Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1006/13.5TYVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
CRÉDITO SOB CONDIÇÃO
CARACTERÍSTICAS DO CRÉDITO
Nº do Documento: RP201611081006/13.5TYVNG.P1
Data do Acordão: 11/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 739, FLS.128-138)
Área Temática: .
Sumário: I – No caso do art. 50º do CIRE, que compreende, para efeitos desse código, uma noção ampliada do que poderá considerar-se um crédito sob condição, o titular de um crédito sob condição suspensiva tem de revelar a titularidade de um crédito já consubstanciado num direito com conteúdo reconhecível, cuja concretização e eficácia permanecem dependentes de um evento futuro e incerto.
II – Não constitui um crédito sob condição a alegação de um eventual crédito futuro, sustentado no direito de regresso que um avalista terá sob o subscritor de uma livrança, por admitir que terá de vir a satisfazer a responsabilidade cambiária deste para com o respectivo credor, em razão do aval que prestou, mesmo tendo já ambos sido demandados judicialmente para o respectivo pagamento.
III – Um eventual crédito correspondente a esse direito de regresso só nascerá quando e na medida em que o avalista venha a assumir a satisfação da obrigação garantida, efectuando o seu pagamento. Antes disso, existe uma mera expectativa, que não pode confundir-se com um crédito sob condição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 1006/13.5TYVNG.P1
Comarca do Porto - V. N. Gaia
Inst. Central - 2ª Sec.Comércio - J1

REL. N.º 367
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Fernando Samões
Vieira e Cunha
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I - RELATÓRIO

B…, residente na …, n.º .., 2º esquerdo, …, veio requerer a declaração de insolvência da sociedade comercial “C…, S.A.”, com sede no Edifício “…”, …, …, Matosinhos.
Alegou, em síntese, que assumiu a responsabilidade pelo pagamento de uma dívida contraída pela requerida junto do “D…, S.A.”, decorrente de um contrato de mútuo no valor de 400.000,00 euros, tendo constatado que era também responsável pelo pagamento de uma outra dívida da requerida junto do “E…, S.A.”, objecto de cobranças coercivas. Sendo responsável solidária por tais dívidas, conclui ser credora da requerida, uma vez que sempre terá direito de regresso relativamente à mesma, ascendendo o montante em dívida para consigo à quantia de 138.290,67€.
Mais alegou que a requerida não tem activo suficiente para fazer face ao pagamento e que está a dissipar o seu património. Um dos seus imóveis encontra-se fechado e o outro foi dado à exploração pelo valor de 3.000,00 euros, que o administrador gasta como quer. A requerida tem dívidas perante a Fazenda Pública e perante outras instituições financeiras e fornecedores. Não tem crédito e tem reduzido gradualmente a sua actividade. Está incontactável e não recebe a correspondência. Tem pendentes contra si várias acções executivas. Por tudo isso, deverá ser declarada a requerida insolvência.
A requerida, citada, deduziu oposição.
Alegou que o crédito contraído junto do “D…, S.A.” se destinou a adquirir um imóvel para instalado um ginásio, tendo sido transferida apenas a quantia de 230.000,00€, uma vez que a referida instituição financeira suspendeu a operação em causa em razão das circunstâncias que a afectaram, o que inviabilizou a concretização do projecto de investimento e a continuação do pagamento das amortizações, causando-lhe prejuízos. A dívida junto do “E…, S.A.” está a ser discutida em acção judicial e os processos de execução fiscal estão suspensos devido a planos de pagamento prestacionais, que se encontram a ser cumpridos. Por outro lado, os imóveis do seu património têm um valor de mercado de cerca de 2.000.000,00 euros e o equipamento existente no estabelecimento comercial tem o valor de cerca de 500.000,00 euros. O estabelecimento comercial tem cerca de 1.200 sócios, o que gera uma boa rentabilidade. Por isso, não se justifica a declaração da respectiva insolvência
Juntou a lista dos cinco maiores credores e documentos.
Tramitado o processo, veio a ser realizada audiência de julgamento, no termo da qual o tribunal rejeitou a declaração de insolvência da requerida, considerando que a requerente não tem a qualidade de credora que lhe faculte a formulação da pretensão de insolvência da requerida. Para além disso, considerou não verificado qualquer factor índice previsto no n.º do n.º 1, do artigo 20.º, do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresa.
É desta decisão que vem interposto o presente recurso, que a recorrente terminou formulando as seguintes conclusões:
“Primeira: Violação do artigo 20.º nº1, 1.ª parte do CIRE, por interpretação contrária à letra da lei e ao espirito do legislador, uma vez que o Tribunal a quo restringiu e limitou o leque de legitimados a requerer a declaração de insolvência do devedor, excluindo deste leque, os credores condicionais, onde se enquadra a Recorrente e o crédito por si invocado.
Segunda: A interpretação empreendida pelo Tribunal a quo, acerca do artigo 20º, nº1 (1ª parte) do CIRE, para além se ser frontalmente contrária à lei, é contrária ao seu espirito, pois reduz e limita injustificadamente os sujeitos legitimados a requerer a insolvência do devedor, aos credores que tenham créditos efectivos sobre o devedor, isto é, que provem ter pago qualquer quantia (crédito).
Terceira: Não existem particulares dúvidas sobre a caracterização substantiva da posição creditícia da Requerente da insolvência, pois a lei fala em “(…)qualquer credor(…)ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito (…)”, à semelhança da doutrina corrente vale, para o efeito, qualquer comum vínculo jurídico de realização de prestação debitória a que se tenha direito (art.º 379.º CC). Não se exigindo qualquer especial título, ou sequer se impondo o seu real incumprimento, o (já) vencimento da dívida.
Quarta: Ficou provado a factualidade constante das alíneas h), i) e gg) – factos provados -, ou seja, que o “D…, S.A.”, instaurou a execução n.º 76/14.3TBSTS que corre termos na Instância Central da Maia, 2.ª Secção de Execução-J2, onde são executados a Sociedade “C…, S.A. (apelada), F…, B… (apelante) e G…, constituindo título executivo a livrança subscrita pela apelada e avalizada pela apelante, F… e G…, emitida em 9.05.2008, preenchida e vencida em 24.01.2011 no montante de 236.380,66 euros. (Cfr. fls.449 e ss., 30, 31 e 74 dos autos); Os aí executados deduziram oposição, a qual foi julgada improcedente a 18 de Março de 2016, tendo o exequente direito a haver a importância de 264.247,31 euros, a que acrescem juros vencidos e vincendos.
Quinta: Ficou provada a factualidade constante das alíneas ff) – factos provados- isto é que o “E…, S.A.”, deu entrada da acção executiva n.º 2334/11.6TBMTS, que corre termos na Instância Central, 1.ª seção de Execução do Porto-J9, contra, a sociedade apelada, a apelante e F…, constituindo título executivo, a livrança subscrita pela apelada e avalizada pela apelante e F…, emitida a 16.06.2006 e vencida 20.01.2011, no montante de 14.834,55 euros. (Cfr. fls. 49, 50, 320 a 325 dos autos). Os aí executados não deduziram oposição à execução.
Sexta: Ficou provada a factualidade constante das alíneas j), k), cc) e dd) – factos provados-, ou seja, que o “E…, S.A.” instaurou contra a apelada contra a apelante e contra F…, acção executiva, que corre termos com o número 2336/11.6TBMTS, peticionando o remanescente do valor de capital não amortizado, na importância de 22.927,04 euros, a que acrescerá o montante de 2.346,10 relativos a juros, constituindo título executivo, um “Contrato de Empréstimo”, outorgado em 25 de Março de 2009. (Cfr. fls. 50, 266 a 282 dos autos). Sétima: A apelada cessou o pagamento das prestações/obrigações do referido contrato de empréstimo, a partir do dia 25.04.2009, não o mais tendo retomado, pelo que o Banco considerou vencido e de imediato, o valor do empréstimo, resolvendo o contrato de mútuo e pagou-se pelos valores dados em garantia do cumprimento do mesmíssimo montante que havia sido dado como penhor. Oitava:
Consta do referido contrato, que a Apelante e F…, declararam que se constituíam fiadores e principais pagadores de todas as obrigações emergentes desse contrato para a sociedade mutuária/Apelada, para o que expressamente renunciaram ao benefício de excussão prévia.
Nona: Os aí executados deduziram oposição à execução, a qual foi julgada parcialmente procedente, tendo o exequente direito a haver a importância liquidada a título de juros de mora, ou seja, 2.346,10 euros.
Décima: O direito de crédito da Apelante sobre a devedora C…, S.A., no que respeita às quantias de 236.380,66 euros e 14.834,55 euros, tornou-se efetivo com o preenchimento dos títulos dados à execução.
Décima primeira: Tal afirmação tem por base os valores inscritos nas livranças títulos executivos dados à execução-, sendo esses valores exigidos à Apelante pelos diversos credores em acções executivas que, contra si, também foram instauradas (processo executivo n.º 76/14.3TBSTS e processo executivo n.º 2334/11.6TBMTS), uma vez que, derivando aquela obrigação dos avales prestados, obrigações com autonomia em relação à obrigação principal, e encontrando-se tais créditos vencidos, é inequívoco que a Apelante se encontra obrigada/vinculada a proceder ao respectivo pagamento.
Décima segunda: Daqui decorre, que o seu direito de crédito sobre a Apelada tornou-se efectivo na data do preenchimento dos títulos dados à execução - livranças – vencidas em 20.01.2011 e 24.01.2011 respetivamente, data em que nasceu e ficou a onerar o seu património a obrigação definitiva e incondicional de pagar o valor daqueles títulos de crédito.
Décima terceira: E no que à fiança diz respeito, dão-se aqui por reproduzidas todas as considerações e conclusões a que se chegou quanto ao crédito da Apelante sobre a Apelada com origem nos avales prestados, ressalvando-se a circunstância do crédito da Apelante (fiadora) ocorrer ou surgir, na data do incumprimento da obrigação principal, por parte da Apelada (afiançada). Só a partir desse momento é que o crédito se torna exigível à Apelante (fiadora) e por via dessa exigência, nasce também, na esfera jurídica desta, um direito de crédito sob condição suspensiva sobre a Apelada.
Décima quarta: Em suma, a Apelante requereu a insolvência da Apelada, enquanto credora condicional, com base num crédito derivado do eventual pagamento futuro da dívida como crédito sob condição suspensiva, sustentando-se no facto de vir a existir pagamento pelo devedor e/ou garante, pelo que, terá de resultar, o reconhecimento de que a Apelante é titular dos créditos provenientes dos avales e fianças, por si prestados e reclamados nas execuções instauradas contra si mesma, e demais avalistas/fiadores, ainda que créditos condicionais, conferindo-lhe por isso, a lei, legitimidade para requerer a Insolvência da Apelada nos termos preceituados art.º 20 n.º1, 1.ª parte do CIRE.
Décima quinta: Nulidade por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão dada de não provado, quanto aos artigos 18º e 20 do requerimento inicial. Artigo 615º, nº1 alínea c) ex vi artigo 666º do CPC.
Décima sexta- O Tribunal a quo deu como não provados os artigos 18.º e 20.º do CIRE. O mesmo Tribunal deu como provados, a factualidade constante das alíneas nas alíneas cc), dd); ff); gg) e hh) e nas alíneas g) h) i); j),k), l) e u).
Décima sétima: Dando como provado o factos constantes nas alíneas g) h) i); j),k), l); u) e cc), dd); ff); gg) e hh), não podia, o Tribunal a quo, sob pena de contradição, dar como não provada a matéria constante dos artigos 18º e 20º do requerimento inicial, pois, tal decisão, equivale à afirmação de uma conclusão argumentativa contrária àquela factualidade dada como provada.
Décima oitava: Não podia o Tribunal a quo dar por provado os factos que atribuem à autora a titularidade de “credora sob condição” e de imediato concluir que a Apelante não é credora “por não ter provado ter pago, ainda, qualquer importância”, pois que o seu direito de crédito sobre a requerida/Apelada, tornou-se efectivo, vencido e determinado com o preenchimento dos títulos dados à execução, tal como consta dos factos provados.
Décima nona: Contradição que decorre pela simples razão, pelo menos aparente, do Tribunal a quo não se ter apercebido que a Apelante é credora, mas “condicional”. Situação que está prevista expressamente no artigo 20.º/ 1.º/ 1.ª parte do CIRE.
Vigésima: Ocorre, assim, a nulidade prevista no artigo 615º, nº1 alínea c) ex vi artigo 666º do CPC, pelo que e em consequência, deve ser tal nulidade suprida dando-se como provada a factualidade constante dos artigos 18º e 20º do requerimento inicial, assim se harmonizando aqueles artigos, de acordo com o restante quadro factológico dado como provado.
Vigésima primeira: A douta decisão do tribunal a quo está inquinada por violação do artigo 596º, nº1 do CPC- atenta o erro por omissão ou não abrangência de factos essenciais, ou nucleares, do pedido deduzido pela requerente/Apelante nos temas de prova enunciados. E bem assim por violação dos artigos 3º n.3, 5º, 6º n.º1, 410º e 516º do CPC e do artigo 20º, nº2 da CRP, com referência ao desrespeito pelos princípios do contraditório, da justa composição do litígio, do estado de direito democrático e da tutela jurisdicional efectiva.
Vigésima segunda: Explicitando, não foram levados aos TEMAS DE PROVA factualidade que era essencial e decisiva para uma correcta decisão de mérito, tal como era a inclusão nos temas de prova da factualidade constante dos artigos 18.º e 20.º do requerimento inicial. Ou seja, o Tribunal a quo não considerou como temas de prova factos essenciais e nucleares, com vista ao apuramento da legitimidade da Apelante nos presentes autos, com violação expressa dos artigos 3 n.º 3, 5º e 596º, nº1 do CPC.
Vigésima terceira: A Recorrente alegou na sua petição inicial que era credora da requerida/Apelada numa determinada quantia, vencida e determinada, facto esse que foi controvertido e que era essencial para a discussão da causa, e que, por falta da oportunidade da sua eventual prova, por não ter sido incluído nos temas de prova, determinou a improcedência da acção.
Vigésima quarta: Partindo do pressuposto que os temas de prova delimitam o âmbito da instrução, para que ela se efectue dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, é incontornável que a instrução continua a ter por objecto os factos relevantes para o exame da causa, e que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova e que constituem, impedem, modificam ou extinguem o direito controvertido, tal como vertido nos articulados.
Vigésima quinta: Tal omissão leva-nos à conclusão de que o erro cometido pelo Tribunal a quo, no despacho proferido na audiência de discussão e julgamento datada de 13.05.2016, que definiu o objecto do litígio e delimitou os temas de prova, influiu de forma decisiva na fixação dos factos provados e não provados, pois parece incontroverso que a mencionada matéria de facto tida como indemonstrada constitui um facto essencial da pretensão deduzida pela Apelante, e por conseguinte influi também nas respectivas consequências à luz do direito, violando expressamente os supra citados preceitos legais.
Vigésima sexta- Em face do exposto, por omissão ou não abrangência da factualidade referida nos temas de prova enunciados, em clara infração dos dispositivos legais supra citados, deve ser anulada a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, e determinado, por douto Acórdão, a repetição do julgamento para suprimento daquela falta, após acrescida tal falta aos temas de prova. Acórdão este que não deve abranger a parte não viciada, e sem prejuízo do Tribunal de 1ª instância, e se assim o entender, ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, que considere abrangida pelo tema de prova a enunciar, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão a proferir. (artº 662 nº 2, c), do CPC).
Vigésima sétima- Errada interpretação e aplicação pelo Tribunal a quo dos artigos 3º e 20º, nº1, alíneas a) e b) do CIRE.
Vigésima oitava - A Apelante não partilha do entendimento seguido pelo Tribunal a quo no sentido de que, mesmo ocorrendo preenchimento dos factos índice da al. a) e b) do art. 20.º do CIRE, seriam estes, à posteriori afastados, “sempre” que, se nos deparássemos com uma situação de o activo do devedor ser superior ao seu passivo e cujo valor dos bens penhoráveis, seria alegadamente suficiente para satisfazer os valores em discussão nos processos de execução movidos pelos credores contra a Apelada (alínea e) n.º 1 do art.º 20.º CIRE), e assim, se não possa decidir pela insolvência da Apelada ou de qualquer outro devedor à luz do art.º 3 do CIRE.
Vigésima nona -Diremos a este respeito, que o facto de o activo ser superior ao passivo pode ser irrelevante, uma vez que a insolvência ocorre, logo que se verifica a impossibilidade pelo devedor de pagar as dívidas que regularmente surgem na sua actividade.
Trigésima - A insolvência é no Direito Português genericamente definida como a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas pelo art. 3.º, n.º 1, CIRE, sendo este o critério principal para a definição da situação de insolvência, o que implica a adoção do critério do “Fluxo de Caixa/ Cash Flow”, isto é, o devedor é insolvente logo que se torna incapaz por ausência de liquidez suficiente, de pagar as suas dívidas no momento em que estas se vencem.
Trigésima Primeira- Foram dadas como provadas todas as dívidas da responsabilidade da Apelada, conforme alíneas y), cc), dd), p), ee), ff), i), gg), hh), p) Ap.89, dos factos provados. No que diz respeito às dívidas reclamadas pelas entidades bancárias – D… e E… - estão vencidas desde o ano de 2011 (livranças), são exigíveis e todas elas deram origem a processos executivos (em curso) e consequentes penhoras.
Trigésima Segunda – Ficou também provado, que a Apelada cedeu a exploração o seu estabelecimento comercial sito em … (sede da Apelada), à sociedade comercial “H…, Lda”, abdicando assim de exercer, por completo a actividade para a qual foi criada. As vendas/prestação de serviços da Apelada são actualmente de 3000,00 euros mensais, provenientes daquela cessão de exploração, o que corresponde a 36,0000,00 euros anuais.
Trigésima Terceira- O Tribunal a quo, deu ainda como provado, que a Apelada apresentou resultados (contabilísticos) negativos entre 2009 e 2013 - alínea ii) dos factos provados, tendo registado entre 2009 e 2010 uma quebra de 43,3% no volume de vendas/prestação de serviços, sendo que, nos anos seguintes, não sofreu grandes oscilações em relação a 2010 - alínea jj) dos factos provados.
Trigésima Quarta – Resulta dos factos provados que a Apelada não tem crédito bancário, desde pelo menos 2011, em consequência dos incumprimentos das obrigações assumidas, com as entidades bancárias referidas a respeito do item – dívidas-.
Trigésima Quinta - Atentas as dívidas dadas por provadas e da responsabilidade da Apelada, tendo em atenção ao montante das Vendas/prestações de serviços anual que é de 36.000,00 euros e apesar do activo ser superior ao passivo, a verdade é que está objectivamente provada a incapacidade da Apelada de solver aquelas referidas responsabilidades, atenta à sua insignificante liquidez que, até, na presente data, se encontra penhorada, o que demonstra inequivocamente o estado de penúria da Apelada.
Trigésima sexta - Por outro lado, a Apelada não alegou e consequentemente e não fez prova de que tivesse outras fontes de rendimento, que não aquela contrapartida pela cessão de exploração do seu estabelecimento comercial contra o recebimento dos 3000,00 euros.
Trigésima sétima - Pelo que, parece-nos permitido e legítimo concluir que, não é pelo facto de o valor patrimonial atribuído aos imóveis da requerida, e dado por provado pelo Tribunal de 1ª Instância, ser superior ao passivo e ser suficiente para satisfazer os valores em discussão nos processos de execução, que se pode com segurança e de acordo com a lei, decidir e afastar a decisão de insolvência, preenchidas que estejam as alíneas a) e b) do mesmo artigo 20º nº1 do CIRE, como é o caso nos presentes autos.
Trigésima oitava - Ou por outras palavras, entender não aplicável ao caso presente a decisão de insolvência, pese embora, a Apelante tenha provado a suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas e a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações, que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedora/Apelada em satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
Normas violadas: Art.º 20.º/1 e 3.º do CIRE, artigos 3.º/3, 5.º, 6.º/1, 410.º, 516.º/1 e 596.º/ 1 do CPC e art.º 20.º/2 da CRP.
Termos em que a decisão proferida pelo Tribunal Recorrido deve ser revogada proferindo-se douto Acórdão no qual se decida que a Recorrente tem legitimidade para os presentes autos na qualidade de credora condicional sob condição suspensiva; que deve ser alterada a resposta dada à factualidade constante dos artigos 18.º e 20.º do requerimento inicial, no sentido de a mesma ser dada por provada; que estão preenchidos todos os requisitos legalmente exigíveis para ser decidida a insolvência da Apelada, como decorre de toda a factualidade dada por provada pelo Tribunal a quo; mesmo que este douto Tribunal, entenda não dever decidir pela insolvência da Apelada, então, reconhecida a falta de temas de prova, nos termos que se deixaram alegados, deverá então decidir-se pela baixa do processo à 1ª instância para que se inclua nos referidos TEMAS DE PROVA a factualidade constante dos artigos 18.º e 20.º do requerimento inicial, com vista à sua eventual discussão e prova, uma vez que se trata de matéria essencial para uma justa decisão de mérito.”
A recorrida ofereceu contra-alegações e concluiu pela confirmação do decidido.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
Foi recebido nesta Relação, cumprindo conhecê-lo.

II – Delimitação do objecto do recurso;
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artigo 640º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam.
No caso, as questões resultantes das conclusões oferecidas, pela ordem delas constante, consistem no seguinte:
1 - Legitimação da requerente para pretender a insolvência da requerida, em função das relações jurídicas entre ambas; reconhecimento da sua condição de credora condicional da requerida;
2 - Nulidade da sentença, nos termos da al. c) do nº 1 do art. 615º do CPC, por contradição entre a decisão de dar por não provados os factos constantes dos arts. 18º e 20º da p.i. e a de dar por provados os factos constantes das alíneas g) h) i); j),k), l); u) e cc), dd); ff); gg) e hh) da sentença;
3 - Desconsideração de matéria de facto relevante, designadamente a constante dos arts. 18º e 20º da petição inicial, consequente à sua não inclusão nos temas de prova, e anulação da decisão e repetição do julgamento para ampliação da matéria de facto, a incluir a referida factualidade;
4 - Preenchimento dos pressupostos descritos nas als. a) e b) do art. 20º do CIRE, impondo a declaração de insolvência da requerida;

III - Fundamentação

A solução das questões identificadas exige que se tenha presente a decisão proferida sob a matéria de facto. O tribunal a quo deu por provados os factos seguintes:
“a) A sociedade comercial “C…, S.A.” está registada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC ………, com sede no Edifício “…”, …, …, Matosinhos, com o capital de 100.000,00 euros, tendo por objecto a prática de ginástica de academia, hidroginástica, musculação, natação, ténis, squash, desportos radicais, hidroterapia, fisioterapia, testes de recuperação funcional, avaliação física, actividades de lazer e relaxamento, promoção de eventos desportivos e moda, exploração de todas as actividades comerciais e de restauração conexas com a actividade exercida;
b) Foi constituída a 4 de Abril de 1997, sob a forma de sociedade por quotas, sendo seus sócios G…, com uma quota no valor nominal de 69.831,71 euros, F…, com uma quota no valor nominal de 16.460,56 euros, e B…, com uma quota no valor nominal de 13.467,73 euros, tendo sido nomeado gerente o sócio F…;
c) A 2 de Março de 2009 foi transformada em sociedade anónima;
d) A 16 de Dezembro de 2009 foi designado administrador único F…;
e) A requerente B… e F… foram casados entre si;
f) A requerente é engenheira civil e dedica-se à realização de projectos;
g) No âmbito de um contrato de mútuo, celebrado a 9 de Maio de 2008, o “D…, S.A.” concedeu à requerida um empréstimo no montante de 400.000,00 euros, destinado ao financiamento de obras de remodelação da fracção autónoma designada pela letra “M”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso, freguesia …, com o número 443/19870925-M, destinado a “…”, para cujo fim tinha sido solicitado inicialmente o financiamento de 800.000,00 euros;
h) A requerente B…, F… e G… avalizaram uma livrança em branco, destinada a garantir o pagamento dos valores em dívida relativamente ao crédito referido, até ao limite de 480.000,00 euros, acrescido de juros, despesas e encargos, autorizando a instituição financeira a completá-la com todos os restantes elementos, nomeadamente quanto à data de vencimento, local de pagamento e valor a pagar;
i) Tal livrança foi preenchida pelo “D…, S.A.” pelo montante de 236.380,66 euros, na sequência da resolução do contrato de mútuo, com vencimento a 24 de Janeiro de 2011;
j) Por acordo escrito, denominado “Contrato de Empréstimo”, outorgado a 25 de Março de 2009, a requerida confessou-se devedora ao “E…, S.A.” da quantia de 375.000,00 euros, que do mesmo recebeu a título de empréstimo;
k) A requerente e F… outorgaram em nome pessoal tal acordo e declararam constituir-se fiadores e principais pagadores de todas as obrigações desse contrato emergentes para a sociedade mutuária, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia;
l) A requerente e F… avalizaram uma livrança em branco, que o “E…, S.A.” preencheu com a quantia de 363.081,06 euros, na sequência da resolução do acordo referido na alínea j);
m) A requerida é dona da fracção autónoma designada pelas letras “HV”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, freguesia de …, com o número 1923/19980218-HV;
n) Tal fracção autónoma tem o valor patrimonial de 1.168.957,30 euros;
o) Através das inscrições com as aps. 5, de 14 de Outubro de 1999, e 12, de 29 de Junho de 2000, mostram-se registadas sobre a referida fracção autónoma duas hipotecas voluntárias a favor da “I…”, para garantia dos montantes máximos de 201.000.000$00 e de 20.325.000$00;
p) Mostram-se registadas as seguintes penhoras:
- Ap. 114, de 14 de Fevereiro de 2007, a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de 17.469,90 euros;
- Ap. 95, de 25 de Julho de 2007, a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de 76.280,16 euros;
- Ap. 42, de 14 de Dezembro de 2007, a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de 16.427,74 euros;
- Ap. 43, de 14 de Dezembro de 2007, a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de 37.331,50 euros;
- Ap. 2455, de 14 de Junho de 2010, a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de 34.483,15 euros;
- Ap. 2469, de 14 de Junho de 2010, a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de 4.083,74 euros;
- Ap. 2132, de 1 de Julho de 2011, a favor do “E…, S.A.”, para garantia da quantia exequenda de 24.800,45 euros (processo executivo 2336/11.6TBMTS, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Matosinhos);
- Ap. 950, de 28 de Fevereiro de 2012, a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de 14.212,51 euros;
- Ap. 964, de 28 de Fevereiro de 2012, a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de 8.248,16 euros;
- Ap. 318, de 17 de Abril de 2012, a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de 5.146,49 euros;
- Ap. 322, de 17 de Abril de 2012, a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de 4.915,60 euros;
- Ap. 89, de 30 de Maio de 2014, a favor da “J…, S.A.”, para garantia da quantia exequenda de 264.247,31 euros (processo executivo 76/14.3TBSTS, do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos);
- Ap. 6002, de 15 de Abril de 2015, a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de 10.011,16 euros;
q) A requerida é dona da fracção autónoma designada pela letra “M”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso, freguesia …, com o número 443/19870925-M;
r) Tal fracção autónoma tem o valor patrimonial de 93.800,00 euros;
s) A aquisição da propriedade de tal fracção autónoma encontra-se registada a favor da requerida desde 19 de Abril de 2007, por compra;
t) Para garantia do empréstimo acima referido de 400.000,00 euros, juro anual de 10%, acrescido de 4%, em caso de mora, a título de cláusula penal, despesas de 16.000,00 euros, montante máximo assegurado de 584.000,00 euros, encontra-se registada sobre a mesma fracção autónoma hipoteca voluntária a favor do “D…, S.A.”, registada através da inscrição com a ap. 1, de 18 de Abril de 2008;
u) Mostram-se registadas as seguintes penhoras:
- Ap. 4621, de 20 de Abril de 2000, a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de 4.427,08 euros;
- Ap. 4015, de 5 de Novembro de 2010, a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de 47.580,31 euros;
- Ap. 3049, de 6 de Junho de 2011, a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de 43.677,82 euros;
- Ap. 2132, de 1 de Julho de 2011, a favor do “E…, S.A.”, para garantia da quantia exequenda de 27.800,45 euros (processo executivo 2336/11.6TBMTS, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Matosinhos);
- Ap. 2383, de 7 de Julho de 2011, a favor do “E…, S.A.”, para garantia da quantia exequenda de 14.927,54 euros (processo executivo 2334/11.0TBMTS, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Matosinhos);
- Ap. 2192, de 17 de Março de 2014, a favor da “J…, S.A.”, para garantia da quantia exequenda de 264.247,31 euros (processo executivo 76/14.3TBSTS, do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos);
v) A requerida cedeu a exploração do seu estabelecimento comercial instalado na fracção autónoma identificada na alínea m), actualmente mediante o pagamento da quantia de 3.000,00 euros, à sociedade comercial “H…, Lda.”;
w) O imóvel referido na alínea m) encontra-se em fase de obras, suspensas na sequência da declaração de resolução do contrato de mútuo referido na alínea g);
x) A requerida celebrou com a Fazenda Pública acordos de pagamento em prestações, motivando a suspensão de execuções fiscais;
y) A requerida deve à Fazenda Nacional a quantia de entre 9.389,60 euros e 2.611,07 euros, objecto de acordo de pagamento em prestações;
z) A requerida tem a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social;
aa) A I… emitiu, a 11 de Julho de 2008, uma declaração autorizando o cancelamento das hipotecas referidas na alínea o);
bb) Para além dos imóveis descritos, a requerida é dona do esquipamento existente no estabelecimento comercial sito em …;
cc) O “E…, S.A.” instaurou contra a requerida, a requerente e F… acção executiva, que corre termos com o número 2336/11.6TBMTS (do extinto 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos);
dd) Os aí executados deduziram oposição à execução, a qual foi julgada parcialmente procedente (sentença e acórdão juntos a fls. 266 e seguintes), considerando-se integralmente pago o capital mutuado, tendo o exequente direito a haver a importância liquidada a título de juros de mora, ou seja, 2.346,10 euros;
ee) O “E…, S.A.” instaurou contra a requerida acção comum, que correu termos pela Instância Central, 2ª Secção Cível – J6, da Comarca do Porto, com o número 2350/11.1TBMTS, a qual foi julgada parcialmente procedente, por sentença proferida a 20 de Outubro de 2015, e a requerida condenada a pagar a quantia de 20.256,50 euros, acrescida de juros de mora comerciais vencidos desde a citação e até integral pagamento, e imposto de selo respectivo;
ff) O “E…, S.A.” instaurou contra a requerida, a requerente e F… acção executiva, que corre termos com o número 2334/11.6TBMTS (da Instância Central, 1ª Secção de Execução – J9, da Comarca do Porto), apresentado como título executivo uma livrança subscrita pela primeira e avalizada pelos segundo e terceiro, ascendendo a quantia exequenda ao montante de 14.927,54 euros, peticionando-se juros vincendos até efectivo pagamento;
gg) A “J…, S.A.” instaurou acção executiva contra, pelo menos, a requerente, a requerida e F…, que corre termos com o número 76/14.3TBSTS, da Instância Central, 2ª Secção de Execução – J2, da Comarca do Porto;
hh) Os aí executados deduziram oposição, a qual foi julgada improcedente por sentença proferida a 18 de Março de 2016, cuja cópia se encontra junta a fls. 449 e seguintes e cujo teor se dá aqui por reproduzido;
ii) A requerida apresentou resultados (contabilísticos) negativos entre 2009 e 2013;
jj) Entre 2009 e 2010 verificou-se uma quebra de 43,3% no volume de vendas/prestação de serviços, sendo que, nos anos seguintes, não sofreu grandes oscilações em relação a 2010.
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Factos não provados.
Não se provaram outros factos, designadamente o demais alegado nos artigos 3º, 4º, 12º, segunda parte, 15º, segunda parte, 16º, última parte, 17º, entre “já que (…)” e “(…) concedidos à mesma”, 18º, 20º, 22º, entre “não atende (…)” e “(…) lado nenhum”, e última parte, 27º, 33º, 34º, 35º, segunda parte, 36º, 37º, primeira parte, do requerimento inicial, e o demais alegado nos artigos 12º, 13º, 14º, 36º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º da oposição.
O alegado nos artigos 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, primeira parte, 14º, 15º, primeira parte, 16º, primeira parte, 17º, 21º do requerimento inicial é irrelevante para a decisão da causa.
A demais matéria é conclusiva ou de direito ou constitui mera impugnação.”
*
Não obstante a separação em 4 categorias das questões suscitadas pela apelante, todas elas acabam por se desenvolver a partir de um ponto comum, ou depender dele: a decisão de não comprovação da matéria descrita nos arts. 18º e 20º da petição inicial, do que resultou, na perspectiva da apelante, o não reconhecimento do seu direito a requerer a insolvência da requerida.
É o seguinte, o teor desses arts.:
“18º - O valor que a requerente terá que pagar já se encontra determinado e vencido, acrescido de juros de mora à taxa convencionada;
20º - Está assim a requerida em débito para com a requerente pela quantia de 138.290,67€.”
Não obstante a ordem pela qual a apelante suscitou as questões que supra se elencaram, a sua conexão lógica obriga a que sejam consideradas por ordem diferente.
Com efeito, antes de mais, importa discutir sobre se a matéria em questão foi desconsiderada na organização dos temas de prova e se a sentença deve ser anulada, para que o julgamento seja parcialmente repetido, de forma a permitir a ampliação dos temas de prova, que deverão incluir tais questões.
Dispondo sobre a realização do julgamento de um processo de insolvência, dispõe o art. 35º, nº 5 do CIRE: “Comparecendo ambas as partes, ou só o requerente ou um seu representante, mas tendo a audiência do devedor sido dispensada, o juiz selecciona a matéria de facto relevante que considere assente e a que constitui a base instrutória.”
No caso, a audiência começou com a decisão sobre a inadmissibilidade de um articulado superveniente, oferecido pela requerida. Depois, a Sra. Juiz determinou a prestação de esclarecimentos por um perito, sobre o relatório pericial que fora junto, complementando assim aquela prova pré-constituída. Logo depois, a Sra. Juiz fixou o objecto do litígio e elencou os temas de prova, como ordenado na norma em questão, com adaptação dos actos ali previstos ao formato do novo CPC.
É, assim, com estranheza que se constata a forma menos pertinente como a apelante, nas alegações, se indigna (para além da demora do processo para que ela própria contribuíra com a sua pretensão de suspensão da instância e respectiva prorrogação) com o que parece entender agora ter sido uma tardia fixação daqueles elementos.
Com efeito, por um lado, nada específica que constitua infracção ao regime processual do julgamento em processo de insolvência, apesar de afirmar que só então a Sra. Juiz se “lembrou” de dar cumprimento ao nº 5 do art. 35º do CIRE; fá-lo como se tal constituísse qualquer irregularidade, que não especifica. Por outro lado, estando a requerente, ora apelante, representada na audiência pelo seu Il. Mandatário (de resto, o mesmo que subscreve as alegações de recurso) ao constatar a prática de uma irregularidade processual, maxime uma eventual nulidade secundária, se fosse caso disso, logo então teria de a ter invocado (art. 199º do CPC). E nada fez a esse propósito.
Não é compreensível, por isso, o estilo do que parece ser a sua indignação sobre a tramitação do processo, nessa parte, o que constitui, em todo o caso, uma não questão, pois que não chega a reivindicar qualquer consequência para o que parece admitir ter sido um desvio às regras processuais aplicáveis
O que refere, isso sim, é que a matéria alegada nos citados arts. 18º e 20º da p.i. não foi incluída nos temas de prova, o que deve determinar a anulação da sentença e a repetição do julgamento, nessa parte, para que a ela se alargue a discussão e a decisão judicial.
Não tem, no entanto, razão. Sem prejuízo de se não admitir, desde já, que a natureza conclusiva das asserções constantes dos referidos arts. 18º e 20º exigisse a sua identificação com os temas a serem objecto de prova, o que é certo é que o tribunal a quo não só as incluiu nesses temas, como expressa e consequentemente se pronunciou sobre elas, logo em sede da decisão sobre a matéria de facto.
Com efeito, entre os temas de prova elencados pelo tribunal incluíram-se, para comprovação, as dívidas da requerida alegadas pela requerente como sendo também da sua responsabilidade. E, logo a seguir, a “responsabilidade da requerente pelas dívidas referidas”.
Seria, pois, no âmbito de tal “tema de prova” que haveria de apreciar-se a matéria alegada pela requerente, sob os arts. 18º e 20º da p.i.
A isso acresce que, decidindo sobre a matéria controvertida, o tribunal declarou expressamente como não provada a matéria ali descrita.
Nestes termos, poderá discutir-se (e isso é objecto de outra das questões deste recurso) se a decisão negativa do tribunal sobre a matéria em causa foi a adequada. Mas não poderá já afirmar-se que a ela deverá ser alargada a discussão, em audiência de julgamento, que a não considerara, pois bem se vê que o tribunal expressamente a incluiu no objecto do processo e sobre ela emitiu oportuno juízo.
Nenhuma razão tem, pois, a apelante quanto à questão que se mostra concretizada supra em terceiro lugar. Nessa parte improcederá a apelação.
*
A questão que logicamente sucede à que acabou de se resolver é a da eventual nulidade da sentença, nos termos da al. c) do nº 1 do art. 615º do CPC, por contradição entre a decisão de dar por não provados os factos constantes dos arts. 18º e 20º da p.i. e a de dar por provados os factos constantes das alíneas g), h), i), j), k), l), u) e cc), dd), ff), gg) e hh).
Parece entender a apelante que a matéria descrita nos arts. 18º e 20º constitui o corolário lógico da matéria que o tribunal deu por provada sob as alíneas g), h), i), j), k), l), u) e cc), dd), ff), gg) e hh). De resto, por isso mesmo se referiu anteriormente a natureza eminentemente conclusiva das afirmações constantes dos já citados arts. 18º e 20º da p.i.
Em qualquer caso, vejamos se existe a apontada contradição e se, em sede de decisão da matéria de facto ou em sede de tratamento lógico dos factos apurados, poderemos chegar a ter por adquirido que à data da propositura da acção já se encontrava determinado e vencido o valor que a requerente terá que pagar em razão da sua qualidade de garante de algumas dívidas da requerida, num montante equivalente a 138.290,67€. Tal resposta sempre será útil para o ulterior tratamento da questão referida em 1º lugar, entre as supra elencadas.
A factualidade descrita nas als. g) a l) respeita aos créditos concedidos pelo D… e pelo E… à requerida, calculados como 236.380,66€ e 363.081,06€, respectivamente, valores estes inscritos em livranças previamente entregues em branco e avalizadas também pela requerente, como garantia desses créditos.
Das restantes alíneas cc), dd), ff), gg) e hh) consta que o E… instaurou uma execução contra a requerida, a requerente e outro, que segue pelo valor de 2.346,10€; e instaurou uma outra que segue para cobrança de 14.927,54€; e que a J… faz seguir contra os mesmos execução para cobrança daquele crédito do D…, na qual foram deduzidos embargos que foram julgados improcedentes.
Em suma, e no que respeita aos créditos da J… e do E…, sob execução com base em livranças subscritas pela requerida e avalizadas pela requerente e outro, estão em causa valores de 236.380,66€ e de cerca de 17.300,00 e juros [a requerida é ainda alvo de outra execução pelo E…, de valor superior a 20.000,00€, mas relativamente á qual a requerente é alheia – cfr al. ee)].
É por referência a estes créditos e em face do número de penhoras registadas sobre os imóveis da requerida, que a ora apelante continua a afirmar já estar liquidada e vencida a sua responsabilidade, que calculou em 138.290,67€.
Ora, tal como se afirma na sentença recorrida, não se compreendem os pressupostos do cálculo dessa responsabilidade. Sendo a apelante responsável solidária, juntamente com os demais executados, pelo pagamento dos valores exequendos, titulados pelas livranças dadas à execução, nos termos dos arts. 47º e 77º da L.U.L.L., tanto poderá vir a ser responsável pela satisfação integral daqueles créditos, se tiver meios para isso e essa for a opção do credor, como poderá nada pagar, por exemplo se a principal devedora, isto é a subscritora da livrança, ou o outro demandado satisfizerem, voluntaria ou coercivamente, a obrigação cambiária original.
Neste momento, não se provou que a ora apelante já tenha pago de qualquer dessas dívidas, relativamente às quais foi demandada como devedora solidária por via dos avais prestados. Não se sabe quanto poderá vir a pagar. Não se mostra de forma alguma ter sido sequer interpelada para pagar só aquele valor ou que tenha já satisfeito alguma parte dele. Por isso, só poderia dar-se por não provada a matéria em questão, alegada pela ora apelante, nos arts. 18º e 20º da p.i.
Acresce que, mesmo como conclusão lógica, as asserções constantes dos artigos citados da p.i. não resultam, por dedução, da factualidade apontada pela apelante, descrita sob as als. g), h), i), j), k), l), u) e cc), dd), ff), gg) e hh).
Com efeito, da matéria aí descrita resulta que a ora apelante foi demandada para pagamento dos montantes garantidos e titulados pelas livranças dadas à execução, que se mencionaram. Como já se referiu, a apelante é responsável solidária pelas quantias que ali são peticionadas. Todavia, tal como resulta do art. 49º da LULL, aplicável por remissão do art. 77º do mesmo diploma, o direito de crédito inerente à satisfação daqueles créditos, para o obrigado cambiário que venha a cumprir na vez da subscritora da livrança, só nasce com o próprio pagamento. E não, como alega a requerente, com o preenchimento, pelos credores, dos títulos que serviram de base à cobrança coerciva dos respectivos créditos, que antes tinham sido entregues em branco.
Com esse preenchimento, ocorre o vencimento e exigibilidade da obrigação cambiária relativamente a todos os obrigados. Mas não o vencimento de qualquer crédito entre os próprios co-obrigados cambiários.
Pelo exposto, também por esta via será impossível assumir como verdadeiras as asserções constantes dos arts. 18º e 20º da p.i.
Esta conclusão tem uma directa consequência para a solução da questão concretamente colocada pela apelante, neste recurso: inexiste qualquer contradição que afecte a coerência lógica da sentença, entre o juízo negativo proferido sobre a matéria descrita naqueles artigos da p.i. e o juízo de comprovação que redundou na classificação da matéria descrita nas als. g), h), i), j), k), l), u) e cc), dd), ff), gg) e hh).
Improcederá, pois, também neste ponto a presente apelação.
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Somos assim remetidos para o tratamento da questão da legitimação da requerente para fazer reconhecer uma eventual situação de insolvência da requerida. Tal problema foi o que a própria apelante colocou em primeiro lugar, mas a respectiva solução exige a ponderação das soluções que acabaram de ser enunciadas para as questões já tratadas.
A esse respeito, tal como bem se assinala da decisão impugnada, dispõe o art. 20º, nº 1 do CIRE: “A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos: (…)”
No caso em apreço, não sofre contestação a circunstância de a requerente não ser responsável legal pela satisfação das dívidas da requerida, tendo por referência a noção de responsável legal constante do nº 2 do art. 6º do CIRE.
Ela própria apenas invoca um crédito sustentado no direito de regresso que terá sobre a requerida, por admitir que terá de vir a satisfazer responsabilidades financeiras desta para com a J… e o E…, em razão de garantias pessoais que prestou, como supra se analisou.
Considera, no entanto, que tais circunstâncias a tornam titular de créditos condicionais sobre a requerida, preenchendo assim o pressuposto de legitimação constante da norma citada.
O CIRE, em alargamento do que seria o conceito de crédito sob condição por aplicação do regime geral do Código Civil, veio dispor, no seu art. 50º, o que deve qualificar-se como crédito sob condição:
“1 - Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.
2 - São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva:
a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de actos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução;
b) Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão;
c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.”
Na situação dos autos, em coerência com o que antes se referiu, mesmo com o preenchimento das livranças e com a dedução da pretensão da sua cobrança coerciva em juízo, pelos respectivos portadores contra a requerida, a requerente e outro, não se constituiu, sequer sob condição, qualquer crédito da requerente sobre a requerida, tendo por objecto a mera expectativa do que venha a ter de pagar em função da garantia que prestou e que constitui a causa da sua demanda.
Com efeito, um eventual crédito sobre a requerida só nascerá quando e na medida em que a requerente venha a assumir qualquer das responsabilidades garantidas, efectuando o seu pagamento, o que não aconteceu sequer parcialmente. E, acrescenta-se, no caso em apreço nem pode ter-se por adquirido que isso aconteça necessariamente, em face da anunciada incapacidade da requerente para pagar tais dívidas da requerida, a par da propriedade desta sobre um património que parece habilitar à satisfação, se for caso disso à custa desse mesmo património, de todos os créditos por que é responsável.
No caso do art. 50º do CIRE, que compreende já uma noção bem ampla do que possa considerar-se, para efeitos do código, um crédito sob condição, o respectivo titular, no caso de um crédito sob condição suspensiva, tem de revelar a titularidade de um crédito já consubstanciado num direito com conteúdo reconhecível, cuja concretização e vencimento podem estar dependentes de um evento futuro e incerto. Mas não assume tal qualidade um crédito relativamente ao qual a própria existência seja meramente hipotética, i.é, que possa nem sequer vir a surgir na esfera jurídica do pretenso credor.
É o que acontece no caso em apreço, onde a requerente não demonstra a titularidade de qualquer direito de crédito sobre a requerida, designadamente um com a dimensão aquele que invoca, cujos meros vencimento ou exigibilidade estejam dependentes da verificação de uma condição. A montante disso, o próprio surgimento do direito de crédito a que a apelante alude é, ele próprio, uma mera hipótese que poderá não se verificar, já que quanto à sua verificação não há mais do que uma mera expectativa ou receio. É o próprio crédito que não existe; não é a sua mera concretização ou a sua eficácia que estão dependentes de um acontecimento futuro e incerto.
Isso mesmo se afirmou no Ac. do TRG de 14/04/2011, proc. nº 3742/10.9TBGMR-B.G1, em dgsi.pt, nos seguintes termos: “Quer isto significar que o requerente, como fiador do requerido, enquanto não pagar a quantia exequenda, ou parte dela, judicial ou extrajudicialmente, não detém um efectivo crédito sobre este. Do contrato de mútuo celebrado entre o Banco e o requerido, em que o requerente interveio como fiador deste último, não nasceu qualquer crédito na esfera jurídica do garante, pois para que tal aconteça forçoso será que o mesmo pague ao credor, no todo ou em parte, a dívida do devedor principal. Daí que, à data da apresentação do requerimento executivo, não tivesse o requerente mais do que uma expectativa, ainda que séria, de se vir a constituir como credor do requerido.
Acresce que essa expectativa não pode confundir-se, salvo o devido respeito, com a noção de “crédito sob condição”, porquanto é o próprio crédito em si mesmo que não se mostra constituído, não tendo qualquer conteúdo fixado, coisa diversa de existir já, embora com a eficácia na ordem jurídica dependente de um facto futuro e incerto.” No mesmo sentido, cfr. Ac. do TRP de 5/3/2009 – proc. nº 565/08.9TYVNG.
Resta, assim, concluir - em expressa concordância com o tribunal a quo - que à requerente não assiste o direito – o que equivale a afirmar que carece de legitimação substantiva – para pretender a declaração de insolvência da requerida, em função das relações jurídicas que invocou manter com esta, v.g em função das garantias que prestou quanto ao cumprimento de obrigações por esta contraídas.
Tal afirmação, como parece óbvio, não se reporta à apreciação da legitimidade processual da requerente, dada por adquirida no saneamento do processo em termos que não suscitam qualquer controvérsia. Reporta-se, isso sim, ao (não) reconhecimento do direito da requerente a ver deferida, em razão da situação jurídica que invocou, a sua pretensão de que a requerida seja declarada insolvente.
Improcederá, pois, também nesta parte a presente apelação.
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Por fim, afirma a apelante que a constatação do preenchimento dos pressupostos descritos nas als. a) e b) do art. 20º do CIRE impõe a declaração de insolvência da requerida, assim impugnando a afirmação do tribunal recorrido em sentido contrário.
Acontece que esta questão não pode sequer ser apreciada, constatando-se que o tribunal só a tratou para reforçar a demonstração da justeza da sua decisão, mas não a decidindo sequer a título subsidiário.
Com efeito, o tribunal decidiu a causa afirmando, na essência, o seguinte: “A requerente (…) não tem o direito de requerer a declaração de insolvência da requerida C…, S.A.”
Depois, como que ambicionando tornar mais compreensível a sua decisão, continuou: “Mesmo que assim não fosse entendido, a verdade é que o pedido sempre deveria ser julgado improcedente.” E passou a referir as razões pelas quais não haveria de considerar verificados quaisquer dos factos índice previstos nas als. a) e b) do art. 20º do CIRE: “É certo que a requerida tem dívidas ao “D…, S.A.” e ao “E…, S.A.”, assim como à Fazenda Pública.
Porém, não podemos deixar de ter presente o património da requerida, cujo valor será suficiente para satisfazer o passivo (como resulta do relatório pericial), estando em curso acções executivas tendentes a cobrar coercivamente os valores considerados devidos (em relação ao “E…, S.A.” o valor em causa é francamente inferior ao peticionado inicialmente).
É certo, também, que a requerida não diligenciou pelo cancelamento de ónus e encargos registados sobre as fracções autónomas e que garantem dívidas já inexistentes, sendo certo, também, que a contabilidade da requerida não se mostra, pelo menos, organizada. Porém, desses factos não resulta o preenchimento de qualquer um dos factos-índice elencados no art. 20º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.”
Constata-se, assim, que a pretensão de declaração de insolvência da requerida falece porquanto à requerente não foi reconhecido o direito a obter essa declaração. Na economia da sentença, o preenchimento, ou o não preenchimento, dos factos-índice constantes do art. 20º, nº 1, do CIRE é irrelevante. Não foi essa a causa da improcedência da acção e tal matéria só marginalmente, e sem utilidade, foi abordada.
A matéria manteria, no entanto, a sua relevância e utilidade para a causa se, mesmo na falta de uma pretensão deduzida por alguém a quem fosse reconhecido um tal direito, a situação de insolvência da requerida pudesse ser oficiosamente verificada e judicialmente declarada.
Isso não acontece, no entanto, pois que a declaração de insolvência só pode ser requerida pelo próprio insolvente ou pelas outras entidades legitimadas para o efeito, nos termos do nº 1 do art. 20º do CIRE. Tal solução é, de resto, compatível com a previsão da possibilidade de desistência do pedido ou da instância, constante do art. 21º, que não deveria ser admissível se a declaração de insolvência fosse passível de declaração oficiosa.
Este regime que o legislador consagrou e que é compatível com a “desjudicialização” do processo de insolvência que expressamente o motivou, só consente a excepção prevista no art. 17º-G, nº 3, do CIRE, em que a situação de insolvência determina a respectiva declaração oficiosa quando, no termo de um processo especial de revitalização, não é alcançada a aprovação de um plano de recuperação (cfr. Carvalho Fernandes e Labareda, CIRE Anotado, pg. 202).
Temos pois que, neste caso, o tribunal não pode decretar oficiosamente a insolvência da requerida, mesmo que verifique o preenchimento de qualquer dos factos índice, constantes do nº 1 do art. 20º do CIRE.
Por outro lado, à requerente, independentemente da verificação de qualquer deles, não assiste o direito a que seja declarada essa mesma insolvência.
Por conseguinte, inútil se torna discutir e averiguar se, em concreto, se verifica ou não o preenchimento de qualquer das circunstâncias previstas na norma indicada. A insolvência da requerida “C…, S.A” jamais poderia ser declarada nesta causa, ainda que se concluísse pela verificação de qualquer daqueles factos. Prejudicada fica, por isso, a apreciação dessa questão.
De resto, como se referiu, foi na percepção dessa mesma realidade que o tribunal a quo, como hipótese meramente teórica, negou a verificação, in casu, de qualquer dos pressupostos constantes daquele nº 1 do art. 20º.
Não será, pois, também à luz dos argumentos desenvolvidos a propósito desta questão que poderá ser deferida a pretensão recursiva da apelante.
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Resta, em conclusão, perante a falência ou irrelevância de todas as razões arguidas pela apelante, confirmar a douta decisão recorrida.
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Sumariando (art.663º, nº7 do Código do Processo Civil):
1 – No caso do art. 50º do CIRE, que compreende, para efeitos desse código, uma noção ampliada do que poderá considerar-se um crédito sob condição, o titular de um crédito sob condição suspensiva tem de revelar a titularidade de um crédito já consubstanciado num direito com conteúdo reconhecível, cuja concretização e eficácia permanecem dependentes de um evento futuro e incerto.
2 – Não constitui um crédito sob condição a alegação de um eventual crédito futuro, sustentado no direito de regresso que um avalista terá sob o subscritor de uma livrança, por admitir que terá de vir a satisfazer a responsabilidade cambiária deste para com o respectivo credor, em razão do aval que prestou, mesmo tendo já ambos sido demandados judicialmente para o respectivo pagamento.
3 – Um eventual crédito correspondente a esse direito de regresso só nascerá quando e na medida em que o avalista venha a assumir a satisfação da obrigação garantida, efectuando o seu pagamento. Antes disso, existe uma mera expectativa, que não pode confundir-se com um crédito sob condição.

IV) Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes nesta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, em consequência do que confirmam a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Registe e notifique.

Porto, 8 de Novembro de 2016
Rui Moreira
Fernando Samões
Vieira e Cunha