interpelação – cfr. os artigos 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 874/86, o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 88/96, as cláusulas 142.ª e 143.ª do AE e o artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 69/85, de 18 de Março, segundo o qual a entidade patronal fica constituída em mora se o trabalhador, por facto que lhe não seja imputável, não puder dispor do montante da retribuição na data do vencimento. À luz dos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009 (artigos 364.º e 323.º, n.º 2, respectivamente), o empregador que falta culposamente ao cumprimento das obrigações pecuniárias constitui-se na obrigação de pagar juros de mora.
Nos termos do preceituado nos artigos 804.º, n.º 1 e 806.º, n.º s 1 e 2, do Código Civil, a mora constitui o devedor na obrigação de reparar os prejuízos causados ao credor, correspondendo a indemnização, na obrigação pecuniária, aos juros legais a contar da constituição em mora.
Além disso, não está em causa uma obrigação ilíquida que apenas se torne líquida com a decisão judicial, uma vez que o empregador tinha obrigação de saber o montante em dívida, que resulta da lei e do instrumento de regulamentação colectiva aplicável, não contrariando esta afirmação que haja controvérsia entre as partes (e até na jurisprudência) quanto à natureza retributiva das prestações complementares, bem como quanto à obrigação de as mesmas integrarem o pagamento da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal.
Como ficou a constar do sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 2006[15], numa situação similar à vertente:
Não tendo a ré pago ao autor diferenças devidas nas retribuições das férias e dos subsídios de férias e de Natal a título de trabalho suplementar e de trabalho nocturno e outros subsídios que deveriam integrar estas prestações, são devidos juros de mora (relativamente às parcelas em dívida) desde a data em que tais retribuições e subsídios deviam ser pagos (arts. 805.º, n.º 2. al. a) e 806.º, n.º 1 do CC). […] Tais situações configuram uma iliquidez aparente, uma vez que o devedor sabe, ou pode saber, quanto deve pagar (tendo em seu poder todos os elementos para chegar ao seu exacto montante), e não de iliquidez real, a contemplada na 1.ª parte do n.º 3 do art. 805 do CC.”
Na palavra de refere João Leal Amado, “a obrigação retributiva, em particular, enquanto principal obrigação a cargo do empregador, insere-se na categoria das chamadas obrigações duradouras, mais concretamente na sua modalidade das obrigações periódicas ou reiteradas”. Precisa ainda este autor que “a obrigação retributiva vence-se automaticamente, isto é, sem necessidade de prévia interpelação pelo credor-trabalhador, solução que, aliás, decorre logicamente da existência de uma data predeterminada para o respectivo cumprimento”[16].
Assim, se a recorrente não procedeu ao pagamento integral das retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal nas datas dos seus vencimentos, sendo certo que a mesma dispunha de todos os elementos para proceder ao seu pagamento, é de considerar que se constituiu em mora na data dos respectivos vencimentos, coincidindo o início da contagem dos juros de mora com o vencimento de cada uma das prestações.
E deve, também neste aspecto, confirmar-se a decisão da 1.ª instância.
*
4.5. A recorrente invoca ainda que no caso em apreço se verifica a abuso de direito na exigência de juros de mora, na forma da suppressio, ou seja, pois estamos perante o exercício tardio de uma posição jurídica de tal modo que a recorrente, de todo, já não contasse com ela, face à inacção da titular do direito.
A este propósito a decisão recorrida exarou o seguinte:
“[…]
Defende a R. que existe abuso de direito por parte da A., porque nunca antes esta lhe deu a entender que não concordava com a forma como a retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal estava a ser liquidada, traduzindo-se a sua pretensão no exercício tardio de uma posição jurídica com a qual a R. já não contava, configurando-se assim, mais que um “venire contra factum proprium”, a figura da “suppressio”.
A figura jurídica do abuso do direito encontra-se prevista no art. 334º do Cód. Civil, nos termos do qual “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Sendo o denominado “venire contra factum proprium” uma das modalidades que o abuso de direito pode revestir, caracterizando-se pelo exercício pelo agente de uma posição jurídica em contradição com uma conduta anterior pelo mesmo assumida.
Não resulta dos factos provados que a A. tenha adoptado anteriormente à propositura da acção qualquer comportamento contraditório em relação ao que nesta peticionam, ou que, como sustenta a R., nunca antes lhe tenham dado a entender que discordavam da forma como era calculada e paga a retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal.
Não há por conseguinte suporte factual que sustente a conclusão que a conduta processual da A. ultrapassa os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pela finalidade sócio-económica que subjaz à consagração legal do direito dos trabalhadores a que lhes seja paga a remuneração devida.
Não se afigurando portanto que a A. tenha exercido os seus direitos de forma abusiva, isto é, clamorosamente ofensiva do sentimento geral de justiça. Ou que a sua actuação, tal como resulta dos factos provados, foi de molde a criar na R., objectivamente, a confiança de que nunca lhe seria exigido o pagamento das retribuições aqui reclamadas.”
Subscrevemos este juízo, sem necessidade de lhe acrescentarmos outras considerações, por espúreas.
Improcedem, também nesta parte, as conclusões das alegações da recorrente.
*
4.6. Cabe agora aferir se as médias dos valores pagos ao A. a título de compensação especial não devem qualificar-se como retribuição, não se incluindo nas quantias devidas a título de férias e subsídios de férias e de Natal.
A sentença sob recurso, depois de tecer doutas considerações sobre o conceito de retribuição, sobre a densificação do carácter regular e periódico das prestações, sobre a prova da verificação dos pressupostos condicionantes da atribuição de natureza retributiva a qualquer prestação pecuniária paga pelo empregador e sobre a presunção retributiva, analisou a cadência das prestações pagas à A. e fez a seguinte apreciação:
«No caso concreto que nos ocupa, extrai-se do quadro constante do art. 33º da p.i. que a A., nos anos de 1985 a 2011, apenas nos seguintes anos auferiu em pelo menos 11 meses, quantias a título de:
- Horas extra/trabalho suplementar, nos anos de 1993, 1996 e 2001.
- Compensação especial, nos anos de 1996, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003.
- Abono para falhas, nos anos de 1989, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011.
Não tendo em nenhum ano auferido pelo menos em 11 meses, quantias a título de subsídio de trabalho nocturno.
Podendo assim concluir-se que, nos anos assinalados, as prestações em causa (horas extra/trabalho suplementar, compensação especial e abono para falhas) foram auferidas pela A., de forma regular e periódica, conferindo-lhe uma justa expectativa de as receber, pelo que, independentemente da denominação que lhes foi dada, devem ser consideradas como integrantes da sua retribuição. Tanto mais que a R. não logrou provar factos passíveis de afastar a sua caracterização como tal, como lhe incumbia, por força da presunção legal já acima aludida.
Tendo-se apenas demonstrado, quanto à “compensação especial”, que constitui o pagamento aos trabalhadores da linha telefónica residencial, 12 vezes por ano (cfr. n.º 14 dos factos provados), o que em nada conflitua com a sua classificação como retribuição).»
Invoca a recorrente que a compensação especial não deveria integrar o conceito de retribuição pois tem uma finalidade específica, que é o pagamento da assinatura do telefone que ocorre 12 vezes, sendo paga todos os meses, é atribuída segundo determinados critérios e visa compensar a dedicação à empresa, o comportamento e a assiduidade, e visa compensar um gasto não havendo correspectividade com o trabalho prestado (conclusões LI a LIV).
Dos factos provados resulta que a compensação especial constitui pagamento da linha telefónica residencial, sendo paga 12 vezes ao ano.
Nos termos do preceituado no artigo 82.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.), a retribuição tanto pode ser em dinheiro, como em espécie, presumindo-se constituir retribuição “toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador”. Nos mesmos moldes dispõem os artigos 249.º, n.ºs 2 e 3 do Código do Trabalho de 2003 e 258.º, n.ºs 2 e 3 do Código do Trabalho de 2009.
Assim, constituindo a retribuição um benefício patrimonial que pode ser pago em dinheiro ou em espécie, e nada resultando dos autos demonstrativo de que a A. necessitasse, para desempenhar o seu trabalho ao serviço da R., de ter instalada uma linha telefónica residencial, entendemos que este facto (o de a compensação especial constituir o pagamento da linha telefónica residencial) seja apto a ilidir a presunção de que esta prestação pecuniária tem natureza retributiva.
É de destacar que, em todos os regimes – artigos 82.º, n.º 3, da LCT, 249.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2003 e 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho de 2009 –, a lei presume participar da natureza de retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador. Ao trabalhador incumbe alegar e provar a satisfação, pelo empregador, de determinada atribuição patrimonial, seus quantitativos e respectiva cadência, cabendo depois, ao empregador, a demonstração de que a mesma não constitui contrapartida da actividade do trabalhador ou não tem natureza periódica e regular, para afastar a sua natureza retributiva (artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, nºs. 1 e 2, do Código Civil).
Não cremos que esta prestação tenha qualquer semelhança com as “ajudas de custo e outros abonos” a que se reporta o artigo 87.º da LCT e que depois vieram a ser contemplados nos artigos 260.º, nº 1, do Código do Trabalho de 2003 e 260.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho de 2009.
Nas situações em que as importâncias são pagas a título de ajudas de custo ou outros abonos, vg. de viagem, embora verificando-se a regularidade e periodicidade no pagamento, a prestação não constitui retribuição, justamente porque tem uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho. Como observam Jorge Leite e Coutinho de Almeida, “tais importâncias não visam pagar o trabalho ou sequer a disponibilidade para o trabalho e não representam qualquer ganho efectivo do trabalhador, não sendo, por isso, retribuição”[17]. Trata-se, apenas, de ressarcir o trabalhador de despesas que este suporta em virtude da prestação do trabalho[18].
Ora, no caso a despesa que a A. suporta com o pagamento da linha telefónica residencial não é uma despesa que tenha que suportar para prestar o seu trabalho, razão por que entendemos não se subsumir a mesma à hipótese das normas que excluem a natureza retributiva.
O mesmo se diga do facto de a Ré apenas a pagar 12 vezes ao ano, o que apenas é susceptível de melhor sustentar a sua natureza regular e periódica e reforçar a base da presunção legal de que se reveste de natureza retributiva.
Pelo que se mostra evidente a conclusão de que a aludida prestação se integra no conceito de retribuição pressuposto no artigo 82.º da Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.) (e também no artigo 249.º do Código do Trabalho de 2003 e no artigo 258.º do Código do Trabalho de 2009, aqui improcedendo também as conclusões das alegações.
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4.7. Resta analisar a questão do abono para falhas.
A sentença recorrida a propósito desta prestação, entendeu que, dada a natureza regular e periódica com que foi paga à A., deve ser considerado como retribuição, pelo menos até à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, visto que o art. 87º da LCT não o inclui expressamente no âmbito das prestações que não revestem índole retributiva. A partir daí, face ao disposto nos arts. 260º n.ºs 1 e 2 dos CT 2003 e CT 2009, que passaram a incluir expressamente tal abono no rol das importâncias que não se consideram retribuição, sem que se saiba se as quantias concretamente pagas à A. excedem ou não os “montantes normais”, diz a sentença que “não poderia à partida o abono para falhas ser tido como parte integrante da retribuição”, mas, invocando o disposto no art. 11º n.º 1 da Lei Preambular ao CT 2003 (Lei n.º 99/2003, de 27/08), de acordo com o qual a retribuição auferida pelo trabalhador não pode ser reduzida por mero efeito da entrada em vigor do Código do Trabalho, defende que o abono para falhas não pode deixar de ser retribuição apenas pelo facto de o Cóidigo o ter incluído na lista de prestações que não constituem retribuição.
A recorrente, por seu turno, alega que o abono para falhas, não pode integrar o conceito de retribuição por se tratar uma compensação por despesas efectivas ou potenciais, decorrentes da necessidade de repor faltas de dinheiro em caixa e que, por isso, destinando-se a compensar lapsos/erros nos recebimentos/pagamentos tem uma finalidade específica, visando compensação de gastos ou eventuais prejuízos que só são susceptíveis de ocorrer durante o tempo de trabalho, e não num 13º e 14º mês.
Vejamos.
Ficou provado neste autos que o abono para falhas constitui “um subsídio para reposição de valores em caixa paga mensalmente, por cada dia em que o trabalhador faça movimentos financeiros, mas independentemente da existência ou não de falhas ou valores a repor (facto 13.).
Ficou também provado que a A. desempenha funções de atendimento, “efectuando pagamentos e recebimentos de vales, encomendas e outros objectos postais ao balcão, bem como verificação de contas dos carteiros, na Loja dos CTT na Praça …, em …” (facto 2.).
O abono para falhas tem consagração convencional na cláusula 152.ª, do AE de 1981, na cláusula 144.ª, do AE de 1996, na cláusula 86.ª, do AE de 2008, na cláusula 87.ª do AE de 2010, e na cláusula 86.ª, do AE de 2013.
Trata-se de uma prestação devida aos trabalhadores que exerçam as funções de recebedor, recebedor-pagador ou de pagador, destinando-se, como a sua designação indica, a suprir eventuais falhas no exercício dessas funções.
Não se nos afigura, face à natureza da referida prestação, que a mesma se assuma como uma contrapartida específica da execução do trabalho, apenas visando compensar o trabalhador por eventuais falhas no exercício das suas funções.
Este tipo de prestação não tem carácter retributivo do trabalho prestado, como actualmente se mostra expressamente previsto na lei [artigo 260.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003 e artigo 260.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código do Trabalho de 2009] mas já anteriormente era entendido, considerando-se que se mostrava contemplado no artigo 87.º da Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.).
Reveste-se, antes, de uma natureza indemnizatória ou compensatória de uma responsabilidade específica, pois pode suceder com alguma frequência que o trabalhador com tarefas deste tipo tenha de responder por quantias em falta decorrentes de uma errada manipulação ou deficiente contabilização dos valores com que quotidianamente lida[19].
No caso vertente, ficou expressamente provado que o abono em causa constitui um subsídio para reposição de valores em caixa, que é pago mensalmente, por cada dia em que o trabalhador faça movimentos financeiros, independentemente da existência ou não de falhas ou valores a repor.
Assim, não constitui verdadeiramente contrapartida da prestação de trabalho, mas antes uma compensação para eventuais falhas que nas funções de recebedor-pagador o trabalhador possa ter de suportar, um subsídio que não se destina a compensar o trabalho prestado, antes se revestindo de um carácter indemnizatório sobre o risco específico da actividade a que se dedica o trabalhador, podendo não representar para ele qualquer vantagem económica.
Tanto no âmbito do Decreto-Lei n° 876/76 (artigo 6.º), como no do Decreto-Lei n.° 88/96, como no dos Códigos do Trabalho de 2003 (arts. 254º e 255º, nºs 1 e 2) e de 2009 (arts. 262º, 264º e 265º) a integração de determinada prestação na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal tem como pressuposto a qualificação da mesma como retribuição.
Assim, porque já à luz da Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.) estas prestações que se destinam a indemnizar despesas decorrentes do exercício de funções susceptíveis de gerar perda de valores (falhas) no âmbito das operações de pagamento e recebimento de valores, e porque as mesmas se mostram expressamente excluídas do conceito de retribuição à luz dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009 (artigos 260.º de ambos os diplomas), não podem os abonos para falhas integrar a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal[20].
Procede neste aspecto o recurso, havendo que alterar os termos da condenação da R. em conformidade, mantendo-se contudo a condenação no que se liquidar em incidente próprio a processar nos presentes autos, tal como foi decidido na sentença em segmento que não foi posto em causa na apelação.
4.8. As custas do recurso interposto da sentença final e da acção deverão ser suportadas pela R. recorrente e pelo A. recorrido na proporção do decaimento que resulta da condenação proferida nesta instância (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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5. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, altera-se o segmento decisório da sentença recorrida, passando a R. a ficar condenada:
5.1. a reconhecer que as quantias que pagou à A. no período de tempo compreendido entre Junho de 1985 e Dezembro de 2011, a título de subsídio hora extra/trabalho suplementar e compensação especial discriminados no artigo 33º da petição inicial, fazem parte integrante da retribuição, devendo ser incluídos, até ao ano de 2003 (inclusive), nas retribuições de férias e subsídios de férias e Natal, e de 2004 em diante, na retribuição de férias e subsídio de férias;
5.2. a pagar à A., a esse título e em relação aos anos supra assinalados, a quantia a liquidar ulteriormente, nos termos dos artigo 358.º, n.º 2 e 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, e correspondente, no que respeita ao período até ao ano de 2003 (inclusive), à média dos valores auferidos a título de subsídio de horas extra/trabalho suplementar e compensação especial, nos 12 meses anteriores ao vencimento de cada uma das retribuições por férias e subsídio de férias e de Natal.
5.3. a pagar à A. juros de mora vencidos e vincendos, sobre o diferencial devido nas retribuições por férias e subsídios de férias e de Natal, desde a data de vencimento de cada uma das retribuições em causa (férias e subsídio de férias e de Natal) até efectivo e integral pagamento, às taxas legais em vigor na altura desse vencimento.
No mais, vai a R. absolvida do peticionado.
Custas na 1ª instância e no recurso por A. e R. na proporção do decaimento que resulta do presente acórdão.

Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 6 de Junho de 2016
Maria José Costa Pinto
António José Ramos
Jorge Loureiro
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[1] Seguir-se-á, no seu essencial, a tese expressa nos Acórdãos da Relação do Porto 13 de Abril de 2015, Processo n.º 1457/13.5TTVNG-A.P1, de 5 de Outubro de 2015, Processo n.º 200/14.6TTPRT.P1, de 18 de Fevereiro de 2013, Processo n.º 287/10.0TTSTS.P1 e de 11 de Março de 2013, Processo n.º 334/10.6TTVLG.P1, todos relatados pela ora relatora, e que está em consonância com muitos outros arestos desta Relação, designadamente relatados pela mesma e pelo Exmo. Desembargador ora 1.º Adjunto.
[2] Vide com muito interesse, e fazendo uma resenha jurisprudencial, o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Abril de 2008, processo n.º 0544/06, in www.dgsi.pt.
[3] Processo n.º 20/14.8TTFIG.C1, inédito, ao que supomos, citando uma decisão sumária do mesmo Tribunal da Relação de 17 de Dezembro de 2014, proferida no processo n.º 275/13.5TIFIG.C1.
[4] Alterada pelas Portarias nºs 311/72, de 30/05, n.º 921/73, de 28/12 e n.º 351/75, de 07/06.
[5] Veja-se com interesse o Ac. do STA de 12 de Junho de 1980, processo n.º 014329, in www.dgsi.pt, segundo o qual a decisão sobre redução do subsidio de residência do pessoal dos CTT, matéria incluida no ponto 3 da base XCII da respectiva portaria de regulamentação do trabalho, não assume a natureza de acto administrativo definitivo e executório e antes se integra no âmbito das relações laborais entre recorrente e recorrida.
[6] Veja-se o citado Acórdão da Relação de Coimbra de 29 de Janeiro de 2015, que também alude a este autor (in As Relações de Trabalho nas Empresas Públicas, Coimbra Editora, p. 137).
[7] Processo n.º 1115/13.0TTLSB.L1-4, in www.dgsi.pt.
[8] Vide sobre a ratio deste regime João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, pp. 331 e ss.
[9] In Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra, 2007, p. 905. Na doutrina, vide ainda Milena Silva Rouxinol, O Regime de Prescrição dos Juros Laborais – Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2 de Março de 2011, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade Lusófona do Porto, n.º 2, pp. 230 e ss.
[10] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2006.02.21 e de 2006.12.14, in www.dgsi.pt.
[11] Pois que designadamente ao nível da Relação de Coimbra tem prevalecido o entendimento de que o artigo 310.º, al. d), do Código Civil é norma específica que abrange expressamente no seu âmbito todos e quaisquer juros e o prazo de prescrição nele previsto é aplicável aos juros de créditos laborais, atenta a sua autonomia em relação ao capital - vide o Acórdão da Relação de Coimbra de 2011.03.02, proferido no processo 1191/09.0TTCBR, in www.dgsi.pt e, entre outros, o de 2013.04.18, in www.colectaneadejurisprudencia.pt.
[12] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2002.03.06, Revista n.º 599/01 - 4.ª Secção, de 2004.09.30, Recurso n.º 1761/04 - 4.ª Secção e também publicado na Colectânea de Jurisprudência, 2004, Tomo III, p. 260, de 2006.02.21, Recurso n.º 3141/05 - 4.ª Secção, de 2006.03.14, Recurso n.º 3825/05 - 4.ª Secção, de 2006.12.14, Recurso n.º 2448/06 - 4.ª Secção, todos sumariados in www.stj.pt.
[13] Vide os Acórdãos da Relação do Porto de 3 de Fevereiro de 2014, processo n.º 1156/12.5TTPRT.P1, de 10 de Março de 2014, processo n.º161/13.9TTMTS.P1, e de 08 de Setembro de 2014, Processo 732/13.3TTPRT.P1, ao que supomos inéditos, mas todos subscritos pela ora relatora como adjunta, respectivamente. Vide, também, o Acórdão da Relação do Porto de 2013.12.18, processo n.º1260/12.0TTPRT-A.P1, relatado pelo aqui 2.º adjunto.
[14] Vide os Acórdãos da Relação de Lisboa 2012.07.04 (processo n.º 2581/11.0TTLSB-A.L1-4), este subscrito também pela ora relatora como adjunta, de 2012.12.19 2534/08.0TTLSB.L2-4 e de 2014.10.08, Processo: 1115/13.0TTLSB.L1-4, todos in www.dgsi.pt.
[15] Revista n.º 2840/2005 da 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
[16] No estudo “O incumprimento da obrigação retributiva e o art. 364º/2 do CT” in Temas Laborais, Coimbra, p. 86.
[17] In ob. citada, p. 92.
[18] João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 302.
[19] Vide Lobo Xavier, in Manual de Direito do Trabalho, 2.ª edição revista e actualizada, com a colaboração de P. Furtado Martins, A. Nunes de Carvalho, Joana Vasconcelos e Tatiana Guerra de Almeida, Lisboa, 2014, pp. 603-604, o Acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Outubro de 1985 (in BMJ, 357/479), o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04 de Novembro de 2013, Processo n.º 174/09.5TUBRG.P2 e o Parecer da Procuradoria-Geral da República nº 123/96, de 1997.06.20, in DR, II, de 1998.03.24, p. 3778, segundo o qual o “suplemento ou abono para falhas caracteriza-se como um subsídio destinado a indemnizar quem dele beneficie das despesas e riscos decorrentes do exercício de funções particularmente susceptíveis de gerar falhas contabilísticas em operações de recebimentos e pagamentos em serviços de tesouraria”. Também neste sentido de que o abono para falhas não integra o conceito de retribuição à luz da LCT, vide Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 2002, p. 770.
[20] Vide os Acórdãos da Relação do Porto de 2013.10.14, processo 1839/10.4TTPRT.P1, de 2015.12.16, Processo n.º 308/15.0T8AVR.P1, ambos in www.dgsi.pt, de 2014.06.30, Processo nº 419/11.1TTVFR.P1, de 2015.11.16, Processo nº 752/13.8TTVNG.P1, estes dois subscritos pela ora relatora como adjunta, e inéditos, ao que supomos, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2015.06.22, processo n.º 1094/13.4 TTLSB.L1.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – Os actos de processamento dos vencimentos dos trabalhadores dos CTT vencidos entre 1985 e 19 de Maio de 1992 não constituem actos administrativos.
II – À prescrição dos créditos dos trabalhadores dos CTT vencidos nesse período aplica-se, por analogia, o regime prescricional do direito laboral comum.
III – Os juros de mora relativos a crédito laboral, consubstanciam créditos emergentes da violação do contrato de trabalho, sendo-lhes aplicável o regime especial de prescrição previsto na lei laboral e não o regime geral que decorre da alínea d) do artigo 310.º do Código Civil.
IV – O início da contagem de tais juros coincide com o vencimento de cada uma das prestações sobre que incidem.
V – A compensação especial que constitui pagamento da linha telefónica residencial e é paga ao trabalhador 12 vezes ao ano tem natureza retributiva.
VI – Os abonos para falhas não têm carácter de retribuição.

Maria José Costa Pinto