Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
116/15.9GBPFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ELSA PAIXÃO
Descritores: CRIME SEMI-PÚBLICO
QUEIXA
RATIFICAÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RP20171122116/15.9GBPFR.P1
Data do Acordão: 11/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 737, FLS.312-315)
Área Temática: .
Sumário: A ratificação da queixa apresentada por pessoa, que não seja mandatário judicial, sem poderes especiais para o efeito, não está sujeita ao prazo de apresentação da queixa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 116/15.9GBPFR.P1
Juízo Local Criminal de Paços de Ferreira do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este

Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO
No processo nº 116/15.9GBPFR, do Juízo Local Criminal de Paços de Ferreira do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, foi proferida decisão, em 23.06.2017, com o seguinte teor:
“Autue como processo comum com intervenção do Tribunal Singular.
O Tribunal é competente.
Questão prévia:
Vem o Ministério Público requerer o julgamento da arguida B…, em processo comum e, perante Tribunal Singular, porquanto lhe imputa factos susceptíveis de, integrarem a prática, em autoria material de um crime de furto p. e p. pelo art. 203º, nº1 do Código Penal.
O crime de furto tem natureza semi-pública, logo depende de queixa (cfr. artigo 203º, nº3 do Código Penal).
Analisando os autos, constata-se que a queixa foi apresentada em 12/05/2015 e, por factos ocorridos a 09/12/2014 e, subscrita por C… director da D…, S.A. (cfr. fls. 3).
O referido C… não estava munido de poderes especais para apresentar tal queixa e, como exige o art. 49º, nº3 do Código de Processo Penal, daí que a 09/11/2015 a D…, S.A., tenha vindo ratificar a queixa apresentada e, supra referida (cfr. fls. 43 a 68).
Urge, antes de mais, saber se a ratificação operada pode produzir os seus efeitos jurídicos, ou não.
Em nosso entendimento a ratificação da queixa tem que ocorrer no prazo para a apresentação da queixa, ou seja, no prazo de seis meses, sob pena de ser encontrado um "expediente" para alargar um prazo legal (art. 115º, nº1 do Código Penal), não podendo assim, ser apresentada depois de esgotado aquele prazo, atribuindo à ratificação intempestiva, efeitos retroactivos.
O Supremo Tribunal de Justiça quanto ao prazo de exercício do direito de queixa, fixou jurisprudência no sentido de “O prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa, nos termos do artigo 115.º, n.º 1, do Código Penal, termina às 24 horas do dia que corresponda, no sexto mês seguinte, ao dia em que o titular desse direito tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores; mas, se nesse último mês não existir dia correspondente, o prazo finda às 24 horas do último dia desse mês' - Acórdão nº4/2012, publicado in DR 98, Série I, de 21/05/2012.
Entendimento contrário - ratificação depois de esgotado este prazo - contende com os direitos do próprio arguido já que “permitiria o alargamento ad aeternum do prazo que a lei fixou para o exercício do direito de queixa, causando uma situação de absoluta incerteza para o arguido, insustentável num Estado de Direito, numa matéria em que a lei pretendeu, precisamente, o inverso, ao estabelecer o prazo que considerou adequado de caducidade daquele direito” - neste sentido, cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 23/04/2015, proc.1390/11.5TALLE.E1, disponível in www.dgsi.pt.
Não se desconhece que o acórdão nº 1/97, do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, veio fixar que apresentada queixa por crime semipúblico, por mandatário sem poderes especiais, o Ministério Público tem legitimidade para exercer a acção penal se a queixa for ratificada pelo titular do direito respectivo, mesmo que após o prazo previsto no artigo 112.º, n.º 1, do Código Penal de 1982. Todavia e, como bem refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª ed., UCP, p. 151, cujo entendimento partilhamos, a doutrina do referido acórdão não foi acolhida pelo legislador, na revisão de 1998, pelo que, caducou.
Ora, assim, entendemos que, o prazo para o exercício do direito de queixa é um prazo de caducidade para efeitos do respectivo cálculo, subordinado à regra de contagem de prazos do art.º 279º do Código Civil, sendo por isso oficiosamente apreciado pelo Juiz ou pelo Ministério Público em qualquer fase do processo, e não lhe são aplicáveis as regras de contagem dos prazos processuais a que aludem os actuais artigos 138º, 139º e 144º, todos do Código de Processo Civil (vide, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 15.09.1999, in CJ, XXIV, 4, 239, Tribunal da Relação de Lisboa de 22.01.2003, in CJ, XXVIII, 1,127 e Figueiredo Dias, 1993:674).
Deste modo, carece o Ministério Público de legitimidade para promover o procedimento criminal relativamente aos factos relacionados com a alegada subtracção de energia.
Pelo exposto, nos termos do disposto nos artigos 203º, nº1 e 3, 115º, nº1, ambos do Código Penal, 49º, nº1, e 311 º, nº1 estes do Código de Processo Penal, declaro a ilegitimidade do Ministério Público para promover o presente procedimento criminal contra a arguida B… relativamente ao crime de furto de que é acusada, atenta a inexistência de queixa válida atempadamente ratificada por D…, S.A. e, em consequência, julgo extinto o procedimento criminal que se fazia valer contra a arguida.
Notifique e, dê as competentes baixas”.
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Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões:
1 - Apresentada a queixa por crime semipúblico, por mandatário sem poderes especiais, o Ministério Público tem legitimidade para exercer a acção penal se a queixa for ratificada pelo titular do direito respetivo - mesmo que após o prazo previsto no artigo 115.°, nº 1, do Código Penal de 1982;
2 -Tendo uma queixa sido apresentada por pessoa que se apresentou como representante da pessoa colectiva titular do direito de queixa - não sendo mandatário forense-, sem que se mostrem comprovados os seus poderes especiais para expressar tal queixa em nome da representada, o Tribunal não pode considerar extinto o direito de queixa se a ratificação não tiver sido feita antes do decurso do prazo de seis meses referido no artigo 115.° do Código Penal.
3 - Tal solução corresponderia ao entendimento de que a ratificação não tem efeito retroativo em todos os casos, operando ex tunc (artigo 268.°, n° 2, do Código Civil);
4 - A ratificação de queixa não está sujeita ao prazo do artigo 115.°, nº1 do Código Penal.
5 - Mantém pela actualidade e vigência a jurisprudência fixada no Ac. STJ 1/97.
6 - Daí que, no caso dos autos, não pudesse a Mmª Juíza a quo ter recusado o recebimento da acusação pública deduzida contra a arguida B…, pela prática do crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.°, nº1 do Código Penal.
7 - Com efeito, tendo aqui sido apresentada queixa válida, ainda que ineficaz por parte de um funcionário da D…, a ratificação apresentada pela mesma em 09­11-2015, operou retroactivamente (artigo 268.°, nº 2 do C.C.), conferido eficácia à queixa inicialmente apresentada.
8 - Aquando da dedução da acusação contra a arguida - pela prática do crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.°, nº1 do Código Penal, o MP tinha efectiva legitimidade para o fazer - artigo 49.° do C.P.P - pois havia nos autos queixa válida e oportunamente ratificada pelo legítimo titular do direito de queixa.
9 -Deste modo, o douto despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que receba a acusação pública deduzida nos autos contra a arguida B…, pela prática de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.°, nº1 do C.P.
Este é o entendimento do Ministério Público.
Porém, VªS Exªs, decidindo, farão, como sempre, inteira justiça.
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho datado de 12.07.2017 (cfr. fls. 226).
A arguida respondeu ao recurso pugnando que seja julgado “improcedente o presente recurso, e confirmando-se, na íntegra, a decisão sob recurso”. Formulou as seguintes conclusões:
I - Por factos, supostamente ocorridos em 09/12/2014, foi apresentada a queixa que deu origem ao presente processo,
II - sendo que a mesma foi subscrita, por quem não se encontrava munido dos necessários poderes para a poder apresentar. – Cfr. artigo 49.º, n.º 4 do C. P.
III - A ratificação da queixa tem, necessariamente, que ocorrer no prazo para a apresentação da queixa, sob pena de assim não sendo, se encontrar de forma ilegal, injustificada e inaceitável, aberta a possibilidade de, indiscriminadamente, se poder alargar um prazo legal,
IV - deste modo, inaceitável num Estado de Direito, subvertendo a sua ratio e razão de ser, pondo em causa um basilar direito do arguido e a própria certeza e estabilidade jurídica,
V - tanto mais, que estamos em face de numa matéria em que o legislador pretendeu, precisamente, o inverso, ao estabelecer de forma expressa e inultrapassável, o prazo que considerou adequado de caducidade daquele direito.
VI - Por outro lado, a doutrina do acórdão n.º 1/97 do Plenário das Secções Criminais do STJ, invocada nas alegações do Ministério Público, não tendo sido acolhida pelo legislador na revisão de 1998, caducou.
VII - Ora, sucede que a sobredita queixa, apenas veio a ser ratificada em 09/11/2015, ou seja, já largamente transcorrido o prazo legalmente estabelecido, de seis meses, para a apresentação da queixa. – Cfr. artigo 115.º, n.º 1 do C.P.
VIII - Logo, tendo vindo o Ministério Público requerer o julgamento da Arguida, imputando-lhe factos suscetíveis de integrarem a prática dum crime semipúblico,
IX - bem andou o Tribunal a quo, em face da inexistência de queixa atempadamente ratificada, em ter entendido que o Ministério Público carecia de legitimidade para promover o procedimento criminal,
X - e com isso, julgar extinto o procedimento criminal que se pretendia fazia valer contra a arguida.
XI - Decisão, que, em suma, pelo seu acerto, conformidade legal, e devido respalde doutrinal e jurisprudencial, deverá ora ser, in totum, confirmada.
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Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral adjunto apôs o seu visto.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cfr. artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 3ª ed., pág. 347].
1. Questões a decidir:
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, a questão a decidir consiste em saber se apresentada a queixa por crime semipúblico, por mandatário, não forense, sem poderes especiais, o Ministério Público tem legitimidade para exercer a ação penal, desde que a queixa venha a ser ratificada pelo titular do direito respetivo, mesmo que após o prazo previsto no artigo 115°, nº 1 do Código Penal.
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2. O CORRÊNCIAS PROCESSUAIS COM INTERESSE para a decisão:
A. Em 12/05/2015 foi apresentada queixa, por factos ocorridos a 09/12/2014 e, subscrita por C…, director da D…, S.A. (cfr. fls. 3).
B. O referido C… não estava munido de poderes especais para apresentar tal queixa.
C. Em 09/11/2015 a D…, S.A., veio ratificar a queixa apresentada (cfr. fls. 43 a 68).
D. O Ministério Público deduziu acusação e requereu o julgamento da arguida B…, em processo comum e, perante Tribunal Singular, imputando-lhe factos suscetíveis de, integrarem a prática, em autoria material, de um crime de furto previsto e punível pelo art. 203º, nº1 do Código Penal.
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3. APRECIAÇÃO DO RECURSO
A decisão recorrida declarou a ilegitimidade do Ministério Público para promover o procedimento criminal contra a arguida B…, relativamente ao crime de furto de que é acusada, atenta a inexistência de queixa válida atempadamente ratificada por D…, S.A. e, em consequência, julgou extinto o procedimento criminal que se fazia valer contra a arguida.
Vejamos se o fez acertadamente.
Cumpre, desde já, adiantar que a questão em análise se mostra bastante controvertida, pois enquanto uma corrente entende que, no caso de ter sido apresentada queixa por crime semipúblico, por mandatário, não forense, sem poderes especiais, o Ministério Público tem legitimidade para exercer a ação penal, desde que a queixa venha a ser ratificada pelo titular do direito respetivo, mesmo após o prazo previsto no artigo 115°, nº 1 do Código Penal, outra corrente defende, nestes casos, a ilegitimidade do Ministério Público, em consequência da extemporaneidade da ratificação, entendendo que aquele prazo abrange apenas a queixa, e já não a sua ratificação.
A decisão recorrida é defensora desta última corrente, nela se invocando o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 23/04/2015, proc.1390/11.5TALLE.E1, disponível in www.dgsi.pt., que defende que se assim não fosse estaria a alargar-se “ad aeternum” um tal prazo legalmente fixado, causando uma incerteza para o arguido, insustentável num Estado de Direito, quando é certo que, ao estipular um tal prazo, o legislador quis exatamente o inverso, e, simultaneamente, se baseia no entendimento de que a jurisprudência fixada pelo acórdão do STJ nº 1/97, de 19/12/1996, publicado no DR I série-A de 10/01/1997, não teria sido acolhida pelo legislador na revisão de 1998, ao que acresce o facto de se tratar de um prazo de caducidade, subordinado à regra de contagem dos prazos do artigo 279º do Código Civil.
Não podemos concordar com a posição adotada pelo Tribunal a quo.
Se não vejamos.
O Supremo Tribunal de Justiça no acórdão nº 1/97, de 10.01 fixou a seguinte jurisprudência: “Apresentada a queixa por crime semipúblico, por mandatário sem poderes especiais, o Ministério Público tem legitimidade para exercer a ação penal se a queixa for ratificada pelo titular do direito respetivo – mesmo que após o prazo previsto no artigo 112.º, n.º 1, do Código Penal de 1982” (o então artigo 112º, nº 1 do Código Penal corresponde atualmente ao artigo 115º, nº 1 do mesmo Código), jurisprudência que permanece perfeitamente actual, mesmo após a revisão da Lei nº 59/98, de 25/08.
Não ignoramos a posição defendida por Paulo Pinto de Albuquerque e expendida na decisão recorrida. Contudo, pensamos que a alteração ao artigo 49º, nº 3 do Código Penal por força da Lei nº 59/98, de 25.08 teve em vista resolver o problema da apresentação de queixa por parte de mandatário, e apenas, conforme decorre da argumentação inserta no acórdão de fixação de jurisprudência do STJ nº 4/2012, de 18/04/2012, publicado no DR Iª série em 21/05/2012, que trata matéria conexa com esta, e que a propósito de quem pode apresentar queixa, refere o seguinte:
A queixa pode ser apresentada pelo titular do direito respetivo, por mandatário judicial ou por mandatário munido de poderes especiais — artigo 49.º n.º 3 do CPP: «O n.º 3 da versão originária não incluía a expressão por mandatário judicial, resultando o texto atual da Lei n.º 59/98, de 25 de agosto.
A alteração foi feita por proposta da CRev. CPP, que discutiu este dispositivo na 3.ª sessão, em 14 de fevereiro de 1996, e destinou-se a esclarecer que a exigência de que o mandatário esteja munido de poderes especiais para que possa apresentar a queixa se não aplica ao mandatário judicial.
O n.º 3 da versão originária, fora implicitamente revogado pelo Decreto -Lei n.º 267/92, de 28 de novembro».
Parece-nos, pois, não ser defensável, conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque que a doutrina do referido acórdão nº 1/97 não foi acolhida pelo legislador na referida revisão de 1998 e que, por isso, caducou.
Por outro lado, falece o argumento expendido na decisão em crise quanto às alegadas expectativas do arguido a proteger.
Com efeito, uma vez que foi apresentada a queixa e que esta se tornou plenamente eficaz, face ao efeito retroactivo da ratificação, tem de concluir-se não subsistir expectativa legítima do arguido a proteger.
É a orientação do Supremo Tribunal de Justiça, constante do Acórdão de 27 de Setembro de 1994, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 439/94, pag. 45, onde se conclui: «O acto praticado por quem não possui os necessários poderes para o fazer não é um acto inválido, mas apenas inquinado de simples ineficácia, sanável através de ratificação, daí que [...] sendo ratificada pelo titular do direito ofendido adquira toda a sua eficácia, uma vez ser aceite uniformemente que a ratificação opera retroactivamente ab initio, garantida assim ficando a legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal.»
Esta jurisprudência é referida no citado acórdão nº 1/97, conforme se recorda no acórdão proferido neste TRP em 12/10/2016, disponível em www.dgsi.pt, em que, defendendo-se que o prazo em questão deverá abranger apenas a queixa, e não a sua ratificação, já que, e na falta de regime diverso contido na lei penal, a própria lei regula a representação sem poderes no artigo 268º do Código Civil, aqui aplicável por se tratar de um ato jurídico, conforme decorre do consignado no artigo 295º, do mesmo Código, se sustenta que “A queixa apresentada por uma pessoa sem poderes de representação doutra apenas é ineficaz em relação a ela se não for ratificada no prazo que for assinalado para o efeito”.
Ainda no que respeita às expetativas do arguido a proteger e ao argumento contido na decisão recorrida de que com esta solução estaria a alargar-se “ad aeternum” um tal prazo legalmente fixado, causando uma incerteza para o arguido, insustentável num Estado de Direito, conforme se refere no acórdão deste TRP de 13.09.2017, disponível em www.dgsi.pt “além de contraditado pelo referenciado efeito retroativo de uma queixa pré-existente, logo, consabidamente conhecida, encontra ainda resistência em dois outros aspetos.
Primeiro, o de que o legislador estipulou prazos para a realização do inquérito, fase em que previsivelmente deveriam regularizar-se este tipo de situações, partindo do princípio de que tais prazos, não tão extensos quanto isso, seriam para cumprir, ao menos por via de regra.
Segundo, convém não esquecer o “travão” que constitui o instituo da prescrição do procedimento criminal, pelo que, e quando mais não fosse, também por esta via seria impossível uma tal eternização de inexistentes incertezas”. No mesmo sentido pode ver-se o acórdão do TRL proferido em 17/04/2013, disponível em www.dgsi.pt.
Veja ainda o recente acórdão deste TRP de 27.09.2017, disponível em www.dgsi.pt, no sentido de que a ratificação da queixa apresentada por pessoa sem poderes especiais, que não seja mandatário judicial, não está sujeita ao prazo de apresentação da queixa.
No caso "sub judice", a queixa foi apresentada em 12/05/2015 (por factos ocorridos a 09/12/2014), antes de decorrido o prazo de caducidade, por C…, sem poderes especais para apresentar tal queixa. Em 09/11/2015 foi ratificada a queixa apresentada. E o Ministério Público deduziu acusação e requereu o julgamento da arguida B…, em processo comum e, perante Tribunal Singular, imputando-lhe factos suscetíveis de, integrarem a prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punível pelo art. 203º, nº1 do Código Penal.
Ora, considerando que a queixa, tempestivamente apresentada, foi devidamente ratificada e, na senda da jurisprudência fixada no acórdão do STJ nº 1/97, que sufragamos, resta concluir que o Ministério Público estava legitimado para deduzir a acusação em causa, pelo que a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que, se outros motivos o não impedirem, receba a tal acusação pública deduzida e determine o normal prosseguimento dos autos com vista à realização da audiência de julgamento.
Procede, assim, o recurso.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência revogar a decisão recorrida, a qual deverá ser substituição por outro que, se outros motivos o não impedirem, receba a acusação pública deduzida e determine o normal prosseguimento dos autos com vista à realização da audiência de julgamento.
Sem tributação.
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Porto, 22 de novembro de 2017
Elsa Paixão
Maria dos Prazeres Silva