Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
816/10.0TYVNG-X.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FREITAS VIERA
Descritores: RESOLUÇÃO DE ACTO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
TIPO DE ACÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP20140709816/10.0TYVNG-X.P1
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O instituto da resolução em benefício da massa insolvente tem em vista a protecção do interesse da generalidade dos credores, no confronto com o interesse individual deste ou daquele credor em particular, através da reconstituição do património do devedor.
II - A questão do tipo de acção a propor e aqueloutra atinente ao ónus da prova dos fundamentos da resolução do acto em benefício da massa insolvente, não tem sido pacifica, sendo orientação maioritária o reconhecimento de que a acção de impugnação da resolução prevista no CIRE é uma acção de simples apreciação negativa, visando a demonstração da inexistência ou a não verificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo AI na carta resolutiva, cabendo, por isso, à massa insolvente o ónus da prova da verificação dos pressupostos da resolução operada pelo AI, e não ao impugnante.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO
PROC. Nº 816/10.0TYVNG-X.P1
Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia
2º Juízo
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ACORDAM NA SECÇÃO CIVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

B…, S.A., instaurou ação de impugnação de resolução, sob a forma de processo ordinário, contra a Massa Insolvente de C…, LDª, pedindo que fosse declarada inválida e ineficaz a resolução operada pelo Sr. Administrador de Insolvência do contrato de cessão de créditos mediante o qual a insolvente lhe havia cedido os créditos que tinha a receber do Município …, no montante de 297.010,96€.
Alega no essencial que a cessão de créditos não correu antes do seu vencimento, como alega o administrador da insolvência, mas depois, e que, também ao contrário do que argumentava o administrador da insolvência, considerado o disposto no artº 49º, nº 2 do CIRE não se pode dizer que a autora fosse “especialmente relacionada com o devedor” para efeitos de considerar que a autora atuou com má-fé, para efeitos do disposto no artº 120º, nº 4, do CIRE.
Alega ainda que à data da cessão não conhecia que a devedora se encontrava em situação de insolvência, nem o carácter prejudicial do ato.
Concluiu assim que a ação deveria ser julgada procedente, e, em consequência, considerar-se invalida e ineficaz a resolução operada pelo Sr. Administrador do “contrato de cessão de créditos nos termos do qual a Insolvente cedeu [a Autora) os créditos que tinha a receber do Município da
…, no montante de 297.010,96 € (duzentos e noventa e sete mil dez, euros e noventa e seis cêntimos), titulados pela fatura nº .. de 17/02/2010, no valor de 297.010.96 €”, considerando-se, assim, que a Autora e legitima titular desse credito sobre o Município ….

A Ré MASSA INSOLVENTE DE C…, S.A., veio contestar, reiterando que, conforme foi feito constar da carta de resolução do contrato de cessão de crédito, apesar de inicialmente ter sido estipulado no contrato de consórcio que a Autora faturaria ao dono da obra 50% do valor da empreitada, foi posteriormente convencionado pelas consorciadas que caberia a C… faturar diretamente ao dono da obra o valor global dos trabalhos efetuados, faturando a Autora, por sua vez, à C…, 50% do montante por esta liquidado ao dono da obra, comprometendo-se a C… a proceder ao pagamento das faturas emitidas pela Autora dentro do prazo de 8 dias após o recebimento por parte do Município ….
E que, tendo isso em conta, quando foi celebrado o contrato de cessão de créditos, ainda não se tinham vencido as faturas emitidas pela Autora, pelo que contrato de cessão de credites preparado pelas partes constituiu um ato de extinção de obrigações resolúvel em beneficio da assa Insolvente sem dependência de qualquer requisito, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 121.° do CIRE
Reitera ainda que a cessão de créditos outorgada constituiu um favorecimento
injustificado da Autora em relação a todos os outros credores e prejudicou a massa insolvente ao privá-la da quantia de € 297.010,96 Euros, sem que por isso tivesse granjeado qualquer benefício…frustrando em igual medida, a satisfação que os demais credores, não beneficiados por um estreito relacionamento com a C…, poderiam vir a obter através do pagamento rateado em sede do processo de insolvência.
Reitera ainda que a autora, à data da outorga do contrato de cessão de créditos, tinha pleno conhecimento do estado de insolvência da devedora ou pelo menos, da iminência da insolvência e a prejudicialidade daquele ato para a massa, pelo que agiu de má-fé, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 49.º do C.I.R.E.

A Autora ainda veio responder, argumentando que nunca houve qualquer alteração ao contrato de consórcio, mantendo-se o mesmo no termos acordados, e segundo o qual, cada parte deveria faturar ao dono de obra, na proporção de 50%, os trabalhos executados.
Concluiu assim como na petição inicial.
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Prosseguindo os autos para julgamento, veio a ser proferida sentença na qual se considerou:
- Por um lado que, não estando provado qualquer alteração ao contrato de consórcio outorgado entre a autora e a ora insolvente, e prevendo o mesmo que “as partes divisionam qualitativamente os direitos e custos emergentes da execução da empreitada na seguinte proporção: C…, S.A. – 50%; B…, S.A. – 50%”, o crédito a 50% do valor a faturar ao dono da obra pertenceria geneticamente à Autora, donde que não se possa dizer que se está perante a situação prevista na alínea f), do artigo 121.º do CIRE.
- Por outro, que o facto de as sociedades serem parceiras de consórcio externo não integra o conceito de pessoa especialmente relacionada constante do artigo 49.º do CIRE.
Com base nestes considerandos concluiu que haveria de ser provado que a autora era conhecedora de qualquer uma das circunstâncias enumeradas no n.º 5 do art. 120.º do CIRE, o que não foi feito.
Concluiu por isso julgando procedente a ação e, em consequência, revogou a resolução em benefício da massa insolvente efetuada pelo Administrador de Insolvência relativa ao contrato de cessão de créditos outorgado entre a autora B…, S.A. e a insolvente C…, S.A. nos termos do qual a insolvente lhe cedeu os créditos que tinha a receber do Município …, no montante de 297.010,96€.
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Não conformado recorreu a Ré Massa Insolvente de C…, S.A., alegando e formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. O Meritíssimo juiz a quo deu erradamente como provados os factos 4 e 5 dos Factos provados constantes da douta sentença recorrida (que correspondem aos factos 3 e 4 da Base Instrutória)
2. O depoimento das testemunhas e conteúdo dos documentos impõe resposta diversa à matéria de facto.
3. Dos documentos 1, 2 e 3 juntos aos autos em sede de audiência de discussão e julgamento resulta claramente que:
O contrato de cedência de créditos datado de 9 de Agosto de 2010 foi assinado pelas partes em data posterior a 2 de Dezembro de 2010 (doc 3).
Que o acerto de contas prevê regularização de 45.507,62€ de letras não liquidadas e de uma multa imputada ao consórcio (doc.2, página 1)
Que o acerto de contas prevê a regularização de todas as contas existentes entre a Insolvente C… e a aqui Recorrida em todos os consórcios (vide documento denominado controlo contas consórcio que logo na sua epígrafe identifica os cinco consórcios:
- Requalificação da ER …/requalificação da EM …., Município de Paços de Ferreira
- Construção lig. Viária entre a Rotunda da ex EN-.. a Av. … Município de Castelo Branco
- Pav Rua … /pav Rua … - Município de Guimarães
- Requalificação urbana da Av. … /Av. … - Município de Lamego
- Acesso termas de L… - CM …
4. A testemunha D…, gestor da Autor e interlocutor da mesma nos emails juntos sob a forma de doc 1, 2 e 3 em sede de audiência de discussão e julgamento afirmou no minuto14:39 e seguintes do seu depoimento:
E… "...mas recorda-se se a data que está no contrato corresponde à data em que foi assinado??? ou foi depois?"
Testemunha: depois de que???
E…: depois da data que lá está
Testemunha: não foi na data que estava assinado
5. Face a este depoimento ficou claro que a testemunha embora não se lembrasse da data em que cedência de créditos foi assinada afirmou que a mesma foi assinada na data que lá está
6. O depoimento da testemunha é completamente desmentido pelo teor dos documentos, pois dos mesmos resulta que a cedência de créditos não foi assinado na data que lá está (9 de Agosto de 2010) mas sim no mínimo quatro meses depois.
7. O facto das partes intervenientes na cessão de créditos terem assinado o contrato em data posterior a 2 de Dezembro de 2010 e terem adulterado a data para momento anterior, é claramente indiciadora de que as mesmas sabiam da insolvência e das consequências que adviriam de terem cedido o crédito -PELOS MENOS - nas vésperas da insolvência.
8. A própria testemunha D… afirmou no minuto 12:27 e seguintes dos eu depoimento que antes da assinatura do contrato havia pedidos de insolvência e rumores no mercado:
E…: O Sr. disse aqui que havia alguns rumores de insolvência, que foi muito perto da insolvência, consegue concretizar em que datas é que isto foi???
Testemunha: Estamos no mercado, sabemos ainda hoje em dia que rumores existem. Aquilo que eu posso confrontar é que falei com o administrador F…, que o confrontei várias vezes se as coisas estavam difíceis, em conversas de colegas de profissão e ele disse-me que as coisas estavam difíceis, mas as coisas estavam sanadas, que já tinham resolvido até porque entraram alguns pedidos de insolvência, confirmou que a empresa não entraria em insolvência
E…: Isso tudo antes de assinar o contrato??
Testemunha: isto tudo antes de assinar o contrato.
E…: na data em que ele o informou.
testemunha: Ele não me informou, eu é que o confrontei
E…: Então o Sr. Já sabia?
Testemunha: Claro. Estou a dizer que no sector confirmava-se que havia fornecedores, credores que tinham pedidos de insolvência da C…
E…: e ele não negou
Testemunha: Não
9. A testemunha D… refere expressamente que as contas dos outros consórcios não afetaram o acerto final de contas entre a B… e a Insolvente
10. Contudo, do documento denominado controlo de contas consórcio resulta expressamente o contrário. De facto, do mesmo resultam valores a debitar e a creditar relativamente aos cinco consórcios melhor identificados na Conclusão
11. Face a contradição insanável entre a documentação junta (correspondência eletrónica emanada pela própria testemunha) e o depoimento da testemunha, o Meritíssimo Juiz a quo conclui na douta sentença recorrida que o depoimento primou pela espontaneidade e imparcialidade...
12. Aliás, em matéria de apreciação da prova, pode ler-se na douta sentença recorrida que a testemunha G… "Asseverou... que em 2010 não era do conhecimento da empresa que a C… se encontrasse em estado de insolvência"
13. É lamentável que o Tribunal a quo funde a sua convicção em afirmações que as testemunhas não proferiram. De facto, a testemunha expressamente refere que nessa data não estava sequer a trabalhar para a empresa vide minuto 11:30 e seguintes do seu depoimento
H…: O Sr. Engenheiro saiu da empresa em Julho de 2009
Testemunha: certo
H…: Mas já agora eu faço-lhe com a ressalva que o Tribunal apreciará, no período em que não esteve na empresa, manteve-se no metier das obras
Testemunha: correto
H…: Eu pergunto-lhe se chegou ao seu conhecimento, se nesta altura, em 2010 se era do conhecimento geral que a C… estaria insolvente?
Testemunha: Não. Eu no meio deste tipo de empresas eu tenho por principio não valorizar o que se ouve na praça pública relativamente ao conhecimento de cada empresa, só tendo vivência na própria empresa ou muita proximidade é que poderemos ter uma noção do que realmente da real situação de cada uma das empresa. Por conseguinte, eu não tenho, não tive nem terei essa noção relativamente a empresas das quais eu não faço parte
14. O tribunal adotou igual procedimento no que concerne à testemunha I.... De facto, na motivação da convicção pode ler-se na douta sentença recorrida que a mesma esclareceu que segundo o contrato cada empresa deveria faturar 50% ao dono de obra, só que a C… acabou por faturar 100%
15. Ora a testemunha afirmou precisamente o contrário, isto é que não conhecia o contrato, e que o seu superior hierárquico - o diretor de obra Engenheiro J… - lhe ordenou que faturasse 50% do valor da obra à C… vide minuto 03:22 e seguintes do seu depoimento H…: O Sr. Engenheiro sabe nos termos do contrato de consórcio como é que se devia processar a faturação ao dono de obra
Testemunha: Não
vide minuto 07: 15 e seguinte do seu depoimento
Testemunha: eu tinha acima de mim um diretor de obra acima de mim
E…: quem era?
Testemunha: O engenheiro J…
E…: e foi ele que lhe disse a si que era para faturar 50% à C…
Testemunha: sim
E…: Engenheiro J… que era da B…
Testemunha: sim
16. O tribunal a quo não fundamenta (nem por recurso a afirmações que as testemunhas não proferiram) o motivo pelo qual deu como provado o facto 3 da base instrutória
17. De facto, nenhuma das testemunhas da Autora sequer alegou tal facto
18. E a Testemunha K… inquirido sobre tal matéria expressamente afirmou que a Insolvente cedeu à Autora 50% dos montantes que ainda não tinha recebido vide minuto 08:50 e seguintes do seu depoimento
E…: Vocês tinham combinado relativamente à camara … devolver 50% do que recebessem. Vocês incluíram aí esse valor de 50% e esse valor estava recebido??
Testemunha: Não. Nesta altura havia faturação na Camara … que nem sequer estava rececionada
E…: Nesse valor da cedência de créditos, nesse valor desse mapa foi incluído 50% de valores que Vocês ainda não tinham recebido??
Testemunha: Sim. Sim
E…: Mas se o espirito do negócio era quando recebessem da Câmara pagavam 50%, porque é que foram ceder isso em Dezembro, dinheiro que não tinham recebido??
Testemunha: Na altura o objetivo era um cessar de contas. Foi uma forma da B… garantir o recebimento
Atento o exposto, considerando a existência de erro na apreciação da matéria de facto, quanto à resposta aos quesitos 3 e 4 da Base Instrutória deverão V. Exa. revogar a douta decisão recorrida, dando como não provado a matéria constante dos artigos 3 e 4 da Base Instrutória e, por conseguinte revogara douta sentença recorrida, substituindo a mesma por uma outra que considera totalmente improcedente a ação fazendo, dessa forma a costumada Justiça.
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Em contra-alegações veio a Ré Massa Insolvente de C…, Lda., pugnar pela manutenção da sentença recorrida.
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I – Impugnação da matéria de facto
Nos pontos 1º e 3º da base instrutória perguntava-se:
1º - A ora insolvente faturou diretamente ao dono da obra, a totalidade dos trabalhos, inclusive, os trabalhos a liquidar à aqui autora?
3º -Muito antes (do estipulado no contrato de consórcio) havia a ora insolvente embolsado e diretamente do dono da obra a totalidade das quantias faturadas que cabiam à autora na proporção de metade?

Respondendo conjuntamente aos pontos nºs 1 a 3 da base instrutória, no tribunal a quo veio a consignar como assente, no ponto 4º da “FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO” da sentença recorrida, que:
A ora insolvente faturou diretamente ao dono da obra, a totalidade dos trabalhos, inclusive, os trabalhos a liquidar à aqui autora, contra o estipulado no contrato de consórcio, muito antes havia a insolvente embolsado e diretamente do dono da obra a totalidade das quantias faturadas que cabiam à autora na proporção de metade.”

Apesar de a recorrente não se referir ao pontos 1º da base instrutória, é inquestionável que a factualidade que pretende impugnar é a que vem dada como assente no número 4 da “FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO”, na qual se incluiu também a correspondente ao ponto 1º da base instrutória.
Argumenta a recorrente que o depoimento das testemunhas e conteúdo dos documentos impunha decisão diversa, argumentando que os documentos juntos demonstravam:
- Que o acerto de contas prevê regularização de 45.507,62€ de letras não liquidadas e de uma multa imputada ao consórcio (doc.2, página 1);
- Que o acerto de contas prevê a regularização de todas as contas existentes entre a Insolvente C… e a aqui Recorrida em todos os consórcios (vide documento denominado controlo contas consórcio que logo na sua epígrafe identifica os cinco consórcios;

No que concerne à primeira parte do referido nº 4 dos “Factos provados”, correspondente ao ponto 1º da base instrutória, o que veio a ter-se como provado foi confirmado pelas várias testemunhas que sobre a questão depuseram, sem que isso tivesse sido convincentemente posto em causa.
Depoimento de G…:
Testemunha – Neste caso em concreto, a C… faturou em 100% à Câmara Municipal.

Depoimento de I...:
Testemunha – A B… faturava 50% à C….
Mandatário da Autora – Mas, quem é que faturava ao dono da obra?
Testemunha – Era a C….
Mandatário da Autora – E faturava que percentagem dos trabalhos?
Testemunha – 100%.
Depoimento de D…
Mandatário Autora – B… faturou alguma coisa desta obra ao Município …?
Testemunha – Não faturou nada.
Mandatário da Autora – Portanto, tudo quanto foi faturado nesta obra foi pela C…?
Testemunha – Foi pela C….
Mandatário da Autora – Então, a B… nunca recebeu nada do dono da obra, nesta obra?
Testemunha – Não. Não recebeu nada.

Quanto à segunda parte do referido ponto 4º, correspondente ao ponto 3º da base instrutória, o que aí foi dado como provado, corresponde ao alegado pela autora no sentido de que a insolvente havia embolsado diretamente do dono da obra, a totalidade das quantias faturadas ao dono da obra que pertenceriam à autora na proporção de metade.
Sendo isto o que estava em causa, a prova produzida não confirmou.
Com efeito, sobra a questão em concreto, e das testemunhas que o Sr. Juiz a quo referiu como tendo relevado na formação da sua convicção, apenas a testemunha G… foi diretamente inquirida tendo respondido:

Mandatário da Autora – Olhe, portanto, em relação a esta obra diretamente do dono da obra, que era o Município, a B… recebeu alguma coisa?
Testemunha – Não! Não recebeu porque quem faturou, portanto, o Município só pode pagar diretamente a quem faturou e, portanto, se foi a C… obviamente que terá sido a C… que recebeu as importâncias correspondentes às faturas correspondentes.
Mandatário da Autora – Sabe, ou não, se o Município pagou tudo ou deixou de pagar?
Testemunha – Isso não tenho conhecimento!

Já a testemunha K… economista, foi perentório em afirmar que o valor da obra da … ainda não tinha sido pago, muito embora tivesse sido incluído no acertamento de contas que esteve na origem do contrato de cessão de créditos.
Neste ponto a audição da gravação dos depoimentos confirma o teor do excerto da transcrição do depoimento da primeira das testemunhas referidas, que consta das alegações da recorrente:

E…: Vocês tinham combinado relativamente à câmara … devolver 50% do que recebessem. Vocês Incluíram ái esse valor de 50% e esse valor estava recebido??
Testemunha: Não. Nesta altura havia faturação na Câmara … que nem sequer estava rececionada
E…: Nesse valor da cedência de créditos, nesse valor desse mapa foi incluído 50% de valores que Vocês ainda não tinham recebido??
Testemunha: Sim. sim
E…: Mas se o espirito do negócio era quando recebessem da Câmara pagavam 50%, porque é que foram ceder isso em Dezembro, dinheiro que não tinham recebido??
Testemunha: Na altura o objetivo era um cessar de contas. Foi uma forma da B… garantir o recebimento

No mesmo sentido o depoimento de F…: (Economista, antigo representante Legal da ora Insolvente, B…, Lda.).

Terá pois que a prova produzida confirma a factualidade contida na primeira parte do ponto 4º da “FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO”, correspondente ao ponto 1º da base instrutória, mas já não confirma a segunda parte daquele ponto 4º, correspondente ao ponto 3º da base instrutória, a qual por isso deve ser eliminada deste ponto 4º da sentença recorrida, do qual ficará a constar como provado apenas que:
“A ora insolvente faturou diretamente ao dono da obra, a totalidade dos trabalhos, inclusive, os trabalhos a liquidar à aqui autora, contra o estipulado no contrato de consórcio”.

No ponto 4º da base instrutória perguntava-se:
4.º - A autora à data da cessão desconhecia a situação económica da ora insolvente?
No tribunal recorrido esta factualidade foi tida como provada e ficou a constar no ponto 5º da “FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO” da sentença recorrida.
Argumenta a recorrente que este ponto deveria ter sido dado como não provado porquanto:
- os documentos juntos na ata de audiência comprovam que o contrato de cessão de créditos, embora datado de 9 de Agosto de 2010, foi assinado pelas partes em data posterior a 2 de Dezembro de 2010, desmentindo assim a testemunha D…, gestor da Autor e interlocutor da mesma nos emails juntos sob a forma de doc 1, 2 e 3 em sede
de audiência de discussão e julgamento.
- e que o facto das partes intervenientes na cessão de créditos terem assinado o contrato em data posterior a 2 de Dezembro de 2010 e terem adulterado a data para momento anterior, é claramente indiciadora de que as mesmas sabiam da insolvência e das consequências que adviriam de terem cedido o crédito - PELOS MENOS - nas vésperas da insolvência.
- e que a própria testemunha D… teria confirmado no seu depoimento, que antes da assinatura do contrato havia pedidos de insolvência e rumores no mercado.

Importa sublinhar que, o que releva, em termos da referência ao conhecimento que a autora tivesse da situação económica da devedora agora insolvente, é o conhecimento de que essa situação económica seria suscetível de consubstanciar uma situação de insolvência para efeitos da alínea a) do nº 5, do artº 120º do CIRE. Só o desconhecimento dessa situação de insolvência poderá ter algum relevo para efeitos da fundamentação da resolução em benefício da massa insolvente.
Por outro lado a referência a insolvência para efeitos do que ora releva, é a insolvência de facto, tal como a descreve o artº 3º do CIRE [1], ou seja, a impossibilidade generalizada de cumprimento das obrigações vencidas, e ainda, no caso das pessoas coletivas e patrimónios autónomos, a constatação de que o passivo é manifestamente superior ao ativo, avaliado segundo as normas contabilísticas aplicáveis.
E é aliás com este alcance que na comunicação efetuada pelo administrador de insolvência – no seu ponto 18 – se faz constar que a autora tinha “plena consciência que a devedora deixou de cumprir com os seus fornecedores, que não possuía crédito bancário, que apresentava dificuldade em obter matéria-prima, que não honrava os seus compromissos, e que se mostrava incapaz de cumprir com a generalidade das suas obrigações, designadamente com fornecedores e trabalhadores”.

Tendo isto presente, é manifestamente irrelevante, e mesmo inconclusivo, ou ininteligível, a referência vaga, que ficou a constar do referido ponto 5º da “FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO” ao desconhecimento de qual era “a situação económica” da devedora agora insolvente, e que corresponde de resto aos termos da alegação da aqui autora – V. artigo 21º da p.i.
Como quer que seja, quer a prova testemunhal, quer a prova documental, apontam no sentido de que a autora B… à data da cessão de créditos tinha pelo menos conhecimento de que a devedora, agora insolvente, atravessava uma fase de dificuldade económicas, e que havia já pedidos de declaração de insolvência.
E a esse respeito, a prova produzida não confirma, bem pelo contrário, a afirmação contida no ponto 5º da “FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO” da sentença recorrida.
Com efeito, a esse respeito a testemunha G… e a testemunha I…, prestaram depoimentos esquivos, e consequentemente não concludentes sobre se era do conhecimento comum, e concretamente de quem trabalhava na autora, que a C… se encontrava numa situação económica difícil.
A testemunha D…: (Gestor na B…, S.A.), tendo começado por afirmar que de todo em todo não era conhecida a situação de insolvência, logo acrescentou que havia alguns rumores, e que tinha mesmo conhecimento de pedidos de insolvência, tendo confrontado com isso o responsável pela C… que lhe disse que estaria tudo resolvido.

Testemunha – Oh Sr. Doutor, estavam no mercado, sabemos ainda hoje em dia que rumores existem sempre. Aquilo que eu posso confirmar é que falei com o Sr. Administrador F… e confrontei-o várias vezes se as coisas estavam difíceis, em conversa de colegas de trabalho, disse-me que realmente estavam difíceis, mas que as coisas estavam sanadas, que já tinham resolvido, que até entraram alguns pedidos de insolvência, mas que as coisas se resolviam-se e confirmou-me que não haveria dificuldades e que a empresa não entraria em insolvência.
Mandatário da Massa Insolvente – Isso tudo antes de assinar o contrato de cessão de créditos?
Testemunha – Isso tudo antes de assinar o contrato.
Mandatário da Massa Insolvente – Confirmou que já havia pedidos de insolvência, mas que ia tratar?
Testemunha – Ele não me informou Sr. Doutor!
Mandatário da Massa Insolvente – Não!?
Testemunha – Eu é que o confrontei.
Mandatário da Massa Insolvente – Então o Sr. já sabia?
Testemunha – Não, oh Sr. Doutor, claro, vamos ver, estou a dizer que no sector confirmava-se que havia credores ou fornecedores que tinham metido um pedido de insolvência à C…!
Mandatário da Massa Insolvente – E ele não negou!?
Testemunha – Não, ele negou! Disse que estava pago e que estava resolvido!
Nesta parte o depoimento desta testemunha vem corroborar o depoimento da testemunha F…, administrador da C…, que refere ter sido de facto confrontado pelo referido D… por causa da penhora dos créditos que a C… tinha na … por causa de uma obra que estavam a fazer com a B…, tinham sido penhorados por um fornecedor da C…, ao que esse lhe teria respondido que tudo estava a ser resolvido.
Esta testemunha acrescentou ainda que eles (a B…) tinha conhecimento de que a C… estava numa situação muito difícil até porque os créditos que tinha na Câmara …, numa obra que ali estavam a fazer com eles (B…) tinham sido penhorados por um credor da C….
Estes depoimentos, aliados à constatação – que resulta efetivamente da troca de correspondência documentada nos docs. 1, 2 e 3, juntos no decorrer da audiência de julgamento – de que o contrato de cessão de créditos foi assinado em data posterior à que dele consta, retiram qualquer credibilidade aos depoimentos - mormente da testemunha D…, do desconhecimento da situação económica difícil em que se encontrava a C… aquando da subscrição daquele contrato de cessão de créditos.
Como tal deve eliminar-se o ponto 5º da “FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO” da sentença recorrida.
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Assim, a factualidade a considerar como assente é por isso a seguinte:

1. No dia 04 de Setembro de 2011, o Administrador de Insolvência da massa insolvente de C…, S.A., comunicou à autora a resolução em benefício da massa insolvente do contrato de cessão de créditos que a autora outorgou com a ora insolvente no dia 30 de Setembro de 2011 (alínea A) dos factos assentes).
2. Consta da carta referida em A) que:
“Exmo. Sr. ou Sra.,
Na qualidade de administrador da Insolvência da Massa Insolvente de C…, SA, poderes que me foram conferidos pela sentença proferida no processo número 16/10.0TYVNG que corre seus termos no 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, venho pela presente, nos termos dos artigos 120.º e 121.º do C.I.R.E, apresentar a seguinte RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE nos termos e pelos fundamentos seguintes:
1.No passado dia 09 de Agosto de 2010 V. Exas. celebraram com a insolvente C… SA um contrato de cessão de créditos nos termos do qual a insolvente cedeu a V. Exas. os créditos que tinham a receber do Município …, no montante de 297.010,96€ (duzentos e noventa e cento e sete mil, e dez euros e noventa e seis cêntimos), titulados pela fatura n.º .. de 17/02/2010, no valor de 297.010,96€, tudo conforme doc. 1 que ora se junta e cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os devidos efeitos legais.
2. A P.I. de insolvência deu entrada em juízo em 18 de Outubro de 2010 e a devedora foi declarada insolvente em 26 de Janeiro de 2011.
DO ACTO PREJUDICIAL À MASSA
3. A cessão de créditos supra referida praticada pela devedora e por V. Exas. é um ato prejudicial à massa insolvente praticado cerca de dois meses antes do início do processo de insolvência, pois privou a mesma da quantia de 297.010,96€.
4. Constituindo um claro benefício de um credor em detrimento de todos os outros, que se viram desta forma privados do recebimento da quantia de 297.010,96€.
5. No caso sub iudice a prejudicialidade presume-se – sem admissão de prova em contrário
– nos termos do artigo 120.º, n.º 3 porquanto a cedência do crédito foi efetuada antes do vencimento da dívida.
6. De facto, nos termos do contrato de consórcio externo, V. Exas. haviam convencionado com a devedora que esta faturava a totalidade dos serviços ao dono da obra, sendo que posteriormente V. Exas. faturavam à devedora cinquenta por cento desses trabalhos.
7. Mais foi convencionado pelas partes que a C… só teria de pagar a V. Exas, oito dias após ter recebido o valor correspondente do dono da obra.
8. Aliás, de uma análise da faturação relativa a este consórcio, facilmente se verifica que todos os pagamentos da C… a V. Exas. ocorrem sempre imediatamente após terem recebido o valor correspondente do dono da obra.
9. Dito de outra forma, e porque a C… não havia ainda recebido do dono de obra o valor correspondente, não existia ainda obrigação de pagamento das quantias a V. Exas.
10. Aliás, em abono da verdade diga-se que nem atualmente a Câmara … procedeu ao pagamento das faturas, seja à Massa Insolvente da C…, seja a V. Exas., motivo pelo qual não fora a cedência, tal crédito integraria o ativo da Massa insolvente e permitiria a repartição do mesmo pelos restantes credores.
11. Tratou-se pois claramente dum pagamento antes do vencimento da dívida em clara violação do acordado pelas partes e com o objetivo de favorecimento de V. Exas. em detrimento de outros credores.
DA Má-fé
12. Para além do supra referido nos artigos 5 a 11 desta resolução que até dispensariam a existência de má-fé, pois trata-se de motivo para resolução incondicional.
13. O que é certo é que existe má-fé de V. Exas. na celebração do contrato de cessão de crédito melhor identificado em 1.
14. De facto, V. Exas. são pessoas especialmente relacionadas com a insolvente, uma vez que eram parceiros de consórcio na execução da empreitada designada “Construção dos Arruamentos envolventes às termas de L…”.
15. Eram igualmente parceiros de consórcio na execução de uma empreitada em Paços de Ferreira designada de “requalificação da ER … e requalificação da EM ….”.
16. Eram igualmente parceiros de consórcio em obras no Concelho de Paredes, designadamente nas Ruas … e Av. ….
17. Por último e não menos importantes são ambos acionistas de uma sociedade comercial denominada M…, SA, empresa criada para gestão de investimentos comuns.
18. Nessa qualidade tinham plena consciência que a devedora deixou de cumprir com os seus fornecedores, que não possuía crédito bancário, que apresentava dificuldade em obter matéria-prima, que não honrava os seus compromissos, e que se mostrava incapaz de cumprir com a generalidade das suas obrigações, designadamente com fornecedores e trabalhadores.
19. Inexiste, pois, dúvidas, que V. Exas. tinham acesso a informação privilegiada, bem sabendo que a empresa se encontrava em situação de insolvência e que esta era iminente.
20. Caso contrário, teriam cumprido as regras estabelecidas pelas partes – como sempre fizeram – esperando para receber as quantias a que teriam direito.
21. Ao cederem o crédito tiveram como único objetivo evitar que o mesmo integrasse o ativo da massa insolvente.
22. Qual a justificação para desde Março de 2007 terem sempre recebido o valor das faturas oito dias após a C… as ter recebido do dono da obra e a dois meses da insolvência revogarem o modus operandi, dispondo-se a C… a ceder o crédito.
23. Em abono desta tese não deixa de ter significado o facto de a Insolvente ter cedido a totalidade dos seus créditos em Agosto de 2010.
24. E os beneficiários dessa cedências terem sido os parceiros do consórcio, conforme é o caso de V. Exas.
Atento o exposto, vimos pela presente resolver em benefício da massa insolvente de C…, SA o contrato de cessão de créditos nos termos do qual a insolvente cedeu a V. Exas. os créditos que tinham a receber do Município …, no montante de 297.010,96€ (duzentos e noventa e sete mil, e dez euros e noventa e seis cêntimos), titulados pela fatura n.º .. de 17/02/2010, no valor de 297.010,96€.” (alínea B) dos factos assentes).

3.Os créditos cedidos pela insolvente sobre a Câmara Municipal … referiam-se aos serviços que aquela prestara no âmbito da sua atividade, titulados pela fatura nº .., de 17.02.2010, no montante global de € 297.010,96 (alínea C) dos factos assentes).
4. A ora insolvente faturou diretamente ao dono da obra, a totalidade dos trabalhos, inclusive, os trabalhos a liquidar à aqui autora, contra o estipulado no contrato de consórcio.
+
II – Se da não prova da matéria constante dos artigos 3 e 4 da Base Instrutória implica que deva ser revogada a sentença recorrida, e que esta seja substituída por outra que considera totalmente improcedente a ação.

O instituto da resolução em benefício da massa insolvente tem em vista a proteção do interesse da generalidade dos credores, no confronto com o interesse individual deste ou daquele credor em particular, através da reconstituição do património do devedor.

Com esta finalidade o legislador prevê que em certas circunstâncias possam ser resolvidos pelo administrador da insolvência os atos praticados pelo devedor insolvente.

Fora das situações de resolução incondicional prevista no artº 121º do CIRE, o legislador faz depender a possibilidade dessa resolução da verificação cumulativa de vários requisitos, a saber:
- Que se trata de atos praticados ou omitidos no período de 4 anos anterior à data do início do processo de insolvência – nº 1 do artº 120º do CIRE;
- Que os atos assim praticados devem ser considerados como prejudiciais à massa, no sentido de diminuir, frustrar, dificultar, pôr em perigo, ou retardar, a satisfação dos credores da insolvência – nº 2 do artº 120º do CIRE;
- Que haja má-fé do terceiro interveniente ou beneficiário do ato praticado ou omitido, no sentido de ter conhecimento, à data da prática do facto, da situação de insolvência do devedor, do caráter prejudicial do ato, e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência eminente, ou do início do processo de insolvência – nº 4, do artº 120º do CIRE, e alíneas a, b, e c, do nº 5 do mesmo normativo.

Em qualquer caso, impende sobre o administrador da insolvência o ónus de fundadamente invocar os factos que consubstanciam tais requisitos, na comunicação pela qual opere a resolução do ato, tal como lhe caberá a prova de tais factos caso a resolução assim operada, venha a ser impugnada nos termos previstos no artº 125º do CIRE.
Isto sem prejuízo das presunções prevista na lei, seja em termos da verificação da prejudicialidade do ato – nº 3, do artº 120º do CIRE – seja em termos da má-fé do terceiro – nº 4 do artº 120º do CIRE

Sendo este esquematicamente o regime legal da resolução, impõe-se uma referência mais pormenorizada ao regime legal da impugnação dessa resolução, particularmente no que concerne ao ónus da prova dos factos que fundamentam essa impugnação, na medida em que a escassez de fatos provados necessariamente imporá que na decisão a proferir se venha a ter em consideração o previsto no artº 414º do CPC relativamente princípio a observar em caso de dúvida sobre a realidade dos factos alegados.

A questão do ónus da prova na ação de impugnação de resolução em benefício da massa operada pelo administrador da insolvência, não é pacífica, e tem suscitado alguma divergência doutrinária e jurisprudencial, motivada desde logo pela escassa regulamentação legal desta ação.
Com efeito, a propósito da impugnação da resolução assim efetuada, o legislador limita-se a regular a caducidade do direito correspondente, e a prever que essa impugnação deverá efetivar-se mediante ação judicial a intentar contra a massa insolvente – artº 125º do CIRE.
E em termos de legitimidade, apenas regula a legitimidade passiva, ao dispor que a ação deve ser intentada contra a massa insolvente.

Neste contexto legal tem sido divergente os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais quanto ao tipo de ação a propor, e quanto ao ónus da prova dos respetivos fundamentos.
Assim, no sentido de que se está perante uma ação declarativa comum, parece ser o entendimento de Gravato de Morais [2], que faz recair sobre o impugnante o ónus de provar os factos extintivos do direito (de resolução) invocado pelo administrador, nos termos gerais previstos no artº 342º, nº2, do C.Civil.
Note-se que mesmo este autor, refere no entanto que, relativamente aos atos constitutivos do direito à resolução, ou seja, os factos em que se consubstancia a prejudicialidade do ato praticado ou omitido, e ao factos que consubstanciam a má-fé do terceiro, caberá ao administrador da insolvência o ónus probatório, nos termos gerais do artº 342º do CC
Neste sentido os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 24/09/2009 (Apelação nº 725/06.7TBTVD-I.L1-8) [10] e de 09/03/2010 (Apelação nº 520/06.3TBLNH-F.L1-7), [11].

Atualmente a jurisprudência dos tribunais superiores tem-se orientado de forma maioritária, no sentido de que aação de impugnação da resolução prevista no art. 125º do CIRE é uma ação de simples apreciação negativa, visando a demonstração da inexistência ou a não verificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo AI na carta resolutiva, cabendo, por isso, à massa insolvente o ónus da prova da verificação dos pressupostos da resolução operada pelo AI e não ao impugnante a prova de que tais pressupostos não se verificam, em consonância com plasmado no nº 1 do art. 343º do CCiv. Neste sentido, e a título meramente exemplificativo salientamos de entre as mais recentes decisões do STJ, o acórdão do STJ, de 29-04-2014, Proc. nº 251/09.2TYVNG-R.P1.S1, ao consignar que se está perante uma ação de simples apreciação negativa, e de forma ainda mais concludente o acórdão do mesmo STJ, de 20-3-2014, Proc. nº 251/09.2TYVNG-I.P1, no qual, depois de se consignar o entendimento de que se trata de ação de simples apreciação negativa, que visa tão-somente a demonstração da inexistência ou a inverificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo administrador da insolvência – art. 4, nº2, al. a) do anterior C.P.C., correspondente ao art. 10, nº3, al. a) do novo C.P.C. – se concluiu que haverá de considerar o regime especial de repartição do ónus da prova, próprio das ações de simples apreciação ou declaração negativa – art. 343, nº1, do C.C – nos termos do qual compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, excecionando assim o regime geral contido no art. 342, nº2 do mesmo diploma. E continua afirmando que “ … a alegação da inexistência de prejudicialidade do ato ou de má-fé não constituem factos extintivos do direito de resolução, sendo antes a negação dos factos necessários ao nascimento do direito de resolução que, por via extrajudicial, foi exercido pelo Administrador da Insolvência.
A inexistência de prejudicialidade ou de má-fé alegadas pelo impugnante, a provarem-se, não determinam a extinção do direito potestativo de resolução, antes contendem com o nascimento desse direito, pois integram a negação dos factos constitutivos daquele direito.”
No mesmo sentido ainda, o acórdão do mesmo STJ, de 25-02-2014, proc. nº 251/09.2TYVNG-H.P1.S1.
Neste mesmo sentido se tem vindo a orientar maioritariamente a jurisprudência dos Tribunais das Relações - entre outros, os Acórdão da Relação do Porto, de 27/11/2012, Apelação nº 4694/08.0TBSTS-O.P1); Acórdão da Relação do Porto, de 24/11/2011, o Acórdão desta Relação de Coimbra, de 24-05-2011, Apelação nº 1791/08.6TBLRA-K.C1 e o Acórdão da Relação do Porto, de 26/11/2012, Apelação nº 1056/09.6TBLSD-D.P1.

Cremos que esta é sem dúvida a solução que melhor conjuga os interesses em conflito, e que melhor se enquadra na unidade do sistema jurídico, tanto mais que é sabido que resolução também poder ser obtida por via judicial, em ação a intentar pelo Administrador da Insolvência, e onde não restam dúvidas de que cabe à Massa Insolvente o ónus da prova dos fundamentos em que alicerça a resolução (artº 342º, nº 1, do CC).
Ainda neste mesmo sentido pode ainda salientar-se, como se faz, em acórdão de 24-11-2011, deste tribunal da Relação (Proc. nº 297/09.0TBCPV-E.P1) que o aqui relator subscreveu como 1º adjunto, que se o legislador tivesse querido que o ónus da prova da falta dos pressupostos da resolução fosse dos impugnantes, não teria consagrado a presunção juris tantum prevista no nº 4 do artº 120º: não faria sentido fazer recair sobre os impugnantes o ónus de ilidir a presunção de má-fé na situação ali prevista se, nos termos gerais (fora daquela situação específica), eles já tivessem de provar a boa-fé.

Tendo isto presente, cabe então ponderar se, como pretende a recorrente, a pretendida alteração da matéria de facto, na medida em que foi acolhida, impõe alguma alteração ao sentido da decisão recorrida.
Importa relembrar que está em causa a impugnação da resolução, operada pelo administrador da insolvência, do contrato de cessão de créditos celebrado entre a aqui autora, B…, S.A., e a devedora agora insolvente, C…, SA, mediante carta remetida por aquele administrador da massa insolvente de C…, SA.

A autora B…, agora recorrida, veio através da presente ação impugnar a resolução daquele contrato de cessão de créditos, com fundamento em que aquele contrato, celebrado com a devedora, agora insolvente, não ocorreu antes do seu vencimento, como alega o administrador da insolvência, e que, também ao contrário do que argumentava o administrador da insolvência, à data da cessão não conhecia que a devedora se encontrava em situação de insolvência, nem o carácter prejudicial do ato.

Quanto ao primeiro aspeto, e perante os factos que resultam provados, tem de reconhecer-se que, nos termos do contrato de consórcio existente entre a aqui autora, e a devedora, agora insolvente, aquela tinha direito a faturar diretamente ao dono da obra, 50% os direitos e custos emergentes da execução da empreitada, recebendo desta os respetivos montantes – V. cláusulas oitava e décima primeira do contrato de consórcio.
Para além disso, tendo improcedido nesta parte a impugnação de facto da aqui recorrente, permaneceu como provado que a ora insolvente faturou diretamente ao dono da obra, a totalidade dos trabalhos, inclusive, os trabalhos a liquidar à aqui autora, contra o estipulado no contrato de consórcio.
E assim sendo, é manifesto que a autora sempre teve direito ao recebimento desses 50%, resumindo-se o efeito do contrato de cessão de créditos a repor esse quadro contratual, alterado pela circunstância de a devedora, agora insolvente, ter faturado ao dono da obra a totalidade dos trabalhos, inclusive, os trabalhos a liquidar à aqui autora, contra o estipulado no contrato de consórcio (4).
Resulta assim sem comprovação a afirmação em que o administrador da insolvência fundamentava a presunção de prejudicialidade do contrato de cessão de créditos, por ele afirmada como fundamento da resolução, com referência ao disposto no artº 120º, nº3, do CIRE, com referência ao disposto na alínea f) do nº 1, do artº 121º, do mesmo diploma.

O que só por si não obstava a que, na ausência da referida presunção de prejudicialidade, caberia ao administrador da insolvência fazer prova de factos de onde se concluísse que o referido contrato de cessão de créditos frustrou, dificultou, pôs em perigo, ou retardou a satisfação dos credores da insolvência – nº 2, do artº 120º do CIRE.
No entanto se tivermos em conta que, como ficou demonstrado, o crédito cedido pela devedora, agora insolvente, era geneticamente – como se refere na sentença recorrida – um crédito da autora, ou seja, nunca foi verdadeiramente um crédito da devedora, a qual só se colocou nessa posição perante o dono da obra, porque indevidamente – porque contrariamente ao que resultava do contrato de consórcio – faturou em seu favor a parte que caberia à autora faturar, então terá de concluir-se que a cessão do crédito assim originado não se traduziu em prejuízo para a satisfação dos interesses dos demais credores, uma vez que estes só podem legitimamente esperar ver satisfeitos os seus créditos com base no património da devedora insolvente, e não no património de terceiros de que esta indevidamente se apropriou.

Acresce que, como começou por evidenciar-se, cumulativamente com a prejudicialidade do ato, seria necessário que se pudesse afirmar que à data da celebração do contrato em questão o outro interveniente, e beneficiário da cessão – a aqui autora B… – se encontrava de má-fé, nos sentido que é referido no nº 5 do artº 120º do CIRE.
E a este respeito o administrador da insolvência começou por afirmar que aquela B…, aqui autora, era pessoa especialmente relacionada com a insolvente, o que, conjuntamente com a circunstância de o ato ter ocorrido nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, constituiria só por si, presunção da má-fé, nos termos que se referiu já resultarem do disposto no nº 4 do artº 120º do CIRE.
Na sentença foi considerado recorrida que o facto de as sociedades serem parceiras de consórcio externo não significava necessariamente que a aqui autora B… devesse considerar-se como pessoa especialmente relacionada para efeitos do disposto no artigo 49.º do CIRE.
A recorrente não se insurge contra a interpretação que assim é feita da lei, e como tal não cabe apreciar a decisão recorrida naquele particular aspeto.

No entanto, independentemente daquela presunção, sempre poderia demonstrar-se que a autora estava de má-fé aquando da celebração do contrato de cessão de créditos em questão nos autos, por à data da sua celebração ter conhecimento de qualquer das circunstâncias enunciadas nas várias alíneas do nº 5 do referido artº 120º do CIRE.
A esse respeito o administrador da insolvência alegava, na carta remetida à aqui autora a resolver o contrato de cessão de créditos que aquela havia celebrado com a devedora agora insolvente, que aquela tinha plena consciência que a devedora deixou de cumprir com os seus fornecedores, que não possuía crédito bancário, que apresentava dificuldade em obter matéria-prima, que não honrava os seus compromissos, e que se mostrava incapaz de cumprir com a generalidade das suas obrigações, designadamente com fornecedores e trabalhadores, ou seja, tinha conhecimento de que a devedora se encontrava numa situação de insolvência.
Convém relembrar o que antes se disse a propósito do ónus de prova, para reafirmar que os factos que podem consubstanciar a má-fé do terceiro interveniente para efeitos do nº 4 e 5, do artº 120º do CIRE, enquanto factos constitutivo do direito à resolução em benefício da massa, devendo ser alegados pelo administrador na comunicação pela qual opera a resolução em benefício da massa insolvente da devedora, terão depois de ser provados por esta se aquela resolução for impugnada.
Essa prova não foi feita, irrelevando a esse propósito a não prova do desconhecimento da insolvência.

Não estando verificados os pressupostos legais que legitimariam, nos termos supra expostos, a resolução em benefício da massa insolvente efetuada pelo Administrador de Insolvência relativa ao contrato de cessão de créditos outorgado entre a autora B…, S.A., e a insolvente C…, S.A., conclui-se que deve confirmar-se a sentença recorrida quando revoga aquela resolução.

TERMOS EM QUE ACORDAM NA SECÇÃO CIVEL DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO, EM JULGAR IMPROCEDENTE O RECURSO, CONFIRMANDO A SENTENÇA RECORRIDA.

CUSTAS PELA RECORRENTE.

Porto, 09 de Julho de 2014
Freitas Vieira (Desembargador Relator)
Madeira Pinto (Desembargador Adjunto)
Carlos Portela (Desembargador Adjunto)
_________________
[1] V. neste sentido L. Carvalho Fernandes e João Labareda – Cód. De Insolv. E Recupera. De Empresas anotado, págs. 430, nota 10.
[2] Resolução em Benefício da Massa Insolvente, págs. 165 e 167