Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2705/21.3T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO DE FREITAS
Descritores: AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
JUNÇÃO DO PROCESSO DISCIPLINAR
Nº do Documento: RP202304172705/21.3T8AVR.P1
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE ; CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Para cumprimento do disposto nos artigos 98.º I, n.º4. al. a) e 98.º J, n.º3, do CPT, o empregador deve juntar o processo disciplinar, compreendendo-se por este não só as peças essenciais que necessariamente dele deverão constar, isto é, a comunicação da intenção de despedimento e nota de culpa, resposta do trabalhador à nota de culpa e decisão final de despedimento, mas também todo o acervo documental que foi utilizado pelo empregador para apurar e demonstrar os factos imputados, bem como todos os documentos que eventualmente sejam juntos pelo trabalhador para sustentar a sua defesa e, ainda, todos os documentos que respeitem à instrução do processo, como seja, a recolha de testemunhos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 2705/21.3T8AVR.P1
SECÇÃO SOCIAL



ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO

I.1 No Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo do Trabalho de Aveiro, AA, através da apresentação do formulário a que se referem os artigos 98.º C e 98.º D, co CPT, deu início à presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, a qual veio a ser distribuída ao Juiz 1, demandando ““A..., Ld.a”, pedindo que julgada a acção procedente seja declarada a ilicitude do seu despedimento por extinção do posto de trabalho, que por aquela R. lhe foi comunicada por escrito.
Juntou a decisão de despedimento.
Designado dia para a audiência de partes, procedeu-se a esse acto, mas sem que se tenha conseguido alcançar o acordo entre as partes.
A entidade empregadora foi notificada para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas, com a cominação prevista no art.º 98º-J do CPT.
A R. entidade empregadora apresentou articulado motivador do despedimento e conjuntamente apresentou documentos que identificou como consubstanciando o processo disciplinar.
O A./trabalhador apresentou contestação, alegando, para além do mais, que a R. não juntou todos os elementos integrantes do procedimento disciplinar, nomeadamente a resposta à nota de culpa que apresentou e os depoimentos das testemunhas BB, CC e DD, os dois primeiros invocados na decisão final para fundamentar o despedimento.
I.1.1 Pelo Tribunal a quo foi proferido, em 14-12-2021, o despacho seguinte:
- «Tendo em conta a questão prévia suscitada pelo A./trabalhador, da falta de junção do procedimento disciplinar completo, deverá a R./Entidade Empregadora juntar ao processo, no prazo de 5 dias, a título devolutivo, o original do procedimento disciplinar, contendo todos os elementos que o integram.
[..]».
Notificado desse despacho em 17-12-2021, o ilustre mandatário da Ré veio, em 27-12-2021, apresentar requerimento invocando justo impedimento – em virtude do nascimento de uma filha no dia 16-12-2021-, pedindo “que seja relevada a ainda não apresentação do determinado, requerendo-se a concessão de prazo para o efeito, não inferior a dez dias, período que se estima ser suficiente para o ora signatário retomar a sua actividade profissional de forma integral”.
O requerimento foi apreciado em despacho de 29-12-2021, onde consta, no essencial, o seguinte:
- «[..]
Nos termos do no 2 do art. 140.º do CPC, a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
Ou seja, e se bem vemos, o Requerente com a junção do original do processo disciplinar fora de prazo deve alegar o justo impedimento e oferecer logo a respetiva prova.
E o juiz, ouvida a parte contrária, admite o Requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
Com efeito, “o efeito do justo impedimento não é o de impedir o início do curso do prazo perentório nem o de interromper tal prazo em curso, mas tão sómente o de suspender o termo de um prazo perentório, diferindo-o para o dia imediato ao que tenha sido o último de duração do impedimento” [António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa – Código de Processo Civil Anotado, Vol. I (Almedina, 2a ed., 2021) – 176. No mesmo sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre - Código de Processo Civil Anotado, Vol. I (Coimbra Ed.ra, 3a ed., 2014) – 277].
Indefere-se, pelo exposto, para já, por intempestivo (por prematuro) o requerido».
A Ré nada veio requerer quanto a esta decisão, nem tão pouco juntou as partes do processo disciplinar como lhe fora determinado.
I.1.2 Em despacho de 27-01-2022, o Tribunal a quo proferiu novo despacho a este propósito, dele constando o seguinte: “Notifique de novo a R./Entidade Empregadora para juntar ao processo, no prazo de 5 dias, a título devolutivo, o original do procedimento disciplinar, contendo todos os elementos que o integram”.
A Ré não cumpriu o determinado.
Em 10-02-2022, o Tribunal a quo proferiu mais um novo despacho dirigido à mesma questão, agora como segue:
- «[..]
De acordo com o art. 98º-I, n.º 4, al. a) do Cód. de Processo do Trabalho, se na audiência de partes se frustrar a tentativa de conciliação, a entidade empregadora é notificada para em 15 dias apresentar articulado para motivar o despedimento e juntar o procedimento disciplinar, sendo o despedimento declarado ilícito, caso o articulado e/ou o procedimento disciplinar não sejam apresentados no referido prazo, em conformidade com o art. 98º-J, n.º 3 do mesmo código.
No caso, perante a falta de acordo em sede de tentativa de conciliação, a R. foi notificada, enquanto entidade empregadora, para apresentar articulado motivador do despedimento e juntar o procedimento disciplinar, nos termos dos citados artigos - cfr. acta de fls. 16.
Na contestação, o A./trabalhador alegou que a R. não juntou todos os elementos integrantes do procedimento disciplinar, nomeadamente a resposta à nota de culpa que apresentou e os depoimentos das testemunhas BB, CC e DD, os dois primeiros invocados na decisão final para fundamentar o despedimento.
Efectivamente, verifica-se que tais elementos não constam da cópia do procedimento disciplinar que a R. apresentou com o articulado motivador do despedimento - cfr. fls. 26 e segs..
Por essa razão, foi a R. notificada, já por duas vezes, para juntar ao processo, a título devolutivo, o original do procedimento disciplinar, contendo todos os elementos que o integram, sem que o tenha feito.
Assim - e pela última vez -, determina-se que a R. seja notificada para no prazo de 5 dias juntar, a título devolutivo, o original do procedimento disciplinar, contendo todos os elementos que o integram, com a advertência de que caso o não faça no referido prazo, será declarada a ilicitude do despedimento, nos termos do art. 98º-J, n.º 3 do Cód. de Processo do Trabalho, sendo condenada em conformidade com o disposto no citado normativo.
[..]».
Respondeu a Ré, nos termos seguintes:
- «A..., LDA., R. nos autos à margem referenciados, tendo sido notificada para juntar aos mesmos o processo disciplinar completo, considerando que o seu mandatário, no exercício dos seus direitos de paternidade, apenas regressou à actividade no passado dia 17 de Fevereiro, não conseguindo assegurar o cumprimento dos prazos processuais em curso, nomeadamente, daqueles em que é necessária a junção de documentação, como é o caso deste processo.
Assim, requer-se a V. Ex.a a prorrogação do prazo, pelo período de 4 dias, para o cumprimento do despacho notificado.
Apreciando-o, pronunciou-se o Tribunal a quo como segue:
- «Requerimento que antecede:
Tendo em conta as razões invocadas, defere-se à R. o prazo de 4 dias que requereu para junção do procedimento disciplinar - prazo esse que termina em 25/02/2022.
[..]».
No prazo concedido a Ré não apresentou os documentos em causa, nem nada disse.
I.1.3 Pelo Autor foi então apresentado requerimento, referindo que por 4 vezes foi concedida à Ré a possibilidade de cumprir o determinado, não o tendo feito, por isso invocando que “mesmo atendendo às justificações apresentadas pelo mandatário da Ré, considera o Autor que esta situação já foi completa e excessivamente extrapolada! [..] foram dadas mais que oportunidades para a Ré cumprir algo que deveria ter cumprido aquando da petição inicia”.
Na consideração de “se encontram claramente, excessivamente e injustificadamente ultrapassadas todas as possibilidades e prazos dados à Ré” -, concluiu requerendo “que, nos termos e ao abrigo do artigo 98o-J n.º 3 do CPT seja declara sem mais a ilicitude do despedimento do trabalhador”.
Respondeu a Ré, por requerimento de 3 de Março de 2022, alegando, no essencial, que “Q]uanto à questão do prazo, efectivamente, o mesmo tinha sido concedido até ao dia 25 de Fevereiro de 2022. No entanto, os actos processuais podem ser praticados até ao terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, mediante o pagamento de multa, nos termos do Art.º 139.º do Código de Processo Civil [..]a presente data em que a R. está a apresentar este requerimento”, mais referindo, sob o título “SOBRE O CONTEÚDO DO PROCESSO DISCIPLINAR”, o seguinte:
«13. O conteúdo documental do processo disciplinar instaurado ao A. corresponde, na
sua integralidade, ao que foi junto pela R. nos presentes autos.
14. A alegação do A. de que a referência ao depoimento das testemunhas BB e CC é falsa, apenas demonstra a má-fé do A.
15. Quanto ao depoimento da testemunha CC, o mesmo foi obtido em sede de processo prévio de inquérito para apurar a existência de ilícitos disciplinares e que suportou os factos imputados, conforme resulta da nota de culpa.
16. Na realidade, o mesmo não foi inquirido em sede de processo disciplinar, por impossibilidade de garantir a sua comparência para o efeito.
17. Mas, isso não invalida a sua veracidade, sem prejuízo, obviamente, do valor probatório que o Tribunal entenda atribuir.
18. Quanto à testemunha BB, a mesma foi inquirida por videoconferência, considerando a situação pandémica que o país atravessava nesse período.
19. E, pasme-se que, nessa inquirição a mandatária do A. esteve presente, conforme resulta da comunicação anexa e se provará através do depoimento em julgamento da mesma testemunha.
20. Depois de ter estado presente nessa diligência, vem agora dizer que a mesma nunca foi inquirida.
21. É certo que o depoimento não está reduzido a escrito, considerando o meio pelo qual a diligência se realizou.
22. Mas questionar-se a realização da diligência quando se esteve presente é uma manifesta má-fé, que deve ser valorada por V. Exa.
23. Considerando, assim, que o processo disciplinar junto aos autos corresponde à totalidade do processo disciplinar tramitado, requer-se a V. Ex.a que determine se pretende a junção do original do mesmo, atendendo ao pressuposto que estava subjacente era o facto de não ter sido junta a totalidade».
Respondeu o A., reiterando a sua posição quanto à questão, referindo, no essencial, que do procedimento disciplinar junto pela Ré autos não consta a resposta à nota de culpa, nem registo de vários depoimentos de testemunhas, devendo ser declarada a ilicitude do despedimento.
I.2 Subsequentemente foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual, o Tribunal a quo proferiu a decisão seguinte:
- «[..]
De acordo com o art. 98º-I, n.º 4, al. a) do Cód. de Processo do Trabalho, se na audiência de partes se frustrar a tentativa de conciliação, a entidade empregadora é notificada para em 15 dias apresentar articulado para motivar o despedimento e juntar o procedimento disciplinar, sendo o despedimento declarado ilícito, se o articulado e/ou o procedimento disciplinar não forem apresentados no referido prazo, em conformidade com o art. 98º-J, n.º 3 do mesmo código.
No caso, perante a falta de acordo em sede de tentativa de conciliação, a R. foi notificada, enquanto entidade empregadora, para apresentar articulado motivador do despedimento e juntar o procedimento disciplinar, nos termos dos citados artigos - cfr. acta de fls. 16.
Na contestação, o A./trabalhador alegou que a R. não juntou todos os elementos integrantes do procedimento disciplinar, nomeadamente a resposta à nota de culpa que apresentou e os depoimentos das testemunhas BB, CC e DD, os dois primeiros invocados na decisão final para fundamentar o despedimento.
Verificando-se efectivamente que tais elementos não constam da cópia do procedimento disciplinar que a R. apresentou com o articulado motivador do despedimento (cfr. fls. 26 e segs.), foi esta notificada, por duas vezes, para juntar ao processo, a título devolutivo, o original do procedimento disciplinar, contendo todos os elementos que o integram - sem que o tenha feito.
Perante o que se determinou, pela terceira vez, que a R. fosse notificada para no prazo de 5 dias juntar, a título devolutivo, o original do procedimento disciplinar, contendo todos os elementos que o integram, com a advertência de que caso o não fizesse no referido prazo, seria declarada a ilicitude do despedimento, nos termos do art. 98º-J, n.º 3 do Cód. de Processo do Trabalho, sendo condenada em conformidade com o disposto no citado normativo.
Posteriormente, a requerimento da R., prorrogou-se por 4 dias o prazo concedido, tendo-se feito constar expressamente do despacho, para que não subsistissem dúvidas, que o prazo terminaria em 25/02/2022.
Decorrida a referida data, sem que tivesse sido junto o procedimento disciplinar ou informado o que quer que seja a tal respeito, o A. requereu que fosse desde já declarada a ilicitude do despedimento, ao abrigo do disposto no art. 98º-J n.º 3 do Cód. de Processo do Trabalho.
Em resposta, a R. apresentou em 03/03/2022 requerimento onde defende, no essencial:
- Que embora o prazo tenha sido concedido até ao dia 25/02/2022, os actos processuais podem ser praticados até ao terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, mediante o pagamento de multa, nos termos do art.º 139º do Código de Processo Civil, tendo o requerimento em apreço dado entrada no terceiro dia útil em causa, pelo que não se verifica qualquer extemporaneidade;
- Que com o articulado motivador do despedimento, juntou cópia integral do procedimento disciplinar instaurado ao A., tendo o depoimento da testemunha CC sido produzido em sede de processo prévio de inquérito, e não em sede de processo disciplinar, por impossibilidade de garantir a sua comparência para o efeito; e a testemunha BB foi inquirida por videoconferência, na presença da mandatária do A., considerando a situação pandémica que o país atravessava nesse período, não estando reduzido a escrito o respectivo depoimento.
Conclui questionando se se continua a pretender a junção do original do procedimento disciplinar.
O A. pronunciou-se sobre tal requerimento, salientando que só agora a R. vem dizer que a cópia que juntou integra afinal todo o procedimento disciplinar existente; que do procedimento disciplinar junto aos autos não consta a resposta à nota de culpa, nem registo de vários depoimentos de testemunhas a que se faz menção na decisão final; e que embora a testemunha DD tenha sido inquirida por videoconferência na presença da mandatária do A., esse depoimento devia ter sido gravado ou reduzido a escrito. Reafirmando o entendimento de que deve ser desde já declarada a ilicitude do despedimento.
Conhecendo:
O prazo suplementar de 4 dias que excepcionalmente foi concedido à R., a seu pedido e tendo em conta as razões que invocou no requerimento de 21/02/2022, para juntar o original do procedimento disciplinar, contendo todos os elementos que o integram, terminou em 25/02/2022, como resulta claro do respectivo despacho, sem que haja lugar à aplicação do disposto no art. 139º n.º 5 do Cód. de Processo Civil, face à excepcionalidade dessa prorrogação, uma vez que o prazo previsto no Cód. de Processo do Trabalho para junção do procedimento disciplinar há muito que estava ultrapassado.
E mesmo que assim não fosse, a R. não pagou multa alguma nem praticou o acto que era suposto praticar, pelo que não teria em qualquer caso aplicação o disposto no citado preceito legal.
É inquestionável que a cópia do procedimento disciplinar que foi junta aos autos não contém a resposta à nota de culpa por parte do trabalhador, nem qualquer registo dos depoimentos das testemunhas BB, CC e DD, sendo os depoimentos dos dois primeiros invocados na decisão final para fundamentar o despedimento (cfr. ponto 14º) e tendo a testemunha DD sido arrolada na resposta à nota de culpa e ouvida por videoconferência, como se refere na referida decisão (cfr. pontos 5º, 6º e 7º).
Mal se percebendo que a R. tenha vindo a protelar a junção do original do procedimento disciplinar que lhe foi determinado apresentar, por falta dos mencionados elementos, e só agora venha alegar que afinal a cópia que juntou já correspondia à integralidade do procedimento disciplinar e que nada mais existe.
Como se sumariou no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03/06/2019, «(…)
III - O procedimento disciplinar é constituído pela prática de uma sequência de atos, nos quais se integram os relativos à acusação (nota de culpa), à defesa (resposta à nota de culpa) e à decisão (de despedimento), para além de eventuais outros, designadamente relativos à instrução do procedimento, sejam os levados a cabo por iniciativa do empregador, sejam por iniciativa do trabalhador (no exercício do seu direito de defesa).
IV - Os arts. 98º- I, nº 4, e 98º-J, nº 3, do CPT reportam-se ao procedimento disciplinar integrado por todos os atos que hajam sido levados a cabo, incluindo, pois, a resposta à nota de culpa, pelo que a não junção desta determina a aplicação da cominação prevista no art. art. 98º-J, nº 3, do CPT1.»
[1 Proferido no processo n.º 1558/18.3T8VLG-A.P1 e disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.]
Nos termos e pelas razões expostas, não tendo sido junto aos autos procedimento disciplinar contendo todos os elementos que o devem integrar - desde logo a resposta à nota de culpa - e ao abrigo do disposto no art. 98º-J n.º 3, als. a) e b) do Cód. de Processo do Trabalho:
I. Declaro ilícito o despedimento do A.
II. Condeno a R.:
a) A pagar ao A. uma indemnização (pela qual optou, em detrimento da indemnização) correspondente a trinta dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade, desde o despedimento, até ao trânsito em julgado desta decisão (com o limite mínimo correspondente a três meses de retribuição base e diuturnidades);
b) A pagar ao A. as retribuições que deixou de auferir, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão – com eventual dedução das quantias a que aludem as als. a), b) e c) do n.º 2 do art. 390º do actual Cód. do Trabalho.
Custas nesta parte pela R. – art. 527º n.ºs 1 e 2 do Cód. de Processo Civil
*
O processo prossegue apenas para apreciação dos restantes pedidos formulados pelo A. na contestação/reconvenção e para quantificação das quantias devidas a título de indemnização e retribuições intercalares ou de tramitação, mantendo-se a data agendada para julgamento.
(..)».
I.3 Inconformada com esta decisão, a R.. interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram concluídas nos termos seguintes:
1- O Tribunal a quo deveria, por aplicação do regime previsto no art.º 139º, n.º 5 do CPC, ter aceite e pronunciado sobre o requerimento apresentado pela recorrente em 03.03.2022.
2- E a falta de pagamento de multa prévia não é fundamento para tal, visto que, está prevista cominação para a sua omissão, nada tendo sido cumprido a esse propósito pela secretaria.
3- A questão dos depoimentos, que foi suscitada pelo recorrido, foi esclarecida pela recorrente nesse requerimento, não havendo qualquer outro documento a juntar ou em falta.
4- A falta da junção, por lapso, da resposta à nota de culpa, não é fundamento para considerar que o processo disciplinar não foi junto e aplicar a cominação do despedimento ilícito.
5- Ao aplicar com essa interpretação o Art.º 98º-J, n,º 3 do CPT, o tribunal a quo está a violar o disposto no Art.º 20º, n.º 1 e n.º 4 da Constituição da República sobre o acesso à justiça e ao direito, sancionado a recorrente de forma desproporcional e não equitativa, em conformidade com o Art.º 18º da CRP.
Nestes termos, deve a sentença de que se recorre ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos para a apreciação do despedimento com justa causa operado pela recorrente.
I.4 O recorrido Autor não apresentou contra alegações.
I.5 O Digno Procurador-Geral Adjunto da República junto desta Relação teve visto nos autos, para os efeitos do art.º 87.º3 do CPT, tendo emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, referindo, no essencial, o seguinte:
-«[..]
2. Alega a Ré/recorrente que a “falta da junção, por lapso, da resposta à nota de culpa, não é fundamento para considerar que o processo disciplinar não foi junto e aplicar a cominação do despedimento ilícito.
Ao aplicar com essa interpretação o Art.º 98º-J, n.º 3 do CPT, o tribunal a quo está a violar o disposto no Art.º 20º, n.º 1 e n.º 4 da Constituição da República sobre o acesso à justiça e ao direito, sancionado a recorrente de forma desproporcional e não equitativa, em conformidade com o Art.º 18º da CRP.
Salvo melhor opinião não assiste razão à recorrente. Com efeito foram-lhe dadas todas as hipóteses de juntar o processo disciplinar em tempo útil, prorrogando o prazo para o efeito e fixando um prazo limite, tendo ela desperdiçado todas essas hipóteses.
Fixado um prazo máximo e limite e não vindo o processo disciplinar completo, parece óbvio que não é cumprida a obrigação de juntar tal procedimento disciplinar.
Nesse sentido vai a jurisprudência como no Ac. do TRL de 11.04.2018 (CPTPGDL,) “frustrada a tentativa de conciliação na audiência de partes numa acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, pretendendo contestá-la deve o empregador, no prazo de 15 dias subsequentes à respectiva notificação, apresentar articulado motivador do despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas (art.º 98.º-I, n.º 4 do CPT).
Esse prazo é peremptório, extinguindo-se o direito do réu logo que verificado.
No caso de despedimento resultante de facto imputável ao trabalhador, juntando o empregador não o processo disciplinar mas apenas partes dele, deve o juiz declarar imediatamente a ilicitude do despedimento, com as respectivas consequências (art.º 98.º-J, n.º 3 do CPT).
E, ainda, no Ac. do TRL de 20.06.2018 (CPT-PGDL), … “Não cumpre o disposto nos art.° 98-I, n° 4, al. a) e 98-J, n° 3, do Código de Processo do Trabalho, que determina a junção do procedimento disciplinar, o empregador que apenas apresenta o relatório do procedimento disciplinar, a decisão final e a comunicação da decisão de despedimento.”
E a não junção do procedimento disciplinar, ou a junção de procedimento disciplinar incompleto, acarreta necessariamente a declaração de ilicitude do despedimento, a condenação da Ré de preceito (art.º 98º, J, do CPT – v. Alcides Martins, Direito do Processo Laboral, 3ª edição, Almedina, Coimbra, pg. 188)
Entende-se, assim, que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, não podia ser outra a decisão, que deve, por isso, ser confirmada».
[..]».
I.6 Foram colhidos os vistos legais. Elaborado o projecto de acórdão, foi este remetido aos Exmos Adjuntos e determinada a inscrição em tabela para julgamento.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, coloca-se para apreciação saber se o tribunal a quo errou o julgamento ao declarar o despedimento ilícito, ao abrigo do disposto no art. 98º-J n.º 3, als. a) e b) do CPT, por não ter sido junto aos autos procedimento disciplinar contendo todos os elementos que o devem integrar, desde logo a resposta à nota de culpa.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para apreciação do recurso são os que resultam do relatório, mostrando-se também mencionados na decisão recorrida.
II.2 Motivação de direito
A questão sob apreciação consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento ao ter declarado a ilicitude do despedimento do Autor, por violação do disposto no art.º 98º-J/3 do CPT, isto é, por falta de junção pela entidade empregadora Ré de parte do processo disciplinar, nomeadamente, “ [..] a resposta à nota de culpa por parte do trabalhador, nem qualquer registo dos depoimentos das testemunhas BB, CC e DD, sendo os depoimentos dos dois primeiros invocados na decisão final para fundamentar o despedimento (cfr. ponto 14º) e tendo a testemunha DD sido arrolada na resposta à nota de culpa e ouvida por videoconferência, como se refere na referida decisão (cfr. pontos 5º, 6º e 7º)”.
A decisão recorrida consta acima integralmente transcrita, dispensando, por isso, que nos alonguemos sobre a respectiva fundamentação.
Diremos, desde já, que não assiste razão à recorrente. Se algum reparo merece a decisão recorrida, tal prende-se apenas com a prolação de sucessivos despachos para lhe possibilitar juntar o processo disciplinar completo, indo o Senhor Juiz para além do que seria devido, face ao estabelecido nos artigos 98.º -I, n.º4, al. a), e 98.º-J, n.º3, do CPT.
Nos termos da primeira daquelas disposições, frustrada a tentativa de conciliação na audiência de partes, o juiz “[P]rocede à notificação imediata do empregador para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas [..]”, procedimento que foi observado no caso concreto.
Faz-se notar que esta norma, devidamente conjugada com o n.º 1 do art.º 98.º C do CPT, permite perceber imediatamente que há uma distinção entre “procedimento disciplinar” e “os documentos comprovativos do cumprimento de formalidades”, pois o uso da conjunção “ou”, indica que a junção de um ou de outros é devida consoante as razões que motivaram a decisão de despedimento individual comunicado por escrito ao trabalhador. Se a decisão tiver como fundamento motivo disciplinar, isto é, facto imputável ao trabalhador, cabe ao empregador apresentar o processo disciplinar, na medida em que o despedimento, sob pena de invalidade, deve ser sempre procedido do processo disciplinar. Mas se a decisão respeitar a extinção do posto de trabalho ou inadaptação, então deverão ser juntos “os documentos comprovativos do cumprimento de formalidades”, isto é, de que foram observados os procedimentos próprios estabelecidos na lei para cada um destes casos, também sob cominação de invalidade, conforme decorre, respectivamente, dos artigos 384.º e artigo 385.º do CT.
Essa distinção mantêm-se lógica e necessariamente no n.º3, do art.º 98.º-J, CPT, quando dispõe:
- [3] «Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador, e:
[..]».
Como é pacificamente entendido, o prazo de 15 dias para o empregador apresentar o articulado a motivar o despedimento e juntar o procedimento disciplinar fixado pelo art.º 98º-I, nº 4, al. a), do CPT, sendo um prazo legal, porque fixado por lei, tem natureza peremptória. Ou seja, o seu decurso determina a extinção do direito de praticar tais actos; é improrrogável, porque a lei não prevê a possibilidade da sua prorrogação; e, com o efeito cominatório previsto no art.º 98º-J, nº 3, do CPT [cfr. Ac. TRP de 03-06-2019, Proc.º 1558/18.3T8VLG-A.P1, Desembargadora Paula Leal de Carvalho; Ac. TRL de 11-04-2018, Proc.º 2271/16.1T8FNC.L1-4, Desembargador Alves Duarte; e, Ac. TRE de 12-09-2018, Proc.º 2195/17.5T8STR-A.E1, Desembargador João Nunes (todos disponíveis em www.dgsi.pt].
Em suma, na estrutura desta forma de processo especial é imposto ao juiz o dever de indagar se o empregador, observando o prazo legal, cumpre as formalidades impostas pelo art.º 98.º I, n.º4. al. a) do CPT. Se o juiz concluir que a entidade empregadora não cumpriu, seja porque não apresentou o articulado motivador do despedimento, seja porque não juntou o procedimento disciplinar – nos casos em que a decisão de despedimento tenha por fundamento a justa causa por facto imputável ao trabalhador – ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas - nos casos em que a decisão de despedimento tenha por fundamento a extinção do posto de trabalho ou a inadaptação – a lei impõe-lhe que aplique a cominação estabelecida no art.º 98.º J, n.º3, declarando imediatamente a ilicitude do despedimento e condenando o empregador na reintegração do trabalhador ou em indemnização em função da antiguidade, se esta foi a opção do trabalhador, bem como no pagamento das retribuições intercalares desde o despedimento até ao trânsito em julgado.
Acontece, porém, que o Tribunal a quo proferiu os despachos acima transcritos, concedendo à Ré, por mais de uma vez, a prorrogação do prazo para juntar os elementos em falta d processo disciplinar.
Não obstante, a Ré não juntou os documentos, vindo no último requerimento que apresentou - de 3 de Março de 2022 -, invocar que “[..] os actos processuais podem ser praticados até ao terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, mediante o pagamento de multa, nos termos do Art.º 139.º do Código de Processo Civil” e do mesmo passo, dizer que “[O] conteúdo documental do processo disciplinar instaurado ao A. corresponde, na sua integralidade, ao que foi junto pela R. nos presentes autos.”.
É essa argumentação que agora reitera no recurso, alegando o seguinte:
-“O Tribunal a quo deveria, por aplicação do regime previsto no art.º 139º, n.º 5 do CPC, ter aceite e pronunciado sobre o requerimento apresentado pela recorrente em 03.03.2022 [..] a falta de pagamento de multa prévia não é fundamento para tal, visto que, está prevista cominação para a sua omissão, nada tendo sido cumprido a esse propósito pela secretaria”.
-“A questão dos depoimentos, que foi suscitada pelo recorrido, foi esclarecida pela recorrente nesse requerimento, não havendo qualquer outro documento a juntar ou em falta”.
- “A falta da junção, por lapso, da resposta à nota de culpa, não é fundamento para considerar que o processo disciplinar não foi junto e aplicar a cominação do despedimento ilícito”.
Começando pelo primeiro argumento, conforme decorre do art.º 139.º n.º5, ainda que o prazo seja peremptório, “Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa”, fixada nos termos das alíneas desse número.
Porém, como decorre claramente da norma, para que a mesma tenha aplicação é necessário que a parte venha praticar o acto que não foi realizado dentro do prazo. Ora, como refere o Tribunal a quo a recorrente não “praticou o acto que era suposto praticar, pelo que não teria em qualquer caso aplicação o disposto no citado preceito legal”.
Por conseguinte, o argumento não tem fundamento.
Quanto aos outros dois argumentos, como bem refere o Tribunal a quo “mal se percebe[ndo] que a R. tenha vindo a protelar a junção do original do procedimento disciplinar que lhe foi determinado apresentar, por falta dos mencionados elementos, e só agora venha alegar que afinal a cópia que juntou já correspondia à integralidade do procedimento disciplinar e que nada mais existe”.
Na verdade, se “[O] conteúdo documental do processo disciplinar instaurado ao A. corresponde, na sua integralidade, ao que foi junto pela R. nos presentes autos”, então ao invés de vir assumir essa posição no requerimento de 3 de Março de 2022, deveria logo tê-la afirmado no primeiro requerimento de 27-12-2021, o que não fez então, nem tão pouco no que se lhe seguiu, em ambos pretendendo a prorrogação do prazo para cumprir o determinado.
Nesse quadro, esse argumento, só usado já no requerimento de 3 de Março de 2022, não pode ter qualquer relevância.
Por outro lado, note-se que aí nada disse em concreto quanto à falta de junção da resposta à nota de culpa, só agora vindo no recurso dizer que “A falta da junção, por lapso, da resposta à nota de culpa, não é fundamento para considerar que o processo disciplinar não foi junto e aplicar a cominação do despedimento ilícito”. Mas ainda que o tivesse alegado, por identidade de razões não teria o argumento validade, isto é, se assim foi, então deveria tê-lo alegado logo no requerimento de 27-12-2021, quando respondeu ao despacho de 14-12-2021, do Tribunal a quo, no qual foi-lhe concedido o prazo de 5 dias para apresentar o processo disciplinar completo, face à questão suscitada pelo A. na contestação ao articulado motivador do despedimento.
Acresce dizer, que ao vir agora com esse argumento no recurso, a Ré está a suscitar uma questão que não foi submetida à apreciação da 1.ª instância, por essa razão não podendo este tribunal de recurso dela conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência. Apenas nos casos expressamente previstos (cfr. artigo 665º nº 2, 608º, nº 2, parte final, do CPC), pode o tribunal superior substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Com efeito, a jurisprudência tem reiteradamente entendido que os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu” [Cfr. Acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt): de 22-02-2017, proc.º 519/15.4T8LSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; de 14-05-2015, proc.º 2428/09.1TTLSB.L1.S1, Conselheiro Melo Lima; de 12-09-2013, proc.º 381/12.3TTLSB.L1.S1 e de 11-05-2011, proc.º786/08.4TTVNG.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol].

II.2.1 No caso dos autos estamos perante um procedimento disciplinar com intenção de despedimento e, como refere o Tribunal a quo, “[É] inquestionável que a cópia do procedimento disciplinar que foi junta aos autos não contém a resposta à nota de culpa por parte do trabalhador, nem qualquer registo dos depoimentos das testemunhas BB, CC e DD”.
Em regra, este procedimento disciplinar inicia-se com a comunicação pelo empregador ao trabalhador da intenção de proceder ao seu despedimento. De acordo com o disposto no art.º 353.º n.º1, do CT, essa comunicação deverá ser efectuada por escrito, devendo o empregador juntar-lhe igualmente a nota de culpa com descrição circunstanciada dos factos que imputa ao trabalhador e, que na perspectiva daquele, consubstanciam uma ou mais infrações disciplinares.
Segue-se o exercício do direito de defesa por parte do trabalhador, que para tanto “(..) dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considera relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade” [art.º 355.º a CT].
Este procedimento disciplinar compreende, ainda, uma fase de instrução, devendo o empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, realizar as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso alegá-lo fundamentadamente por escrito (art.º 356.º 1 CT].
E, por último, a fase da decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador, regulada no art.º 357.º, do CT, a ser proferida no prazo de 30 dias, sob pena de caducidade do direito de acção (n.ºs 1 e 2), que deve ser fundamentada, nomeadamente ponderando as circunstâncias do caso, e constar de documento escrito (n.ºs 5 e 6).
Estes são os traços essenciais da arquitectura do procedimento disciplinar com intenção de despedimento.
Como se escreve no Acórdão da Relação de Lisboa de 15-01-2014, “(..) o PD é, em si mesmo, um documento, pois que reproduz um conjunto ordenado e sequencial de factos destinado a alcançar um objectivo específico” [Proc.º n.º 471/12.2TTBRR.L1-4, Desembargador Duro Cardoso, disponível em www.dgsi.pt].
No mesmo sentido, no Ac. desta Relação de 03-06-2019, já acima citado, acrescentando-se agora, que com intervenção do aqui relator, observa-se que o procedimento disciplinar é constituído pela prática de uma sequência de atos, nos quais se integram os relativos à acusação (nota de culpa), à defesa (resposta à nota de culpa) e à decisão (de despedimento), para além de eventuais outros, designadamente relativos à instrução do procedimento, sejam os levados a cabo por iniciativa do empregador, sejam por iniciativa do trabalhador (no exercício do seu direito de defesa).
Nesta ordem de considerações, entende-se que para cumprimento do disposto nos artigos 98.º I, n.º4. al. a) e 98.º J, n.º3, do CPT, o empregador deve juntar o processo disciplinar, compreendendo-se por este não só as peças essenciais que necessariamente dele deverão constar, isto é, a comunicação da intenção de despedimento e nota de culpa, resposta do trabalhador à nota de culpa e decisão final de despedimento, mas também todo o acervo documental que foi utilizado pelo empregador para apurar e demonstrar os factos imputados, bem como todos os documentos que eventualmente sejam juntos pelo trabalhador para sustentar a sua defesa e, ainda, todos os documentos que respeitem à instrução do processo, como seja, a recolha de testemunhos.
Nesse mesmo sentido pronunciaram-se os já citados acórdãos de 11-04-2018, do TRL, referindo-se no respectivo sumário, que “IV-No caso de despedimento resultante de facto imputável ao trabalhador, juntando o empregador não o processo disciplinar mas apenas partes dele, deve o juiz declarar imediatamente a ilicitude do despedimento, com as respectivas consequências (art.º 98.º-J, n.º 3 do CPT)”; e, de 03-06-2019, desta Relação, onde se deixou consignado que “IV - Os arts. 98º- I, nº 4, e 98º-J, nº 3, do CPT reportam-se ao procedimento disciplinar integrado por todos os atos que hajam sido levados a cabo, incluindo, pois, a resposta à nota de culpa, pelo que a não junção desta determina a aplicação da cominação prevista no art. art. 98º-J, nº 3, do CPT”.
Concluindo, não se reconhece razão à recorrente, improcedendo o recurso, logo, confirmando-se a decisão recorrida.

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º do CPC).

Porto, 17 de Abril de 2023
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Teresa Sá Lopes