Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
853/13.2TTVNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: CASO JULGADO
INTERPRETAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL
JUROS
PRESTAÇÃO
Nº do Documento: RP20160620853/13.2TTVNG-A.P1
Data do Acordão: 06/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º242, FLS.168-176)
Área Temática: .
Sumário: I - Uma vez decidido, com trânsito em julgado, que a ré é condenada a pagar ao autor “o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de … euros, com início de vencimento em …, dia de apresentação do pedido de revisão, acrescida de juros de mora à taxa legal desde essa data até integral pagamento”, o despacho que, já na fase da entrega do capital da remição, se debruce sobre a pretensão do sinistrado de que lhe seja pago um determinado valor de juros conforme sentenciado, não pode alterar aquela decisão, limitando-se o seu objecto à interpretação e fixação do seu sentido e limites com vista à liquidação do devido.
II – Igualmente no recurso interposto deste despacho proferido já na especial fase da acção emergente de acidente de trabalho que visa a liquidação e pagamento das prestações fixadas, não pode discutir-se qual o entendimento mais conforme com o regime jurídico aplicável – se aquele que defende que, sendo a pensão obrigatoriamente remida, os juros de mora são devidos sobre o valor do capital de remição, se aquele que sustenta que, mesmo que a pensão seja remível, terão de se fixar juros de mora sobre os montantes vencidos da pensão anual a remir, mantendo-se a mora desde os dias do vencimento da pensão atribuída até à data da entrega do capital – pois a tal discussão obsta a força do caso julgado formada pela decisão final proferida no incidente de revisão.
III - A interpretação de uma sentença judicial deve obedecer à disciplina legal atinente à interpretação das declarações negociais (arts. 236.º e ss. do Código Civil).
IV - Mas, sendo as decisões judiciais actos formais, regulamentados pela lei de processo e implicando uma objectivação da composição de interesses dirimidos, cabe também chamar à colação as regras da interpretação da lei (art. 9.º do Código Civil).
V - O suporte escrito da sentença implica que a mesma não pode valer com um sentido que não tenha no documento que a corporiza um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo ainda presumir-se que o juiz soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 853/13.2TTVNG-A.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. Os presentes autos emergentes de acidente de trabalho em que é sinistrado B… e entidade responsável a Companhia de Seguros C…, S.A., tiveram a sua origem no acidente ocorrido em 6 de Setembro de 2007, quando o sinistrado se encontrava a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do D…, o qual tinha a sua responsabilidade infortunística laboral transferida para a identificada Companhia de Seguros tendo em consideração a totalidade do salário auferido pelo sinistrado.
Ao sinistrado foi conferida alta clínica com uma desvalorização funcional de 0% a partir de 11 de Abril de 2008.
1.2. Por requerimento de 15 de Julho de 2013, o sinistrado deduziu incidente de revisão da incapacidade nos termos dos artigos 145.° e seguintes do Código de Processo do Trabalho, alegando que se agravaram as sequelas emergentes do acidente.
Realizados os necessários exames, o Mmo. Juiz a quo proferiu em 6 de Maio de 2015 decisão final do incidente de revisão, na qual, após elencar os factos que reputou de provados, exarou o seguinte:
«[…]
Tendo em conta estes factos, o princípio da capacidade restante consignado na Tabela Nacional de Incapacidades (al. d) do nº 5 das Instruções Gerais), o estatuído nos preceitos aplicáveis da Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei nº 100/97, de 13/09, aplicável à data do acidente), bem como na Lei nº 8/2003, de 12 de Maio (que regulamentava em especial, ao tempo do acidente, a reparação dos acidentes sofridos por praticantes desportivos profissionais) decido:
- que o A. se encontra, por efeito do acidente dos autos, afectado actualmente de uma incapacidade permanente parcial de 2,682%, o que corresponde a um agravamento de 2,682% relativamente à data da alta clínica e, em conformidade,
- condenar agora a R a pagar-lhe o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 11.264,40 euros, com início de vencimento em 15 de Julho de 2013, dia de apresentação do pedido de revisão, acrescida de juros de mora à taxa legal desde essa data até integral pagamento.
Os juros de mora poderão ser pagos aquando da entrega do capital de remição.
Custas pela Ré.
Registe e notifique.
Após o trânsito, proceda ao cálculo do capital de remição, com referência à mencionada data de vencimento.
[…]
A Seguradora requereu a reforma desta decisão quanto à condenação da R. no pagamento do capital da remição e juros de mora e interpôs recurso da mesma em 18 de Maio de 2015, questionando na apelação que a pensão fosse obrigatoriamente remível (por entender que a mesma não se subsume ao disposto no artigo 75.º da Lei n.º 98/2009, de 24 de Setembro) e que os juros fossem devidos a acrescer ao capital da remição desde a data da apresentação do pedido de revisão “porquanto o cálculo do montante devido será a efectuar pela secretaria nos termos do art.º 148.º do CPT, e, enquanto esse cálculo não for efectuado e determinada a data para a entrega do capital, o devedor não se encontra em mora”.
Por requerimento de 18 de Junho de 2015, e já após as contra-alegações do sinistrado recorrido, veio a seguradora desistir de tal recurso invocando que incorreu num lapso manifesto por o acidente ser de 2007 apesar de o processo ser de 2013 e que a sentença não merece reparo, o que foi sancionado por despacho de 13 de Julho de 2015.
1.3. A Secretaria procedeu em 23 de Outubro de 2015 ao cálculo do capital da remição da pensão anual de € 11.264,40, alcançando o mesmo o valor de € 178.720,97.
Na diligência de entrega do capital de remição, verificada no dia 23 de Novembro seguinte, a seguradora pagou ao sinistrado a quantia de € 181.269,32, sendo € 178.720,97 para pagamento de capital de remição, de acordo com o cálculo efectuado, e o remanescente de € 2.548,35, para pagamento de juros de mora.
Na mesma diligência o sinistrado, através do seu mandatário, deixou consignado no auto que “se encontra pago do capital de remição, discordando todavia da quantia paga a título de juros de mora, por ser manifestamente insuficiente. Com efeito, e ao que parece, a entidade responsável procedeu ao cálculo de juros das prestações mensais devidas e não ao cálculo dos juros sobre o capital de remição devido desde 15-07-2013, conforme determina a douta sentença”.
E em 25 de Novembro de 2015 formulou requerimento dirigido ao Mmo. Juiz a quo pedindo que este ordene a notificação da seguradora para pagar a diferença entre a quantia paga a título de juros vencidos (€ 2.548,35) e aquela que efectivamente deveria ter pago (€ 16.863,43), para cumprir o que foi sentenciado e transitado em julgado. Alegou para o efeito, em síntese: que a seguradora procedeu ao cálculo dos juros devidos pelas prestações mensais em atraso, até à data do pagamento, liquidando tais juros em € 2.548,35, quando, em cumprimento da douta sentença, deveriam ter sido liquidados em € 16.863,43, correspondente ao capital de remição devido desde 15 de Julho de 2013 até ao dia do pagamento; que era clara a redacção da sentença no sentido da condenação da seguradora a pagar o capital de remição acrescida de juros de mora e que, não tendo a seguradora interposto recurso, a sentença transitou em julgado, nomeadamente na parte em que a condena a pagar o capital de remição acrescida de juros de mora, pelo que o cálculo dos juros vencidos feito pela seguradora não está conforme ao sentenciado, carecendo de qualquer fundamento processual. Em abono da tese, que defende, de que os juros de mora se vencem sobre o valor do capital da remição, invoca douta jurisprudência.
Ouvida a seguradora, veio esta deduzir oposição defendendo ser correcto o valor de juros de mora que pagou ao sinistrado e alegando, em suma: que da sentença proferida resulta claro que os juros de mora são calculados sobre o valor da pensão anual vitalícia; que quando na sentença é referida a palavra “acrescida”, é por demais evidente, até pela conjugação de género em que a referida palavra se encontra, que a mesma se refere à pensão anual vitalícia e não ao capital de remição; que desistiu do recurso interposto e que incidia, também, sobre a forma de cálculo dos juros por assim o considerar e porque o Mmo. Juiz a condenou a pagar os juros de mora sobre o valor da pensão anual vitalícia, pelo que alterar agora este pressuposto e a redacção que claramente resulta da sentença sempre será uma quebra no princípio da confiança e certeza jurídicas, defraudando as legítimas expectativas da Ré na sentença já transitada em julgado; que os juros de mora, no caso de condenação do capital de remição, devem incidir sobre os montantes (vencidos) da pensão a remir – e não sobre o capital de remição -, desde as datas dos vencimentos da respectiva obrigação que existiria se não fosse remível; que os juros de mora foram contabilizados desde a data da alta e sobre a referida pensão vencida, conforme foi doutamente decidido por este Tribunal. Também a seguradora cita douta jurisprudência em abono da tese, que defende, de que os juros de mora se vencem sobre a pensão anual e vitalícia e não sobre o capital da remição desta pensão.
O sinistrado ainda se pronunciou sobre esta posição da seguradora, da mesma discordando.
Debruçando-se sobre o diferendo que se suscitou relativo ao valor dos juros de mora, o Mmo. Juiz a quo proferiu em 15 de Janeiro de 2016 a seguinte decisão (certificada a fls. 46-47 destes autos de recurso em separado):
«[…]
Conhecendo da questão dos juros de mora devidos (fls. 202 e segs.):
Aquando da entrega do capital de remição ao sinistrado foi-lhe pela R. seguradora liquidada a quantia de 2 548,35 euros a título de juros pela mora no pagamento das pensões anuais e vitalícias vendidas desde a data de vencimento fixada na sentença (15/07/2013), mas o A./sinistrado entende que os juros de mora deveriam ter sido calculados, desde essa data, não sobre as pensões vencidas, antes sobre o capital de remição.
Ora, embora reconheçamos que a questão não tem uma solução direta ou clara na Lei (seja na Lei dos Acidentes de Trabalho aplicável, seja no Cód. Proc. Trabalho), e embora seja manifesto que não há uma orientação jurisprudencial unânime nesta matéria (cfr.. os arestos citados por uma e outra das partes), somos levados a sufragar o entendimento da seguradora, porquanto:
- Na sentença proferida a fls. 113 e 114 e já transitada em julgado, a Ré foi condenada ao pagamento “do capital de remição de uma pensão anual vitalícia de 11.264,40 euros, com início de vencimento em 15 de Julho de 2013, dia de apresentação do pedido de revisão, acrescida de juros de mora à taxa legal desde essa data até integral pagamento.” (sublinhados e destacados nosso).
- Assim e quando na sentença é referida a palavra “acrescida”, a interpretação literal a dela extrair, até pela conjugação de género em que a referida palavra se encontra, é a de que a mesma se refere à pensão anual vitalícia e não ao capital de remição.
- Por outro lado, a aferição de que a pensão é ou não remível e de que o capital de remição é um ou outro nunca ocorre nem poderia ocorrer aquando da data de vencimento, legalmente situada no dia seguinte ao da alta clínica, já que o acidente tem de ser participado ao Tribunal, tem de ser realizado exame médico-legal e, por vezes, até julgamento com produção de outras provas. Neste circunstancialismo, não seria lícito impor à entidade responsável o pagamento de juros sobre uma delonga que não lhe é imputável; o que lhe é imputável, até à liquidação da obrigação de pagar certo capital de remição, é a mora no pagamento das pensões provisórias que, desde a alta clinica, podia ter vindo a pagar ao sinistrado e não pagou.
- Existe nesta sede uma situação análoga á prevista no art. 805º, nº 3, do Cód. Civil, segundo o qual, se o crédito for ilíquido (no caso o crédito do capital de remição), não há mora enquanto se não tornar líquido (no caso, apenas com o cálculo e designação de data para a entrega, nos termos dos arts. 149º e 150º do Cód. Proc. Trabalho).
- Neste sentido, só haveria e haverá lugar a pagamento de juros de mora sobre o capital de remição se e na medida em que a entidade responsável não proceda ao seu pagamento depois de estar liquidado e designada a sua entrega nos termos legais.
- Subscrevemos, assim, a orientação perfilhada, entre outros, nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, nos processos 121/12.7TTFIG, 485/074TTAVR e 267/13.4TTGRD.C1, todos in www.dgsi.pt.; bem como no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no proc. n.º 904/08.2TTLRS, também in www.dgsi.pt..
Em conformidade, decide-se indeferir o requerimento do sinistrado de 25/11/15 para pagamento pela seguradora dos juros de mora aí contabilizados como estando em falta.
[…]
1.4. O A. interpôs recurso desta decisão[1], tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1.º O argumento da interpretação literal não é aqui justificativo, nem invocável, pois a interpretação literal do texto da sentença levaria que o valor a considerar para a remição fosse a soma da pensão anual vitalícia acrescida de juros de mora à taxa legal, o que não foi o caso.
2.º Se assim não fosse, a Entidade Responsável não teria interposto recurso de apelação quanto à condenação em juros, com o fundamento que tal condenação em juros sobre o capital da remição não era devida porque – e foi a única razão aí apontada - não estava feito o cálculo do capital de remição.
3.º Havendo ainda que proceder ao cálculo do capital da remição a efectuar pela Secretaria, são devidos juros até à entrega efectiva do capital, uma vez que existe mora desde o dia seguinte ao da fixação da Incapacidade (15 de Julho de 2013), até à sua entrega efectiva (que ocorreu em 23.11.2015).
4.º O artigo 135º do Código de Processo do Trabalho é uma norma especial em relação ao regime geral do Código Civil (artºs 804º e 805º) no que respeita à obrigação de pagamento de juros de mora. Tem carácter imperativo, pelo que há lugar à fixação de juros de mora desde que se verifique atraso no pagamento de pensões e indemnizações, independentemente de culpa no atraso imputável ao devedor.
5.º Estão em causa direitos indisponíveis e está em causa reintegrar — com os juros — o valor do capital na data do vencimento da prestação por apelo à ideia de que as prestações derivadas do acidente de trabalho têm natureza próxima dos alimentos, cujo valor deve ser mantido aquando do recebimento.
6.º Ora, havendo ainda que proceder ao cálculo do capital da remição a efectuar pela Secretaria, são devidos juros calculados com base no capital de remição e não no valor da pensão, já que, em concreto, a Ré não é devedora de qualquer pensão ao Sinistrado, mas do capital de remição, face ao disposto pelo art. 17º, nº 1, al. d) da lei 100/97 de 13/09.
7.º A objectividade do atraso é o único requisito necessário para que haja lugar ao pagamento dos juros de mora.
8.º Ao Sinistrado não foi estabelecida, nem paga, qualquer pensão provisória por incapacidade permanente, o que poderia, em abstracto, afastar a obrigação de pagamento de juros de mora.
9.º O despacho recorrido violou, entre outras disposições legais, o artigo 135.º do C.P.T., o n.º 1 e n.º do artigo 17.º da Lei n.º 100/97 e o n.º 1 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 143/99;
TERMOS EM QUE SE REQUER, A V.ª(S) EX.ª (S), SE DIGNE(M) REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR ACÓRDÃO QUE, APLICANDO OS SUPRAS CITADOS NORMATIVOS, EM RESUMO CONCLUA QUE O CAPITAL DE REMIÇÃO CORRESPONDENTE A ESTA PENSÃO ANUAL E VITALÍCIA VENCE JUROS DE MORA DESDE O DIA SEGUINTE AO DA SUA FIXAÇÃO (15-07-2013) E ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO (QUE OCORREU EM 23.11.2015), CALCULADOS, NÃO SOBRE O MONTANTE DA PENSÃO, MAS SOBRE O VALOR DO CAPITAL, NOS TERMOS DO ARTIGO 135.º DO C.P.T.
1.5. A R. apresentou contra-alegações e formulou, a terminar as mesmas, as seguintes conclusões:
“I. A condenação da Recorrida no pagamento ao Recorrente “do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 11 264,40 euros, com início de vencimento em 15 de Julho de 2013, dia da apresentação do pedido de revisão, acrescida de juros de mora à taxa legal desde essa data até integral pagamento” ocorreu em 6 de Maio de 2015!
II. Se o Recorrente não concordava com a condenação dos juros de mora devidos calculados sobre o valor da pensão anual e vitalícia devia, obviamente, ter recorrido no prazo de 20 dias estipulado no artigo 80º do CPT, não o tendo feito, este recurso é extemporâneo, não lhe sendo legítimo, para obviar esta extemporaneidade, dar entrada de um requerimento avulso com vista a obter a confirmação de uma decisão que já havia sido proferida para, só então, recorrer.
III. A Recorrida oportunamente desistiu de um recurso que incidia também sobre a forma de cálculo dos juros, porque melhor lida sentença percebeu que o Mmo. Senhor Juiz do Tribunal a quo efectivamente tinha condenado a seguradora a pagar os juros de mora sobre o valor da pensão anual vitalícia.
IV. Alterar agora este pressuposto e a redacção que claramente resulta da Sentença notificada às partes em 06.05.2015, e já transitada em julgado, defraudando as legítimas expectativas depositadas nessa decisão, importa uma quebra no princípio da confiança e certeza jurídicas, corolários do Princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2º da CRP.
V. Os juros de mora, no caso de condenação no capital da remição, devem incidir sobre os montantes (vencidos) da pensão a remir - e não sobre o capital da remição.
VI. O art. 135º do CPT determina que o juiz deve fixar os juros de mora pelas prestações em atraso. A LAT estabelece que as pensões por incapacidade permanente começam a vencerse no dia seguinte ao da alta. Não contém uma norma que indique o momento do vencimento do capital da remição.
VII. A fixação desse momento para o pagamento do capital é o que resulta mesmo da sentença proferida nos autos, na 1ª instância, quando manda seguir aqueles procedimentos, ao ordenar o cálculo do capital da remição.
VIII. Na sua tradução normativa a lei faz corresponder a obrigação de pagamento de capital ao valor da remição da pensão anual e vitalícia; o que significa que na génese (evolutiva) do direito ao capital da remição está o direito a uma pensão anual e vitalícia.
IX. Na realidade o que interessa é a fixação definitiva do grau de desvalorização permanente sofrido pelo acidentado, fixação essa que naturalmente se tem que retroagir ao dia imediato ao da alta, altura em que se vence a pensão devida. Temos assim que, mesmo que a pensão seja remível, sempre se terão de fixar os juros de mora. Não obviamente sobre o capital de remição (o que só em circunstâncias muito contadas pode suceder), mas sobre o valor da pensão anual, mantendo-se a mora desde o dia do vencimento, até à data da entrega do capital de remição.
X. A aferição de que a pensão é ou não remível e de que o capital de remição é um ou outro nunca ocorre nem poderia ocorrer aquando da data de vencimento, legalmente situada no dia seguinte ao da alta clínica, já que o acidente tem de ser participado ao Tribunal, tem de ser realizado exame médico-legal e, por vezes, até julgamento com produção de outras provas. Neste circunstancialismo, não seria lícito impor à entidade responsável o pagamento de juros sobre uma delonga que não lhe é imputável.
XI. Não tem qualquer cabimento fixar juros sobre o capital de remição também porque tal fixação implica um tratamento desigual dos sinistrados, e, por isso inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, porquanto introduz uma inadmissível distinção entre sinistrados consoante a pensão anual e vitalícia concretamente atribuída seja ou não remível (veja-se a título de exemplo este caso: à luz da LAT actual esta pensão já não é remível, o que significa que o sinistrado já não poderia reclamar os juros de mora sobre o capital).
XII. Existe nesta sede uma situação análoga à prevista no art. 805º, n.º3, do Cód. Civil, segundo o qual, se o crédito for ilíquido (no caso o crédito do capital de remição), não há mora enquanto não se tornar líquido (no caso, apenas com o cálculo e designação de data de entrega, nos termos dos arts. 1489º e 150º do Cód. Proc. Trabalho). Neste sentido só haverá lugar a pagamento de juros de mora sobre o capital de remição se e na medida em que a entidade responsável não proceda ao seu pagamento depois de estar liquidado e designada a sua entrega nos termos legais.
XIII. O Tribunal a quo não incorreu em qualquer lapso de escrita – caso tivesse ocorrido tal lapso podia ter sido agora corrigido! – e o despacho recorrido apenas confirma decisão proferida em Maio de 2015.
XIV. A Recorrente omite a vírgula (,) antes da expressão “acrescida de juros de mora à taxa legal desde essa data até integral pagamento” que resulta inequívoca da sentença só para criar confusão quanto à redacção da mesma.”
1.6. O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo, por despacho de 8 de Março de 2016.
1.7. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de se conceder provimento ao recurso. Apenas a recorrida se pronunciou sobre este Parecer, discordando do mesmo.
1.8. Pedida ao tribunal a quo informação sobre o valor do incidente de revisão, e após fixado este em € 178.720,97 através de despacho devidamente notificado às partes, foi cumprido nesta instância o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
Uma vez realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
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O âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Ao tribunal de recurso cabe ainda apreciar as questões que se suscitem nas contra-alegações (artigo 81.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho).
Assim, as questões a apreciar prendem-se com a análise:
1.ª – da questão prévia da extemporaneidade do recurso suscitada pelo recorrido;
2.ª – da interpretação da decisão que decidiu o incidente de revisão no que diz respeito ao valor sobre que incidem os juros de mora nela fixados desde a data em que foi requerida a revisão da incapacidade.
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3. Da extemporaneidade do recurso
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Nas suas contra-alegações, a seguradora recorrida vem suscitar a questão prévia da extemporaneidade do recurso.
Segundo alega, a sua condenação no pagamento ao recorrente “do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 11 264,40 euros, com início de vencimento em 15 de Julho de 2013, dia da apresentação do pedido de revisão, acrescida de juros de mora à taxa legal desde essa data até integral pagamento” ocorreu em 6 de Maio de 2015 e, se o recorrente não concordava com a condenação dos juros de mora devidos calculados sobre o valor da pensão anual e vitalícia devia ter recorrido no prazo de 20 dias estipulado no artigo 80.º do CPT, pelo que, não o tendo feito, este recurso é extemporâneo, não lhe sendo legítimo, para obviar a esta extemporaneidade, dar entrada de um requerimento avulso com vista a obter a confirmação de uma decisão que já havia sido proferida para, só então, recorrer.
Não lhe assiste razão.
Com efeito, o recurso ora em análise não foi interposto da decisão final do incidente de revisão, que fixou a pensão devida ao sinistrado e os juros, mas do despacho que recaiu sobre um requerimento do sinistrado formulado na fase em que, uma vez transitada em julgado aquela decisão final, se procedia já à sua liquidação nos termos especialmente previstos no Código de Processo do Trabalho para os casos em que a pensão devida para reparar as consequências do acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado é objecto de remição obrigatória.
Em tais casos, resulta das disposições conjugadas dos artigos 148.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo do Trabalho, aplicáveis ex vi do artigo 149.º do mesmo diploma legal, que a secretaria procede ao cálculo do capital que o pensionista tem a receber e, em seguida, o processo vai ao Ministério Público que, após verificar o cálculo, ordena as diligências necessárias à entrega do capital, a qual se procederá por termo nos autos sob a sua presidência, diligências estas que só se processam após o trânsito em julgado da sentença que fixa a pensão e pressupõem esse trânsito.
Foi porque se suscitaram questões no momento da entrega do capital da remição quanto à liquidação dos valores devidos a título de juros, em conformidade com a decisão final de 6 de Maio de 2015 que fixou a pensão devida ao sinistrado e aos seus juros, que o sinistrado suscitou a intervenção do juiz do processo, sendo de notar que o despacho judicial por ele proferido em 16 de Janeiro de 2016 – e agora recorrido – parte do princípio do trânsito em julgado daquela decisão final do incidente de revisão que fora já prolatada em 6 de Maio de 2015, procedendo à sua interpretação para alcançar o sentido e limites da mesma.
Se é certo que a decisão final do incidente de revisão de 6 de Maio de 2015 transitou em julgado, não sendo já susceptível de recurso ordinário ou de reclamação nos termos do preceituado no artigo 628.º do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho quando foi interposta a presente apelação, é igualmente certo que não é já a essa decisão que se dirige o recurso interposto pelo sinistrado, mas à decisão de 16 de Janeiro de 2016 em que o Mmo. Julgador a quo, nesta especial fase que visa a liquidação e pagamento da condenação proferida na acção emergente de acidente de trabalho, apreciou a pretensão do sinistrado de que lhe fossem pagos determinados juros de mora em conformidade com aquela decisão definitiva.
A decisão recorrida não é a proferida em 6 de Maio de 2015, mas o despacho ulterior, que se debruçou sobre um requerimento introduzido no processo principal pelo sinistrado ora recorrente e que, após contraditório, apreciou o mérito de tal requerimento partindo do princípio de que a decisão final do incidente de revisão se havia já tornado inquestionável no processo.
Ora quanto ao despacho recorrido de 16 de Janeiro de 2016 é manifesto – e a apelada não o questiona – que o mesmo não havia transitado em julgado quando o ora recorrente dele interpôs recurso em 2 de Fevereiro de 2016, mostrando-se plenamente observado o prazo previsto no artigo 80.º do Código de Processo do Trabalho.
Tendo o despacho recorrido aquele estrito objecto – no fundo, o de interpretar e fixar o sentido e limites do título executivo constituído pela decisão final do incidente de revisão nesta especial fase de liquidação do incidente de revisão da pensão – de modo algum poderia ele, ou o acórdão deste Tribunal da Relação que sobre o mesmo se debruça, alterar aquela decisão final de 6 de Maio de 2015 já transitada em julgado, designadamente a sua redacção, como diz a recorrida, razão por que não estão em causa as legítimas expectativas depositadas nessa decisão ou o princípio da confiança e certeza jurídicas, corolários do princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.
Improcede esta questão prévia suscitada pela recorrida seguradora, sendo de afirmar a tempestividade do recurso interposto.
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4. Fundamentação de facto
Além dos factos que emergem já do relatório precedente, mostra-se provado nestes autos que:
«- O A. é praticante desportivo profissional de futebol
- Na época de 2007/2008 trabalhava ao serviço da D…, S.A.D., mediante uma remuneração anual de 600 000 euros.
- A responsabilidade por acidentes de trabalho encontrava-se transferida para a R. seguradora.
- No dia 6/09/2007, o A. sofreu um acidente num treino de futebol, do qual resultou um traumatismo no joelho esquerdo.
- A R. seguradora considerou-o curado sem desvalorização a partir de 11 de Abril de 20081 data em que lhe deu alta clínica.
- Por virtude do acidente, o A. encontra-se actualmente afetado de uma LP.P. de 2,98%, segundo avaliou o LM.L. a fls. 99.
- No âmbito de outro pedido de revisão da incapacidade que o sinistrado desencadeou no Tribunal de Vila Franca de Xira, processo nº 679/13.3TTVNX, por causa de um acidente anterior, ocorrido em 2003, foi-lhe medico-legalmente atribuída uma LP.P. de 10% por virtude desse acidente.»
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5. Fundamentação de direito
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A decisão recorrida, debruçando-se sobre o requerimento do sinistrado de que se ordenasse a notificação da seguradora para lhe pagar juros vencidos sobre o capital da remição desde a data do pedido de revisão para, na sua perspectiva, cumprir a sentença, indeferiu tal requerimento.
Uma vez que a decisão judicial que condenou a seguradora a pagar as prestações reparatórias devidas ao sinistrado já transitou em julgado (art. 628.º do CPC) e assume força vinculativa no presente procedimento incidental, não pode ser reaberta, neste âmbito, a discussão de questões que nela foram expressamente decididas, tal como se alcança do artigo 205.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 619.º e segs. do Código de Processo Civil.
Está aqui em causa a força e autoridade do caso julgado, que se distingue da excepção do caso julgado. Aquela, como explica Manuel de Andrade, “é uma qualidade ou valor jurídico especial que compete às decisões judiciais a que diz respeito” e esta “constitui um meio de defesa do réu, baseado na força e autoridade do caso julgado (material) que compete a uma precedente decisão judicial, força que pode manifestar-se e ser invocada por outra forma (como fundamento da acção, etc.)”[2]. No mesmo sentido refere Alberto Reis que “o caso julgado exerce duas funções: a) uma função positiva; b) uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade; exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal. A função positiva tem a sua expressão máxima no princípio da exequibilidade, consagrado no n.º 1 do art. 46.º e nos arts. 47.º a 49.º; servindo de base à execução, o caso julgado afirma inequivocamente a sua força obrigatória, definida no art. 671.º. A função negativa exerce-se através da excepção do caso julgado”[3].
Para fixar o sentido e limites do caso julgado formado por aquela decisão judicial de 6 de Maio de 2015, cabe proceder à sua interpretação, quedando-se a essa tarefa a reapreciação a empreender por este tribunal. Ou seja, não pode neste momento discutir-se qual o entendimento mais conforme com o regime jurídico aplicável, se aquele que defende que, sendo a pensão obrigatoriamente remida, os juros de mora são devidos desde o dia seguinte ao da alta, sobre o valor do capital de remição e até à sua efectiva entrega[4], se aquele que sustenta que, mesmo que a pensão seja remível, terão de se fixar juros de mora, não sobre o capital de remição mas sobre os montantes vencidos da pensão anual a remir, mantendo-se a mora desde os dias do vencimento da pensão atribuída até à data da entrega do capital[5]. A esta discussão obsta a força do caso julgado formada pela decisão final proferida no incidente de revisão.
Assim, em sede de aplicação do direito aos factos, a questão fundamental que se perfila consiste em proceder à interpretação da decisão judicial de 6 de Maio de 2015 que decidiu o incidente de revisão, no que diz respeito ao valor sobre que incidem os juros de mora nela fixados desde a data em que foi requerida a revisão da incapacidade.
A referida decisão condenatória condenou a R a pagar ao A. “o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 11.264,40 euros, com início de vencimento em 15 de Julho de 2013, dia de apresentação do pedido de revisão, acrescida de juros de mora à taxa legal desde essa data até integral pagamento”, acrescentando que os juros de mora poderão ser pagos aquando da entrega do capital de remição.
Como decorre do disposto no artigo 295.º do Código Civil e constitui jurisprudência pacífica, a interpretação de uma sentença judicial - ou de um acórdão -, como acto jurídico que é, deve obedecer à disciplina legal atinente à interpretação das declarações negociais constante dos arts. 236.º e ss. do Código Civil[6]. Ou seja, a decisão judicial deve ser interpretada com o sentido que um declaratário normal (razoável e sensato), colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto. Mas, sendo as decisões judiciais actos formais, regulamentados pela lei de processo e implicando uma objectivação da composição de interesses dirimidos, cabe também chamar à colação as regras da interpretação da lei (artigo 9.º do Código Civil). O seu suporte escrito implica que a sentença não pode valer com um sentido que não tenha no documento que a corporiza um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.º, n.º 2 e 238.º, n.º 1), devendo ainda presumir-se que o juiz soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
A determinação do âmbito do caso julgado de uma decisão judicial pressupõe a respectiva interpretação à luz destas regras, não bastando para a concretização do seu sentido considerar a parte decisória da mesma, pois cumpre tomar em consideração, também, a respectiva fundamentação e a relação desta com o dispositivo, visando garantir a harmonia e a coerência entre estas duas partes. Segundo Paula Costa e Silva, deve interpretar-se a parte decisória da sentença, “tomando-se em consideração os seus antecedentes lógicos”, sem deixar de atender a “outras circunstâncias, mesmo posteriores à respectiva elaboração, que são qualificados como meios auxiliares”[7].
No caso sub judice, não restam dúvidas de que na decisão foram fixados juros de mora e de que o dies a quo para a sua contagem se situa na “data em que foi requerida a revisão da incapacidade”, ou seja, em 15 de Julho de 2013.
A questão que se coloca limita-se ao seguinte: tais juros incidem sobre o valor do capital da remição ou sobre o valor da pensão anual e vitalícia?
A fundamentação da decisão em causa não fornece elementos interpretativos relevantes, na medida em que na mesma não é aflorada a questão dos juros de mora que depois veio a figurar no segmento decisório.
Resta-nos pois este segmento final da decisão, sendo certo que a sua interpretação literal, como é dito na decisão recorrida, conforta a ideia de que a condenação em juros se refere à pensão anual vitalícia e não ao capital de remição. Com efeito, na sentença certificada a fls. 2-3 e já transitada em julgado, a Ré foi condenada ao pagamentodo capital de remição de uma pensão anual vitalícia de 11.264,40 euros, com início de vencimento em 15 de Julho de 2013, dia de apresentação do pedido de revisão, acrescida de juros de mora à taxa legal desde essa data até integral pagamento” [sublinhados e destacados a traço mais grosso a que agora também procedemos]. Assim, como é dito no despacho recorrido, “quando na sentença é referida a palavra “acrescida”, a interpretação literal a dela extrair, até pela conjugação de género em que a referida palavra se encontra, é a de que a mesma se refere à pensão anual vitalícia e não ao capital de remição”.
Alega o recorrente que o argumento da interpretação literal não é invocável pois a própria seguradora interpôs inicialmente recurso da sentença com o fundamento de que não era devida a condenação em juros sobre o capital da remição porque não estava feito o cálculo do capital, o que foi a única razão apontada.
Ora não se nos afigura que em tal recurso a seguradora tenha interpretado a sentença no sentido de que os juros nela fixados incidiam sobre o capital da remição. Como já foi dito, a seguradora questionou nesse recurso que a pensão fosse obrigatoriamente remível (por entender que a mesma não se subsume ao disposto no artigo 75.º da Lei n.º 98/2009, de 24 de Setembro) e que os juros fossem devidos a acrescer ao capital da remição desde a data da apresentação do pedido de revisão por entender que não há mora até à data do cálculo do capital a efectuar pela secretaria, vindo a desistir do recurso porque reconheceu ser o acidente anterior à Lei n.º 98/2009, razão porque a pensão é obrigatoriamente remível (como efectivamente é à luz da Lei n.º 100/97, a aplicável).
Alega ainda o recorrente no decurso das suas alegações que a referência a “acrescida” se teria tratado de um lapso de escrita, pois não foi esta a intenção de quem redigiu a sentença, mas nenhum elemento interpretativo conforta esta afirmação. Aliás, é aqui de relevar que, se se tratasse de um lapso, certamente que o Mmo. Julgador a quo – o mesmo que proferiu aquela sentença – o teria corrigido em conformidade com o que estipula o artigo 614.º do Código de Processo Civil quando, no despacho recorrido, se deparou com a questão que dividiu as partes na fase da entrega do capital da remição. Poderia então explicar que queria dizer “acrescido” e não “acrescida”, o que não aconteceu. Ao invés, expressou na decisão sob recurso ser a sua posição a que foi sufragada nos Acórdãos da Relação de Coimbra e de Lisboa que cita, no sentido de que os juros de mora devem incidir sobre os montantes (vencidos) da pensão a remir, e não sobre o capital da remição, afirmando ainda que só haveria e haverá lugar a pagamento de juros de mora sobre o capital de remição se e na medida em que a entidade responsável não proceda ao seu pagamento depois de estar liquidado e designada a sua entrega nos termos legais. Embora a expressão desta posição doutrinária não possa ser tomada, de per si, como decisiva para fixar o sentido da decisão transitada em julgado – pois que no momento da prolação do despacho recorrido aquele trânsito já havia ocorrido e não podia a questão ser discutida –, é no entanto relevante enquanto elemento ulterior à sentença para afastar a tese do recorrente de que a referência de género “acrescida” constitui um lapso (e de que no texto se quereria dizer “acrescido”, caso em que ganharia apoio a interpretação da decisão no sentido de que seria o capital da remição o acrescido de juros de mora e não a pensão).
Não há, pois, quaisquer indícios de que se tratou de um lapso.
Deste modo, e não fornecendo a fundamentação da decisão qualquer contributo, não pode a interpretação a empreender deixar de conferir à letra do segmento decisório a especial relevância de que se reveste este elemento interpretativo.
É certo que o que é devido é o “capital de remição de uma pensão anual e vitalícia”, e foi no pagamento daquele capital que a recorrida foi condenada. Mas não é menos certo que a pensão constitui o valor primacial a ter em atenção e que serve de base ao cálculo a efectuar para se alcançar o valor do capital da remição, bem como que a remição da pensão constitui uma forma de pagamento unitário e antecipado da pensão anual e vitalícia, razão por que a referência correcta a fazer – e que foi feita na decisão sob recurso – é a de que o capital da remição é o de uma pensão anual e vitalícia, estando sempre presentes as duas realidades (a pensão e o capital que corresponde à sua remição) no espírito de quem decide quando a pensão devida é obrigatoriamente remível.
Pelo que, em tese, e independentemente da opção doutrinária que façamos quanto à questão de saber qual o valor – o da pensão ou o do capital da remição – sobre o qual incidem os juros de mora devidos desde a data da alta, o julgador que emite uma condenação em juros deve ter em mente as duas realidades, sendo também por isso de crer que ao condenar a R. no pagamento do capital de remição de uma pensão anual vitalícia de 11.264,40 euros (…), acrescida de juros de mora à taxa legal desde essa data até integral pagamento” [mais uma vez sublinhados e destacados nossos], pretendeu dizer exactamente o que disse.
Não pode esquecer-se que a decisão judicial, enquanto acto jurisdicional, exprime “uma injunção aplicativa do direito, a vontade da lei”, situando-se o declarante numa específica área técnico jurídica e investido na função de aplicador da lei[8].
Acresce que, sabido que a questão é polémica e tendo a decisão a interpretar sido proferida numa altura em que a querela se havia já instalado na jurisprudência, com as duas já enunciadas posições, menos crível se torna que a opção de género feita na única palavra que estabelece a ligação da condenação em juros aos termos que a antecedem (“acrescida”) não tenha sido consciente e deliberada.
Cremos por isso não haver margem para dúvidas de que a expressão “acrescida”, indicada como único referencial para o montante sobre o qual iriam incidir os juros a que depois se reporta, e expressamente empregue no segmento decisório, equivale, incontestavelmente, à pensão anual e vitalícia a que imediatamente antes faz alusão.
Em suma, nada nos autoriza a interpretar a decisão final do incidente de revisão de modo diverso do efectuado pela decisão recorrida que, assim, merece confirmação.
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As custas do recurso deverão ser suportadas pelo A., porque nele decaiu (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
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6. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, anexa-se o sumário do presente acórdão.
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Porto, 20 de Junho de 2016
Maria José Costa Pinto
António José Ramos
Jorge Loureiro
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[1] O A. conferiu ao recurso o valor de € 14.315,08, correspondente ao valor da sucumbência (diferença entre os juros vencidos e reclamados de € 16.863,43 e os efectivamente pagos de € 2.548,35), conforme n.º 2 do artigo12.º do R.C.P.
[2] In Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra, 1993, p. 138.
[3] In Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 3ª ed., p. 93.
[4] Entendimento que este colectivo sufraga e que tem dominado nesta Relação do Porto – vejam-se, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 18 de Outubro de 2010, processo n.º 509/09.0TTMTS.P1, o Acórdão da Relação do Porto de 24 de Janeiro de 2011, in Colectânea de Jurisprudência, Tomo I, 2011, p. 247, o Acórdão da Relação do Porto de 12 de Novembro de 2012, processo n.º 941/08.7TTGMR.P1, o Acórdão da Relação do Porto de 04 de Junho de 2012, processo n.º 105/10.0TTVRL.P1, o Acórdão da Relação do Porto de 6 de Outubro de 2014, Processo n.º 90/12.3TTOAZ-A.P1 e o Acórdão da Relação do Porto de 29 de Fevereiro de 2016, processo n.º 1275/15.1T8MTS.P1, todos in www.dgsi.pt. Veja-se também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2013, Processo n.º 941/08.7TTGMR.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[5] Como se sustentou na decisão sob recurso e, além do mais, nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de Maio de 2014, processos 121/12.7TTFIG, de 23 de Abril de 2009, proferido no processo n.º 485/07.4TTAVR.C1, ambos in www.dgsi.pt e nos acórdãos do mesmo tribunal proferidos nos processo n.º 206/07.1TTFIG.C1, 543/08.8TTCBR.C1, 807/08.0TTCBR.C1 e 715/09.8TTCBR.C1, citados no primeiro, bem como no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Dezembro de 2009, proferido no proc. n.º 904/08.2TTLRS, também in www.dgsi.pt
[6] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2014.03.12, Processo: 177/03.3TTFAR.E1.S1, de 2006.03.08, Revista n.º 3640/05, da 4.ª Secção, de 2002.04.16, sob a referência 02B3349, in www.dgsi.pt, e de 97.01.28, in CJ, Acs. do STJ, tomo I, pp. 83 e ss
[7] In Acto e Processo – O Dogma da Irrelevância da Vontade na Interpretação e nos Vícios do Acto Postulativo, 2003, pp. 64-65. Vide também os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.06.08, Proc. n.º 25163/05.5YYLSB.L1.S1 e de 2012.06.12, Processo n.º 521-A/1999.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[8] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.03.22, Proc. n.º 06A4449, in www.dgsi.pt.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I - Uma vez decidido, com trânsito em julgado, que a ré é condenada a pagar ao autor “o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de … euros, com início de vencimento em …, dia de apresentação do pedido de revisão, acrescida de juros de mora à taxa legal desde essa data até integral pagamento”, o despacho que, já na fase da entrega do capital da remição, se debruce sobre a pretensão do sinistrado de que lhe seja pago um determinado valor de juros conforme sentenciado, não pode alterar aquela decisão, limitando-se o seu objecto à interpretação e fixação do seu sentido e limites com vista à liquidação do devido.
II – Igualmente no recurso interposto deste despacho proferido já na especial fase da acção emergente de acidente de trabalho que visa a liquidação e pagamento das prestações fixadas, não pode discutir-se qual o entendimento mais conforme com o regime jurídico aplicável – se aquele que defende que, sendo a pensão obrigatoriamente remida, os juros de mora são devidos sobre o valor do capital de remição, se aquele que sustenta que, mesmo que a pensão seja remível, terão de se fixar juros de mora sobre os montantes vencidos da pensão anual a remir, mantendo-se a mora desde os dias do vencimento da pensão atribuída até à data da entrega do capital – pois a tal discussão obsta a força do caso julgado formada pela decisão final proferida no incidente de revisão.
III - A interpretação de uma sentença judicial deve obedecer à disciplina legal atinente à interpretação das declarações negociais (arts. 236.º e ss. do Código Civil).
IV - Mas, sendo as decisões judiciais actos formais, regulamentados pela lei de processo e implicando uma objectivação da composição de interesses dirimidos, cabe também chamar à colação as regras da interpretação da lei (art. 9.º do Código Civil).
V - O suporte escrito da sentença implica que a mesma não pode valer com um sentido que não tenha no documento que a corporiza um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo ainda presumir-se que o juiz soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.