Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
450/15.8IDPRT-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: PROCESSO DE EXCEPCIONAL COMPLEXIDADE
DECLARAÇÃO
CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO EM MOMENTO POSTERIOR
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
IRREGULARIDADE
Nº do Documento: RP20180411450/15.8IDPRT-D.P1
Data do Acordão: 04/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 14/2018, FLS.220-237)
Área Temática: .
Sumário: I - A declaração de especial complexidade do processo vale para o processo, abrangendo todos os arguidos mesmo que constituídos em momento posterior.
II - A omissão da notificação do despacho a arguido constituído posteriormente não invalida a sua eficácia sobre a elevação do prazo máximo de prisão preventiva, a que também ele fica sujeito.
III - Tal omissão constitui mera irregularidade, sanada pelo facto de o arguido tendo ficado a saber da existência de tal despacho, aquando do despacho que indeferiu ao alegado excesso da sua prisão preventiva, nada ter dito nos 3 dias subsequentes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: P 450/15.8IDPRT-D.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo de Instrução Criminal-Juiz 5.

Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
1 - Na sequência do requerimento apresentado pelo arguido B… a fls. 5582 a 5586 requerendo a sua libertação imediata, invocando que se encontra excedido o prazo de prisão preventiva, veio o Tribunal a proferir o despacho de fls. 5629/5630, datado de 12/01/2018 e notificado ao arguido em 18/01/2018 (cfr. fls. 5632 e 5686).
Inconformado interpôs o arguido o presente recurso, tendo por objecto esse despacho.
Conclusões:
A) O arguido acha injustas as motivações da Meritíssima Juiz de Instrução do Tribunal a quo.
B) O arguido não tem antecedentes criminais.
C) Está socialmente e profissionalmente integrado na sociedade portuguesa.
D) A prisão preventiva não tem em vista uma punição antecipada.
E) A medida de prisão preventiva, mesmo nos casos dc artigo 209.° do Código de Processo Penal, só é admissível quando se verificam os pressupostos do artigo 204.° do Código de Processo Penal.
F) A acusação não imputa ao arguido, factos que correspondam à incriminação pelos crimes de que vem acusado.
G) A prova indiciária demonstra instabilidade e incerteza quanto aos factos.
H) O douto despacho recorrido não averiguou da justeza das razões aduzidas pelo requerente, incorreu na viciação do disposto nos art.s 68º, 215º e 217º do CPP. e, 27º e 28º da CRP.
I) O recorrente é delinquente primário e nunca esteve preso.
[da alínea I) o recorrente passa para a alínea O]
O) Trabalha, é casado, tem a seu cargo dois filhos menores.
P) A privação da sua liberdade trará imediatamente prejuízos irreparáveis na inserção social dc arguido, nomeadamente porque a sua situação laboral ainda é precária e o mercado de trabalho atravessa uma crise que não facilitará a sua rápida inserção no activo.
Q) Aliás, estes vínculos - familiar e laboral - indiciam a ausência de qualquer intenção de fuga.
R) A ausência de indícios fortes da acusação coadjuvada com a previsão - hipotética - de uma condenação pelo mínimo atento o facto de ser um delinquente primário e até mesmo a gravidade dos factos e a própria natureza do crime em questão) só por si justificam a excessividade da medida de coacção aplicada.
S) Face aos condicionalismos pessoais do arguido, à manifesta deficiência da acusação, á não verificação dos pressupostos do artigo 204º do Código de Processo Penal deveria o recorrente, por violação do disposto nos art.s 68º, 215º e 217º, do CPP e, 27º e 28º da CRP ter sido restituído à liberdade imediatamente.
T) O douto despacho recorrido fez uma incorrecta apreciação dos factos e violou o artigo 32º n.º 2, o artigo 27º e o artigo 28º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 209º artigo 204º e o artigo 213º do Código do Processo Penal, pelo que deve ser revogado, ordenando-se a libertação imediata do recorrente, devendo aguardar os ulteriores trâmites do processo em liberdade.
U) O referido despacho é nulo, uma vez que até à presente data nunca foi o arguido notificado que tinha sido atribuído ao processo excepcional complexidade, motivo pelo qual foram violados os seus direitos, liberdades e garantias e o exercício do contraditório.”
Termina requerendo a restituição do arguido à liberdade.
Na resposta que apresentou, o Ministério Público defendeu dever ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos, concluindo da seguinte forma:
“1. As questões levantadas pelo arguido no seu recurso resumem-se a três, já que quanto à decisão de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva foi a mesma já objecto de recurso que confirmou tal decisão:
a) se o arguido tinha que ser notificado da declaração de excepcional complexidade;
b) que consequências resultam da sua alegada não notificação.
c) se se encontra excedido o prazo de prisão preventiva;
2. Quanto à primeira questão desde já adiantamos que entendemos que não, pois que quando foi declarada a excepcional complexidade do inquérito B… ainda não havia sido constituído arguido, pois que nem sequer era um dos suspeitos iniciais, tendo a sua actuação sido descoberta no decurso da investigação, pelo que nessa altura não tinha que ser chamado a pronunciar-se sobre tal circunstância, assim como não teria que ser notificado do despacho que declarou a excepcional complexidade do inquérito. Para além disso, o inquérito encontrava-se já nessa altura em segredo de justiça (ainda vertente interna), pelo que qualquer notificação a qualquer um dos suspeitos visados (com a divulgação dos pressupostos da aplicação da excepcional complexidade e necessariamente dos factos em investigação) seria desde logo violadora do segredo de justiça aplicado pelo Ministério Público e validado judicialmente.
3. A declaração de especial complexidade é uma medida instituída de modo a garantir a eficácia da investigação, em certos crimes mais graves previstos expressamente por lei, em que as exigências da investigação necessariamente conduzem à necessidade de um prazo mais longo para a conclusão do inquérito.
4. Acompanha-se o entendimento jurisprudencial segundo o qual “O despacho que decreta a especial complexidade do processo vincula qualquer arguido nele constituído, independente da constituição de arguido ser antes ou depois da existência de tal despacho” e “A declaração de especial complexidade é uma medida cautelar, um compromisso necessário do legislador, em política criminal, de forma a estabelecer o equilíbrio entre a necessidade e exigências de investigação, em certos ilícitos mais graves catalogados por lei - através dos meios processualmente válidos inerentes à investigação criminal - e, os direitos ou garantias do cidadão arguido, em prisão preventiva, além de se circunscrever no âmbito do processo justo, em que a elevação do prazo de duração máxima da prisão, não é arbitrária mas, contida pelo princípio da legalidade, considerado esse prazo, assim elevado, suficientemente idóneo à realização das diligências necessárias à ultimação do inquérito.”
5. Quanto à segunda questão importa a título prévio referir que o arguido quando foi notificado em 3/01/2018 do despacho proferido pela Mma. Juiz de Instrução Criminal (fls.5271ss), datado de 29/12/2017, que confirmou a manutenção da medida de coacção de prisão preventiva, dele não recorreu, nem nada veio requerer, sendo que, e tendo o arguido sido detido em 27/06/2017, e adoptando academicamente a tese do recurso apresentado pelo arguido, naquela data havia já decorrido o prazo da prisão preventiva (6 meses).
6. Mas respondendo concretamente a esta segunda questão, entende-se que “a falta de audição e notificação do arguido constituído posteriormente a despacho que declarou a especial complexidade dos autos, sobre o conteúdo desse despacho, não invalida a eficácia do mesmo sobre a elevação do prazo de duração máxima da prisão preventiva a que também esse arguido ficou sujeito, uma vez que tal despacho, destinou-se, (para além do mais), a ampliar o limite temporal de duração máxima da prisão preventiva, abrangendo qualquer arguido em prisão preventiva naquele processo, quer tivesse sido constituído antes, quer depois da existência desse despacho.
7. Nestes termos, a ausência da notificação em causa não constitui qualquer nulidade prevista na lei processual penal (insanável/sanável), nomeadamente as previstas nos artigos 119.º/120.º do Código de Processo Penal, pois que só se determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, o que não é o caso (até porque não havia arguido constituído e o inquérito encontrava-se em segredo de justiça com a realização de diligências probatórias cuja eficácia dependida desse segredo).
8. E mesmo que em abstracto se considerasse tratar-se de uma irregularidade, não foi a mesma tempestivamente arguida pelo arguido, já que notificado da decisão de 12/01/2018, em 18/01/2018, nada veio dizer ou requerer no prazo previsto no artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (3 dias).
9. De qualquer modo tal circunstância não tinha nunca a virtualidade de invalidar a concreta declaração de excepcional complexidade, pois que a mesma sempre é válida por si mesma desde que verificados os seus legais pressupostos e desde que declarada judicialmente, e sempre poderia ser novamente declarada, pois que continuam a manter-se os seus pressupostos, ampliando, assim, o prazo da medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido.
10. Relativamente à terceira questão, face à declaração de excepcional complexidade, cujos pressupostos se mantém válidos e não foram postos em causa, o prazo de duração máxima da prisão preventiva é de um ano e ainda não ocorreu, já que o arguido foi detido em 27/06/2017 e subsequentemente sujeito a prisão preventiva, nos termos do artigo 215.º, n.º 3, do CPP.”
Já nesta instância de recurso, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, por entender não se mostrar excedido o prazo de duração máxima da prisão preventiva

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
Cumpre decidir
II - FUNDAMENTAÇÃO
QUESTÕES A DECIDIR:
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, o que decorre desde logo duma interpretação conjugada do disposto no nº 1 do artigo 412º e nos nºs 3 e 4 do artigo 417º do CP.P., sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objecto do mesmo, quando possa conhecer do mérito, é assim a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado á apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Atendendo ao teor da decisão recorrida e às conclusões do recurso, a questão a decidir é tão - somente a de saber se se verifica a nulidade do despacho por o arguido não ter sido notificado do despacho que atribuiu ao processo especial complexidade e se se mostra excedido o prazo de prisão preventiva do recorrente.
Resulta dos autos o seguinte:
- Por decisão de 29/06/2017 foi aplicada ao arguido B… a medida de coacção de prisão preventiva em primeiro interrogatório judicial de arguido detido (detenção em 27/06/2017), por se considerar indiciada a prática dos crimes de associação criminosa, previsto e punido nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos art.º 89.º, n.º 1 e 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias, e no artigo 299.º, n.º 1, 3 e 5, do Código Penal, e de fraude fiscal qualificada, previsto e punido nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 104.º, n.º 1, al. d), e) e f), n.º 2, al. a) e b) e n.º 3, por referência ao disposto no art.º 103.º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 3, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, e por se considerar em concreto estarem verificados todos os perigos constantes do artigo 204.º do Código de Processo Penal, e tal ser a única medida não só proporcional à gravidade dos crimes em investigação como adequada a evitar a fuga do arguido, a continuação da actividade criminosa e a perturbação do inquérito com a destruição de prova e intimidação de testemunhas.
- A referida medida de coacção de prisão preventiva foi objecto de reexame e confirmação no prazo legal (a fls. 3944 a 3945 e 5145);
- A medida de coacção foi ainda objecto de apreciação a fls. 4720 e 5271, sendo que nesta última decisão datada de 29/12/2017 foi novamente confirmada a manutenção da prisão preventiva.
- Notificado do despacho que manteve a medida de coacção aplicada, veio então o arguido B… a fls. 5582 a 5586 requerer a sua libertação imediata, invocando que se encontra excedido o prazo de prisão preventiva.
O tribunal apreciou esta pretensão mediante despacho proferido em 12.1.2018, ora sob recurso, procedendo-se á sua transcrição:
“A fls.5582 a 5586 o arguido B…, não se conformando com o despacho de reexame dos pressupostos da medida de coacção de prisão preventiva e que manteve aquela medida, vem requerer a restituição à liberdade por considerar estarem excedidos os prazos aludidos no art° 215° do C.P.P.
Cumpre apreciar:
O arguido encontra-se fortemente indiciado pela prática como autor material dos crimes de associação criminosa, p.p. pelos arts° 89° n°1 e 3 do RGIT e 299° n°1, 3 e 5 do Cod. Penal e de fraude fiscal qualificada p.p. pelo art° 104° n°1 al.d),e)e f) n°2 al.a) e b) e n°3 por referência ao art°l03° n°1 al.a) e e) e n°3 ambos do RGIT.
Foi aplicada ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, detenção esta que ocorreu em 27/06/2017 e decisão proferida em 29/06/2017.
A medida de coacção foi objecto de reexame e confirmação no prazo legal (Cfr.fls.3944 a 3945 e 5145).
A aludida medida de coacção foi ainda objecto de nova apreciação em 29/12/2017 tendo sido confirmada a manutenção da medida de coacção de prisão preventiva. (Cfr. fls.4720 e 5271).
O crime de associação criminosa pelo qual vem indiciado o arguido insere-se no catálogo de crimes considerados pelo art° 1° al.m) do C.P.P. de “ criminalidade altamente organizada”. Por tal motivo, e por se ter considerado estarmos perante um vasto número de arguidos, perante inúmeras diligências a realizar e atendendo á complexidade da investigação com vista à descoberta da verdade e por se mostrarem preenchidos os pressupostos previstos nos arts° 215° n°3 e 276° n°3 al.c) do C.P.P. foi declarada a excepcional complexidade por decisão proferida em 24/10/2016. (Cfr.fls.607/609.
Assim e nos termos do art° 215° n°3 do C.P.P., o prazo máximo de prisão preventiva é de um ano, pelo que ainda não se mostra esgotado.
Pelo exposto, indefere-se o requerido. Notifique.”
Em primeiro lugar cumprirá dizer o seguinte:
O aqui recorrente demonstra quer na motivação de recurso, quer nas conclusões (supra reproduzidas de A) a T)), a sua discordância com os fundamentos de facto e de direito do despacho que procedeu ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva, medida de coacção a que está sujeito desde 29.07.2017.
Ora o (último) despacho que procedeu a tal reexame, data de 29/12/2017. Apesar do arguido dizer que não se conforma com esta decisão, o certo é que o arguido não recorreu deste despacho, pelo que o mesmo, sem prejuízo do disposto no art. 213º do CPP e bem assim do art. 212º do mesmo código transitou em julgado, não cabendo por isso a este tribunal de recurso proceder à apreciação dos fundamentos de facto e de direito da manutenção de tal medida coactiva.
Notificado de tal despacho, o que o arguido fez, foi submeter ao Tribunal de Instrução Criminal, o requerimento datado de 9.1.2018, pedindo a sua libertação imediata, com o fundamento de que se mostra excedido o prazo de prisão preventiva, dizendo que tal prazo se esgotou no dia 29.12.2017, pelas 24 horas, tendo estado “ilegalmente preso desde então”.
Ora o presente recurso tem por objecto o despacho que apreciou o pedido de libertação imediata do arguido, com fundamento no excesso do prazo de prisão preventiva, sendo que o thema decidendum que foi colocado á apreciação do tribunal ad quem, não integra tal questão, não cabendo por isso a este tribunal de recurso apreciar a validade dos pressupostos que fundamentaram a decisão de manutenção da prisão preventiva do arguido.
Quanto á questão ora sob recurso, o tribunal recorrido entendeu que o prazo máximo da prisão preventiva do arguido não se mostra excedido, porquanto o crime de associação criminosa pelo qual vem indiciado o arguido insere-se no catálogo de crimes considerados pelo artº 1º al.m) do C.P.P. de “ criminalidade altamente organizada”. Por tal motivo, e por se ter considerado estarmos perante um vasto número de arguidos, perante inúmeras diligências a realizar e atendendo á complexidade da investigação com vista à descoberta da verdade e por se mostrarem preenchidos os pressupostos previstos nos artsº 215º nº3 e 276º nº3 al.c) do C.P.P. foi declarada a excepcional complexidade por decisão proferida em 24/10/2016, pelo que nos termos do artº 215º nº3 do C.P.P., o prazo máximo de prisão preventiva é de um ano, que ainda não se mostra esgotado.
O arguido no presente recurso vem arguir a nulidade do despacho que decretou a especial complexidade do processo, por dele não ter sido notificado.
Esta questão mostra-se essencial para determinar o prazo de duração máxima da medida de coacção de prisão preventiva a que o ora recorrente está sujeito e consequentemente se tal prazo se mostra excedido, uma vez que o referido despacho tem por efeito o alargamento de tais prazos.
Constata-se que foi proferido despacho que declarou especial complexidade a este processo em 24.10.2016 (cf. fls.2 e ss).
O aqui recorrente só veio a ser constituído arguido em 28.6.2017, como resulta de fls. 4 e ss deste recurso, não tendo sido ouvido previamente sobre tal questão, sendo que, de acordo com a informação que solicitada por este tribunal, pedindo que fosse indicada a data em que o arguido fora notificado do teor de tal despacho, (informação junta a fls.106 e ss), o tribunal a quo informou que “o arguido apenas foi notificado da decisão proferida 12/01/2018 em 18/01/2018, na qual se refere que ao presente inquérito foi declarada excepcional complexidade, com indicação das fls. Onde foi proferida tal declaração”.
Ou seja, o arguido não foi ouvido previamente sobre a pretensão do Ministério Público de ser conferida especial complexidade ao processo, que foi acolhida por despacho de 24.10.2017, sendo que o mesmo nessa altura não tinha ainda sido constituído arguido.
O arguido não foi ainda notificado do teor de tal despacho, mas apenas da sua existência (com indicação das páginas onde o mesmo se encontra), precisamente através do despacho sob recurso, como resulta da informação prestada.
Vejamos então se se verifica a invocada nulidade.
A especial complexidade a que alude o art. 215º nº 3 e 4 do CPP é decretada oficiosamente pelo juiz ou a requerimento do Ministério Público.
A lei não estabelece um conceito preciso de especial complexidade, podendo derivar de inúmeros factores, entre os quais os indicados pela lei, como o elevado numero de arguidos ou o caracter altamente organizado do crime.
A decisão é determinada em função da apreciação em concreto das dificuldades e obstáculos postos á investigação, cabendo ao juiz aferir se se verifica, materialmente, a situação justificativa da elevação dos prazos máximos da prisão preventiva para poder acautelar, de modo proporcionado e razoável, por um lado a satisfação dos interesses da realização efetiva da justiça penal e por outro, da menor afetação possível do direito fundamental da liberdade do arguido.
O despacho deve assim ser fundamentado, explicitando com clareza as razões concretas da necessidade de elevação dos prazos.
Com efeito o alargamento dos prazos de prisão preventiva, com base na complexidade do processo e das características dos crimes, justifica-se na necessidade decorrente das dificuldades da investigação criminal e da operacionalidade prática dos princípios do inquisitório e do contraditório, que tenderão a ser maiores quando estão em causa certos tipos de crimes e a maior ou menor gravidade desses tipos, e da necessidade de acautelar a realização da justiça penal relativamente a eles.
Assim, porque a declaração de excepcional complexidade do processo, nos termos do n.º 3 do artigo 215º do CPP, acarreta a elevação dos prazos de prisão preventiva constitui a mesma decisão que afecta pessoalmente o arguido, incidindo directamente no núcleo do seu direito fundamental à liberdade, pois é susceptível de provocar a extensão temporal de uma medida de coacção que o priva desse bem primário, sendo certo que, por imperativo constitucional (artigo 32.º, n.º 2, da CRP), ele é presumido inocente.
Daí que, o melhor entendimento é aquele que defende que deva obrigatoriamente ser ouvido o arguido, antes do tribunal tomar tal decisão, sendo tal despacho recorrível nos termos gerais.
Certo é, que numa situação como a dos autos, não se mostrou possível tal audição, porquanto o aqui recorrente não tinha sido ainda constituído arguido.
Conforme decisão do STJ de 4.2.2009, disponível in www.dgsi.pt, a declaração de especial complexidade vale para o processo, abrangendo todos os arguidos, mesmo que constituídos posteriormente a essa decisão, afirmando “A falta de audição e de notificação do arguido constituído posteriormente a despacho que declarou a especial complexidade dos autos, sobre o conteúdo desse despacho, não invalidada a eficácia do mesmo sobre a elevação do prazo de duração máxima da prisão preventiva a que também esse arguido ficou sujeito, uma vez que tal despacho limitou-se a ampliar o limite temporal da prisão preventiva naquele processo, quer tivesse sido constituído antes, quer depois da existência desse despacho. (ver também, mais recentemente, o acórdão do STJ de 30.3.2016 in loc. cit).
A omissão da notificação do despacho ao ora arguido, porém, ao contrário do por si defendido não constitui nulidade, mas antes simples irregularidade.
Com efeito, as invalidades vêm a ser os efeitos dos desvios ao modelo prescrito na lei e a que esta faça corresponder uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais. Os arts 118º a 123º do CPP regulam as consequências da inobservância das prescrições legais estabelecidas para a prática dos actos quando esta for expressamente cominada na lei, estabelecendo o art. 118º nº 1 e 2 o princípio geral que a violação ou inobservância da lei do processo penal só determina a nulidade do acto, que é considerado irregular nos outros casos.
A irregularidade é geralmente um vício de menor gravidade que a nulidade.
A omissão em causa não é sancionada por qualquer disposição legal especial, nem constitui nulidade insanável, art. 119º do Código Processo Penal, pois não consta desse catálogo. Também não faz parte do elenco das nulidades previsto no art. 120º do Código Processo Penal.
Como se escreve no Ac. do TRP de 17.03.2010, “O legislador reputa irregularidades aqueles defeitos que não são causa de nulidade, mas depois, ao contrário do que seria de esperar, atribui-lhes efeitos invalidantes próprios das nulidades. Pelo menos algumas irregularidades determinam a invalidade do acto a que se referem e dos termos subsequentes que aquele possa afectar, produzindo os mesmos efeitos das nulidades”.
Nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, a irregularidade «só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar, quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado».
No caso em apreço, verifica-se que o arguido, notificado do despacho (sob recurso) que lhe deu conhecimento de ter sido proferido despacho que determinou a especial complexidade do processo, não veio arguir a irregularidade no prazo legal, (nos três dias subsequentes), pelo que a mesma tem-se por sanada.
No sentido da constitucionalidade desta interpretação das normas em referência, pronunciou-se muito recentemente (já no decurso deste recurso) o Tribunal Constitucional em acórdão de 21.2.2018, publicado no DR 65/2018 de 2018, que decidiu: “Não julgar inconstitucional a interpretação, extraída da conjugação dos artigos 118.º, n.ºs 1 e 2; 123.º, n.º 1, e 215.º, n.ºs 3 e 4, todos do Código de Processo Penal, conducente ao sentido de que constitui mera irregularidade a não audição do arguido sobre o requerimento do Ministério Público tendente à declaração da especial complexidade do procedimento, em momento prévio à prolação do despacho judicial que defira esse requerimento, procedendo a tal declaração”.
Conclui-se assim que não se verifica a alegada nulidade, pelo que, tendo o despacho que declarou a especial complexidade do processo produzido os seus efeitos, ampliando os prazos de duração máxima da prisão preventiva, abrangendo o aqui recorrente nos seus efeitos, uma vez que a irregularidade ocorrida com a omissão da sua notificação se encontra sanada, o prazo o prazo máximo de duração da medida de coacção a que o recorrente se encontra sujeito, que é de uma ano, por força do disposto no artº 215º nº3 do C.P.P., o qual não se mostra esgotado, considerando que a detenção do recorrente ocorreu em 27/06/2017 e decisão que aplicou a medida cautelar foi proferida em 29/06/2017.
III – DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente não provido o recurso interposto pelo arguido B…, confirmando o decidido no despacho recorrido.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 3 U.C.s.

Porto, 11.4.2018
Alexandra Pelayo
Élia São Pedro