Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
729/13.3TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: SINDICATO
DIREITO DE ACÇÃO
LEGITIMIDADE
INTERESSES COLECTIVOS
Nº do Documento: RP20140922729/13.3TTVNG.P1
Data do Acordão: 09/22/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - As associações sindicais podem exercer o direito de ação no que respeita aos interesses coletivos que representam bem como à violação de direitos individuais mas com carácter de generalidade, ou seja, que respeitem à maioria dos trabalhadores seus associados - artigo 5º, n.ºs 1 e 2, c), do C.P.T..
II - Se o A. pede a condenação da Ré a devolver determinados valores aos trabalhadores seus filiados, do pedido formulado desde logo se retira que a presente ação não é relativa a direitos respeitantes aos interesses coletivos que representa, pelo que, não estamos perante qualquer interesse coletivo, um interesse que assuma uma dimensão qualitativa nova mas antes perante uma mera agregação de interesses individuais que não adquire perante eles, um certo grau de abstração e autonomia, ficando afastada a legitimidade do A. que é conferida pelo n.º 1, do artigo 5.º do C.P.T..
III - O A. não goza da legitimidade prevista na alínea c), do n.º 2, do artigo 5.º do C.P.T. se não pudermos concluir que exerceu o direito de ação em representação e substituição de trabalhadores que o autorizaram sendo, então, parte ilegítima.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 729/13.3TTVNG.P1
Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia (2º juízo)
___________________________________________
Relatora – Paula Maria Roberto
Adjuntos – Desembargadora Isabel São Pedro Soeiro
– Desembargadora Paula Leal de Carvalho

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório
B…, com sede no Porto,

intentou a presente ação declarativa de processo comum contra

C…, S.A., com sede em …,

alegando, em síntese, que, representa vários trabalhadores seus associados, motoristas TIR que exercem a sua atividade por conta da Ré que se dedica ao transporte rodoviário de mercadorias; os motoristas TIR têm direito a uma retribuição mensal não inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia, conforme o disposto no n.º 7, da cláusula 74.ª do CCT aplicável e que recebem desde a data da sua admissão; retribuição regular e periódica devida em relação a trinta dias, sendo paga na retribuição de férias e respetivo subsídio; a Ré, a partir de agosto de 2013 começou a pagar aos seus trabalhadores motoristas TIR, uma importância abaixo da que vinha pagando a título da retribuição prevista na citada cláusula 74.ª; até Julho de 2012 os trabalhadores auferiam a importância de € 371,26 e, a partir de agosto de 2012, passaram a auferir a importância de € 299,86; esta retribuição não depende da realização efetiva de trabalho suplementar e nada tem a ver com este, corresponde é ao pagamento de duas horas de trabalho com o acréscimo de 50%, uma e a outra de 75%; a Ré também não tem em conta no cálculo desta retribuição, o valor pago a título de diuturnidades, o que viola o disposto no artigo 262.º, do C.T..
Termina, dizendo que a presente ação deve ser julgada procedente por provada e, em consequência, serem declarados ilícitos os cortes impostos pela Ré desde agosto de 2012, à retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª do CCT em causa, bem como condenada a devolver os valores retirados à remuneração em causa a cada um dos seus trabalhadores filiados no Autor e, ainda, ser condenada a inserir o valor pago a título de diuturnidade aos seus trabalhadores no cálculo do valor mensal pago a título de retribuição prevista no n.º 7, da cláusula 74.ª do CCT em causa, bem como a pagar a cada uma dos seus trabalhadores filiados no Autor, as diferenças decorrentes dessa não inserção do valor da diuturnidade no pagamento da referida retribuição.
*
Teve lugar a audiência de partes, conforme ata de fls. 19 a 20 e na qual não foi obtido acordo.
*
A Ré, devidamente notificada para contestar, veio fazê-lo alegando que:
O interesse coletivo não pode ser a discussão da interpretação da cláusula 74.ª pois, nesse caso, seria a R. parte ilegítima e a forma do processo não seria a própria; a partir de agosto de 2012 passou a liquidar o valor da cláusula 74.ª, n.º 7, pela fórmula da remuneração horária prevista no artigo 271.º do CT x 30 x 2 e o total dos acréscimos da remuneração da 1ª hora e da 2ª hora pela percentagem indicada no artigo 268.º, n.º 1, a), do C.T. x 30; o cálculo das duas hora de trabalho suplementar não integra diuturnidades, equivalendo ao conceito restrito de retribuição base descrito no artigo 262.º, n.º 2, a), do C.T.; que nos termos do n.º 4, do artigo 7.º da Lei n.º 23/2012 de 25/06, dispõe que ficam suspensas as disposições de IRCT que disponham sobre acréscimos de pagamento de trabalho suplementar superiores aos estabelecidos pelo C.T. e, assim, só uma fórmula de cálculo do trabalho suplementar subsiste e só essa pode ser aplicada no cálculo da cláusula 74ª, n.º 7.
Termina, dizendo que a Ré deve ser absolvida da instância; caso assim não se entenda, deverá a ação improceder na sua totalidade.
*
O A. não apresentou resposta.
*
De seguida, foi proferido o despacho saneador sentença de fls. 45 e segs. que decidiu nos seguintes termos:
“(…) decide-se pois julgar a ação procedente e, em consequência:
a) consideram-se ilícitos os “cortes” impostos pela Ré C…, S.A., desde Agosto de 2012, ao valor da retribuição prevista no nº 7 da cláusula 74ª da C.C.T. celebrada entre a ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a FESTRU - Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários Urbanos, publicada no BTE, de 08-03-1980;
b) condena-se a Ré a devolver aos seus motoristas de Transportes Internacionais Rodoviários de Mercadorias filiados no B… os valores subtraídos desde Agosto de 2012 e até à reposição da retribuição anteriormente paga a título de cl. 74ª, nº 7, da C.C.T.;
c) e condena-se ainda a Ré a considerar o valor das diuturnidades no cálculo da referida retribuição da cl. 74ª, nº 7, devendo repor as diferenças derivadas dessa não contabilização aos trabalhadores filiados nos B… Autor que auferem diuturnidades;
d) sendo os valores os valores ou diferenças a repor de liquidar (se necessário) em execução de sentença.
*
A , notificada desta decisão, veio interpor o presente recurso formulando as seguintes conclusões:
“I. Não impugnando o A. os factos invocados pela R. em sede de excepção, como era seu ónus nos termos do disposto no Art. 60.º n.º 1 e 4 do CPT, terão os mesmos terão que se considerar admitidos por acordo, face ao disposto noa Art.s 490.º n.º 2 aplicavel ex vi do art. 505.º do CPC na versão em vigor à data da sua notificação da contestação.
II. É assim facto assente que “o A. não age em representação ou substituição de quem quer que seja”, ou, se assim melhor se entender, que “o A. não alega que esteja a agir em representação e/ou substituição seja de quem for”.
III. Deverá ser assim alterada a douta sentença recorrida, alterando-se a matéria de facto provada acrescentando-se esse facto.
IV. Na fundamentação da sentença deve, o juiz analisar criticamente as provas, podendo extrair dos factos apurados presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. (Art. 607.º n.º 4 do CPC/2013)
V. Assim é porque se as presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 349º do CC), sempre pressupõem a existência de um facto conhecido (base da presunção), provado esse facto, intervém a lei (no caso de presunções legais) ou o julgador (no caso de presunções judiciais) a concluir dele a existência de outro facto (presumido).
VI. Equivale à falta absoluta de fundamentação aquela em que a materialidade de um facto é afirmada, sem mais, por o juiz afirmar presumir que o mesmo é verdadeiro;
VII. Tal sucede quando meramente se afirma ser de presumir que os trabalhadores sindicalizados em serviço na R., todos eles, sem excepção, autorizaram o A. a propor, em seu nome ou interesse, esta acção judicial, se nem se apurou sequer que da mesma tiveram conhecimento.
VIII. Dispõe o Art. 615.º n.º 1 do CPC que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. É o caso, sendo por isso nula a sentença, no referido segmento decisório.
IX. Os interesses colectivos que se referem no Art. 5.º n.º 1 do CPT não são sinónimo de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores que se referem no n.º 2.
X. Atributo dos interesses coletivos é a sua indivisibilidade o que implica que se trata de um direito ou interesse de todos, designadamente, o direito de contratação colectiva ou o direito à greve.
XI. A esses contrapõe-se os interesses individuais, no sentido de serem interesses de cada indivíduo e não no sentido de serem interesses que apenas um único individuo possui em todo o universo.
XII. O direito ao pagamento de supostas diferenças salariais, é um direito individual de cada trabalhador, sejam muito ou poucos, e não um direito colectivo.
XIII. Não constando dos autos autorização de qualquer trabalhador para a propositura da acção pelo B…, na qual se reclamam alegados créditos salariais, sequer de um só trabalhador da R., nem alegando a A. que tenha tal autorização, é patente a ilegitimidade activa da A., devendo pois a R. ser absolvida da instância. (Art. 5.º n. º 2 c) CPT)
XIV. Importará, nos termos permitidos pelo Art. 662.º n.º 2 c) do CPC, ampliar a matéria de facto de modo a apurar se, como alega, a R. sempre se limitou a liquidar o valor da Cl. 74/7 do CCT em causa, pela fórmula vigente em cada momento no referido CCT.
XV. O trabalho suplementar, a isenção de horário de trabalho e a Cl. 74/7 do CCT em causa são realidades diferentes que partilham a mesma formula de cálculo, o que também se compreende por todas visarem compensar a eventual prestação de trabalho fora de um horário, embora o seu valor possa ser devido sem que tal prestação ocorra, como sucede na isenção de horário;
XVI. Também não haverá que confundir o despedimento colectivo, com a resolução por iniciativa do empregador em caso de transferência do local de trabalho, com a o despedimento por extinção do posto de trabalho, a cessação por iniciativa do administrador de insolvência, ou por morte do empregador, certos casos de cessação da comissão de serviço, ou o despedimento por inadaptação – são realidades diferentes;
XVII. Mas são todas as oito, modalidades de cessação do contrato, partilhando a mesma fórmula de cálculo da compensação pela perca de emprego – a prevista no Art. 366.º do CT, sempre e em todos os casos.
XVIII. Contrariamente ao que se afirma na sentença no apuramento da cl. 74ª, nº 7, ou da remuneração de trabalho suplementar, não se tem em conta, o valor das diuturnidades, embora não haja qualquer norma que expressamente proíba a adição de tal valor;
XIX. Porquanto, sendo a Cl. 74/7 é regulada por IRC que estabelece uma fórmula própria de cálculo daquela prestação, remetendo-se ali para a formula de cálculo das primeiras duas hora de trabalho suplementar, e
XX. Sendo o cálculo das duas primeiras horas de trabalho suplementar assenta na retribuição horária conforme Art. 271.º do CT, não integra diuturnidades e apenas faz uso da retribuição correspondente à actividade do trabalhador no período normal de trabalho e do número de horas, equivalendo assim ao conceito restrito de “retribuição base” descrito no Art. 262.º n.º 2 a) do CT.
E,
XXI. Contendo o Art. 262.º uma norma supletiva “1. Quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário […]” (sic.), havendo norma convencional que especialmente regula o cálculo da Cl. 74/7 será essa a norma aplicável, a qual é contrária – distinta, se se preferir – da norma geral do Art. 262.º;
XXII. A crise de 2007/2014, primeiro financeira e depois económica, obrigou, nos diversos países, à adoção de leis financeiras, fiscais e sociais de emergência.
XXIII. A crise prolongou-se nos países do Sul da zona euro, agora agravada pela denominada crise das dívidas soberanas; sob a ameaça de cessar pagamentos, a República Portuguesa viu-se constrangida, em abril de 2011, a pedir o auxílio internacional.
XXIV. Na sequência desse pedido, foi negociado e assinado, em 17-mai.-2011, pelo então Governo PS, com o acordo do PSD e do CDS, com a Troika (FMI, Comissão Europeia e BCE), um Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica.
XXV. O Memorando da Troika obriga o Estado Português a adotar medidas financeiras, sociais e económicas, como contrapartida para um financiamento de 84 biliões de euros.
XXVI. Em sua execução, têm vindo a ser tomadas medidas legislativas que exprimem a necessidade de fazer contrair, com a harmonia possível, os diversos segmentos sociais e económicos.
XXVII. As convenções coletivas de trabalho originam normas jurídicas aplicáveis dentro de uma lógica do sistema normativo, no seu conjunto, sendo sensíveis à evolução social e económica.
XXVIII. O sector do trabalho é atingido pela crise; por isso, o ponto 4 do Memorando da Troika prevê uma série de medidas de contenção, entre as quais a redução do pagamento do trabalho suplementar.
XXIX. Esses aspetos foram concretizados por um acordo, firmado no âmbito da concertação social, em janeiro de 2012 - o Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego - no qual é retomada a redução em causa.
XXX. A Lei nº 23/2012, de 25 de junho, veio rever o Código do Trabalho no sentido de dar execução ao Memorando da Troika e ao acordado na concertação social, particularmente no que respeita ao novo artigo 268º, sobre a retribuição do trabalho suplementar, com suspensão, durante dois anos, de normas convencionais coletivas mais favoráveis.
XXXI. A jurisprudência do Tribunal Constitucional aceita, como medida transitória de emergência, a redução de retribuições pelo trabalho, desde que se mostre respeitado o princípio da igualdade.
XXXII. A cláusula 74ª/7 da CCT ANTRAM/FESTRU (FECTRANS) prevê, para os trabalhadores TIR, um trabalho suplementar precisamente estimado em duas horas.
XXXIII. À retribuição suplementar assim devida aos trabalhadores TIR aplica-se a nova redação do artigo 268º, do Código do Trabalho, com suspensão, por dois anos, da cláusula 40ª da CCT.
XXXIV. Isentar os trabalhadores TIR de uma regra que se aplica a todos os seus colegas que trabalham no plano interno equivaleria a uma quebra de igualdade: precisamente a que levou o Tribunal Constitucional a invalidar a supressão de subsídios (apenas) na função pública.
XXXV. Esta solução, transitória e de emergência, corresponde ao acordo da Troika, ao compromisso alcançado na concertação social e à Lei nº 23/2012, respeitando plenamente o princípio da igualdade: respeita, pois, a Constituição.
XXXVI. Viola as normas referidas nestas conclusões o entendimento diverso do aí estipulado.
Nestes termos, com o douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser revogada a douta decisão recorrida.
Assim, se fazendo justiça!
*
O A. apresentou resposta, alegando, em conclusão:
1.ª
A “exceção da ilegitimidade” ativa invocada pela recorrida, em sede de contestação, assenta em algo que está em profunda contradição com os factos alegados pelo ora recorrido na sua P.I..
2.ª
Em tal peça processual, o ora recorrido refere expressamente que representa vários trabalhadores (seus associados) que exercem a sua atividade profissional remunerada, por conta e sob a direção e fiscalização da ora recorrente.
3.ª
Ademais, refere expressamente que atualmente, filiado na FECTRANS – Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações/CGTP, que sucedeu, para todos os efeitos, à referida FESTRU, federação sindical que, juntamente com a ANTRAM, outorgou o Contrato Coletivo de Trabalho, publicado no BTE n.º 9, de 08/03/80 e no BTE n.º 16, 29/04/82 e posteriores alterações publicadas nos BTE n.º 18/86; 20/89; 10/90; 18/91; 25/92; 25/93; 24/94; 20/96 e 30/97.
4.ª
Ora, tendo em conta que nos presentes autos está em causa a violação de uma norma do contrato coletivo supra citado, não restarão dúvidas que se trata de uma ação relativa a direitos respeitantes a interesses coletivos que representam.
5.ª
Logo, não a resposta à contestação que o ora recorrido podia ter deduzido era, absolutamente inócua, tendo em conta que o que a ora recorrente alega como matéria de exceção está em absoluta oposição com a P.I. considerada no seu conjunto.
6.ª
Por outro lado, a recorrente, em momento algum põe em causa que os existem trabalhadores seus que são associados do ora recorrido, caso em que, isso sim, se poderia questionar a legitimidade ativa.
7.ª
Por tudo isto, entende o ora recorrido que não é aplicável ao caso sub judice a cominação prevista no n.º 2 do art.º 574.º do NCPC (anterior n.º 2 do art.º 490.º).
8.ª
Ainda quanto à legitimidade do ora recorrido, há que ter em conta, como aliás a Sentença o teve, que os pedidos formulados na P.I. se reportam à reposição, pela recorrente, de importâncias monetárias previstas na convenção coletiva de trabalho aplicável, aos trabalhadores da recorrente, com a categoria de motoristas, que se encontrem filiados no ora recorrido.
9.ª
Logo, tendo em conta o disposto no n.º 1 do art.º 5.º do CPT, é inolvidável que o ora recorrido é parte legítima.
10.ª
Mais, como muito bem salienta o Tribunal a quo, mesmo que se entenda que estão em causa direitos individuais, há que ter em conta que o pedido se cinge aos trabalhadores associados do ora recorrido, havendo, por isso, que se presumir a autorização destes a que aquele exerça o direito de ação respetivo, por estar em causa uma violação, pela ora recorrente, com carácter de generalidade, de direitos de idêntica natureza de trabalhadores seus associados.
11.ª
Assim, também por via do disposto na alínea c) do n.º 2 e no n.º 3 do art.º 5.º do CPT, o ora recorrido sempre será parte legítima na presente ação.
12.ª
Cumpre ainda referir que, ao contrário do alegado pela recorrente, não estamos perante um caso de nulidade da sentença, uma vez que ela só acontece nos taxativos casos previstos no art.º 615.º do NCPC.
13.ª
Ora, como é bom de ver, a sentença posta em crise não enferma de qualquer vício que imponha a sua nulidade, nomeadamente o da falta de especificação dos fundamentos de facto e de Direito que justificam a decisão.
14.ª
Assim, sempre diremos que, tendo em conta o articulado e peticionado pelo ora apelado na sua P.I., e, tendo ainda em conta a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo, muito bem esteve este Tribunal ao decidir como decidiu.
15.ª
O que se discute nos presentes autos é saber se os “cortes” impostos pelas alterações ao Código do Trabalho, nomeadamente se o disposto na alínea a), do n.º 4, do art.º 7.º da Lei n.º 23/2012, de 25-06, tem alguma relevância na retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª do CCTV aplicável.
16.ª
Não restam dúvidas que tal normativo (mal, ou bem) fez com que os acréscimos previstos na cláusula 40.ª do CCTV (retribuição pela prestação de trabalho suplementar) deixassem de estar em vigor (pelo menos durante dois anos), passando a ser aplicados os valores constantes do n.º 1 do art.º 268.º do Código do Trabalho.
17.ª
Só que, no entender o ora apelado, tais “cortes” nenhuma relevância tem no que diz respeito ao pagamento da retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª do CCTV, uma vez que a apelante (ou qualquer outro empregador) quando efetua tal pagamento não o faz para compensar os trabalhadores pela prestação de trabalho suplementar,
18.ª
Fá-lo, isso sim, para compensar os seus trabalhadores pela maior penosidade, esforço e risco inerentes ao desempenho de funções no estrangeiro.
19.ª
É indubitável, para Jurisprudência, que a retribuição especial prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª do CCTV não visa pagar trabalho suplementar efetivamente prestado, mas que tem como critério base de fixação o equivalente a duas horas de trabalho desse por dia.
20.ª
Ou seja, essa retribuição faz parte da retribuição global, e não depende da realização efetiva de trabalho suplementar.
21.ª
Logo, a referência às duas horas de trabalho suplementar teve um carácter puramente instrumental.
22.ª
Assim, não poderia a apelante, reduzir a importância paga a título dessa retribuição especial, como fez a partir de Agosto de 2012.
23.ª
Tal como fez o Tribunal a quo, também nós (e a apelante, pelo que se lê nas suas alegações) recorremos aos ensinamentos de BATISTA MACHADO, quanto à interpretação da lei, e, por isso, já em sede de P.I. , referimos que há que atentar que a referência às duas horas de trabalho suplementar teve um carácter puramente instrumental; aliás as partes outorgantes do contrato coletivo de trabalho em questão poderiam, na data da celebração, ter fixado um valor a pagar a título dessa retribuição, e, assim, não haveria qualquer questão a dirimir.
24.ª
Na formulação do preceito em causa optou-se por recorrer a um critério conhecido no sistema retributivo (pagamento do trabalho suplementar), deixando claro que esse é apenas o critério base mínimo, já que, como se disse, o que se visa compensar não é a prestação de trabalho suplementar (compensação essa que aumenta na mesma proporção das horas prestada de trabalho), mas sim a maior penosidade, esforço e risco inerentes unicamente aos motorista do setor internacional.
25.ª
Logo, forçoso será concluir, como fez o Tribunal a quo, que o critério das duas horas extraordinárias tenha sido previsto apenas como supletivo e como base para um cálculo mínimo.
26.ª
Assim, não poderá nunca tal valor ser reduzido, ainda que fique acima do valor correspondente para o pagamento de duas horas de trabalho suplementar por dia, uma vez que está contratualmente fixado; acrescendo que, como salientamos, o critério das duas horas de trabalho suplementar não é imperativo, é apenas o mínimo a pagar por aquela retribuição especial,
27.ª
Ou seja, as entidades empregadoras não podem retribuir aos seus motoristas dos transportes internacionais menos do que ali fixado, mas podem pagar mais.
28.ª
Mais uma vez, citando o Tribunal a quo diremos que A dinâmica da lei não pode implicar a violação de direitos constituídos, nem garantias de cariz constitucional, como a garantia da irredutibilidade (unilateral) da retribuição.
29.ª
MENEZES CORDEIRO, no seu douto parecer junto agora aos autos, constrói todo o seu entendimento no facto de que – dado o atual estado do País – é legítimo às entidades empregadoras reduzir a retribuição paga aos motoristas internacionais à luz do n.º 7 da cláusula 74.ª pela aplicação da nova fórmula de cálculo de remuneração do trabalho suplementar., pois terá que assistir uma sensibilidade de raiz, por parte das convenções coletivas de trabalho, às flutuações gerais do sistema jurídico.
30.ª
Contudo, mesmo admitindo toda essa excecionalidade da situação económicofinanceira, a verdade é que, do ponto de vista jurídico – e, mais uma vez, não podemos esquecer que o Estado é de Direito por imposição constitucional – a situação não pode, de ânimo leve, conduzir a que se retirem consequência das medidas aplicadas além do seu estrito espirito.
31.ª
Sem nunca esquecer o disposto no art.º 11.º do Código Civil, quando refere que as normas excecionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva, e tendo em conta que a correta interpretação do disposto no n.º 7 da cláusula 74.ª do CCTV, é aquela que a vê como um retribuição que visa compensar os trabalhadores dos transportes internacionais pela maior penosidade e pelo esforço inerente ao tipo de atividade em se ocupam e de que não depende da prestação efetiva de qualquer trabalho suplementar,
32.ª
Não poderemos deixar de concluir que a aplicação a tal cláusula da nova fórmula de cálculo da retribuição do trabalho suplementar é manifestamente ilegítima.
33.ª
Como muito bem resume o Tribunal a quo:
Estão em causa diferentes situações: numa um acréscimo retributivo independente de qualquer prestação efetiva do trabalhador e decorrente apenas da categoria profissional; noutra a efetiva prestação de trabalho suplementar cuja retribuição os trabalhadores poderão ver calculada, desse início de vigência da nova lei, de forma diferente mas que, por que ligada a factos futuros – efetiva prestação de trabalho suplementar –, não só não contende com quaisquer direitos adquiridos como não resulta em diminuição da retribuição (já convencionada ou fixada).
34.ª
Assim, muito bem esteve o Tribunal a quo em considerar ilícitos os “cortes” impostos pela ora apelante, desde Agosto de 2012, ao valor da retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª do CCT, e, em condenar a R. a devolver aos trabalhadores associados do ora recorrido aqueles valores que lhes foram subtraídos.
35.ª
Não pode colher a argumentação da ora apelante para não englobar na retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª do CCT, a importância referente às diuturnidades auferidas por cada um dos seus trabalhadores.
36.ª
De facto, não existe no CCT qualquer fórmula própria para o cálculo da retribuição horária que implica não atender ao valor das diuturnidades.
37.ª
Ao não englobar o valor das diuturnidades no pagamento da retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª do CTT, a apelante está a violar o disposto no art.º 262.º do CT.
38.ª
Assim, muito bem esteve o Tribunal a quo, ao condenar a R. a considerar o valor pago a título de diuturnidade, a cada um dos seus trabalhadores, no cálculo da retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74.º do CCTV, e, a repor as diferenças.
39.ª
Pelo que, a sentença recorrida não merece, qualquer censura,
40.ª
E deverá ser mantida e confirmada na íntegra.
Termos em que a presente apelação deverá ser julgada improcedente, mantendo-se e confirmando-se na íntegra a sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, fazendo, assim, Vossas Excelências, inteira JUSTIÇA!”
*
A Exm.ª Procuradora Geral Adjunta, emitiu o parecer de fls. 225 e segs., no sentido de que a apelação não merece provimento.
*
Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
*
II – Saneamento
A instância mantém inteira regularidade por nada ter entretanto sobrevindo que a invalidasse.
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III – Fundamentação
a) - Factos provados
1.º O Autor, B…, é uma Associação Sindical constituída pelos trabalhadores nele filiados que exerçam a sua atividade profissional no setor de transportes rodoviários e urbanos.
2.º Assim, representa vários trabalhadores seus associados que exercem a sua atividade profissional remunerada, por conta e sob a direção e fiscalização da Ré, C…, S.A..
3.º A qual se dedica ao transporte rodoviário (nacional e internacional) de mercadorias.
4.º O A. encontra-se, atualmente, filiado na FECTRANS – Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações/CGTP, que sucedeu, para todos os efeitos, à FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos/CGTP, conforme consta dos Estatutos, publicados no Boletim do trabalho e Emprego, n.º 47, 1.ª Série, de 2007/12/22.
5.º A Ré encontra-se filiada na ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias.
6.º Os associados do A., que estão classificados pela Ré como motoristas dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias e que, efetivamente, exercem as funções inerentes a tal categoria, têm recebido, de acordo com o disposto no n.º 7 da cláusula 74.ª do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU “… uma retribuição mensal, não inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia”.
7.º Por isso, e a tal título, todos os associados do A. que estejam classificados pela Ré como motoristas dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias recebem, desde as datas das suas respectivas admissões, uma importância regular, periódica e constante.
8.º Sucede, porém, que, a Ré, a partir de agosto de 2012, começou a pagar aos seus trabalhadores classificados como motoristas TIR, uma importância abaixo da que vinha pagando a título da retribuição prevista no n.º 7 da Cláusula 74.ª,
9.º De facto, até julho de 2012, os trabalhadores auferiam a importância de 371,26 euros.
10.º E, a partir de agosto de 2012, os trabalhadores passaram a auferir a importância de 299,86 euros cada.
11.º Acresce que no cálculo da referida retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª, a Ré não tem em conta o valor pago aos seus trabalhadores a título de diuturnidades.
12º Calculando o seu valor tendo em conta apenas o valor da retribuição base.
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b) - Discussão
Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do NCPC), com exceção das questões de conhecimento oficioso.
Antes de mais, cumpre apreciar a seguinte questão prévia:
A Ré recorrente veio alegar que equivale à falta absoluta de fundamentação aquela em que a materialidade de um facto é afirmada, sem mais, por o juiz afirmar presumir que o mesmo é verdadeiro.
Significa isto que a recorrente veio invocar a nulidade da sentença por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (artigo 615.º, n.º 1, b) do atual C.P.C.[1]).
Acontece que, a propósito da arguição de nulidades da sentença dispõe o artigo 77.º, do C.P.T. que:
<<1. A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
2. Quando da sentença não caiba recurso, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu.
3. A competência para decidir sobre a arguição pertence ao tribunal superior ou ao juiz conforme o caso, mas o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso>>.
Pese embora as críticas a que este normativo foi sujeito, certo é que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre o mesmo e apenas no sentido da sua inconstitucionalidade “na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência, a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior (…)” – Abílio Neto, C.P.T. anotado, 4ª ed. pág.170.
Assim sendo, e lendo o requerimento de interposição de recurso, facilmente se conclui que a Ré recorrente não arguiu a referida nulidade conforme o disposto no citado normativo e, consequentemente, a este tribunal está vedado o seu conhecimento por tal arguição ser extemporânea – neste sentido, entre outros, Acs. desta Relação de 19/09/2005 e 16/04/2007 e do S.T.J de 18/06/2008 e 16/09/2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Desta forma, não se conhece a nulidade invocada pela Ré recorrente nas suas alegações de recurso.
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Assim, cumpre conhecer das restantes questões suscitadas pela Ré recorrente, quais sejam:
1ª – Ilegitimidade do A..
2ª – Alteração da matéria de facto / ampliação da matéria de facto.
3ª – Se a retribuição a que alude a cláusula 74.ª, n.º 7, do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU deve ter em conta o valor das diuturnidades auferidas pelo trabalhador.
Se a retribuição a que alude a cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, pode ser diminuída por força das alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2012 de 25/06 ao artigo 268.º, n.º 1, do C.T. (pagamento de trabalho suplementar).
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1ª questão:
Ilegitimidade do A.
A Ré recorrente alega que atributo dos interesses coletivos a que se refere o n.º 1, do artigo 5.º do C.P.T., é a sua indivisibilidade o que implica que se trata de um direito ou interesse de todos; o direito ao pagamento de supostas diferenças salariais, é um direito individual de cada trabalhador, sejam muitos ou poucos e não um direito coletivo; não constando dos autos autorização de qualquer trabalhador para a propositura da ação pelo B…, na qual se reclamam alegados créditos salariais, sequer de um só trabalhador da Ré, nem alegando o A. que tenha tal autorização, é patente a ilegitimidade ativa do A., devendo a Ré ser absolvida da instância.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
As associações sindicais são parte legítima como autoras nas ações relativas a direitos respeitantes aos interesses coletivos que representam (n.º 1 do artigo 5º, do C.P.T.). Estes assentam <<na existência de uma pluralidade de indivíduos sujeitos aos mesmos interesses (iguais ou de igual sentido), pressupondo uma nova e diferente entidade como titular>>[2].
<<Um direito ou um interesse é “colectivo” quando pertence a todo o colectivo de trabalhadores representados pelo sindicato. (…) tem em vista um bem jurídico protegido que é comum, que tem como co-titulares todo o universo de representados no sindicato>>[3].
De acordo com o critério da qualidade do sujeito, <<podemos dizer, grosso modo, que o interesse será individual se respeitar a um trabalhador em particular e colectivo se for próprio ou incindível de um determinado grupo>>[4].
Acresce que, como refere João Reis, obra citada, pág. 386, <<o critério do número de trabalhadores tem sido criticado, essencialmente, porque nem todos os conflitos em que participem vários trabalhadores envolvem necessariamente um interesse colectivo. Pode tratar-se de uma simples soma de interesses individuais. Ora, o interesse colectivo tem de assumir uma dimensão qualitativa nova, que não se reconduz a uma mera agregação ou justaposição de interesses individuais. É uma síntese formada pelo entrelaçamento de interesses individuais. É destes interesses que ele brota, não podendo deixar de fincar neles as suas raízes, mas adquire, perante eles, um certo grau de abstracção e autonomia>>.
Ainda a propósito do conceito de interesses coletivos <<trata-se de interesses que não são os individuais dos trabalhadores, mas os abstractos e próprios dos associados representados e também da categoria profissional cuja representatividade reivindicam (será uma espécie de síntese desses interesses)>>[5].
Por outro lado, as associações sindicais podem exercer, ainda, o direito de ação, em representação e substituição de trabalhadores que o autorizem <<nas acções respeitantes à violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores seus associados>> - n.º 2, c), do mesmo normativo. E, <<presume-se a autorização do trabalhador a quem a associação sindical tenha comunicado por escrito a intenção de exercer o direito de acção em sua representação e substituição, com indicação do respectivo objecto, se o trabalhador nada declarar em contrário, por escrito, no prazo de 15 dias>> - n.º 3, do mesmo normativo.
Acresce que, <<compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem>> - n.º 1, do artigo 56.º da C.R.P..
E, as associações sindicais têm o direito de iniciar e intervir em processos judiciais quanto a interesses dos seus associados, nos termos da lei – n.º 1, d), do artigo 443.º, do C.T..
Consta da decisão recorrida o seguinte:
“No que respeita à legitimidade das partes, foi pela Ré suscitada a excepção dilatória de ilegitimidade do B… autor, porquanto este não estaria a defender interesses colectivos, nem demonstra estar a representar qualquer trabalhador que o tenha autorizado a defender interesses individuais.
Sucede que os pedidos formulados na acção se reportam à generalidade dos trabalhadores (motoristas) da R. que se encontram filiados no B… autor, tendo a ver com os interesses de todos eles em ver repostos determinados valores previstos na convenção colectiva de trabalho aplicável, designadamente os valores da respectiva clásula 74º, nº 7.
Como tal, não vemos porque não se possa ou deva entender que o A. não está a defender interesses colectivos, como é pressuposto da legitimidade atribuída no art. 5º, nº 1, do Cód. Proc. Trabalho.
Acresce que, ainda que se entenda estarem em causa direitos individuais, a verdade é que o pedido se cinge aos trabalhadores filiados no B… Autor, havendo por isso de se presumir a autorização destes a que aquele exerça o direito de acção respectivo, já que está em causa a alegada violação, pela R., com carácter de generalidade, de direitos de idêntica natureza de trabalhadores seus associados.
Nestes termos e também por via do disposto nos nºs 2, al. c), e 3, do citado art. 5º do C.P.T., será de reconhecer legitimidade activa ao B….
Em conformidade e considerando ainda que não está em causa apenas a interpretação de uma cláusula convencional, antes também a reposição de certos valores, decide-se julgar improcedente a excepção suscitada pela Ré.”
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Insurge-se a Ré, como já referimos, contra o assim decidido.
Na verdade, as associações sindicais podem exercer o direito de ação no que respeita aos interesses coletivos que representam bem como à violação de direitos individuais mas com carácter de generalidade, ou seja, que respeitem à maioria dos trabalhadores seus associados - artigo 5º, n.ºs 1 e 2, c), do C.P.T..
Por outro lado, e a propósito do artigo 56.º da C.R.P., o Tribunal Constitucional já se pronunciou no âmbito do procedimento administrativo[6], no entanto, como refere João Reis[7] <<(…) o sindicato no processo administrativo goza de uma legitimidade mais ampla do que no processo de trabalho>>.
Acresce que, ainda a propósito do citado artigo 5.º e dos chamados interesses plúrimos, estes <<são interesses que afectam ou podem afectar uma generalidade de trabalhadores, mas que não chegam a formar um síntese nova, diferente da mera agregação de interesses individuais, pelo que não se pode ainda falar de um verdadeiro interesse colectivo.
Esta categoria de interesses encontra tratamento legal autónomo, se não erramos, no art.º 5º, n.º 2, al. c) do CPT. E o fito do legislador terá sido, permitir ao sindicato a faculdade de agir, desde que autorizado pelos trabalhadores, em representação ou substituição do trabalhador, não o confinando à posição de mero assistente. Esta posição processual resultaria inevitavelmente da natureza individual dos direitos em questão>>[8].
Voltando ao caso dos autos, e mais concretamente ao conteúdo da p. i., constatamos que o A. alega que representa vários trabalhadores seus associados que exercem a sua atividade profissional de motoristas TIR por conta da Ré; que a Ré a partir de agosto de 2013 passou a pagar a estes seus trabalhadores uma importância abaixo da que vinha pagando a título da retribuição prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT aplicável; pagava € 371,26 e passou a pagar € 299,86; no cálculo desta retribuição da cláusula 74.ª a ré não tem em conta o valor pago aos seus trabalhadores a título de diuturnidades mas apenas o da retribuição base e termina pedindo que sejam declarados ilícitos os cortes impostos pela Ré desde agosto de 2012 à retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª do CCT em causa, bem como condenada a devolver os valores retirados à remuneração em causa a cada um dos seus trabalhadores filiados no Autor e, ainda, ser condenada a inserir o valor pago a título de diuturnidade aos seus trabalhadores no cálculo do valor mensal pago a título de retribuição prevista no n.º 7, da cláusula 74.ª do CCT em causa, bem como a pagar a cada uma dos seus trabalhadores filiados no Autor, as diferenças decorrentes dessa não inserção do valor da diuturnidade no pagamento da referida retribuição.
Assim sendo, e face ao que ficou dito a propósito do interesse coletivo, bem como ao pedido do A., facilmente se conclui que a sua pretensão não respeita a interesses coletivos, de todo o universo dos seus representados, mas apenas aos interesses dos seus filiados. E, salvo melhor entendimento, do pedido formulado pelo A. desde logo se retira que a presente ação não é relativa a direitos respeitantes aos interesses coletivos que representa.
É que o A. pede a condenação da Ré a devolver os citados valores aos trabalhadores seus filiados.
Desta forma, não estamos perante qualquer interesse coletivo, um interesse que assuma uma dimensão qualitativa nova mas antes perante uma mera agregação de interesses individuais que não adquire perante eles, um certo grau de abstração e autonomia.
Desta forma, afastada fica a legitimidade do A. que é conferida pelo n.º 1, do artigo 5.º do C.P.T..
Mas, como já referimos, o A. poderia ter intentado a presente ação em representação e substituição de trabalhadores mas que o autorizem, no entanto, não o fez. Não identificou os trabalhadores seus associados nem alegou a autorização dos mesmos.
Ora, não podemos acompanhar a sentença recorrida quando refere que “ainda que se entenda estarem em causa direitos individuais, a verdade é que o pedido se cinge aos trabalhadores filiados no B… Autor, havendo por isso de se presumir a autorização destes a que aquele exerça o direito de acção respectivo, já que está em causa a alegada violação, pela R., com carácter de generalidade, de direitos de idêntica natureza de trabalhadores seus associados”, (sublinhado nosso).
Na verdade, para se poder presumir a autorização do trabalhador, o A., pelo menos, devia ter alegado que efetuou as comunicações escritas a que alude o n.º 3, do artigo 5.º, do C.P.T. e aquele nada declarou em contrário.
Voltando à legitimidade prevista no n.º 2, c), do mesmo artigo 5.º, trata-se do exercício do direito de ação por parte das associações sindicais, na defesa de um interesse alheio, perante a violação generalizada de direitos individuais de trabalhadores seus associados que se verifica apenas perante direitos de idêntica natureza e quando <<se reporte à generalidade do universo constituído pelos trabalhadores associados que se encontrem na mesma situação>>[9].
<<No caso da alínea c), há uma posição de representação, já não de apenas um trabalhador, mas de um conjunto de trabalhadores cujos direitos individuais de idêntica natureza foram violados, com carácter de generalidade (…)>>[10].
Concluímos, pois, que o A. também não goza da legitimidade prevista nesta alínea do n.º 2, do artigo 5.º do C.P.T., já que não podemos concluir, desde logo, que exerceu o direito de ação em representação e substituição de trabalhadores que o autorizaram.
Assim sendo, o A. é parte ilegítima.
Procede, desta forma, esta conclusão da recorrente e, em consequência, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas por aquela.
E, na procedência do recurso, impõe-se a revogação da sentença recorrida e a absolvição da Ré da instância (artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, e), ambos do C.P.C.).
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IV – Sumário[1]
1. As associações sindicais podem exercer o direito de ação no que respeita aos interesses coletivos que representam bem como à violação de direitos individuais mas com carácter de generalidade, ou seja, que respeitem à maioria dos trabalhadores seus associados - artigo 5º, n.ºs 1 e 2, c), do C.P.T..
2. Se o A. pede a condenação da Ré a devolver determinados valores aos trabalhadores seus filiados, do pedido formulado desde logo se retira que a presente ação não é relativa a direitos respeitantes aos interesses coletivos que representa, pelo que, não estamos perante qualquer interesse coletivo, um interesse que assuma uma dimensão qualitativa nova mas antes perante uma mera agregação de interesses individuais que não adquire perante eles, um certo grau de abstração e autonomia, ficando afastada a legitimidade do A. que é conferida pelo n.º 1, do artigo 5.º do C.P.T..
3. O A. não goza da legitimidade prevista na alínea c), do n.º 2, do artigo 5.º do C.P.T. se não pudermos concluir que exerceu o direito de ação em representação e substituição de trabalhadores que o autorizaram sendo, então, parte ilegítima.
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V – DECISÃO
Nestes termos, sem outras considerações, na procedência do recurso acorda-se:
- em julgar procedente a apelação revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se a Ré da instância.
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Custas a cargo do A. recorrente.
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Porto, 2014/09/22
Paula Maria Roberto
Isabel São Pedro Soeiro
Paula Leal de Carvalho
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[1] Na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06.
[2] Acórdão do STJ de 24/02/1999, AD do STJ, Ano XXXVIII, n.ºs 452-453, p. 1155.
[3] Acórdão do STA, de 11/11/2010, disponível em www.dgsi.pt.
[4] João Reis, A Legitimidade do Sindicato no Processo, Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea, Almedina, 2004, pág. 385.
[5] Bernardo Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, pág. 196.
[6] Cfr. Ac. n.º 75/85.
[7] A legitimidade do sindicato no processo, Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Prof. Manuel Alonso Olea, Almedina, pág. 391.
[8] João Reis, obra citada, págs. 395 e 396.
[9] Ac. desta Relação de 14/03/2011, processo n.º 766/09.2TTBRG.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Carlos Alegre, Código de Processo do Trabalho, Anotado e Actualizado, 2003, Almedina, pág. 49.
[11] O sumário é da exclusiva responsabilidade da relatora.