Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
238/16.9PDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NETO DE MOURA
Descritores: CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CUMPLICIDADE
Nº do Documento: RP20171108238/16.9PDPRT.P1
Data do Acordão: 11/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º54/17, FLS.238-247)
Área Temática: .
Sumário: I - O que distingue a cumplicidade da co-autoria é a ausência do domínio do facto; o cúmplice não faz mais do que facilitar o facto ao autor, podendo fazê-lo através de auxílio físico (cumplicidade material) ou psíquico (cumplicidade moral ou intelectual), constituindo a prestação de auxílio toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou tenha fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.
II - A cumplicidade há-de revelar-se através da causalidade e, no caso de auxílio moral, a palavra, o gesto ou o comportamento há-de revelar a vontade de reforçar uma decisão criminosa já tomada.
III - Não constitui cumplicidade a mera cogitatio, o simples conhecimento, ou mesmo a aceitação passiva do facto ilícito típico do autor.
IV - A atitude da arguida não apenas de aceitar que o marido guardasse, preparasse e doseasse a droga na casa que era a residência do casal e na sua presença, mas também de com ele colaborar, ocasionalmente, nessa preparação, doseamento e acondicionamento, teve, seguramente, o efeito de cimentar a sua decisão criminosa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 238/16.9 PDPRT.P1
Recurso Penal
Relator: Neto de Moura

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
No âmbito do processo comum que, sob o n.º 238/16.9 PDPRT, corre termos pela 1.ª Secção Criminal (J10) da Instância Central da Comarca do Porto, foram submetidos a julgamento, por tribunal colectivo, os arguidos B… e C…, mediante acusação do Ministério Público que lhes imputou a prática de factos que, em seu critério, eram susceptíveis de consubstanciar um crime de tráfico de estupefacientes.
Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, após deliberação do Colectivo, foi proferido acórdão (fls. 358 e segs.), datado de 09.03.2017 e depositado na mesma data, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo acordam em julgar a douta acusação parcialmente procedente e, em consequência:
A) Absolver a arguida C… da prática, como coautora, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº1 do DL 15/93, de 22.1.

B) Condenar o arguido B…, pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do DL 15/93, de 22.1., com referência às Tabela I-A e I-B anexas a tal diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
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Declaram-se perdidos a favor do Estado:
- Todos os produtos estupefacientes apreendidos nos presentes autos e ordena-se a sua destruição (arts. 35º, nº2 e 62º, nº6, ambos do DL 15/93, de 22.01);
- Bolsas/sacos (cantos) /embalagens onde esses produtos estavam acondicionados, balança de precisão e lâminas de x-ato, por se tratar de objetos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de tráfico de estupefacientes, e, por oferecerem, pela sua natureza e as circunstâncias do caso, sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, ordena-se a sua destruição (arts. 35º, nº1 do DL 15/93, de 22.01 e 109º, nº1 e 3, do CP);
- Declaram-se perdidas a favor do Estado as quantias de € 1.000,00 e de € 573,25 aprendidas ao arguido, atenta a sua proveniência ilícita (36º, nº1 do DL 15/93, de 22.01)”.
Discordando da decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões (em transcrição integral):
1 - “A arguida C… vinha acusada, em co-autoria com o co-arguido B…, seu marido, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1 do DL 15/93, de 22.1, tendo o Tribunal a quo decidido pela sua absolvição.

2 - No Douto Acórdão ora recorrido decidiu o Tribunal a quo a absolvição da arguida do crime pelo qual foi acusada, pelas razões que explicitou na motivação da decisão, mas entendendo o Ministério Público que, perante os factos considerados provados, diversa teria que ser a decisão quanto aos factos integradores dos elementos constitutivos do tipo de crime em causa, assim se verificando um erro de julgamento em matéria de facto, bem como outra deveria ter sido a decisão de Direito, assim se verificando um erro de julgamento em matéria de Direito, tudo no sentido da sua condenação.

3 - Na verdade, importa ponderar que podia e devia ter sido equacionada a imputação de responsabilidade penal à arguida a título de cúmplice, tendo em conta desde logo que, para a existência da cumplicidade importa a autoria do facto, sendo fundamental a existência de uma relação causal entre a actividade do cúmplice e a actividade do autor, não podendo aquela existir sem esta.

4 - Por outro lado, na distinção entre autoria e cumplicidade deverá atender-se à denominada teoria do domínio do facto nos termos da qual se entende que o autor, ou co-autor, será aquele que detém ou pode deter a possibilidade fáctica de intervenção nos acontecimentos.

5 - Conforme diz Hans-Heinrich Jesheck, “cumplicidade é a cooperação dolosa com outro na realização de um seu (dele) facto antijurídico dolosamente cometido. O cúmplice limita-se a favorecer um facto alheio, não toma parte no domínio do facto”.

6 - No acórdão recorrido dá-se como provado no ponto 2.: “Os arguidos B… e C…, são casados entre si e a atividade de venda de estupefacientes levada a cabo pelo primeiro era desenvolvida a partir da residência do casal, na Rua …, entrada …, casa .., nº … do Bairro …, nesta cidade.”

7 - E ainda no ponto 3.: “Assim, no dia 18 de Junho de 2016, pelas 01h12m, o arguido B… foi contactado naquela residência por D…, tendo-lhe entregue 0,080 gramas (peso líquido) de cocaína (cloridrato), e em troca recebeu uma nota de cinco euros”, seguindo-se a descrição de que como nessa altura se procedeu a busca na residência de ambos, onde se encontrava a arguida C…, estando esta sentada no sofá da sala de estar, tendo na mesa dessa sala, à sua frente, expostas as descritas quantidades de cocaína, heroína, €573,25 em notas e moedas, uma balança de precisão, lâminas e cantos de plástico próprios para acondicionar doses de estupefaciente;

8 - E nos pontos 6 e 7 dos factos provados, fixou-se que “- A arguida C…, por vezes, a solicitação do seu marido B…, no interior da residência comum do casal, quando este se encontrava na atividade de preparação, doseamento ou acondicionamento dos produtos estupefacientes, chegava-lhe à mão sacos ou outros objetos que aquele lhe indicasse.”; e “- A arguida C… era conhecedora da atividade de venda de produtos estupefacientes levada a cabo pelo arguido B…”;

9 - Tal factualidade assenta, em grande medida, na valoração das declarações prestadas pela arguida perante Juiz de Instrução Criminal, no primeiro interrogatório judicial de 18.06.2016, conforme registo da gravação respectiva, reproduzido em audiência de julgamento, em que admitiu ajudar numa coisa ou outra o marido, na actividade de tráfico.

10 - Não se pode obviar ainda ao facto de, no dia da busca e apreensão no interior da residência comum do casal, em 18 de Junho de 2016, altura em que foi visualizada uma venda de dose de cocaína à porta da sua residência, a arguida C…, que autorizou a busca domiciliária, se encontrar na sala de estar da residência, sentada no sofá em frente à mesa em cima da qual foram encontradas e apreendidas, além do mais, as quantidades de cocaína, heroína, o dinheiro, a balança de precisão, lâminas e cantos de plástico próprios para acondicionamento de produto estupefaciente (tal como provado no ponto 4 dos factos provados).

11 - Verifica-se, deste modo, que a conduta da arguida foi para além do mero conhecimento e tolerância à presença de estupefacientes na sua residência e da prática de actos triviais e sem relevo criminal, pois, na verdade, a arguida prestou auxílio activo ao arguido B…, seu marido.

12 - Admite-se que, perante a prova produzida, se conclua que a arguida não detinha o domínio do facto, apenas actuando como simples auxiliadora, mas a sua conduta não pode deixar de ser integrada na prática, como cúmplice, do descrito crime de tráfico de estupefacientes e, deste modo, determinar a sua condenação.

13 - Pelo que à luz da interpretação que antecede, fica patente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, ao não dar como provado, ao menos, que “a arguida C… colaborava na actividade desenvolvida pelo arguido B…”.

14 - Assim se impondo a alteração da matéria de facto de modo a ser dado como provado que “a arguida C… colaborava na actividade de comercialização de estupefacientes desenvolvida pelo arguido B…, agindo sempre livre, consciente e voluntariamente, conhecendo as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que aquele arguido guardava na residência comum de ambos e transaccionava com intenção de obter contrapartida económica, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.”

15 - E, consequentemente, ser determinada a condenação da arguida pela prática, como cúmplice, de um crime de tráfico de estupefacientes, tal como p. e p. nos artigos 27º, do Código Penal e 21º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22.1, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas a este diploma legal.

16 - Mostram-se violados, na decisão a quo, os artºs 27º do Código Penal e 21º nº1, do D/L nº 15/93, de 22/01, bem como os princípios contidos no art.º 127º do C.P.P.”.

Pugna, assim, pela revogação da decisão absolutória e pela sua substituição por outra que condene a arguida C… pela prática, como cúmplice do co-arguido B…, de um crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1, “numa pena, ainda que não detentiva, e no limiar mínimo da moldura respectiva”.
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Admitido o recurso (despacho a fls. 430) e notificada a arguida C… (a única afectada pela sua interposição), por esta foi apresentada resposta à respectiva motivação, que sintetizou assim:
I. - “A Digníssima Procuradora da República não se conformando com o douto Acórdão proferido, na parte em que decidiu absolver a arguida da prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93 de 22.01, do mesmo veio a interpor recurso para o douto Tribunal da Relação do Porto.

II. - Ora, a decisão sobre esta matéria encontra-se motivada, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo, nenhuma delas proibidas por lei, e todas de livre apreciação do julgador, segundo as regras da experiência comum e a sua convicção (artº 127º), operando a sua análise crítica (artº 374º, 2 - todos do CPP).

III. - Também no douto Acórdão se analisam, com detalhe, a eventual participação da arguida C…, como cúmplice, (já que como coautora, estamos todos de acordo, que a mesma não poderia nunca ser condenada).

IV - E é, a nosso ver, uma fundamentação convincente, na qual é feita a análise das várias provas produzidas, retratando exemplarmente a consagração no direito processual penal dos princípios da oralidade e da imediação, no que toca ao processo psicológico de formação da convicção do julgador.

V. - A matéria fáctica mostra-se, pois, fixada de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova e as regras da experiência comum - artº 127º do CPP.

VI. - In casu, tal como resulta da fundamentação da matéria de facto (não provada), o tribunal "a quo" considerou não haver matéria para a punição da arguida, nem sequer como cúmplice.

VII. - Aliás refere a Sra. Procuradora no seu recurso, a fls 9, que “antes se indicia uma adesão da arguida a atos concretos de ajuda à atividade de tráfico no dia-a-dia….”;

VIII. - Ora, se em sede de inquérito até podemos considerar como suficientes os “indícios” elencados, nunca poderão servir de base a uma condenação, onde esses indícios têm de se converter em provas sólidas.

IX. - Deste modo nada há a apontar ao Douto Acórdão proferido, devendo o recurso interposto pelo Ministério Publico improceder, mantendo-se a absolvição da arguida C…”.
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Proferido despacho em que se considerou transitado em julgado o acórdão condenatório quanto ao arguido B… e organizado traslado para o seu cumprimento, subiram os autos ao tribunal de recurso e, já nesta instância, na intervenção prevista no n.º 1 do art.º 416.º do Cód. Proc. Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que, secundando a posição do Ministério Público na 1.ª instância, manifesta o entendimento de que, efectivamente, o tribunal errou na apreciação da prova no que concerne à participação da arguida no crime cometido pelo co-arguido, pelo que conclui pela procedência do recurso.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, sem que tenha sido apresentada resposta.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
IIFundamentação
São as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj)[1] e, portanto, delimitam o objecto do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso, naturalmente sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insupríveis e dos vícios da sentença, estes previstos no n.º 2 do art.º 410.º do Cód. Proc. Penal.
O recorrente impugna a decisão sobre matéria de facto quanto à arguida C….
Defendendo o recorrente que ela, voluntária e conscientemente, praticou actos de auxílio ao arguido B… o tráfico de estupefacientes, a actuação da arguida C… configura uma situação de cumplicidade na prática desse crime.
Assim, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- se o tribunal incorreu em erro de julgamento em matéria de facto, por incorrecta apreciação e valoração da prova;
- se a arguida C… agiu como cúmplice do co-arguido B… na prática do crime de tráfico de estupefacientes.
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Identificadas as questões a decidir e assim delimitado o objecto do recurso, importa conhecer os factos provados e não provados.
Factos provados[2]:
1 – Pelo menos desde 3 semanas antes do dia 18 de Junho de 2016, o arguido B… pôs em prática um plano que havia previamente delineado com vista à venda a terceiros de produto estupefaciente, designadamente heroína e cocaína, pelo preço de €5 cada dose, e obtenção dos lucros daí decorrentes.
2 - Os arguidos B… e C…, são casados entre si e a actividade de venda de estupefacientes levada a cabo pelo primeiro era desenvolvida a partir da residência do casal, na Rua …, entrada …, casa .., ..º andar, do Bairro …, desta cidade do Porto.
3 - Assim, no dia 18 de Junho de 2016, pelas 01h12m, o arguido B… foi contactado naquela residência por D…, tendo-lhe entregue 0,080 gramas (peso líquido) de cocaína (cloridrato), e em troca recebeu uma nota de cinco euros.
4 - Nessa altura o arguido foi interceptado, procedendo-se à busca no interior da referida residência, autorizada pela arguida C…, tendo sido encontrado:
▪ Na sala, em cima da mesa:
(local onde se encontrava a arguida C…)
- 4,297 gramas (peso líquido) de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com um grau de pureza de 38,3%;
- 0,680 gramas (peso líquido) de heroína;
- €573,25, em notas e moedas do BCE;
- 1 (uma) bolsa, em pele, de cor preta, que continha resíduos de produto estupefaciente;
- 1,284 gramas (peso líquido) de cocaína (cloridrato);
- 73,351 gramas (peso líquido) de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com um grau de pureza de 38,3%;
- 1 (uma) balança digital de precisão, marca Pocked Sale MH, de cor cinza prata de tara máxima de 500 gramas;
- 2 (duas) lâminas de corte de x-ato, de cor cinza prata, próprias para o corte do produto de estupefaciente;
- 3 (três) cantos de plástico, utilizados para o acondicionamento do produto estupefaciente;
▪ No quarto do casal, na primeira gaveta da mesinha de cabeceira:
- €1000,00, em notas do BCE;
5 - O produto estupefaciente e todos os objectos apreendidos eram o resultado da actividade de tráfico desenvolvida pelo arguido B… ou destinavam-se à venda ou à preparação das vendas a realizar por si.
6 - A arguida C…, por vezes, a solicitação do seu marido B…, no interior da residência comum do casal, quando este se encontrava na atividade de preparação, doseamento ou acondicionamento dos produtos estupefacientes, chegava-lhe à mão sacos ou outros objetos que aquele lhe indicasse.
7 - A arguida C… era conhecedora da atividade de venda de produtos estupefacientes levada a cabo pelo arguido B….
8 - O arguido B… tinha consciência de que não podia adquirir, deter, ceder, proporcionar a outrem ou vender as mencionadas substâncias, cuja natureza e características conhecia, e mesmo assim muniu-se das mesmas, com o propósito de as entregar, mediante contrapartida, a outras pessoas para consumo, pretendendo assim obter vantagens económicas.
9 - O arguido B… agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
(…)
20 - O agregado ocupava, tal como actualmente, um apartamento de tipologia 3, inserido em empreendimento social da cidade do Porto, zona com elevada incidência de problemáticas criminais, nomeadamente narcotráfico e consumo de estupefacientes.
21 - O arguido encontrava-se em situação de inactividade profissional, desempenhando tarefas ocasionais na área da construção civil, pelas quais obtinha rendimentos variáveis. O cônjuge realizava trabalhos pontuais, junto da roulotte do irmão, beneficiando ainda de ajudas de familiares, não dispondo de qualquer apoio social. Os filhos do arguido são estudantes.
(…)
32 - A arguida C… é a mais velha de três descendentes de um casal de modesta condição socio económica, residente em Vila Nova de Gaia.
33 - O progenitor era servente da construção civil e a progenitora trabalhava como empregada de limpeza em casas particulares. O ambiente familiar de inserção, constituído pelos progenitores, irmãos e um tio paterno, foi descrito como estável e afectivamente gratificante, não obstante a arguida relata que o progenitor mantinha consumos excessivos de álcool, aspecto que não teria impacto nas dinâmicas familiares. A arguida terá beneficiado de imposição de regras, horários e níveis de supervisão ajustados.
34 - Frequentou infantário e pré-escola, integrou o ensino regular em idade normal, tendo concluído o 6.º ano de escolaridade, refere ter frequentado curso de cabeleireiro, do qual veio a desistir por questões pessoais.
35 - O seu percurso escolar foi marcado pelas dificuldades ao nível da aprendizagem e retenções por falta de aproveitamento académico, não havendo ao nível comportamental registo de disrupções. A arguida abandonou o sistema de ensino aos 18 anos, tendo sido nessa altura que registou a sua primeira experiencia profissional, como copeira, numa churrasqueira, onde laborou cerca de um ano, vindo a sair na sequência do encerramento da mesma. Permaneceu alguns meses sem qualquer actividade, passando então a auxiliar o irmão, proprietário de roulotte de venda de farturas, em alturas de maior actividade, nomeadamente no período de verão, situação que se mantém até ao presente.
36 – C… autonomizou-se do agregado de inserção aos 17 anos de idade, para ir viver com uma amiga, na zona de …, no Porto. Posteriormente viveu sozinha alguns anos, tendo também mantido situação de coabitação com um namorado durante cerca de 2 anos.
37 - Em 2011, contraiu matrimónio com B…, passando a viver no bairro …, onde este tinha habitação atribuída.
38 - À data dos factos pelos quais se encontra acusada, C… residia com o cônjuge/coarguido, e dois enteados, na actual morada, sita no bairro …. Ambos elementos do casal encontravam-se laboralmente inactivos, relatando a arguida uma situação financeira deficitária, uma vez que subsistiam dos seus trabalhos pontuais, junto da roulotte do irmão, e das ajudas de familiares, não dispondo de qualquer apoio social.
39 - Presentemente, C… vive com o enteado de 18 anos de idade, encontrando-se o cônjuge detido no âmbito do presente processo, em apartamento camarário, tipologia 3, com condições de habitabilidade, situado no bairro …, zona com elevada incidência de problemáticas criminais, nomeadamente narcotráfico/consumo de estupefacientes.
40 - A arguida encontra-se a trabalhar como empregada de balcão e mesa e limpeza num café, em Vila Nova de Gaia, há cerca de um mês e meio, não tendo presentemente contrato de trabalho, situação que aguarda ver regularizada brevemente. De acordo com o contato telefónico estabelecido com a entidade patronal da arguida, através de contato prestado pela mesma, esta encontra-se a trabalhar à experiência, sendo que no final do mês de fevereiro iria ser avaliado o seu desempenho e constituído contrato de trabalho se para tal houver condições, mais informou que até ao momento C… tem revelado um bom cumprimento das funções que ocupa.
41 - O agregado subsiste do salário da arguida, 475 euros, apresentando como despesas fixas mensais os encargos com a renda da habitação, 10,75 euros, eletricidade, cerca de 50 euros, água, cerca de 30 euros, serviços “E…”, 49,90 euros, e alimentação, avaliando a situação financeira atual como suficiente para as despesas.
42 - Ocupa os seus tempos livres maioritariamente com as tarefas domésticas, convívio com a família e enteado, e visitas ao cônjuge, detido no Estabelecimento Prisional F….
43 - No meio socio residencial, a arguida foi descrita como uma pessoa educada e reservada.
44 - O arguido B… sofreu anteriormente as seguintes condenações judiciais, transitadas em julgado:
- Por sentença proferida em 08.08.1998, transitada em julgado em 17.09.1998, no âmbito do Proc. Sumário nº 649/98.0PRPRT, do 2º Juízo do TPIC do Porto, pela prática, em 07.08.1998, de um crime de condução ilegal, p. e p. pelo art. 3º do DL 2/98, de 03.01, foi condenado na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 500$00. Por decisão datada de 10.01.2012, a respetiva prisão subsidiária de 26 dias foi declarada integralmente perdoada nos termos da Lei nº 29/99. Por despacho de 04.04.2006 a pena de multa foi declarada extinta.
- Por sentença proferida em 18.02.1999, no âmbito do Proc. Sumário nº 186/99.5PRPRT do TPIC do Porto, pela prática, em 18.02.1999, de um crime de condução ilegal, p. e p. pelo art. 3º, nº2 do DL 2/98, de 03.01, foi condenado na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 400$00. Por despacho de 24.01.2002, a respetiva prisão subsidiária foi declarada integralmente perdoada nos termos da Lei nº 29/99. Por despacho de 10/07/2002, foi revogado o perdão de 120 dias de prisão subsidiária. Em 19.02.2003, foi declarada extinta pelo pagamento a pena de multa.
- Por sentença proferida em 07.11.2001, no âmbito do Processo nº 149/2001 da 1ª Vara Criminal do Porto, pela prática, em 11.06.2001, de um crime de dano simples, p. e p. pelo art. 212º do CP, foi condenado na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 500$00. Em 18.01.2002, foi declarada extinta pelo pagamento a pena de multa.
- Por acórdão proferido em 08.05.2002, transitado em julgado em 23.06.2002, no âmbito do Proc. Comum Coletivo nº 39/01.9P6PRT, da 2ª Vara Criminal do Porto, pela prática, em 08.05.2001, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos arts. 21º e 22º do DL 15/93, de 22.01, foi condenado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão e na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de €3. Em 21.01.2005, foi concedida a liberdade condicional pelo período decorrente até 08.11.2006. Por decisão de 01.02.2008, foi revogada a liberdade condicional e determinada a execução da pena de prisão ainda não cumprida. Em 11.06.2013, foi declarada extinta, pelo cumprimento, a pena de prisão e em 23.09.2004 foi declarada extinta, pelo pagamento, a pena de multa.
- Por acórdão proferido em 08.06.2007, transitado em julgado em 26.06.2007, no âmbito do Proc. Comum Coletivo nº 8106/05.3TDPRT, do Juízo Central Criminal da Comarca do Porto-J3, pela prática, em 22.03.2006, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos arts. 21º, nº1 do DL 15/93, de 22.01, foi condenado na pena de 6 anos de prisão. Em 03.10.2014, foi declarada extinta tal pena pelo cumprimento.
- Por sentença proferida em 23.02.2006, no âmbito do Processo Sumário nº 219/06.0PTPRT do 2º Juízo do TPIC do Porto, pela prática, em 23.02.2006, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º do DLK 2/98, de 03.01, foi condenado na pena de 190 dias de multa, à taxa diária de €3. Em 04.07.2006, foi declarada extinta pelo pagamento a pena de multa.
45 – A arguida C… não tem antecedentes criminais.
Factos não provados:
1 – Pelo menos desde 18 de Junho de 2016, que a arguida C…, conjuntamente com o seu marido, o arguido B…, pôs em prática um plano que, entre ambos, haviam previamente delineado com vista à venda a terceiros de produto estupefaciente, designadamente heroína e cocaína e obtenção dos lucros daí decorrentes.
2 - O produto estupefaciente e todos os objetos apreendidos eram o resultado da atividade de tráfico desenvolvida também pela arguida C… ou destinavam-se à venda ou à preparação das vendas por ela também realizadas.
3 – A arguida C… agiu com o propósito de, em conjugação de esforços e com divisão de tarefas, entregar os produtos estupefacientes, mediante contrapartida, a outras pessoas para consumo, pretendendo assim obter vantagens económicas que o casal repartia entre si.
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Como é bem sabido, o nosso ordenamento jurídico acolhe o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º do Cód. Proc. Penal).
Em termos simples e sintéticos, tal princípio pretende exprimir a ideia de que no ordenamento jurídico que o consagra, e particularmente no processo penal, não existe prova tarifada (portanto, não há regras de valoração probatória que vinculem o julgador, como acontecia no sistema da prova legal), pelo que, por regra[3], qualquer meio de prova deve ser analisado e valorado de acordo com a livre convicção do julgador (que não é o mesmo que íntima convicção, como, por vezes, também é designada).
O juiz é livre de relevar, ou não, elementos de prova que sejam submetidos à sua apreciação e valoração: pode dar crédito às declarações do arguido ou do ofendido/lesado em detrimento dos depoimentos (mesmo que em sentido contrário) de uma ou várias testemunhas; pode mesmo absolver um arguido que confessa, integralmente, os factos que consubstanciam o crime de que é acusado (v.g. por suspeitar da veracidade ou do carácter livre da confissão); pode desvalorizar os depoimentos de várias testemunhas e considerar decisivo na formação da sua convicção o depoimento de uma só[4]; não está obrigado a aceitar ou a rejeitar, acriticamente e em bloco, as declarações do arguido, do assistente ou do demandante civil ou os depoimentos de testemunhas, podendo respigar desses meios de prova aquilo que lhe pareça credível.
O que sempre se impõe é que explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova segundo as regras do entendimento correcto e normal, isto é, de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada.
Mas a liberdade[5] do convencimento que conforma o modelo da livre apreciação não significa ausência de obstáculos ou limites na amplitude da actividade de investigação e valoração do juiz, que não é inteiramente livre de valorar, adquirir, admitir e escolher a prova.
A liberdade conferida ao julgador na apreciação da prova não visa criar um poder arbitrário e incontrolável nem a valoração da prova é uma operação emocional ou intuitiva[6].
Como salienta o Professor G. Marques da Silva (“Curso de Processo Penal”, II, Verbo, 5.ª edição revista e actualizada, 185), do que se trata é de uma “liberdade para a objectividade” (não a objectividade científica, sistemático-conceitual e abstracto-generalizante, mas antes uma racionalização de índole prático-histórica, a implicar menos o racional puro do que o razoável, proposta não à dedução apodíctica, mas à fundamentação convincente para uma análoga experiência humana, e que se manifesta não em termos de intelecção, mas de convicção[7]), o mesmo é dizer, “por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
A convicção do julgador é, sempre e necessariamente, uma convicção pessoal, mas também “uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros” (J. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal, I, 1974, pág. 203).
Os limites da liberdade valorativa da prova no âmbito penal são as já mencionadas regras da lógica e da razão, as máximas da experiência e os conhecimentos técnicos e científicos.
Por isso é absolutamente fundamental que o juiz explique e fundamente a sua decisão e deve preocupar-se em ser claro, racional e objectivo na motivação da sua decisão (e não escudar-se em meras impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação), de modo que se perceba o raciocínio seguido e este possa ser objecto de controlo.
É este o entendimento há muito sedimentado no âmbito da jurisdição constitucional (cfr., por todos, o Acórdão n.º 1165/96, acessível em www.dgsi.pt) e na jurisprudência do STJ (cfr., entre muitos outros, o acórdão de 12.05.1999, Rec. n.º 406/99, 3.ª secção, parcialmente reproduzido e comentado por Eduardo Maia Costa na Revista do Ministério Público n.º 78, 144 e segs.).
Não mereceu qualquer objecção do recorrente a conclusão, a que chegou o tribunal, de que a arguida C… não pode ser considerada co-autora do crime de tráfico de estupefacientes, pois admite que, “perante a prova produzida, se conclua que a arguida não detinha o domínio do facto”.
Mas o tribunal foi mais longe e excluiu qualquer forma de participação da arguida nos factos que constituem o objecto deste processo, nomeadamente como cúmplice, justificando assim o seu juízo:
“Diferentemente, provou-se que a arguida C…, conhecedora que era da atividade de tráfico de estupefacientes levada a cabo pelo seu marido B…, por vezes, a solicitação deste, no interior da residência comum do casal, quando ele se encontrava na atividade de preparação, doseamento ou acondicionamento dos produtos estupefacientes, chegava-lhe à mão sacos ou outros objetos que o mesmo lhe indicasse – factos nºs 6 e 7.
Pode-se, pois, colocar a hipótese de a arguida ter atuado como cúmplice.
Preceitua o art. 27º, nº1 do CP que “é punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso”.
É aplicável ao cúmplice a pena fixada para o autor, especialmente atenuada (nº2 do art. 27º).
O fundamento da punição da cumplicidade reside no contributo que o comportamento do cúmplice oferece para a realização pelo autor de um facto ilícito-típico, fornecendo a este auxílio material ou moral para o efeito.
Como observa Figueiredo Dias (ob. cit., págs. 831 e 832), da acessoriedade quantitativa ou externa que caracteriza a cumplicidade, decorre, para a punibilidade desta, a exigência de que o facto principal (do autor) alcance um certo estádio de realização; ou seja, se a cumplicidade é participação no facto de outrem, no ilícito-típico de outrem, então aquela não pode existir de um ponto de vista jurídico-penal e ser punível se o ilícito-típico não existir.
Por conseguinte, tal como o art. 26º, 4ª alternativa, exige para a instigação, também aqui – apesar do silêncio da lei – se deve exigir que “haja execução ou começo de execução” da parte do autor.
Contudo, isto não exclui que a cumplicidade possa verificar-se não só relativamente à tentativa do facto principal, mas também aos seus atos preparatórios nos casos excecionais que sejam puníveis (v.g., contrafação de moeda, arts. 271º, nº1 e 262º).
Abordando seguidamente a questão de saber quando deve ter lugar o facto da cumplicidade para considerar-se punível, adianta o insigne autor que “o seu campo de eleição é seguramente, de um ponto de vista prático, o da fase de preparação do facto principal: será durante esta fase que, as mais das vezes, o cúmplice prestará auxílio material ou moral ao facto do autor. Por outra parte, a cumplicidade só pode contribuir para a realização do facto pelo autor enquanto aquele não tiver sido ainda completamente realizado: uma cumplicidade ex post facto não existe”.
Donde, é seguro afirmar-se que a cumplicidade só é possível e punível até à consumação do ilícito-típico principal.
Ao nível do dolo exigível para a cumplicidade, entende-se ser necessário que o cúmplice conheça a dimensão essencial do ilícito-típico a praticar pelo autor, não sendo de afastar, porém, a admissão da cumplicidade quando o cúmplice desconheça, ou não conheça exatamente, as circunstâncias concretas em que que vai desenvolver-se o ilícito-típico do autor (a. cit.; ob. cit., p. 834).
Por outro lado, regressando ao comportamento objetivo do cúmplice, exige-se que a sua prestação consubstancie um contributo efetivo para o facto do autor.
Não que a prática do facto do autor tenha de ser dependente do contributo do cúmplice; basta que este favoreça aquele, que aumente as hipóteses de realização típica por parte do autor – esta é a mais relevante diferença entre a cumplicidade e a coautoria. Recorrendo a um critério paralelo ao da potenciação do risco, basta que o ato de cumplicidade aumente as hipóteses de realização típica por parte do autor. Se tal não suceder estaremos perante uma tentativa de cumplicidade não punível (a. cit., ob. cit., págs. 835 e 836).
Nessa decorrência, ainda na esteira do Professor Figueiredo Dias, entendemos que a prestação de auxílio deve traduzir-se na criação ou potenciação de um risco não permitido que ultrapasse a medida admissível, devendo assim ser desconsiderados, excluídos do conceito de cumplicidade os comportamentos quotidianos (triviais, da vida diária) valorativamente neutros do ponto de vista da sua relevância criminal, desde que, no caso concreto, não facilitem o cometimento de um crime em medida inadmissível (ob. cit., pág. 837).
In casu, afigura-se-nos que a atuação da arguida C… não facilitou a prática pelo arguido B… do ajuizado crime de tráfico de estupefacientes.
Aquela limitava-se a fazer chegar às mãos do marido, ocasionalmente, a pedido deste e sempre no interior da residência comum, sacos e/ou outros instrumentos que aquele utilizava na preparação, doseamento ou acondicionamento dos produtos, objetos que já se encontravam previamente no interior da casa, ao alcance do arguido e na disponibilidade fática deste. Isto é, bastava que o arguido se levantasse, caminhasse uns metros ou, simplesmente esticasse um braço, para ter nas mãos tais objetos.
Tratam-se, destarte, de comportamentos triviais, não censuráveis eticamente ao ponto de assumirem relevância criminal, antes compreensíveis no âmbito da relação conjugal que unia os arguidos, não bastando para integrar uma atuação cúmplice da arguida C…, de favorecimento do cometimento do crime, pelo menos, frisa-se, em medida inadmissível.
Por conseguinte, cumpre absolver a arguida C… da prática do imputado crime de tráfico de estupefacientes”.
O recorrente Ministério Público censura a decisão recorrida porque, na sua perspectiva, a arguida C…, “admitindo praticar actos de auxílio no manuseamento e acondicionamento do estupefaciente para venda”, teve uma actuação que “foi para além do mero conhecimento e tolerância a que os estupefacientes fossem guardados na sua residência na sua residência e ultrapassa um comportamento trivial e não censurável eticamente”, pelo que deve ser punida como cúmplice.
Tem geral aceitação o entendimento de que, enquanto o co-autor é um comparticipante na prática do facto, toma parte directa na sua execução, juntamente com outro(s), o cúmplice é um simples participante, não intervém na execução do facto, não realiza o tipo de ilícito, apenas auxilia o autor e, portanto, a sua intervenção no facto é acessória.
O traço fundamental da cumplicidade, que a distingue da co-autoria, é a ausência de domínio funcional do facto; o cúmplice não faz mais que facilitar o facto do autor, podendo fazê-lo através de auxílio físico (cumplicidade material) ou psíquico (cumplicidade moral, também chamada cumplicidade intelectual), situando-se a prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.
Mas também não suscita reservas a afirmação de que a “mera cogitatio” (o simples conhecimento) ou mesmo a “aceitação passiva” do facto ilícito típico do autor não constitui cumplicidade[8].
Como se exterioriza, como se revela, então, a cumplicidade?
A lei (artigo 27.º, n.º 1, do Código Penal) diz que pode assumir “qualquer forma”, não especifica os meios que podem configurar auxílio material ou moral.
Segundo Paulo Pinto de Albuquerque[9], o auxílio moral pode consistir em dar um conselho ou influenciar o agente do crime, podendo a ajuda material traduzir-se na entrega ao autor de meios ou instrumentos que favoreçam a realização do facto.
O que importa aqui realçar é que a cumplicidade há-de revelar-se através da causalidade e, no caso de auxílio moral, a palavra, o gesto ou o comportamento há-de revelar a vontade de reforçar uma decisão criminosa já tomada.
No acórdão recorrido pode ler-se que, das declarações da própria arguida C…, decorre que esta, ainda que ocasionalmente, ajudava o arguido B… na preparação, doseamento e acondicionamento dos produtos estupefacientes que este vendia. No entanto, o tribunal considerou que essa ajuda não passava de “comportamentos triviais, não censuráveis eticamente ao ponto de assumirem relevância criminal” porque, o que ela fazia, também ele podia, facilmente, fazer.
Salvo o devido respeito, tal como o recorrente, também se nos afigura inaceitável a opinião expressa de que a colaboração na actividade de tráfico de estupefacientes não tem aquela ressonância ética bastante para assumir relevância criminal.
O auxílio da arguida C… ao marido traficante manifestava-se em actos que não eram indispensáveis à prática do crime; sem essa colaboração e aceitação da arguida, o arguido B…, muito provavelmente, não deixaria de se dedicar à actividade de tráfico de estupefacientes; possivelmente, fá-lo-ia de outro modo, em circunstâncias diversas, mas não seria a recusa de participação da arguida que o levaria a desistir do seu propósito criminoso.
Mas é isso mesmo que caracteriza a cumplicidade: aqui, nesta forma de participação no facto, deparamo-nos com uma causalidade não essencial.
A atitude da arguida, não só de aceitar que o marido guardasse, preparasse e doseasse a droga na casa que era a residência do casal e na sua presença, mas também de com ele colaborar, teve, seguramente, o efeito de cimentar a sua decisão criminosa.
Num caso com contornos muito semelhantes a este (a mulher, traficante de estupefacientes, tinha a ajuda do companheiro, acamado, na divisão e acondicionamento em doses individuais da droga por ela vendida, usufruindo ambos dos proventos obtidos com essa actividade), o Supremo Tribunal de Justiça (em acórdão de 15.02.2007), considerou que o arguido foi um “auxiliator simplex ou causam non dans” e, portanto, cúmplice no crime de tráfico de estupefacientes, exprimindo-se assim:
Dificilmente se poderia ilustrar melhor um caso de cumplicidade do que num caso como o dos autos.
A dar crédito aos factos provados - e outros não há - o arguido não teve qualquer intervenção na decisão de traficar a droga.
Assim como a não tinha na respectiva execução.
Apenas surge a «ajudar» a arguida, aliás, numa tarefa secundária de acondicionamento de embalagens e recorte de plásticos”.
O dolo do cúmplice há-de começar por verificar-se no auxílio prestado ao autor e, por conseguinte, nessa prestação de auxílio deve estar presente o elemento cognitivo (conhecimento de que está ajudar o autor de um facto típico e ilícito) e o elemento volitivo (vontade, livre e esclarecida, de dar essa ajuda).
Mas, a este propósito, fala-se em exigência de um duplo dolo para significar que o facto concreto do autor a que o cúmplice, dolosamente, presta auxílio há-de ser cometido, também, dolosamente.
Lê-se no acórdão recorrido que a própria arguida C… declarou conhecer perfeitamente a actividade levada a cabo pelo marido, ou seja, que este detinha e vendia produtos estupefacientes. Aliás, nem sequer havia qualquer preocupação de resguardo, pois a heroína e a cocaína estavam na residência do casal “à mão de semear”.
Sabemos da experiência acumulada que, não raro, as mulheres são utilizadas, se não contra a sua vontade, pelo menos, condicionadas pelos maridos e companheiros que as envolvem no tráfico de droga.
Não era o que acontecia neste caso, antes está perfeitamente claro, mesmo face às declarações dos arguidos, que o auxílio prestado (na divisão e acondicionamento em doses individuais da cocaína e da heroína) pela arguida ao marido no tráfico de estupefacientes era por ela, voluntariamente, assumido.
Impõe-se, pois, uma alteração da decisão sobre matéria de facto, aditando-se ao elenco de factos provados o seguinte:
9 - A) A arguida C… agiu de forma livre e consciente ao cooperar, voluntariamente, com o marido e co-arguido B… na actividade de comercialização de cocaína e heroína por este levada a cabo na casa de residência do casal, ambos conhecendo as características estupefacientes dessas substâncias e sabendo que as suas condutas eram proibidas e penalmente puníveis.
Com esta alteração, ficam preenchidos os elementos constitutivos do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, praticando-o a arguida C… como cúmplice.
À arguida vinha imputada pelo Ministério Público a prática desse crime em co-autoria. Sendo a cumplicidade um “minus” em relação à co-autoria, ainda assim, haveria que dar à arguida C… a oportunidade de se pronunciar sobre a alteração, não substancial, dos factos. Porém, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 424.º do Código de Processo Penal, a possibilidade conferida ao arguido de se pronunciar sobre a alteração (seja dos factos, seja da respectiva qualificação jurídica) pressupõe que este não conte, de todo, com ela, que não seja dele conhecida.
Ora, a questão fundamental do recurso que se aprecia é, precisamente, saber se, em vez da comparticipação como co-autora, a participação da arguida C… deve reconduzir-se à figura da cumplicidade e sobre essa quaestio decidendi já a arguida teve oportunidade de se pronunciar.
*
Das várias operações que o procedimento de determinação da pena envolve, a primeira a realizar é a determinação da moldura penal cabida ao(s) crime(s) praticado(s), o que passa, não só por apurar qual a pena que a norma incriminadora estatui, mas também por verificar se ocorrem circunstâncias modificativas, que fazem com que se alterem, baixando (circunstâncias modificativas atenuantes) ou elevando (agravantes modificativas), os limites mínimo e/ou máximo da moldura da pena correspondente ao crime cometido.
Essas circunstâncias podem ser arrumadas em duas categorias: as que operam ope legis e aquelas que, para actuarem, carecem da intervenção judicial, dependem de um juízo de valor positivo por parte do julgador (operam ope judicis).
No caso, como já se aludiu, a pena do cúmplice é a pena fixada para o autor, mas especialmente atenuada (artigo 27.º, n.º 2, do Código Penal).
Assim, sendo a autoria do crime de tráfico de estupefacientes na formulação matricial do artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1, punível com pena de 4 a 12 anos de prisão, tendo em conta os termos da atenuação especial previstos no artigo 73.º do Código Penal, a moldura penal para a cumplicidade é de 9 meses e 18 dias a 8 anos de prisão.
Como decorre do disposto no art.º 71.º, n.º 1, do Cód. Penal, é em função do binómio prevenção-culpa que se há-de encontrar a medida da pena, assim se satisfazendo a necessidade comunitária da punição do caso concreto e a exigência de que a vertente pessoal do crime limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.
Tende a ser praticamente consensual na jurisprudência o acolhimento da doutrina[10] de que a pena visa finalidades, exclusivamente, preventivas (de prevenção geral e de prevenção especial), cabendo à culpa a função de impedir excessos, sendo pressuposto (não pode haver pena sem culpa) e limite inultrapassável da pena (em caso algum a medida desta pode ultrapassar a medida da culpa).
A finalidade primeira da aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos[11].
Prevenção geral positiva ou de integração, tendo-se em vista uma concepção integrada de intimidação que actue dentro do campo marcado por padrões ético-sociais de comportamento que a ameaça da pena visa justamente reforçar.
É esta ideia de prevenção geral positiva, enquanto finalidade primordial visada pela pena, que dá conteúdo ao princípio da necessidade da pena consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição Portuguesa.
A determinação da medida da pena em função da satisfação das exigências de prevenção obriga à valoração de circunstâncias atinentes ao facto (modo de execução, grau de ilicitude, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, conduta do agente anterior e posterior ao facto e as chamadas consequências extra-típicas) e alheias ao facto, mas relativas à personalidade do agente (manifestada no facto), nomeadamente as suas condições económicas e sociais, a sensibilidade à pena e susceptibilidade de ser por ela influenciado, etc.
Neste conspecto, cabe destacar a particular premência das necessidades de prevenção geral (não só positiva ou de integração, mas também negativa ou de intimidação), pois que “os tráficos de estupefacientes são comunitariamente sentidos como actividades de largo espectro de afectação de valores sociais fundamentais, e de intensos riscos para bens jurídicos estruturantes, e cuja desconsideração perturba a própria coesão social, não só pelo enorme perigo e dano para a saúde dos consumidores de produtos estupefacientes, como por todo o cortejo de fracturas sociais que lhes anda associado, quer nas famílias, quer decorrente de infracções concomitantes, quer ainda pela corrosão das economias legais com os ganhos ilícitos resultantes das actividades de tráfico” (acórdão do STJ, de 13.01.2010; Cons. Henriques Gaspar).
Relevante para a determinação do grau de culpa (e, portanto, para a definição do limite da pena) são os factores elencados no art.º 71.º, n.º 2, do Cód. Penal e que, basicamente, têm a ver, quer com os factos praticados, quer com a personalidade do agente que os cometeu.
Aproveitando a lição do Professor Figueiredo Dias (“Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 245), porque a culpa jurídico-penal é “censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e, assim, num concreto tipo-de-ilícito”, há que tomar em consideração todas as circunstâncias que caracterizam a gravidade da violação jurídica cometida (o dano, material ou moral, causado pela conduta e as suas consequência típicas, o grau de perigo criado nos casos de tentativa e de crimes de perigo, o modo de execução do facto, o grau de conhecimento e a intensidade da vontade nos crimes dolosos, a reparação do dano pelo agente, o comportamento da vítima, etc.) e a personalidade do agente [condições pessoais e situação económica, capacidade para se deixar influenciar pela pena (sensibilidade à pena), falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, e conduta anterior e posterior ao facto].
A qualidade e a quantidade dos produtos estupefacientes traficados, são elementos que não podem deixar de pesar na determinação do grau de ilicitude das diversas condutas. Ora, não podendo considerar-se que eram elevadas as quantidades de substâncias estupefacientes apreendidas, eram, no entanto, suficientes para abastecer cerca de duas centenas de consumidores[12].
Por outro lado, não pode deixar de se valorar gradativamente a perigosidade intrínseca e social dos vários tipos de drogas, sendo geralmente reconhecida essa perigosidade na cocaína e na heroína, conhecidas como “drogas duras”.
Em contraponto, pesa significativamente na graduação da ilicitude, no sentido da diminuição, a circunstância de não ter sido contínuo, mas pontual, o auxílio dado pela arguida C… à actividade de tráfico desenvolvida pelo arguido B….
De assinalar, o esforço de reinserção social que a arguida vem fazendo, designadamente pela obtenção e manutenção de ocupação laboral que lhe tem permitido angariar meios para fazer face às despesas correntes.
Considerando todo o circunstancialismo exposto, mostra-se adequada às exigências de prevenção e à culpa da arguida a pena de 12 meses de prisão.
*
Estando verificado o requisito formal da suspensão da execução da pena (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos), há que indagar se ocorre o respectivo pressuposto material.
Sendo considerações de prevenção geral e de prevenção especial de (res)socialização que estão na base da aplicação das penas de substituição, o tribunal só deve recusar essa aplicação “quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente” ou, não sendo o caso, a pena de substituição só não deverá ser aplicada “se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”[13].
O juízo de prognose de que aqui se fala nada mais é que uma previsão sobre o comportamento futuro do arguido, ou seja, trata-se de saber se, tendo em conta a sua personalidade, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste, é possível concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sobretudo se bastarão para afastar o arguido da criminalidade, pois é esta a finalidade precípua do instituto da suspensão[14].
A arguida não tem antecedentes criminais e, pelo que se apurou, ao contrário do marido, que já sofreu três condenações por crimes de tráfico de estupefacientes, nunca ela tinha estado envolvida nesta actividade criminosa.
Por outro lado, não é demais relevar o esforço de reinserção social que vem fazendo, sobretudo com a sua integração no mundo laboral.
Quando se indaga sobre a inserção social de um indivíduo, um dos factores essenciais a ter em consideração é a existência de uma ocupação duradoira, profissional ou outra, ou, pelo menos, que tenha hábitos de trabalho.
A arguida, se não tinha hábitos de trabalho (limitava-se a, pontualmente, fazer alguns trabalhos numa rulote de um irmão), tem mostrado empenho em manter-se laboralmente ocupada.
A ressocialização do arguido parte da sua vontade de querer nortear-se pelo respeito dos valores ético-jurídicos comunitários e de respeitar os bens jurídicos, postura que tem de manifestar-se em atitudes comportamentais que, objectivamente, elucidem que está realmente interessado no caminho da reinserção social.
Sem menosprezar a persistência de factores de risco de assunção de novos comportamentos anti-normativos (sobretudo o facto de residir num bairro fortemente conotado com o tráfico e o consumo de drogas), afigura-se-nos ser de estimular o esforço e a vontade revelados pela arguida de trilhar um novo caminho.
Deve privilegiar-se a socialização em liberdade e há razões para crer que a arguida irá afastar-se de práticas delitivas, pelo que a suspensão não fará com que se frustre a função de tutela de bens jurídicos que a pena, irrenunciavelmente, desempenha[15].
IIIDispositivo
Em face do exposto, acordam os juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso e, em consequência:
1. alterar a decisão recorrida em matéria de facto, nos sobreditos termos;
2. condenar a arguida C… pela prática, como cúmplice, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 12 (doze) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período.
Sem tributação.

(Processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas).

Porto, 08.11.2017
Neto de Moura
Maria Luísa Arantes
_________
[1] Cfr., ainda, o acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 7/95, de 19.10.95, DR, I-A, de 28.12.1995.
[2] Não transcrevemos os factos que dizem, exclusivamente, respeito, às condições pessoais do arguido B…, por não terem qualquer interesse para o julgamento do recurso.
[3] Uma das poucas excepções é a prova pericial.
[4] Como se fez notar no acórdão do STJ de 11.07.2007 (www.dgsi.pt/jstj), a prova produzida avalia-se pela sua qualidade, pelo seu peso na formação da convicção, e não pelo seu número.
[5] Nas palavras do Prof. Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, I vol, 199 e ss.), “uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada “verdade material”.
[6] A prova não pode nunca basear-se numa intuição da verdade de uma proposição.
[7] A. Castanheira Neves, Sumários de Processo Penal, Coimbra, 1968, pág.52
[8] Cfr. acórdão do STJ de 31.03.2004, acessível em www.dgsi.pt
[9] Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, UCE, pág. 148
[10] Cujo expoente máximo é, sabidamente, o Professor Figueiredo Dias (cfr. a sua obra “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2004, 75 e segs., que, neste ponto, seguimos de perto).
[11] Com uma perspectiva diversa, defendendo que “encontrar a “justa retribuição”, a pena “merecida” para o delinquente constitui a finalidade primeira da sanção, embora logo seguida das necessidades preventivas, especial e geral”, A. Lourenço Martins, “Medida da Pena – Finalidades – Escolha – Abordagem Crítica de Doutrina e de Jurisprudência”, Coimbra Editora, 501.
[12] Note-se que a dose individual de cocaína vendida a D… tinha o peso líquido de 0,080, o que é dizer que um grama desse produto seria dividido em cerca de 10 doses individuais. Por outro lado, há que ter em consideração que a quantia em dinheiro apreendida (€1.570,00) era proveniente da actividade de tráfico de estupefacientes.
[13] Professor Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, 333.
[14] Como afirma o Professor Figueiredo Dias, Ob. Cit., 343, é na “prevenção da reincidência” que se traduz o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização.
[15] Uma das dimensões da prevenção geral positiva é o restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens jurídicos fundamentais à vida colectiva e individual e é através da condenação penal, enquanto reafirmação efectiva da validade das normas violadas e, portanto, da importância dos bens jurídicos lesados, que essa mensagem de confiança é dada.