Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
687/14.7TTMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
REGIME APLICÁVEL
DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
ASSÉDIO MORAL
EMPREGADOR
CADUCIDADE
CONTAGEM DO PRAZO
DOENÇA
SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RP20180910687/14.7TTMTS.P1
Data do Acordão: 09/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL),(LIVRO DE REGISTOS N.º289, FLS.354-384)
Área Temática: .
Sumário: I - A apresentação de documentos em sede de recurso assume natureza excecional, estando dependente da demonstração de que não foi possível a sua apresentação até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva) ou, numa segunda ordem de razões, se a sua junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, sendo que, quanto a esta última situação, tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que a junção deve ser recusada quando os documentos visem provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não lhe servindo desde logo de pretexto válido invocar a surpresa quanto ao sentido da decisão.
II - Sendo invocada errada apreciação da prova produzida, como ainda a questões relacionadas com não admissão de prova, estes a coberto de decisão diversa da sentença, não estamos perante caso de nulidade da sentença, na previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º, pois que a decisão, mal ou bem (mas essa é questão de eventual erro de julgamento), fundamentou de modo suficientemente percetível o percurso lógico seguido até à decisão, quer ainda, por último, na sua alínea d), pois que o juiz “não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente”, sendo que nada se invoca que extravase essa delimitação das questões que no caso se impunham decidir.
III - O regime aplicável à qualificação do contrato é o estava em vigor quando o mesmo foi efetuado, salvo relativamente aos factos ocorridos posteriormente se deles resultar que o relacionamento entre as partes passou a ser substancialmente diferente do que tinha sido anteriormente, caso em que será necessário indagar se essa alteração corresponde a uma modificação da natureza do vínculo que até aí tinha existido.
IV - A justa causa subjetiva justificativa do despedimento por parte do trabalhador assente em assédio moral do empregador, estando para além de situações de mero mau relacionamento, implica a verificação de comportamentos real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, passíveis de exercer pressão moral sobre este e tendo em regra associado um objetivo final ilícito ou pelo menos eticamente reprovável, bem como, ainda, enquanto característica essencial do conceito de justa causa, a demonstração de que esse comportamento da entidade patronal, que lhe possa ser imputável a título de culpa, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral.
V - Não preenche os aludidos pressupostos o comportamento de um empregador que não pagou atempadamente os subsídios de férias e de Natal.
VI - Sendo de caducidade o prazo de 30 dias previsto no artigo 395.º do CT/2009, atento o que resulta do n.º 2 do artigo 298,º do CC, o mesmo, tendo sido determinado por razões objectivas de segurança jurídica, não se suspende e inicia-se, como resulta da norma, com o conhecimento dos factos, ainda que esse conhecimento se possa referir, assim nomeadamente nas hipóteses assentes em situações de efeitos duradouros suscetíveis de agravamento com o decurso do tempo, não necessariamente ao momento inicial do conhecimento da materialidade dos factos propriamente dita e sim, noutros termos, àquele em que, continuando esses a repercutir-se na relação laboral em curso, passaram a assumir gravidade que torne imediatamente impossível a subsistência do contrato de trabalho.
VII - A situação de doença do trabalhador, ainda que decorrente dos factos fundamentadores da justa causa, não se confunde com esses, por não se tratar de “comportamento da entidade patronal”, sendo que durante o período de suspensão do contrato de trabalho, ficando suspensos os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que pressuponham a efetiva prestação de trabalho (nº 1 do citado artigo 295º), não se suspende, porém, o prazo de caducidade para invocação, pelo trabalhador, de justa causa para a resolução do seu contrato de trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 687/14.7TTMS.P1
Autor: B…
Réus: C…, S.A., D… e E…
_______
Relator: Nélson Fernandes
1.ª Adjunta: Des. Rita Romeira
2.ª Adjunta: Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
1. B… instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra C…, S.A., D… e E…, pedindo que estes sejam solidariamente condenados a pagarem-lhe a quantia de €142.360,01, relativa à falta de progressão na carreira, vencimentos, compensação, retribuição das férias e seu subsídio, proporcionais de férias e seu subsídio, subsídio de Natal e danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora.
Para tanto, em síntese, alegou que foi admitido por contrato de trabalho sem termo de 15/4/1985, pela Ré D…, S.A., que em Janeiro de 2009 aquela Ré cedeu à Ré C…, S.A. as suas posições contratuais, assegurando esta aos trabalhadores a continuidade do seu contrato de trabalho com a respetiva antiguidade, mas desde então tem vindo a ser alvo de tratamento discriminatório, com ameaças de despedimento por parte do Réu E…, seu superior hierárquico, o que está a ser prejudicial para a sua saúde psíquica. Alegou, ainda, que desde 1999 que seu vencimento não é atualizado e que não lhe foi paga qualquer diuturnidades, incluindo ainda no pedido compensação com base na sua antiguidade e outros créditos salariais.

1.1. Após ter sido designada data para audiência de partes, por requerimento de fls. 89 e ss, veio o Autor requerer a ampliação do pedido, pela quantia de €11.479,20, alegando que, tendo regressado ao trabalho após baixa médica, continuaram os comportamentos agressivos das Rés, pelo que resolveu o contrato com justa causa, por carta registada com aviso de receção datada de 16/9/2014, sendo que, nessa sequência, lhe foi descontada a quantia de €1.640,00, correspondente a dois meses de pré-aviso em falta. Procedeu então à correção da compensação já calculada na petição inicial.

1.2. Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, os Réus contestaram:
- As Rés D…, S.A. e C…, S.A. arguindo a sua ilegitimidade, alegando que o autor nunca foi seu funcionário, mas antes funcionário do despachante com quem celebraram contrato de prestação de serviços, atualmente o Réu E…. No mais declararam acompanhar a contestação deste réu.
- O Réu E… alegou: que ele e o Autor foram colegas ao longo de vários anos, trabalhando ambos por conta de vários despachantes que prestaram serviço à Ré D…, S.A.; que a determinada altura o despachante que trabalhava com esta Ré deixou de lhe prestar serviço e o contestando propôs a esta passar a prestar-lhe ele tal serviço, o que foi aceite, passando então o Autor a ser seu funcionário, o que expressamente aceitou. No mais impugnou o alegado pelo autor. Neste articulado o Réu E… deduziu ainda pedido reconvencional, para condenação do Autor no pagamento da quantia de €1.640,00, correspondente aos dois meses do pré-aviso de denúncia em falta, e que deverá ser compensada com qualquer eventual crédito que seja devido ao Autor.

1.3. A estas contestações veio o Autor responder.

1.4. Por despacho de fls. 263 foi o Autor convidado a apresentar nova petição inicial para suprimento da insuficiência de alegação de factos.

1.4.1. Respondendo a tal convite veio o Autor apresentar nova petição inicial a 20/4/2015, que consta de fls. 269 e ss dos autos.

1.5. Foi proferido despacho saneador no qual se admitiu a ampliação do pedido e a reconvenção deduzida pelo Réu E…, se concluiu pela legitimidade de todos os Réus, se afirmou a validade e regularidade da instância e se dispensou a fixação do objeto do litígio e dos temas de prova, designando-se data para julgamento.
Foi ainda fixado o valor da ação em €155.497,21.

1.6. Por requerimento de fls. 317 e ss veio o Autor apresentar nova ampliação do pedido, pelo valor de €31.224,82, o que mereceu a oposição das rés sociedades.
Tal ampliação do pedido foi indeferida por despacho proferido a fls. 338 e ss.

1.7. Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio por fim a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Nestes termos, e com fundamento no exposto, julgo improcedente o pedido formulado nos autos pelo autor, pelo que dele absolvo os réus.
Julgo procedente o pedido reconvencional formulado pelo réu reconvinte E…, pelo que declaro ilícita a resolução do contrato de trabalho operada pelo autor, reconhecendo ao réu reconvinte empregador o direito a fazer-se pagar, como o já fez, da quantia de €1.640,00 a título de indemnização.
Custas da lide principal e da lide reconvencional a cargo do autor, sem prejuízo da dispensa de seu pagamento de que beneficia.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apresentou o Autor recurso de apelação, apresentando as suas alegações e o que designou por conclusões, pugnando pela procedência do recurso, com a revogação da decisão recorrida.

2.1. Apresentou o Réu E… contra-alegações, com ampliação do recurso – subsidiariamente, fundando-se no disposto no artigo 636.º, n.º 2, do CPC – e pedido de condenação do Autor como litigante de má-fé, sem formular quaisquer conclusões.

3. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu singelo parecer (fls. 503) no sentido da improcedência do recurso.

3.1. Respondeu o Recorrente, sendo que na sua resposta veio, em extensas considerações, pronunciar-se novamente sobre os fundamentos do recurso.

4. Por despacho do ora relator foi formulado convite ao Autor/recorrente para aperfeiçoar as suas conclusões, sob pena de rejeição do recurso.

41. Respondendo ao convite, apresentou o Recorrente as conclusões seguintes (transcrição):
No entender do Recorrente/Apelante a douta sentença enferma de nulidade:
- Ao decidir considerar provados factos que estão em oposição com a prova gravada;
- Ao preterir a análise de documentos juntos aos autos; e
- Ao indeferir a junção de novos documentos.
O Recorrente, por economia processual, dá aqui por integralmente reproduzidos todos os depoimentos prestados em Audiência de Julgamento produzidos nos dias 9, 28 de Setembro e 13 de Outubro de 2016, para cuja gravação se remete.
Salvo o devido respeito que, aliás é muito, não andou bem a douta decisão lia quo" ao decidir:
a) - Declarar ilícita a resolução do contrato de trabalho operada pelo Recorrente/trabalhador;
b) - Ao julgar procedente o pedido reconvencional formulado pelo Réu E… correspondente à retenção por este duma quantia relativa a falta de aviso prévio;
c) - Ao julgar improcedentes todos os pedidos formulados pelo trabalhador;
d) - E ao absolver os Recorridos.
Verifica-se assim uma clara nulidade da douta sentença:
- Que não fez uma correcta apreciação da prova testemunhal;
- Não aplicou o direito correspondente;
- Manteve manifesta oposição entre a matéria de facto provada e a decisão proferida,
- Para além de que deixou de se pronunciar sobre questões que devia conhecer,
- Razão pela qual se encontra ferida de nulidade.
Considerando o disposto no artigo 615.º, n.º 1, do Código do Processo Civil:
“... É nula a sentença quando:
“… c) - Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) - O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; ...”
A - O vinculo laboral do trabalhador:
Considerando que sobre o vínculo laboral do Recorrente à D…/C…, à matéria constante dos art.os 1.º a 29.º da petição inicial, as testemunhas confirmaram com verdade a existência do vínculo laborai, nomeadamente as testemunhas:
- F…: - A qual tendo sido administradora da D…, depôs aos art.os 1.º a 13.º, 16º0 a 21.º e 23.º e 24.º da PI (Gravação realizada em 2016.09.09 entre as 10:45:55 e as 11:34:02 h) testemunha que com a adesão à CEE e consequente diminuição do serviço aduaneiro foi encarregada em nome da entidade patronal de proceder à indemnização de trabalhadores dispensados no sector aduaneiro da empresa;
- G…: - Testemunha que conheceu o Recorrente na área aduaneira do aeroporto H…. Depôs aos art.os 9.º, 14.º, 22.º, 30.º a 33.º da PI, gravação realizada em 2016.09.09 entre as 11:35:43 e as 11:56:45 h;
- I…: - Testemunha que foi subdirector da alfândega do aeroporto H… conhecendo o Recorrente há anos, depondo aos art.os 1.º a 8.º, 23.º e 24.º da PI, gravação realizada em 2016.09.09 entre as 11.57:26 e as 12:05:21 n;
- J…: - Testemunha que conheceu o Recorrente de ter trabalhado na D… de 1981 a 2010, depondo aos art.os 11, 12.º, 15.º, 16.º, 17.º,20.º a 30.º e 40.º da PI., gravação realizada em 2016.09.09 entre as 14.17:28 e as 14:44:37 h;
- K…: - Testemunha que conheceu o Recorrente na D… tendo trabalhado com ele cerca de 30 anos, desde 1981 a 2010, depondo aos art.os 12.º, 14.º, 22.º, 25.º a 31.º e 33.º da PI., gravação realizada em 2016.09.09 entre as 14.45:19 e as 15:27:48 h;
- L…: - Testemunha que conheceu o Recorrente de ter trabalhado com ele na D…, depondo aos art.os 10.º, 13.º, 19.º, 31, 32.º e 33.º da p.i., gravação realizada em 2016.09'18 entre as 15:40:42 e as 16:11:35 h;
- M…: - Testemunha que conheceu o Recorrente como seu colega de trabalho na D…, depondo aos art.º 11.º, 13.º, 15.º a 19.º da p.i.
- N…: - Testemunha que conheceu o Recorrente onde trabalharam na D…, desempenhou várias funções naquela agência entre 1971 e 1994 desempenhando à saída as funções de administrador, depondo aos art.os 10.º, 15.º, 18.º e 20.º da PI, artigo 18.º da contestação da C… e art.os 5.º, 32.º, 34.º e 35.º da contestação do réu E… gravação realizada em 2016.09.28 entre as 14:40:41 e as 15: 16:41 h.
As testemunhas dos Recorridos, naturalmente condicionadas, testemunharam em sentido contrário:
A comum: - O…: (actual dirigente da Recorrida C…, S.A.);
- Do Recorrido E…, a sua filha P…: (com interesse na improcedência do pedido e consequente desfecho do processo);
- Da Recorrida C… o funcionário Q…: (subordinado hierárquica e economicamente à Ré); e
- Do administrador da D… entre 1994 e 2003 S…: - Que, contrariamente à sua testemunhada desvinculação mantém ligações ao Grupo C… uma vez que é administrador do TCT… - Terminal de Contentores T…, sendo parte interessada no desfecho deste processo e acesso aos articulados e documentação anexa, que lhe foi presente conforme consta da prova gravada: - (Vide seu depoimento - Registo em 2016.10.13 pelas 15:44:54 a 15:46:56 h, Momento da gravação: 07m:28s).
Só que, respeitada a verdade e a maioria, o Recorrente sempre trabalhou na sede da D…/C…, nunca no escritório de qualquer despachante, instalações onde os despachantes não tinham sequer assento, uma vez que como avençados mantinham escritório próprio com o seu serviço, os seus próprios ajudantes de despachante, praticantes e funcionários administrativos.
Excepção para o 3.º Recorrido que, na continuidade de funcionário/ despachante, foi o único que ficou nas instalações da entidade patronal, facto que já não sucede presentemente.
Ver depoimentos unânimes e afirmativos das testemunhas D. F…, K…, O…, Q… e S…, de ambos os lados, a confirmarem que os Despachantes nunca permaneceram nas instalações da D…/C….
Nesta ausência pessoal, o Recorrente, sem nunca ter sido consultado, realizado novo contrato ou regularizado contas com anteriores despachantes, sempre a pedido da D… foi mudado várias vezes de cédula de despachante, não havendo nos autos qualquer documento de rescisão ou renovação de contrato com despachantes uma vez que o trabalhador se mantinha, como sempre o fez, nas instalações da D…/C… sua única e exclusiva entidade patronal, onde realizava serviço aduaneiro desta e para esta, serviço assinado por "fac-simile", ou por imitação da assinatura do despachante da altura, sem nunca ter executado serviço pessoal de qualquer dos despachantes.
O Recorrente sempre foi assim trabalhador da D… que lhe pagava directamente ou, por razões que passaram a interessar à entidade patronal, pelo escritório do despachante.
Vide a título de exemplo os documentos, só agora localizados pelo Recorrente, de que requereu a junção ao recurso nos termos do art.º 651.º do C.P.C.: -
a) - Um cheque n.º 7290843945, de 26/07/91, respeitante a 65.840$00 do ordenado de Junho de 1991, 13.500$00 por fora de transportes, 21.300$00 de subsídio de almoço e 40.400$00 de retroactivos desde Março até Junho de 1991, no total de 141.040$00;
b) - Um recibo emitido pela Recorrente à D… de 46.570$00 referente a 50% do valor do subsídio de Natal de 1993;
c) - Um recibo por conta do ordenado de Dezembro/93 da quantia de 66.500$00 e um cheque da mesma quantia n.º ………., datado de 04.Janeiro.94 emitido pela D… a favor do Recorrente B….
(Conjunto de documentos com o n.º 3, de que foi requerida a junção ao recurso nos termos do art.º 651.º do C.P.C. e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.)
Segundo O tribunal "a quo", para a presente questão laboral é aplicável o regime legal da LCT - Dec. Lei n.º 49 408 de 24/11/1969, não lhe sendo aplicável o Código do Trabalho, nem a presunção de laboralidade consagrada no seu art.º 12.º.
Ora, o trabalhador vê mais dificultada a prova da existência do seu contrato de trabalho uma vez que pela LCT basta às Recorridas efectuar a contraprova com factos que tornem duvidosa a existência do mesmo contrato, no respeito pelo art.o 346.º do C.C..
Contra o douto entendimento "a quo", tendo o trabalhador feito prova documental e testemunhal da sua relação laboral, competia à empregadora contraditá-la de acordo com o art.º 350.º, n.º 2, do mesmo diploma, não bastando apenas efectuar uma mera contraprova, por testemunhas desacreditadas, destinada a tornar duvidoso o facto presumido, presunção que não foi ilidida.
No entender do trabalhador o digno tribunal deveria ter respeitado o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador o que não fez, pondo em causa o exercício dos direitos fundamentais, consagrados no art.o 13.º da Constituição da República Portuguesa, que impõe que não se possa tratar de forma igualo que, à partida é desigual, como acontece no direito laboral, marcado por gritante desigualdade entre as partes.
Neste processo é por demais evidente a falta de credibilidade dos Recorridos e das testemunhas por si apresentadas.
E, de tal forma é que, no decurso da audição da testemunha O…, funcionário que foi da D… e agora da C…, afirmando que o Recorrente não foi trabalhador da D…/C…, foi requerida a junção aos autos de um documento em que este, como "responsável hierárquico directo" do trabalhador, lhe concedeu férias.
Confrontado com a manifesta incoerência do seu depoimento a testemunha admitiu ser sua a assinatura mas ... disse não se lembrar. (Gravação realizada em 2016.09.28 entre as 15:17:24 e as 16:08:34 h e entre as 16:12:06 e as 16:13:17 h - momento da gravação 0,32 m).
Esperava-se, com esta confissão, que o testemunho fosse desacreditado pelo Tribunal, mas tal facto não foi sequer referido na douta decisão.
A verdade é que esta testemunha não assinou só este documento assinou - dos que o Recorrente conseguiu agora encontrar - pelo menos, mais oito pedidos de férias do trabalhador e ainda um mapa de férias dos funcionários para o ano de 1995, no qual figuram três funcionários: - E… (o funcionário/despachante), B… (o funcionário/recorrente) e V… (outro funcionário).
(Vide p.f. conjunto de docs. n.º 4, de que foi requerida a junção com as alegações de recurso.)
E, facto mais grave esta testemunha preferiu admitir, arriscando-se a participação criminal, ter prestado falsas declarações num documento dirigido a organismo para-público, onde este superior hierárquico pede ao Aeroporto H… lugares de estacionamento para os funcionários da empresa, na sua forma desesperada de poder manter a sua afirmação de que o Recorrente não era trabalhador da D….
(Gravação realizada em 2016.09.28 entre as 15:17:24 e as 16:08:34 h - Momento da gravação: 03m:42s e 04m:22s). (Vide p.f. Doc. 7 junto à p.i.).,
Igualmente incorreu em falsidades a testemunha dos Recorridos S…: Administrador que foi da D… e actualmente da TCL - Terminal de Contentores T…, empresa do Grupo C…, confrontado com impressos da D… rubricados por si e pela funcionária D. W…, seu cônjuge, ambos constando do organigrama doc. n.º 6 junto à p.i., ele como Administrador da D… e ela como Adjunta do Conselho de Administração.
Sem que nada o fizesse prever esta natural referência conjugal exaltou deveras, estranha e inesperadamente a testemunha, que invectivou o mandatário do Recorrido por tal facto. (?) (Vide p.f. registo em 2016.10.13 pelas 14:43:02 e as 15.44:53 e as 15:53;06 e as 15:53:59 - Primeiro período de gravação - Momento da gravação: - 56m:06s).
Pelo que para prova da falta de isenção desta testemunha e, em virtude do julgamento da primeira instância nos termos do art.o 651.º do C.P.C., requer-se a junção aos autos de dois impressos da Empresa D…, denominados Comunicação de Ausência, em que:
- No primeiro: - Relativo a pedido de férias para o dia 18.05.99, se constata este documento estar rubricado pela testemunha administrador S… e assinado pela responsável hierárquica directa do trabalhador, à altura, D. W…; e ainda
- Noutro: - Relativo a outro pedido de férias para o período de 04.10.99 a 08.10.99, este documento ostenta novamente a rubrica do administrador S… e a assinatura da responsável hierárquica directa D. W….
O que vem demonstrar à saciedade a inverdade desta testemunha ao afirmar sob juramento que o recorrente não era trabalhador da D…/C….
Lamentavelmente na douta sentença foram esquecidas todas estas falsas declarações produzidas em acto público e perante um Digno Tribunal presidido por Juiz de Direito.
Ainda no desenvolvimento do tema do vínculo laboral, respeitando a ordenação especificada na douta sentença (vide p.f. págs. 13 a meio), ficou provado que:
- O local de trabalho do trabalhador era pertencente ao empregador e por ele determinado: - Ao Recorrente, conforme prova testemunhal, foram retiradas as chaves das instalações, pelo que só podia utilizá-las com a presença do superior hierárquico ou de colegas;
- O horário de trabalho era imposto pelo empregador: - O trabalhador, conforme prova testemunhal, trabalhava para além do horário normal de serviço, ou seja se o fazia para além de ... é porque havia horário de trabalho imposto pelo empregador;
- Sobre o trabalhador era exercido o poder disciplinar:- Pois, se conforme testemunhas, foi impedida ao trabalhador a entrada nas instalações e lhe impuseram férias não programadas é porque detinham o poder disciplinar para o poderem fazer;
- A organização do trabalho depender estritamente da vontade do empregador: - Caso da retirada de serviço, conforme prova testemunhal, com vista ao esvaziamento funcional no sentido de forçar o trabalhador a despedir-se;
- Os instrumentos de trabalho pertenciam ao empregador: - Conforme testemunhas, todas as instalações, secretárias, telefones, meios de transporte, computadores pertenciam ao empregador;
- A existência de outros trabalhadores subordinados no exercício da mesma actividade: - Vide p.f. organigrama Doc. n.º 6 anexo à p.i.: Caso dos colegas V…, M… e P… - na aduaneira; X…, Y…, J… - que foi testemunha - na Tesouraria e Contabilidade; Z…, AB…, AC…, no apoio administrativo; Q… - que foi testemunha, AD…, AE…, AF… e K… - que foi testemunha, na carga aérea; AG…, AI…, AJ… e AK… - na carga Tir e marítima; O… - que foi testemunha - na promoção comercial; U… - na tesouraria; AL… e AM… no apoio administrativo; AN… e AO… na carga aérea; e respectivas chefias: Ten. Cor. AP…; Dr. a AQ…, D. F… - que foi testemunha: S… - que foi testemunha. AR… - todos administradores no Conselho de Administração; e D. AS… - adjunta do Conselho de Administração no Porto e em Lisboa AT…;
- A opção pela modalidade de retribuição certa: - Os pagamentos, quando atempados, eram mensais sendo o último aumento concedido em 1999 pelo administrador e testemunha S…, que não o negou quando tal lhe foi referido em julgamento;
- O pagamento de subsídio de férias e de natal: - Que foram pagos ao trabalhador com atraso superior a 60 dias - art.º 30.º da p.i., facto confessado pelo pagador 3.º Recorrido no art.º 72.º da sua contestação;
- O aumento periódico de retribuição: - O último aumento foi concedido em 1999 pelo administrador e testemunha S…;
- A exclusividade da actividade laboral por conta do empregador: - O trabalhador fazia serviço exclusivo para os clientes e por conta da D…, S.A. - exemplo AU…, Lda - nunca fez serviço dos ou para os clientes dos despachantes;
- A sindicalização e observância do regime fiscal e de segurança social próprio do trabalho por conta de outrem: - O trabalhador foi sindicalizado no SIMAMEVIP - Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de Navegação, Transitários e Pesca. (Ver p.f. doc. n.º 1 da ampliação do pedido quanto a diuturnidades), pagava impostos e IRS, descontando igualmente para a Segurança Social que lhe atribuiu baixas médicas e verificou doenças.).
Itens mais que suficientes para prova do vínculo laborai do trabalhador à D…, S.A.
B - O assédio moral sofrido pelo trabalhador tendente a provocar a sua desvinculação laboral:
O tribunal "a quo" não se dignou dar como provado (10.a página da sentença alínea c) o alegado nos artigos 30.º a 33.º e 40.º,41.º da petição inicial, que denunciavam o
- Assédio Moral movido pela Entidade Patronal através do seu representante contra o Trabalhador, danos morais sofridos por este durante vários anos, tendentes a forçá-lo a despedir-se; e bem assim
- A inexistente Progressão da Carreira e falta de aumentos salariais desde 1999.
Desta forma, dando como não provada a matéria dos referidos artigos a douta sentença obteve fundamento para a declaração da ilicitude da resolução do contrato de trabalho operada pelo trabalhador, o que condicionou todo o desfecho do processo levando à improcedência de todos os pedidos do trabalhador.
É facto notório, que o assédio moral é de muito difícil prova para o assediado uma vez que sendo praticado no local de trabalho as testemunhas mais importantes são os seus colegas de trabalho que convivem lado e lado com a entidade patronal e com a vítima trabalhador.
“... O assédio moral é um processo usado cada vez mais pelas entidades patronais para discriminar e/ou perseguir os trabalhadores, com a finalidade de os levar a despedirem-se unilateralmente. Normalmente consiste num conjunto sucessivo e reiterado de actos ofensivos da dignidade dos trabalhadores, visando a diminuição da sua auto estima, praticados sob a forma de uma aparente necessidade legítima da empresa. Multas vezes esses actos são praticados sem a presença de outros trabalhadores que os testemunhem ...”
“… O problema complexifica-se quando o assédio moral se baseia em violência psicológica continuada, mas, formalmente, a relação labor ai mantém-se igual à dos demais trabalhadores. Nesses casos a prova é muito difícil ...”
“… Um exemplo concreto disso mesmo é o do Acórdão da Relação do Porto Proc. N.º 381.9/08 de 02/02/2009. Neste acórdão concluiu-se que o Recorrente foi vítima de assédio moral baseado em factores discriminatórios como: - Esvaziamento de funções; - Isolamento do trabalhador face à restante equipa; - Restrição do uso de computador portátil;- Não atribuição de aumentos salariais anuais; - Não atribuição de prémio de natal .... " - (In Artigo de opinião CGTP in net: sitiodosdireitos. net.)
Ver p.f. igualmente sobre o mesmo tema in www.dgsí.pt. com referência ao Código do Trabalho de 2003, o Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO - Apelação nº 3819/08-4ª Sec. – Data - 02/02/2009 - CONTRATO DE TRABALHO - ASSÉDIO MORAL.
Ver também p.f. Acórdão in www.dgsi.pt. do Supremo Tribunal de Justiça p.º 712/12.6TPRT.P1.S1 - 4.a Secção - Relator: Mário Belo Morgado, de 12-03-2014: “… I - O assédio moral implica comportamentos real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração e determinadas consequências ...”
No seguimento desta douta jurisprudência alegou o Recorrente no art. o 30.º da petição inicial: - “... - O subsídio de Férias de 2013 só lhe foi pago em 24 de Dezembro do mesmo ano, sendo que o de Natal só lhe foi pago em 7 de Janeiro de 2014 ...”, facto confessado pelo pagador da entidade patronal Recorrido E… no art. º 72.º da sua douta contestação, o que justificava, por si só, a denúncia do contrato de trabalho com justa causa pelo trabalhador, conferindo-lhe o direito à indemnização estabelecida nos termos do art.º 396.º do CT.
Facto que justificando o despedimento com justa causa do trabalhador, deve ser considerado igualmente como uma forma de assédio.
Nestes graves condicionalismos de Assédio Moral devem ser analisados os depoimentos, para os quais se remete, das testemunhas do Recorrente G…, K… e L….
- Quanto ao primeiro G…, depôs este aos art.os 30.º a 33.º da PI, gravação realizada em 2016.09.09 entre as 11:35:43 e as 11:56:45 h;
- Depôs o segundo, K…, aos art.os 31.º e 33.º da PI., gravação realizada em 2016.09.09 entre as 14.45:19 e as 15:27:48 h;
- Quanto à testemunha L…, depôs esta aos art.os 10.º, 13.º, 19.º, 31, 32.º e 33.º da p.i., gravação realizada em 2016.09.28 entre as 15:40:42 e as 16:11:35 h.
Tão injusta e deveras inesperada decisão, preterindo a prova testemunhal do Recorrente, não considerando a prova documental junta com a petição inicial e com as ampliações do pedido e o especial pedido de junção na última audiência de julgamento de novos e importantes documentos, não teve em conta a humilhação de que há anos o trabalhador estava a ser vítima:
“... A violência psicológica é, muitas vezes, tão ou mais prejudicial do que a física, sendo caracterizada por comportamentos de rejeição, depreciação, discriminação, humilhação, desrespeito, punições exageradas, isolamento, culpabilização, castigos ou ameaças de abandono, gritos, insultos, crueldade mental, referência preconceituosas e a determinadas condições da vítima, como, por exemplo, à cor ou a algum tipo de deficiência ...” - (APAV - Associação Portuguesa de Apoio à Vítima - 1998).
A agressão psicológica que nos autos se discute teve início a partir do momento em que o Réu E…, ex-colega de trabalho na mesma empresa passou a Despachante o qual, em inferioridade negocial, aceitou a imposição da entidade patronal de ambos para, sob a ameaça de perder a avença, impedir o Recorrente de poder reclamar os seus direitos como trabalhador da D….
Actuando, como actuou, este representante da entidade patronal fê-lo como um "testa-de-ferro" em conluio com a entidade patronal de ambos D…/C… e, de acordo com esta, tal como ensina o Insigne Mestre Professor Doutor Mota Pinto:
“… há um conluio entre os dois sujeitos reais de operação e o interposto. Este é um simples testa de ferro, um homem de palha ...” - (Vide Teoria Geral Dir. Civil, 3.a ed.- 476)
Na verdade, indo a audiência na última sessão, aquando do depoimento da última testemunha S…, comum às Recorridas C… e D…, S.A., (sistema de gravação em 2016.10.1'3 entre as 14:43:02 a 15:44:53 h e as 15:53:06 e as 15:53:59 h; intercalado com pedido de junção de documentos pelo Recorrente entre as 15:44:54 e as 15:46:56 h, posição da mandatária do Réu entre as 15:49:57 e as 15:51:08 h, posição da mandatária das Recorridas entre as 15:51:09 e as 15:51:44 h),
Estando a testemunha a negar mais uma vez a ligação laboral do trabalhador à empresa e dizendo desconhecer o assédio, contradizia frontalmente depoimentos anteriores de testemunhas idóneas em que pelo menos uma delas tinha sido sua contemporânea em cargo dirigente na D…:
- A testemunha do Recorrente D. F… (sistema de gravação em 2016.09.09 entre as 10:45:55 e as 11.34.02 h) que tinha sido, no mesmo período temporal, colega na administração na Ré D…, S.A.; e
- O Senhor N…: - (sistema de gravação realizado em 2016.09.28 entre as 14:40:41 e as 15:16:41 h) testemunha que desempenhou várias funções na D… entre 1971 e 1994, desempenhando à saída igualmente as funções de administrador.
- Bem como as testemunhas G…, J…, K…, L… e M…, como ex-colegas do Recorrente na D… e do Dr. I…, ex-subdirector da Alfândega do Aeroporto H… que bem o conhecia como empregado da D….
Exibidos assim os documentos juntos, o tribunal na quo", indeferiu o pedido da sua junção, invalidando a prova da falsidade do depoimento da testemunha e igualmente impedindo, com o seu conteúdo, explicar e justificar o "modus faciendi" e a identificação dos intervenientes no assédio moral movido ao trabalhador.
Nesta conformidade, quanto à junção de documentos em sede de recurso a Jurisprudência esclarece que:
“… Em sede de recurso, a junção de documentos tem de observar o disposto no art.º 651.º, n.º 1, do actual CPC, cujo normativo é claro ao afirmar que tal junção, com as alegações, é excepcional, reportando-se apenas às situações previstas no art.º 425.º ou quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância ...” (Vide Ac. STJ de 12-05-2016 - p.o 72/14.0TTOAZ.Pl.SI - Relator Desemb. Ana Luísa Geraldes - in www.dgsi.pt)
Assim, no respeito pela jurisprudência dominante e, em vista deste depoimento contraditório, sendo a junção destes documentos deveras importante para a descoberta da verdade, uma vez que vêm justificar o vínculo labor ai e a sua tentativa de quebra através do assédio moral movido ao trabalhador,
Requer-se seja admitida extraordinariamente a junção aos autos, nos termos e para os efeitos do art.o 651.º do C.P.C., uma vez que tal junção se justifica em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, dos seguintes documentos:
i) - Um "mail" de 16/12/2002, emanado do então Administrador da D… Dr. AV…, dirigido ao "AW…" (Despacho Aduaneiro H…) Contrato Presto Servo Aduaneiros, que procede ao envio electrónico para o computador comum do escritório, conforme combinado, dos textos finais de vários documentos, sugerindo fossem assinados ainda naquela data via fax e posteriormente fossem trocados os originais, agradecendo resposta urgente e de que ainda não tinha recebido informação sobre a carta assinada de AX…;
ii) - Um Protocolo de 10/12/2002 para o ano seguinte de 2003 entre a D… e o Despachante Oficial E…;
iii) - Um contrato de prestação de serviços entre a D… e o Despachante Oficial E1… Uma E2… em apontamento, ainda sem data e sem valores; (Este documento consta já dos autos em versão definitiva assinado pelas partes. vide p.f. doc. n.º 1 das contestações das Recorridas C…, S.A. e D…, S.A.)
iv) - E uma “side letter” da Recorrida D…, impondo que:
“... Fica entre as partes expressamente clarificado e aceite que. a entidade patronal do Sr. B… é o segundo contratante e, caso venha a ser reclamado judicialmente pelo Senhor B… o estatuto de trabalhador da D…, e exigido qualquer direito a ele inerente, sem oposição consentânea do Despachante Oficial E…, a D… denunciará o contrato celebrado ...”,
(Conjunto de documentos n. 1, com 8 (oito) documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais,)
Desta forma, efectuando-se um juízo claro e seguro do texto e do significado dos documentos ora juntos fica plenamente provado:
- Que o vínculo laboral do trabalhador à D…, S.A./C…, S.A.;
- Justificado o assédio;
- Identificados os assediadores;
- Num provado conluio para manutenção recíproca da avenca;
- Tendente à desvinculação do trabalhador por sua iniciativa.
Em abono deste entendimento vide p.f. a douta sentença - pág. 19:
“... Como escreveu Guilherme Dray em anotação do art.º 29.º do Código do Trabalho (Código do Trabalho Anotado, Almedina, 8.a ed., pg. 188), “o assédio constitui um conjunto concatenado de comportamentos que tem por objectivo ou efeito criar um ambiente de tal forma hostil que o trabalhador se vê na contingência de, ele próprio, por se sentir, marginalizado, entender desvincular-se perante o empregador, pondo termo à relação laboral” ...”
Entendimento contrariamente não professado pelo Tribunal de Primeira Instância que desconsiderou todos os coerentes e verdadeiros depoimentos prestados sobre o assédio moral pelas testemunhas do Recorrente.
c - O despedimento com justa causa operado pelo trabalhador:
Tendo em conta que, segundo a prova testemunhal, o Assédio se traduziu no:
- Pagamento de subsídio de férias com atraso superior a 60 dias;
- E o de Natal só no ano seguinte;
- Na falta de aumentos regulares.
- No progressivo esvaziamento do conteúdo laboral e das funções e serviços que o trabalhador desempenhava;
- Na retirada da chave do escritório e do correio;
- Na proibição de este poder permanecer sozinho nas instalações da D… tendo que esperar a presença do superior hierárquico ou de outro colega para poder entrar:
- Na imposição de férias não programadas.
Estas graves atitudes vieram justificar o despedimento com justa causa por iniciativa do trabalhado em desespero, o que foi desconsiderado na douta sentença.
Não valorando assim o provado assédio laboral exercido sobre o trabalhador o digno tribunal considerou o despedimento operado pelo trabalhador ter sido efectuado sem justa causa o que, consequentemente, levou à improcedência de toda a acção.
E, tudo no seguimento de que encontrando-se o Recorrente ao serviço efectivo das Recorridas, mediante baixa médica, por sintomatologia depressiva associada à problemática laboral e ainda porque passava muitas noites sem dormir tendo que recorrer a apoio psicológico, obteve um Relatório Médico do Hospital AZ…, E.P.E., do Porto cujo original ou, por ter sido entregue na empresa ou se ter extraviado, o Recorrente viu desaparecer, pelo que requereu em 14/12/2016, uma 2.a Via, que lhe foi passada e de que requer a junção aos autos nos termos ao art.º 651.º do C.P.C ..
(Documento n.º 2, de que se requer a junção aos autos nos termos ao art.o 651.º do C.P.C. e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.)
Por este relatório médico o Psiquiatra Senhor Dr. AY… atesta que o paciente sofre de episódios depressivos, com crises de ansiedade ao longo dos últimos anos, tem vindo a acentuar-se, as suas queixas depressivas e ansiosas em que estas surgem associadas a problemas familiares, mas fundamentalmente a problemas laborais, nomeadamente o facto de sentir um ambiente hostil no local de trabalho.
Nestes condicionalismos teve o trabalhador inelutavelmente que recorrer a baixa médica, para evitar novas e ainda mais violentas agressões psicológicas e ao inerente agravamento do seu sofrimento moral e estado físico e psíquico.
Esperando obter justiça, enviou cartas às Recorridas a dar conta formal do assédio moral em curso, mas contra o esperado recebeu como retaliação um pedido de verificação da situação de doença do trabalhador.
Tendo a Junta Médica considerado o trabalhador apto para desenvolver a actividade e tendo este que se apresentar ao serviço temeu, com justificado receio, não poder suportar psicologicamente novas e mais insistentes agressões.
Indo ao encontro dos interesses da entidade patronal, o trabalhador comunicou às Rés, nos termos da alínea f), do n.º 2, do artigo 394.º, do Código do Trabalho - Lei n.º 07/2009, de 12 de Fevereiro, por carta registada com aviso de recepção de 16 de Setembro de 2014, a cessação do contrato de trabalho por sua iniciativa com justa causa.
É de ter em conta que o trabalhador é a parte mais fraca neste processo o qual, para além de ter sofrido uma grave perseguição laboral, vê-lhe agora mais dificultada a prova da existência do seu contrato de trabalho uma vez que, segundo o tribunal "a quo" aplicando-lhe a lei antiga (LCT) bastava às Recorridas efectuar a contraprova com factos que tornassem duvidosa a existência do mesmo contrato, no respeito pelo art.º 346.º do C.C ..
Só que, contra o douto entendimento "a quo", tendo o trabalhador feito prova documental e testemunhal da sua relação laboral, competia aos empregadores contraditá-la de acordo com o art.º 350.º, n.º 2, do mesmo diploma, não bastando apenas efectuar uma mera contraprova, por testemunhas com interesse no desfecho da causa, destinada a tornar duvidoso o facto presumido, o que não foi ilidido.
Neste processo sendo, por demais, evidente a falta de isenção dos Recorridos e a falta de credibilidade das suas testemunhas, considera-se ter ficado plenamente provado testemunhal e documenta/mente:
- Que o vínculo laboral do trabalhador à D…, S.A./C…, S.A.;
- Bem como o Assédio Moral sofrido pelo trabalhador numa agressão psicológica conluiada tendente a forçar o trabalhador a despedir-se por sua iniciativa, o que conseguiram.
D - O pedido:
NESTES TERMOS:
- Verificando-se na douta decisão oposição entre a matéria de facto provada e a decisão proferida;
- A douta decisão ter deixado de se pronunciar sobre questões que devia conhecer;
- Não sendo considerada a prova testemunhal produzida e a documentação junta que impõem decisão diversa,
Deve este Venerando Tribunal da Relação alterar a douta decisão proferida,
- Declarando a nulidade da douta sentença, por indevida apreciação da prova, concluindo pela procedência do pedido e pela improcedência do pedido reconvencional;
- Devendo ser dada como provada a relação laboral do Recorrente /trabalhador e os atrasos verificados no pagamento dos subsídios de férias superiores a 60 dias e do subsídio de Natal, só pago no ano seguinte, factos confessados e operados como forma de assédio moral e económico, justificativos do despedimento operado pelo trabalhador com justa causa;
- Deve ser igualmente ser dado como provado o assédio moral sofrido pelo trabalhador através de retirada de serviço e da violência emocional que o trabalhador sofreu durante anos, em que a culpa do empregador é presumida nos termos do art.o 799º do Código Civil, presunção que não foi ilidida pelos Recorridos;
- Em conformidade devem ser considerados provados os art.os 30.º a 33.º e 40.º e 41.º da petição inicial;
- Devendo ser aceite a documentação ora junta;
- Por estes factos ser declarada licitamente efectuada a resolução do contrato de trabalho operada com justa causa pelo trabalhador em 16/09/2016;
- Condenando-se os Recorridos solidariamente a indemnizar o trabalhador de acordo com os pedidos formulados inicialmente e nas ampliações do pedido;
- Sendo restituída a quantia indevidamente retida, por falta de aviso prévio, no vencimento do trabalhador;
- Com custas por estes quer na lide principal, quer na reconvencional,
- O que se requer nos termos e para os efeitos do art.º 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Termos em que o recurso deve merecer provimento,
Com o que se fará, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!
JUNTA: - Nos termos e para os efeitos do art.º 651.º do C.P.C. 5 (cinco) conjuntos de documentos.”

5. Não tendo o recurso sido admitido, por despacho do relator depois confirmado em conferência, interposto competente recurso do acórdão então proferido para o Supremo Tribunal de Justiça veio aquele a ser revogado, determinando-se o prosseguimento da apelação.
***
Corridos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:
II- Questão prévia da junção de documentos
Como questão prévia importa conhecer se pode ser admitida a junção dos documentos pretendida pelo Autor (nas suas palavras, conjunto de cinco documentos), em sede de recurso.
O Apelado pronuncia-se pela inadmissibilidade da junção, porque tal junção cai fora da previsão legal, sendo que quanto ao primeiro conjunto de documentos se trata dos mesmos que o Autor, na última sessão de julgamento, pretendeu juntar mas que então essa junção foi indeferida, razão pela qual, não tendo reagido por meio de recurso quanto a tal despacho, sobre essa questão ocorre caso julgado.
Vejamos então:
Como sabemos, devendo a junção de documentos deve ser feita em princípio com o articulado em que se alegam os factos que constituem fundamento da ação ou da defesa (n.º1, do art.º 423.º do CPC), a lei permite, também, que a junção seja feita até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo neste caso a parte condenada em multa exceto se provar que não os pode oferecer com o articulado (n.º 2, do mesmo artigo 423.º). No entanto, para além desses casos, permite ainda a lei, após o limite temporal estabelecido naquele n.º 2, a junção documentos, mas restringida àqueles cuja “apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior” (n.º3, do mesmo art.º 423.º).
Por seu turno, como resulta do artigo 425.º do CPC, “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”.
Resulta pois da conjugação destas disposições que a regra é a junção de documentos na 1.ª instância, com a amplitude permitida no referido artigo 423.º, sendo que, em conformidade com esse, o n.º 1 do artigo 651.º do CPC estabelece que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Deste modo, poderemos afirmar que a apresentação de documentos em sede de recurso assume natureza excecional, estando dependente da demonstração de que não foi possível a sua apresentação até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva) ou, numa segunda ordem de razões, se a sua junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, sendo que, quanto a esta última situação, tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que a junção deve ser recusada quando os documentos visem provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não lhe servindo desde logo de pretexto válido invocar a surpresa quanto ao sentido da decisão[1]. No mesmo sentido, reportando-se ao regime anterior, concluíam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ser “(..) evidente que (..) a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão proferida”[2].
Por último, importa referir que é ao requerente que cabe justificar a apresentação dos documentos nesta fase, de modo a permitir o juízo sobre a respetiva admissibilidade, necessariamente enquadrada, como se disse, numa daquelas possibilidades.
Ora, no caso, importa distinguir, desde logo, duas situações, assim por um lado os documentos cuja junção já foi requerida em audiência de julgamento e que então foi objeto de indeferimento pelo Tribunal a quo e, por outro, aqueles outros cuja junção só agora, em sede de recurso, é requerida.
Começando pelos primeiros, como aliás bem salienta o Apelado, não pode já o Autor requerer a sua junção, como veremos de seguida.
De facto, deveria ter impugnado tempestivamente aquela decisão de indeferimento, sendo que já não o pode fazer no recurso interposto da decisão final.
Vejamos porquê:
Dispõe o artigo 79.º-A do Código de Processo do Trabalho (CPT) o seguinte:
“1 - Da decisão do tribunal de 1.ª instância que ponha termo ao processo cabe recurso de apelação.
2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:
(…)
i) Nos casos previstos nas alíneas c), d), e), h), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 691.º do Código de Processo Civil e nos demais casos expressamente previstos na lei.
3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final. (…)”.
O citado preceito foi, como se sabe, introduzido com as alterações operadas ao CPT pelo DL n.º 295/2009, de 13 de Outubro, que visaram, como resulta do respetivo preâmbulo, adequar a lei adjetiva às alterações introduzidas com a revisão daquele Código pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, como ainda, conformar “várias normas de processo do trabalho aos princípios orientadores da reforma processual civil, nomeadamente em matéria de recursos)”, visando-se pois harmonizar o regime de recursos laboral com a reforma dos recursos processuais civis efetuada pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
Porém, tendo sido tal versão revogada posteriormente com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (CPC) – aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho[3], que será aplicável subsidiariamente aos casos omissos no CPT, nos termos resultantes do artigo 1.º, n.º 2 –, podendo como é discutido colocar-se a questão de saber se a remissão feita para o artigo 691.º do pretérito CPC deve efetuar-se numa leitura atualizada como realizada para o correspondente normativo do atual CPC, assim o seu artigo 644.º – que introduziu algumas alterações relativamente ao que se prescrevia naquele artigo 691.º (a dificuldade pode colocar-se, em particular, precisamente quanto à remissão constante da alínea i) do n.º 2 do artigo 79.º-A, por conter remissão expressa para os “casos previstos nas alíneas c), d), e), h), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 691.º do Código de Processo Civil e nos demais casos expressamente previstos na lei”, assim no sentido de poder ser considerado, face à entrada em vigor do novo CPC, que a remissão opera agora para o n.º 2 do artigo 644.º[4]) –, acontece porém que tal questão sequer se coloca no caso pois que a alínea d) do n.º 2 do atual artigo 644.º continua também a prever, à semelhança do que previa a alínea i) do n.º 2 do art.º691.º, que é admissível recurso autónomo do despacho de admissão ou rejeição de algum meio de prova, daí decorrendo, por aplicação do n.º 2, alínea i), e 3, do artigo 79.º-A do CPT, que o prazo para impugnação daquela decisão é de dez dias, de acordo com o estabelecido no n.º 2 do seu artigo 80.º.
Do exposto resulta, aplicado tal regime ao caso, que o Recorrente dispunha do prazo de dez dias para reagir contra a decisão de não admissão do meio de prova em causa, sendo que, face ao momento em que foi notificada tal decisão, assim na data da realização da sessão de julgamento em que foi proferida, encontra-se ultrapassado o referido prazo, sendo assim sempre extemporânea a impugnação dessa decisão apenas no presente recurso, interposto da decisão final.
Se o Autor discordava do despacho que não admitiu os referidos meios de prova, por o considerar desconforme com o regime legal, tal como se concluiu no Acórdão desta Relação e Secção de 22 de setembro de 2014[5], “(…) deveria tê-lo questionado através de recurso autónomo interposto no prazo de dez dias a contar da notificação (…), sob pena de deixar de poder exercer o direito à sua impugnação por a inerente decisão se tornar insusceptível de recurso – cfr. os artigos 138.º, 139.º, n.º 3 e 628.º do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho”, sendo deste modo “extemporâneo que venha suscitar no recurso interposto da sentença final a questão da admissibilidade daquele meio de prova e dos que nele se basearam, quando sobre a matéria se havia formado já no processo caso julgado formal”. Ou seja, resultando da alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, caber recurso de apelação do “despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova”, por aplicação do disposto no n.º 2, alínea i), e 3, do artigo 79.º-A do CPT, a decisão de não admissão da junção dos documentos, a que alude a Apelante, deveria ter sido impugnada, e não o foi, por meio de recurso autónomo, por aplicação de norma expressamente prevista no CPT, no prazo de 10 dias previsto no n.º 2 do seu artigo 80.º.
Porque assim se conclui, não cabendo ainda na previsão legal de admissibilidade de junção em sede de recurso pelo facto de essa se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, pois que, manifestamente, chamando à discussão o regime que anteriormente afirmámos, os documentos visam afinal provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não lhe servindo assim, desde logo, de pretexto válido invocar a surpresa quanto ao sentido da decisão, impõe-se não admitir a junção de tais documentos, o que se decide.
Entrando agora na apreciação quanto aos demais documentos, chamando à apreciação mais uma vez o regime legal estabelecido e o que anteriormente referimos a esse propósito, a verdade é que, como mais uma vez bem o refere o Apelado, a requerida junção naquele regime se não enquadra, quer, por um lado, porque sequer o Requerente justifica devidamente essa junção em sede de recurso – assim quando dá apenas como justificação que só agora encontrou os documentos, o que manifestamente não serve de justificação mínima, tanto mais que o Autor, ao propor a ação, confrontado ainda com a posição dos Réus, não poderia deixar de saber da necessidade/importância que essa junção agora pretende justificar como ainda, para tanto, da realização das diligências que entendesse adequadas a “encontrar” tais documentos –, quer ainda, por outro, assim os que agora apresenta tendo em vista afetar a credibilidade de depoimento prestados em audiência, sendo que neste caso, face ao regime processual que se encontra estabelecido, assim quanto ao incidente de impugnação (artigo 515.º do CPC) ou ainda contradita (artigos 521.º e 522.º do CPC) devem ser deduzidos na audiência de julgamento realizada em 1.ª Instância, assim no primeiro caso logo que terminar o interrogatório preliminar e no último caso quando o depoimento terminar, e não pois em sede de recurso.
Nos termos expostos, salvo o devido respeito, o que o Recorrente parece pretender é afinal um novo julgamento, agora em 2.ª Instância, como que esquecendo o anteriormente realizado em 1.ª Instância, intenção aquela que aliás acaba por ressaltar do modo como impugna a prova nesse produzida, pretendendo que este Tribunal superior aprecie de novo quer a prova então produzida quer a que agora oferece de novo, como ainda ao invocar o vício da nulidade da sentença, “ao decidir considerar provados factos que estão em oposição com a prova gravada”, “ao preterir a análise de documentos juntos aos autos” e “ao indeferir a junção de novos documentos”, fazendo constar, citando, “o Recorrente, por economia processual, dá aqui por integralmente reproduzidos todos os depoimentos prestados em Audiência de Julgamento produzidos nos dias 9, 28 de Setembro e 13 de Outubro de 2016, para cuja gravação se remete”.
O que se disse pretende apenas fazer ressaltar aquela que é para nós a evidência sobre a junção de documentos pretendida, que só agora se requer, como ainda de outros cuja junção foi afinal já indeferida sem que se tenha impugnado tal decisão de indeferimento, assim no sentido de que não estão reunidos os pressupostos legais para essa junção, nos termos anteriormente expostos, razão pela qual a mesma se não admite, o que se decide.
Por configurar a situação um incidente processual anómalo, o Autor suporta as respetivas custas, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.
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III- Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do CPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1.) Nulidade da sentença; (2.) Recurso sobre a matéria de facto; (3.) Do Direito do caso: Do vínculo laboral; Do assédio moral; Da resolução do contrato com invocada justa causa; (4.) Da caducidade/ampliação do recurso; (5.) Da pretensa má-fé
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IV – Fundamentação
A. De facto
A.1. Os factos considerados provados pelo Tribunal recorrido são os seguidamente transcritos:
“1. As empresas transitárias sempre ambicionaram, para além de efectuar o trânsito das mercadorias, poder entrega-las ao importador já libertas da acção fiscal.
2. Para tal desiderato, e por antes não poderem agir por si, passaram a associar-se a despachantes oficiais que se comprometiam a acreditar seus agentes nas alfândegas de forma a que as empresas transitárias pudessem indirectamente despachar mercadorias.
3. Desde 15 de Abril de 1985 que o autor passou a exercer a sua actividade profissional nas instalações pertencentes à ré D…, S.A. na sua filial sita então à Rua …, n.º .., ….
4. Tendo sido colocado no sector aduaneiro, com função de ligação entre a D… e a Alfândega H….
5. O autor utilizava equipamentos e instrumentos de trabalho da ré D…, tais como instalações, secretárias, cadeiras, armários, telefones, faxes, computador, papel, canetas, carimbos, impressos e demais material de escritório daquela ré.
6. Com avença para estacionamento no Parque … – Staff Individual – trimestral, conforme pedido da ré D… à E…, c/o à BB…. – Aeroporto H…, de 17/9/2004, em documento assinado pelo Director Comercial Sr. O… e que consta de fls. 36 a 39 dos autos.
7. Incluído num seguro de grupo com a seguradora BE… para protecção dos bens e valores da empresa.
8. O autor cumpria o horário das 9h00 às 18h00 com intervalo para almoço das 12h30 às 14h30.
9. Em Abril de 1985 o autor auferia a retribuição ilíquida de Esc.: 25.400$00, constando do respectivo recibo como empregador “BC…, Despachante Oficial”.
10. Em Maio de 2002 o autor auferia uma retribuição base ilíquida de €698,32, constando do respectivo recibo AX… – Despachante Oficial, como empregador.
11. A ré D… associou-se à quota do Despachante Oficial BC….
12. Este Despachante tratou de inscrever e acreditar o autor como Praticante de Despachante.
13. A situação do autor manteve-se inalterada perante a sucessão de despachantes com quem a ré D… trabalhou, sendo o último destes o réu E….
14. De entre esses despachantes foi também o Despachante Oficial Sr. AX….
15. A ré D… entregava ao Despachante uma quantia pecuniária relativa a “comparticipação para as despesas de pessoal”
16. Nestas associações sucessivas da ré D… com despachantes, desde Janeiro de 2003 que o autor está inscrito como ajudante de despachante do réu E….
17. Com a abertura do despacho aos donos ou consignatários da mercadoria, pela circular n.º 40 de 26/5/1992 da APAT – Associação Portuguesados Agentes Transitários, foi alertado aos transitários e seus empregados que, para os poderem representar, deviam “…apresentar-se perante as Delegações Aduaneiras munidos de uma procuração passada pelo dono ou consignatário da mercadoria, conferindo poderes para o acto.
18. Em 1 de Janeiro de 2009 a ré D… cedeu ao Grupo C… as suas posições contratuais, tendo esta líder centralizado na ré C…, S.A. as várias empresas agora pertencentes ao Grupo.
19. Por email emanado do vogal do Conselho de Administração da C…, Dr. BD…, foi pedido aos funcionários da ré D…: “a todos os funcionário que ainda não enviaram a Cessão de Posição contratual devidamente assinada, solicito que o façam com a maior brevidade possível”.
20. Sendo então assinados com os trabalhadores da D… contratos de cessão da posição contratual de entidade patronal, assegurando a ré C…, S.A. a continuidade dos contratos de trabalho, com a respectiva antiguidade.
21. Por carta datada de 19/5/2014 dirigida à ré C…, S.A., à sociedade C… – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A. e ao réu E…, através de seu Advogado, o autor deu conta e queixou-se de estar a ser vítima de assédio moral, coacção psicológica e violência emocional por parte deste último réu, pretendendo negociar a cessação amigável do contrato de trabalho por extinção de posto de trabalho, conforme documento junto aos autos a fls. 63 a 68 que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
22. Por carta registada com aviso de recepção datada de 16/9/2016, o autor remeteu a todos os réus declaração de resolução do contrato de trabalho com justa causa, nos seguintes termos:
Tendo presente que o signatário foi admitido por contrato de trabalho sem termo de 15 de Abril de 1995, na Empresa D…, S-.A., para efectuar todas as operações de âmbito aduaneiro, necessárias ao desembaraço das mercadorias que lhe fossem confiadas, junto da Alfândega H… e suas Delegações Aduaneiras.
E que, em 1 de Janeiro de 2009 a D… cedeu ao Grupo C…, as suas posições contratuais, onde se inclui a C…, S.A.,
Verificou-se que a partir dessa data o trabalhador começou a sofrer de assédio moral com constantes ameaças de despedimento por parte do superior hierárquico Despachante Oficial E…, anterior funcionário da D… e igualmente trabalhando para a C…, S-.A..
Sendo que:
- Em representação da entidade patronal, este retirou durante dias seguidos trabalho ao trabalhador;
- Com tal atitude divertia-se diariamente ou por intermédio de outros colegas, por este não ter que fazer;
- Como representante da entidade patronal vem a ameaçar o trabalhador de que iria pôr no café a ler o jornal;
- Em alturas em que o trabalhador recebe serviço, o superior hierárquico, efctua tais exigências que o trabalhador psicologicamente não tem condições para cumprir com eficácia o serviço de que é encarregado;
- O trabalhador é continuamente ignorado por todos, sendo-lhe negada pelo superior a imprescindível actualização de informação pertinente ao despacho de mercadorias;
- Como o serviço está sempre a sofrer alterações de legislação, que é muito abundante, tal como o sistema informático, não lhe é facultado o acesso a instruções o que dificulta sobremaneira o trabalhador no seu cumprimento:
- O trabalhador ficou muitas vezes sem serviço sentindo-se por isso como uma criança de escola colocada de castigo;
- Foi várias vezes ameaçado pelo superior de que estava a utilizar carimbos para falsificar assinaturas em documentos;
- O trabalhador está proibido de permanecer sozinho nas instalações da entidade patronal;
- A filha do superior hierárquico P…, em início de carreira, tem faltado ao respeito ao trabalhador como empregado mais antigo na firma;
- Não lhe foram ainda entregues os recibos dos salários desde Janeiro de 2013, não sabendo o trabalhador como lhe está a processado o salário;
- O subsídio de Férias de 2013 só lhe foi pago a 24 de Dezembro do mesmo ano, sendo que o de Natal só lhe foi pago em 7 de Janeiro de 2014;
- Os pagamentos foram efectuados por transferência bancária da entidade patronal para o superior hierárquico e deste para o trabalhador, obrigando o último a suportar despesas de manutenção;
- O trabalhador, por estes motivos, passa noites sem dormir, tendo recorrido a apoio psicológico;
- Este comportamento indesejado por parte da entidade patronal e seus subordinados, pelo seu carácter continuado e insidioso:
- Está a ser gravemente prejudicvial para a saúde física e psíquica do trabalhador;
- Como forma de visar o seu afastamento da empresa;
- Criando-lhe um ambiente hostil, degradante e humilhante, completamente desestabilizador;
- Com vista à desvinculação da sua relação laboral sem o pagamento das devidas indemnizações pelo tempo de serviço.
Tal constitui uma forma de “mobbing”, ou seja, de assédio moral, coacção psicológica e violência emocional, como forma de “stress psicológico” com comunicações hostis ou actos que lhe são dirigidos de forma sistemática pelo superior, às quais o trabalhador psicologicamente tem dificuldade em defender-se.
Não podendo suportar esta situaçãio de violência psicológica, nem forças para se poder defender o trabalhador recorreu a baixa médica não remunerada, por sistematologia depressiva que associa à problemática laboral.
A Entidade Patronal veio pedir a verificação da situação de doença nos termos do art.º 17.º e ss. da Lei n.º 105/2009, de 14 de Setembro.
Tendo a Junta Médica concluído como resultado da verificação que considerava o trabalhador apto para desenvolver a actividade.
Pelos factos apontados, o trabalhador não tem condições psicológicas para se apresentar ao serviço, temendo por danos morais irreversíveis caso se apresente, o que conduz a que não existem condições para a manutenção da relação laboral.
Desta forma, nos termos da alínea f), do n.º 2, do artigo 394.º, do Código do Trabalho – Lei n.º 07/2009, de 12 de Fevereiro,
Na qualidade de vosso trabalhador, venho muito respeitosamente comunicar a V.ªs Exªs a cessação imediata do meu contrato de trabalho por minha iniciativa com justa causa pelos fundamentos indicados.
Como esta cessação tem efeitos imediatos, muito gratos ficarei a V.ªs Exªs se dignem indicar-me o dia e hora em que poderei procurar os v/s escritórios a fim de levantar os meus pertences e ser ressarcido dos meus créditos laborais.”
23. Em resposta o réu E… enviou ao autor o recibo e comprovativo de pagamento da retribuição de Setembro de 2014, descontando aí ao autor a quantia de €1.640,00 que correspondem a dois meses de retribuição, e procedendo ao pagamento da retribuição de Setembro de 2014, do subsídio de férias de 2013, das férias não gozadas e dos proporcionais dos subsídios de férias e de Natal de 2014.
24. O contrato de associação à quota referido em 11. foi celebrado em 3/10/1984, conforme documento de fls. 43 a 45 dos autos.
25. Tendo por finalidade a participação nos lucros resultantes da actividade do Despachante quanto ao serviço prestado aos clientes da Ré D….
26. E, concomitantemente, assumindo os custos dos trabalhadores afectos à prestação de serviços aos clientes da Ré D… e que eram, à data, os identificados no referido contrato de associação.
27. O autor e o réu E… foram incluídos em 1999 num organigrama da ré D… como integrando o serviço aduaneiro, conforme documento de fls. 34 e 35 que aqui se dá por reproduzido.
28. Por carta datada de 6/12/2002, com o assunto de “denúncia do contrato de prestação de serviços aduaneiros, remetida por AX…, Unipessoal, Lda. e dirigida à ré D…, por aquela sociedade foi declarado denunciar tal contrato a partir de 31/12/2002, aí declarando ainda que “o nosso funcionário B… transitará para a firma a constituir pelo Sr. E…”.
29. Por documento datado de 28/4/2003 a ré D… e o réu E… celebraram um contrato intitulado de prestação de serviços, mediante o qual este réu obrigou-se a prestar à ré D… os serviços aduaneiros nas alfândegas.
30. O autor e o réu E… foram colegas de trabalho durante vários anos.
31. Em determinada altura, o despachante que trabalhava com a ré D…, deixou de lhes prestar serviço e, vendo uma oportunidade de se lançar por conta própria, o demandado ora contestante, decidiu ir fazer o curso de despachante e propôs à D…, passar ele a prestar-lhe tais serviços.
32. E acertaram – réu E… e ré D… – que aquele passaria a utilizar as suas instalações e equipamentos, no exercício da actividade de despachante, e como contrapartida da referida prestação de serviços e preço estabelecido, não tendo, contudo, aquele réu, qualquer relação de exclusividade com aquela entidade.
33. Utilização essa que tinha sido já efectuada por outros despachantes e que se justifica em ordem da importância do cliente D…, e da necessidade desta em ter uma maior proximidade entre os serviços que prestava e os serviços de despachante.
34. Por documento datado de 1/1/2003, e dirigido ao autor, o réu E… declarou ter admitido “como meu funcionário, a partir de 1/1/2003, o Sr. B… (…) e declaro sob compromisso de honra, para os efeitos julgados convenientes que assumo a antiguidade em termos de anos de trabalho do Sr. B… desde 1/4/1985”.
35. O autor apresentou certificados de incapacidade temporária para o trabalho no período de 20/5/2014 a 10/9/2014.”
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Por sua vez, fez constar o mesmo Tribunal que “não se provaram outros factos, nomeadamente:
a) que o autor utilizasse veículos automóveis da ré D…;
b) que tenha sido a ré D… a impor o horário do autor referido sob o ponto 8. dos factos provados;
c) o alegado nos artigos 30º a 33º, 40º, 41º da petição inicial,
d) o alegado nos artigos 12º, 14º, 17º, 18º, 32º e 33º da contestação da ré D…, S.A.
e) o alegado nos artigos 16º, 18, 21º, 22º, 36º, 37º, 38º da contestação da ré C…, S.A.
f) o alegado nos artigos 12º a 15º, 22º a 25º, 35º, 51º, 52º, 53º, 55º, 65º (para além do que resulta do ponto 33. dos factos provados) da contestação do réu E…”.
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B. Discussão
1. Nulidade da sentença
No seu requerimento de interposição do recurso, cumprindo o formalismo previsto no n.º 1 do artigo 77.º do CPT, o Recorrente sustenta que ocorre nulidade da sentença, remetendo para a previsão das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ao “considerar provados factos que estão em oposição com a prova gravada”, “ao preterir a análise de documentos juntos aos autos” e “ao indeferir a junção de novos documentos”, sendo que, acrescenta, “por economia processual, dá aqui por integralmente reproduzidos todos os depoimentos prestados em Audiência de Julgamento produzidos nos dias 9, 28 de Setembro e 13 de Outubro de 2016, para cuja gravação se remete”. Mais refere que se verifica assim “uma clara nulidade da douta sentença: - Que não fez uma correcta apreciação da prova testemunhal; - Não aplicou o direito correspondente; - Manteve manifesta oposição entre a matéria de facto provada e a decisão proferida, - Para além de que deixou de se pronunciar sobre questões que devia conhecer, - Razão pela qual se encontra ferida de nulidade.”
Ainda, segundo o Recorrente, não andou bem a decisão ao “declarar ilícita a resolução do contrato de trabalho operada pelo Recorrente/trabalhador”, “ao julgar procedente o pedido reconvencional formulado pelo Réu E… correspondente à retenção por este duma quantia relativa a falta de aviso prévio”, “ao julgar improcedentes todos os pedidos formulados pelo trabalhador” e “ao absolver os Recorridos”.
Sustentando-se nas contra-alegações a não ocorrência de tais vícios da sentença, posição também assumida pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, cumpre decidir:
Como é consabido, é através da sentença, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, que o juiz diz o direito do caso concreto – nesse sentido, já há muito Anselmo de Castro acentuava a importância da sentença, por representar “conceitual e historicamente o ato jurisdicional por excelência, aquele em que se traduz na sua forma mais característica a essência da jurisdictio: o ato de julgar.”[6].
Sendo pois esse o objetivo perseguido pela sentença, pode essa estar porém viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito, assim por um lado nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC. No fundo, trata-se do sancionamento das normas prescritivas que disciplinam no mesmo Código o ato de elaboração da sentença, assim nos artigos 131.º, n.º 3, 2.ª parte, 154.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3 e 4, do CPC, respeitantes à clareza, especificação e coerência da fundamentação e, ainda, no caso do n.º 2 do artigo 608.º, em contraponto, o dever e a proibição de pronúncia, atentos o objeto do litígio e o princípio do dispositivo.
Nesse sentido, estabelece o n.º 1 do artigo 615.º citado que “É nula a sentença quando: (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)”.
Delimitando o âmbito de aplicação da alínea c) – Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível –, lembrando Alberto dos Reis[7], o pretenso vício acontece quando se patenteia que a sentença enferma de vício lógico que a compromete. Ou seja, o juiz, escrevendo o que realmente quis escrever, fez todavia uma construção viciosa, já que os fundamentos que invocou conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas ao oposto.
Por sua vez, quanto à omissão de pronúncia – alínea d): O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento –, trata-se de vício que tem a ver com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608º, nº2 do CPC[8], sendo que, a esse respeito continuam mais uma vez plenamente válidos, ainda hoje, os ensinamentos de Alberto dos Reis: “(...) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” – “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.[9] No mesmo sentido, Lebre de Freitas[10] ao referir que “Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2014[11], o juiz “não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente”.
Ora, aplicando então tais ensinamentos ao que é invocado no caso pelo Recorrente afigura-se-nos, salvo o devido respeito, que o mesmo confunde eventual erro de julgamento, dos factos e/ou do direito, com o vício de nulidade que da sentença.
Na verdade, do que se trata, segundo o Recorrente, é de errada apreciação da prova produzida, quando faz apelo a essa e a factos que no seu entender deveriam ter sido considerados, como ainda a questões relacionadas com não admissão de prova, estes a coberto de decisão diversa da sentença, o que não se enquadra quer na previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º quando se refere a oposição entre os fundamentos e a decisão ou ainda a ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, pois que a decisão, mal ou bem (mas essa é questão de eventual erro de julgamento), fundamentou de modo suficientemente percetível o percurso lógico seguido até à decisão, quer ainda, por último, na sua alínea d), pois que, como se referiu anteriormente, por apelo então ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2014, o juiz “não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente”, sendo que nada se invoca que extravase essa delimitação das questões que no caso se impunham decidir.
Nos termos expostos, não se evidenciando os invocados vícios da sentença, improcede a pretensão do Recorrente nesta parte.
2. Recurso sobre a matéria de facto
Face ao que se integra nas suas conclusões, em particular do que fez constar do pedido – tal como aliás resulta da superior apreciação do Supremo Tribunal de Justiça – o Recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, entendendo que devem ser considerados provados os artigos 30.º a 33.º e 40.º e 41.º da petição inicial – referenciados na alínea c) do que o Tribunal a quo considerou não provado.
2.1 Juízo sobre admissibilidade
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
Nestes casos, deve porém o recorrente observar o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º, no qual se dispõe:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[12]. Contudo, como também sublinha o mesmo autor, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[13].
Tendo por base os dispositivos legais antes citados, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[14] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[15].
Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe que o mesmo concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
Discorrendo sobre a matéria, escreve-se no bem recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 2016[16] “(…) Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. (…)”.
Observa-se também no Acórdão do mesmo Tribunal de 7 de julho de 2016[17] o seguinte: “(…) para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”[18].
Por referência ao referenciado regime, importando apurar do cumprimento no caso dos aludidos ónus, estando resolvida a questão quanto ao cumprimento pelo Recorrente dos ónus estabelecidos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do citado artigo 640.º, como resulta do superiormente afirmado nos autos na Revista pelo Supremo Tribunal de Justiça, resta pois verificar do cumprimento ou não do que se dispõe na alínea b) do seu n.º 1 – ou seja, se são indicados “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” – e ainda da alínea a) do n.º 2, assim quando aos depoimentos que tenham sido gravados, “sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.”
Ora, não podendo dizer-se que tais indicações constem das conclusões, a verdade é que resulta do corpo das alegações a indicação de depoimentos prestados por testemunhas, procedendo-se à transcrição de partes desses depoimentos, com referenciação da respetiva localização nos registos da gravação. É certo que tal indicação nem sempre prima pela clareza, em particular sobre a identificação do que se pretende, ou seja quais os factos a que se dirige, por ser essa indicação genérica e por temas. No entanto, em particular quanto aos pontos 30.º a 33.º da petição inicial, percebe-se quais os depoimentos a que se refere o Recorrente.
Uma delimitação se impõe no entanto fazer, assim no sentido de que tal cumprimento de ónus de impugnação apenas se verifica quanto aos pontos 30.º a 33.º e 40.º e 41.º da petição inicial, únicos expressamente referenciados nas conclusões, como aliás resulta na nossa leitura do afirmado nos autos pelo Supremo Tribunal de Justiça e não pois já, porque nesse caso esse cumprimento não ocorre, quanto a quaisquer outros factos, provados ou não provados, apesar de o Recorrente acabar por fazer referências genéricas nas suas alegações a outras questões, então não propriamente referindo que factos provados ou não provados quer impugnar e sim, noutros termos, como que por temas – veja-se por exemplo, das alegações, o ponto IV: “Da prova testemunhal e documental da relação laboral mantida pelo trabalhador”. É que, sendo sua intenção impugnar quaisquer factos referentes a essa relação deveria ter mencionado expressamente quais seriam esses factos por referência aos considerados ou não provados pelo Tribunal recorrido ou porventura pelo menos alegados pelas partes, o que manifestamente não fez, não sendo bastante dizer, como o fez no pedido, “deve ser igualmente dada como provada a relação laboral do Autor/trabalhador com as Rés D…, S.A. e C…, S.A.”. O que não pode, esquecendo aqui o regime processual que vigora, é pretender, sem dar real cumprimento ao que a lei estabelece, que o Tribunal da Relação faça um novo julgamento, como se esse não tivesse sido já realizado em 1.ª instância, esquecendo assim a pronúncia então realizada, intenção essa que resulta afinal das próprias palavras do Recorrente, para além do mais no pedido que formula nas conclusões, quando refere “Devendo ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto, uma vez que os factos tidos como assentes, a prova produzida e os documentos supervenientes impõem decisão diversa”. Na verdade, como é consabido, o recurso não visa conceder à parte um segundo julgamento da causa e sim, antes, permitir a discussão sobre determinados pontos concretos que na perspetiva de quem recorre tenham sido incorretamente julgados, sendo para o efeito necessário que se enunciem os fundamentos que sustentam esse entendimento, fundamentos esses que deverão consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, que assim compete ao recorrente indicar e sustentar, cujas respostas sejam suscetíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida – como refere Abrantes Geraldes[19], “a lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da sentença. Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como preposições sistémicas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial. (…) As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objecto do recurso. Se para atingir o resultado declarado o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspectiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir um resultado diverso.”
Deste modo, sem prejuízo de outras razões que possam levar à improcedência do recurso, apenas quanto aos pontos objeto de indicação nas conclusões como sendo objeto de impugnação, assim os pontos 30.º a 33.º e 40.º e 41.º, se consideram suficientemente cumpridos os ónus estabelecidos no artigo 640.º do CPC.
2.2 Do conhecimento do recurso sobre a matéria de facto
Nos termos anteriormente mencionados, como aliás se concluiu na Revista pelo Supremo Tribunal de Justiça, o Recorrente pretende que seja considerado provado o por si alegado nos artigos 30.º a 33.º e 40.º e 41.º da petição inicial.
2.2.1 Da intervenção oficiosa
Analisado o que consta dos artigos da petição objeto de apreciação em sede de recurso sobre a matéria de facto constata-se que em parte o que nesses artigos se alega não se configura como factos e sim meras conclusões ou juízos valorativos, incluindo de direito, que aliás são afinal objeto de apreciação na ação.
Ora, mesmo em sede de recurso, no âmbito dos poderes da Relação no que diz respeito à apreciação da matéria de facto, acentuados com a Reforma de 2013 do CPC (artigo 662.º), não obstante a revogação com a mesma reforma do anterior artigo 646.º, em que se previa que no julgamento da matéria de facto ter-se-ão por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito – solução que como é entendimento doutrinário e jurisprudencial se aplica, por analogia, às respostas que constituam conclusões de facto, designadamente quando as mesmas têm a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito a que se dirigem[20] –, deve continuar a entender-se, como se afirma entre outros no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2014[21], que, constituindo a possibilidade de eliminação de factos conclusivos equiparados a questões de direito uma prerrogativa dos tribunais superiores de longa tradição doutrinal e jurisprudencial, esta pode ser exercida mesmo que não esteja prevista expressamente na lei processual.
Estando em causa a questão de saber qual a distinção entre matéria de facto e de direito, uma das mais controversas da doutrina processualista e que mais problemas de fronteira coloca, escreve-se no citado Acórdão a esse respeito[22]:
“O problema da distinção entre questões de facto e de direito tem sido tratado principalmente a propósito da linha de demarcação entre a competência dos tribunais de instância e a competência do Supremo Tribunal de Justiça, a qual está restringida a matéria de direito.
(...) Na formulação de Alberto dos Reis, «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei».
Segundo Karl Larenz, a “questão de facto” reporta-se ao que efectivamente aconteceu, enquanto a “questão de direito” se identifica com a qualificação do ocorrido em conformidade com os critérios da ordem jurídica.
Existe, contudo, um continuum entre matéria de facto e matéria de direito e não uma oposição absoluta entre ambos os conceitos, pois na concreta aplicação do direito acaba por verificar-se uma correlatividade entre ambos os elementos.
Há que partir, portanto, da unidade do caso jurídico decidindo e dos problemas jurídicos por si colocados, devendo distinguir-se dois tipos de questões: uma que se refere aos dados pressupostos pelo problema concreto – questão de facto – e outra que tem a ver com o fundamento e o critério do juízo e com o próprio e concreto juízo decisório – questão de direito. Na matéria de facto concorrem não apenas dados empíricos, mas todos os pressupostos objectivos do problema colocado, por exemplo, elementos sócio -culturais e até jurídicos.
Contudo, a tradição do nosso pensamento jurídico, no seguimento de Alberto dos Reis, considera que a actividade do juiz se circunscreve ao apuramento dos factos materiais, devendo evitar que no questionário entrem noções, fórmulas, categorias ou conceitos jurídicos, inserindo, apenas, nos quesitos e na matéria de facto assente, factos materiais e concretos. Continua o autor, afirmando que «tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória».
Se na resposta a determinado quesito houver matéria de facto e matéria de direito, deve aproveitar-se a decisão na parte relativa à primeira e considerar-se não escrita na parte relativa à segunda.
Tem-se entendido, na jurisprudência e na doutrina, que as respostas do julgador de facto sobre matéria qualificada como de direito consideram-se não escritas e que se equiparam às conclusões de direito, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados.
Para Teixeira de Sousa, «A selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica (cfr. STJ – 13/12/1983, BMJ 332, 437).
Abrantes Geraldes defende que “devem ser erradicadas da condensação as alegações com conteúdo técnico-jurídico de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem”.
Em consequência, devem ser eliminadas da matéria de facto, quer a matéria de direito, quer a conclusão de facto ou expressões conclusivas que traduzam juízos de valor e que excedam a resposta de facto.
Os juízos ou conclusões de facto situam-se numa zona intermédia entre os puros factos e as questões de direito e encontram-se incluídos na legislação como parte integrante da hipótese legal de numerosas normas jurídicas, podendo nuns casos aproximarem-se mais de uma questão de facto e noutros de uma questão de direito.
Como se tem defendido na jurisprudência deste Supremo Tribunal, «A linha divisória entre matéria de facto e matéria de direito não é fixa, dependendo em larga medida dos termos em que a lide se apresenta. A nível do julgamento da matéria de facto só são proibidos os juízos conclusivos que impliquem a apreciação e valorização de determinados acontecimentos à luz de uma norma jurídica» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-09-1997, Processo n.º 151/97, Relator: Conselheiro Sousa Inês). O que num caso pode ser facto ou juízo de facto, noutro pode ser juízo de direito.
A natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. No primeiro caso o facto conclusivo deve ser havido como não escrito, nos termos do art. 646.º, n.º 4 do CPC. No segundo, a solução depende de um raciocínio de analogia entre o juízo ou conclusão de facto e a questão de direito, devendo ser eliminado o juízo de facto quando traduz uma resposta antecipada à questão de direito.”
Sobre a mesma questão podem ver-se também, de entre outros, sempre do Supremo Tribunal de Justiça, para além dos proferidos em 29 de Abril de 2015 e 28 de Janeiro de 2016, o Acórdão de 15 de setembro de 2016[23], em que se reafirma que, “pese embora não se encontrar no Novo CPC preceito legal que corresponda ao art. 646º, nº 4, do anterior CPC, que impunha, como consequência, para as respostas sobre matéria de direito que as mesmas fossem consideradas “como não escritas”, actualmente o Juiz não fica dispensado de efectuar “o cruzamento entre a matéria de facto e de direito”, evitando formulações genéricas, de cariz conceptual ou de natureza jurídica que definam, por essa via, a aplicação do direito, como acontece quando os referidos conceitos se reportam directamente ao objecto da acção.”
Não obstante, como se assinala no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de junho de 2017[24], por apelo ao Acórdão do mesmo Tribunal de 26 de janeiro de 2017, nos casos em que os pontos da matéria de facto tenham uma dimensão objetiva que permita “a sua valoração jurídica, quando conjugados com outros pontos da matéria de facto, nomeadamente, os relativos aos períodos normais de trabalho, em ordem a apurar dos pressupostos da peticionada condenação da Ré pelo pagamento de trabalho suplementar e pelo pagamento de trabalho prestado em dias de descanso”, “o facto de não se ter concretizado a dimensão efetiva do trabalho prestado não permite ignorar a respetiva prestação e recusar o reconhecimento do direito em causa, sempre sujeito a liquidação, uma vez que está em causa apenas o reconhecimento da prestação desse trabalho como pressuposto do direito ao respetivo pagamento”. Mais se escreve no mesmo Aresto, então por apelo ao Acórdão de 28 de maio de 2015[25], que “a inserção na matéria de facto, de conceitos que podem ser tidos como de direito é irrelevante – e não determina que se tenham os mesmos por não escritos – se os mesmos forem factualizados e usualmente utilizados na linguagem comum, possuindo um sentido apreensível”.
Na consideração do que se referiu anteriormente, que procuraremos aplicar ao caso, passaremos de seguida à apreciação do recurso sobre a matéria de facto, nos termos que então melhor concretizaremos.
2.2.2 Da apreciação
Artigos 30.º a 33.º e 40.º e 41.º da petição inicial
Tais artigos têm a redação seguinte:
“30..º A partir de 1 de Janeiro de 2009, com a cessão da posição contratual da 2.ª à 1.ª Ré, o Autor começou a sofrer de assédio moral com constantes ameaças de despedimento por parte do 3.º Réu, dizendo este estar a ser pressionado.”
“31.º - Na verdade o 3.º Réu retirou durante dias seguidos trabalho ao Autor;
- Com tal atitude divertia-se directamente ou por intermédio de outros colegas, por este não ter que fazer;
- Ameaçava o trabalhador de que o iria pôr no café a ler o jornal;
- Em alturas em que o Autor recebia serviço o 3.º Réu efectuava tais exigências que este psicologicamente não tinha condições para cumprir com eficácia o serviço de que era encarregado;
- O Autor foi continuamente ignorado por todos sendo-lhe negada a imprescindível actualização de informação pertinente ao despacho de mercadorias;
- Como o serviço estava sempre a sofrer alterações de legislação, que é multo abundante, tal como o sistema informático que estava sempre em alteração, não lhe era facultado acesso a instruções o que lhe dificultava sobremaneira o seu cumprimento;
- O Autor ficou muitas vezes sem serviço sentindo-se por isso como uma criança de escola colocada de castigo;
- Foi várias vezes ameaçado pelo 3.° Réu de que estava a utilizar carimbos para falsificar assinaturas em documentos;
- O Autor ficou proibido de permanecer sozinho nas Instalações da entidade patronal;
- Não lhe foram ainda entregues os recibos dos salários desde Janeiro de 2013, não sabendo o Autor como lhe foi processado o salário;
- O subsídio de Férias de 2013 só lhe foi pago em 24 de Dezembro do mesmo ano, sendo que o de Natal só lhe foi pago em 7 de Janeiro de 2014;
- Os pagamentos eram efectuados por transferência bancária da 2ª Ré para o 3.º Réu e deste para o Autor,
Obrigando este último a suportar despesas de manutenção;
- O Autor, por estes motivos está com multo "stresse" e passa muitas noites sem dormir, tendo recorrido a apoio psicológico;
- Não podendo suportar esta situação de violência psicológica, nem forças para se poder defender o Autor recorreu a baixa médica.”
“32.º Tal comportamento da entidade patronal constitui uma forma de "mobbing", ou seja, de assédio moral, coacção psicológica e violência emocional, como forma de "stress psicológico" com comunicações hostis ou actos que lhe são dirigidos de forma sistemática às quais o Autor tem dificuldade em defender-se.”
“33.º Este comportamento Indesejado por parte da entidade patronal, pelo seu carácter continuado e insidioso:
- Está a ser gravemente prejudicial para a saúde psíquica do Autor;
- Como forma de visar o seu afastamento da empresa;
- Criando-lhe um ambiente hostil, degradante e humilhante, completamente desestabilizador,
- Com vista à desvinculação da sua relação laboral sem o pagamento das devidas Indemnizações pelo tempo de serviço …”
“40.º O Autor desde J999, que não vê actualizado o seu vencimento, sendo que por comparação com os seus colegas transitários ou agentes de navegação, com os mesmos anos de serviço e categoria, deveria auferir actualmente entre 1.200,00 e 1.300,00 euros mensais, vezes 14 meses.”
“41.º O que, tomando como base os salários actuais dos seus colegas transitários ou agentes de navegação o Autor ganhando 820,00 euros mensais, deveria desde Outubro de 1999, ter recebido o montante de salário médio de 1.250,00 euros o que origina uma diferença proporcional que em média seria de 430,00 euros mensais, sem contar diuturnidades, pelo que vezes 15 anos, vezes 14 meses, ficou sem receber a quantia de 90.300,00€ (Noventa mil e trezentos euros)...”
Chamando à apreciação o que referimos anteriormente a propósito da alegação de meras conclusões e juízos valorativos, incluindo de direito, não temos dúvidas em afirmar que aí se inclui o que consta dos artigos 30.º, 32.º e 33.º da petição inicial, do que decorre, por direta consequência, que essas alegações não têm lugar no âmbito da factualidade e sim, diversamente, fixados os factos concretos em que se possam, basear, posteriormente aquando da aplicação do direito aos factos. De facto, o dizer-se (artigo 30.º) que o Autor começou a sofrer de assédio moral com constantes ameaças de despedimento por parte do 3.º Réu, dizendo este estar a ser pressionado” assume-se como conclusão a retirar ou não dos factos, se estes forem alegados e provados, como ainda, do mesmo modo, quanto ao juízo formulado no artigo 32.º de que o comportamento “constitui "mobbing", ou seja, de assédio moral, coacção psicológica e violência emocional, como forma de "stress psicológico" com comunicações hostis ou actos que lhe são dirigidos de forma sistemática às quais o Autor tem dificuldade em defender-se” e, por último, no artigo 33.º, quanto ao saber-se se estamos ou não perante um comportamento indesejado por parte da entidade patronal que pelo seu carácter continuado e insidioso tem as consequências e fins aí mencionados, mais uma vez resultante, se for esse o caso, de um juízo a fazer sobre os factos/comportamentos concretos alegados/provados, nunca nesta sede e sim no momento da aplicação do direito. O mesmo se diga do que é alegado nos artigos 40.º e 41.º pois que desses constam mais uma vez juízos valorativos/conclusões, assim no primeiro se o vencimento foi ou não atualizado ou se em comparação como os seus colegas transitários ou agentes de navegação, com os mesmos anos de serviço e categoria, deveria ou não auferir atualmente entre 1.200,00 e 1.300,00 euros mensais, vezes 14 meses, e no segundo, por sua vez, se devia ou não ter recebido determinada quantia por comparação com outros colegas transitários, para chegar ao valor que aí consta de €1.250,00 e depois, por mera operação aritmética, ao montante total aí mencionado como sendo o que teria ficado por receber de 90.300,00. Não obstante, ainda que assim não fosse, afinal nenhuma prova é indicada pelo Recorrente que sustente a sua pretensão de ver integrado o aí alegado na factualidade provada.
Ficando por saber o que ocorre com o artigo 31.º da petição inicial, a verdade é que, comportando afinal alegação complexa e variada, pois que do mesmo consta uma multiplicidade de alegações – aliás sem adequada localização temporal quanto ao que se refere – e ainda invocações diversas, também se constata que inclui mais uma vez juízos conclusivos e valorativos – assim quanto a estes: “Em alturas em que o Autor recebia serviço o 3.º Réu efectuava tais exigências que este psicologicamente não tinha condições para cumprir com eficácia o serviço de que era encarregado”; - O Autor foi continuamente ignorado por todos”; “- O Autor, por estes motivos está com muito "stresse"; “- Não podendo suportar esta situação de violência psicológica, nem forças para se poder defender o Autor recorreu a baixa médica”.
Apreciando então o demais aí alegado, a verdade é que, diversamente do que sustenta o Recorrente, salvo quanto a um aspeto como veremos, não resulta da prova produzida convicção positiva que permita dar como provados os factos que como tal possam ser considerados.
Vejamos a razão por que assim concluímos:
Desde logo, como se disse já, constata-se que, no corpo das alegações, o Recorrente faz nesta parte apelo aos depoimentos das testemunhas G…, K… e L…, dos quais transcreve extratos, indicando ainda a respetiva localização nos registos gravados. Por outro lado, pode ainda ver-se uma invocação genérica de prova documental, sem que essa concretize e muito menos localize, exceção feita a documentos que tendo sido indeferida a respetiva junção em audiência de julgamento agora em sede de recuso pretende que essa seja admitida. Porém, sobre tal aspeto nos pronunciámos já anteriormente, aquando da apreciação da requerida junção, para onde remetemos pois, sendo que, não admitida por nós tal junção, a esses documentos não se poderá atender.
Pugnando o Apelado pela improcedência do recurso, cumprindo pois apreciar, sem esquecermos as limitações supra mencionadas, constata-se que o Tribunal a quo, na motivação sobre a matéria de facto, no que aqui importa fez constar o seguinte:
“(…) Os demais factos resultaram não provados perante a contradição de depoimentos das testemunhas inquiridas. Na verdade, no que respeita ao vínculo que existiria entre o autor e a ré D… houve depoimentos antagónicos das testemunhas. Mesmo no que respeita às testemunhas com responsabilidades executivas, administrativas dentro daquela ré ouvimos as testemunhas F… e N… a afirmarem que o autor era funcionário da D…, e pelo contrário, as testemunhas O… e S… a afirmar que o autor era funcionário do despachante, e não da ré D…. De modo similar, esta contradição ocorreu entre as demais testemunhas arroladas pelo autor, por um lado, e pelas rés, por outro.
É também certo que os demais documentos apresentados pelo autor nos autos não tiveram o efeito de esclarecer a questão principal dos autos (do ponto de vista dos factos), já que diferentes interpretações merecerem pelas diferentes testemunhas inquiridas.
Não logrou ainda o autor fazer prova dos factos que alegou nos artigos 30º a 33º da petição inicial já que as testemunhas que a estes depuseram tinham um conhecimento vago e impreciso da situação, sendo ainda certo que apenas sabiam aquilo que o autor lhes havia transmitido. Assim, ainda que se admita que as relações entre o autor e o réu E… se terão degradado ao longo do tempo, não pode este Tribunal afirmar em segurança ter este réu praticado qualquer um dos actos que o autor lhe imputa.
Quanto aos demais factos, estes resultaram provados por deles não ter sido feita qualquer prova.”
Ora, tendo por referência a citada fundamentação, ouvidos os registos gravados referentes aos depoimentos prestados pelas testemunhas, assim também as indicadas pelo Recorrente – integralmente, esclareça-se –, salvo o devido respeito, não encontramos razões para sustentarmos em geral entendimento diverso daquele que foi o plasmado pelo Tribunal recorrido – dizemos em geral pois quanto a um aspeto específico, assim sobre o momento em que foram pagos os subsídios de Férias e de Natal, divergimos desse Tribunal, como melhor veremos infra.
Desde logo, com relevância determinante, como aliás se sustenta nas alegações, sequer as testemunhas referiram em audiência, em particular por referência a um período temporal mais consentâneo com a remessa por parte do Autor da carta de resolução do contrato, que tivessem assistido pessoalmente a qualquer dos pretensos factos ocorridos.
Demonstrando o que se disse anteriormente, veja-se o depoimento da testemunha G…, em resposta aliás a perguntas de algum modo sugestivas do Ilustre mandatário, assim por exemplo quando faz alusão a um documento que diz ir aparecer mais tarde (?) ou ainda quando refere “… começou a sofrer assédio moral… sabe o que é assédio moral?” ou “começou a sofrer ameaças…”, acabando a testemunha por dizer que sim, mas mencionando de seguida que falava com o Autor, ou seja que essa sua resposta se baseava em grande medida no que por aquele lhe era dito – como esclareceu ainda, aliás, quando perguntado direitamente, não ter presenciado nada referente ao comportamento do Sr. E1… para com o Autor ou também, sobre o facto que diz ter presenciado de esse ter de esperar para entrar nas instalações por não ter chave, agora já a instâncias da Ilustre mandatária da outra parte, que o questionou sobre se o mesmo alguma vez tinha tido chave, acabou por referir que não sabia, mais referindo nunca ter entrado no escritório da D…, então a propósito do sistema informático e eventual. No mesmo sentido, assim de testemunho no essencial não presencial e sim indireto, o depoimento da testemunha K…, que de resto referiu ter deixado de aí trabalhar em 2010, sendo que a instâncias do Ilustre mandatário do Autor – mais uma fez pelo menos conclusivas, para não dizermos sugestivas diga-se, ao perguntar, em vez de factos a que tivesse assistido, se a testemunha achava que o seu colega começou a sofrer de assédio moral, perguntando se sabe o que é assédio moral – mencionou então que teriam tirado as chaves ao Autor, mas esclarecendo depois sobre qualquer proibição de entrar nas instalações que apenas soube isso por terceiros, que de resto não conseguiu identificar, limitando-se depois a dizer que mais tarde telefonou ao Autor e ele lhe teria dito que era verdade… O mesmo se aplica à pergunta sobre se achava que este comportamento prejudicou fisicamente… psicologicamente… o trabalhador…, sem referência pois a qualquer facto concreto a que tivesse presenciado, limitando-se a testemunha a responder que sim! Ou seja, tanto mais que sequer assistiu a qualquer facto concreto que tenha mencionado ter ocorrido posteriormente à sua saída, não se vê como possa nesse depoimento assentar convicção no sentido do que pretende o Recorrente. O mesmo se diga da testemunha L…, que saiu já em 1985, não presenciando pois quaisquer factos posteriores – aliás isso mesmo referiu quando mencionou que apenas sabia o que lhe foi dito pelo Autor e que não iria entrar nesse campo (“Não vou estar a dizer uma coisa que não sei…”).
Neste contexto, sem esquecermos afinal que sequer a maior parte do que consta dos analisados artigos (assim o artigo 31.º, único em que, e mesmo aí apenas em parte, factos concretos se invocam, como se referiu já) não foi localizado temporalmente, como ainda aliás em termos de comportamentos concretos com tal localização e com a necessária explicitação, não pode concluir-se que se encontre demonstrado que o 3.º Réu tenha retirado durante dias seguidos trabalho ao Autor (em que dias e de que modo, seria caso para perguntar) e que com tal atitude esse se divertisse “directamente ou por intermédio de outros colegas, por este não ter que fazer”, que o ameaçasse de que o iria pôr no café a ler o jornal (quando?), que lhe fizesse exigências não justificadas (que exigências?). Como ainda, do mesmo modo, que o Autor tivesse sido continuamente ignorado por todos (ignorado de que forma?), que lhe tivesse sido negada atualização de informação pertinente ao despacho de mercadorias (qual informação?), que não lhe tivesse sido facultado acesso a instruções (quais e quando?), que tivesse ficado muitas vezes sem serviço, sentindo-se por isso como uma criança de escola colocada de castigo (quando e de que modo?), que tivesse sido várias vezes ameaçado pelo 3.° Réu de que estava a utilizar carimbos para falsificar assinaturas em documentos (quando e em que se configura a ameaça?), que tivesse ficado proibido de permanecer sozinho nas Instalações (quando e por ordem de quem?). Por último, ainda, enquanto eventuais consequências afinal de atos que não se demonstraram, que se possa dizer, desde logo por tal razão, que o Autor tenha passado muitas noites sem dormir, tendo recorrido a apoio psicológico – para não falar das menções, também conclusivas/valorativas sobre o não poder “suportar esta situação de violência psicológica, nem forças para se poder defender o Autor recorreu a baixa médica”.
Porém, quanto a um aspeto, também invocado no analisado artigo da petição, o Recorrente tem razão, assim sobre o facto de o subsídio de Férias de 2013 só ter sido pago em 24 de Dezembro do mesmo ano e o de Natal só lhe ter sido pago em 7 de Janeiro de 2014, desde logo, apesar de a prova produzida não ter sido propriamente convincente, face à circunstância, como aliás o mesmo Autor o refere, de ter sido aceite pelo Réu E… na sua contestação – assim no artigo 72.º: “Quanto ao atraso do pagamento do subsídio de férias e de Natal de 2013, o demandado admite como tendo ocorrido, apenas por indisponibilidade financeira”.
Deste modo, concluindo, improcedendo o recurso quanto ao mais, adita-se à factualidade provada um novo facto, com a numeração 36, com a redação seguinte:
“O subsídio de Férias de 2013 só foi pago ao Autor em 24 de Dezembro do mesmo ano, sendo que o de Natal só lhe foi pago em 7 de Janeiro de 2014”.

2.2.3 Nestes termos, a factualidade a atender para dizermos o direito é a mesma que foi fixada pelo Tribunal recorrido, apenas com o aditamento ordenado no ponto anterior.
3. Dizendo de Direito
Como decorre das suas alegações e nomeadamente das conclusões, a pretensão do Apelante em ver alterado o decidido pelo tribunal a quo em termos de aplicação do direito dependia diretamente, em grande parte, da alteração da matéria de facto por que também pugnou, assim em termos de sustentar que ocorre fundamento para a resolução do contrato por justa causa, em particular no entendimento de que foi vítima de assédio moral.
Não obstante, de seguida apreciaremos os argumentos que se podem extrair das conclusões.
3.1 Do vínculo laboral
Quanto à primeira questão levantada, assim na alínea A), sob a denominação “O vinculo laboral do trabalhador”, constata-se que o Recorrente tece no geral considerações no sentido de que à matéria constante dos artigos 1.º a 29.º da petição inicial as testemunhas confirmaram com verdade a existência do vínculo laboral – indicando depois depoimentos dos quais tal resultaria, assim das testemunhas F…, G…, I…, J…, k…, L…, M… e N… – mais referindo que as testemunhas dos Recorridos, “naturalmente condicionadas, testemunharam em sentido contrário”, indicando os nomes de O…, E…, P…, Q…, e S… –, para depois afirmar que “sempre foi assim trabalhador da D… que lhe pagava directamente ou, por razões que passaram a interessar à entidade patronal, pelo escritório do despachante” (indicando documentos cuja junção requereu mas que, nos termos antes afirmados, não foram admitidos nesta sede, pelas razões então avançadas). Ou seja, estão em causa argumentos dirigidos à matéria de facto, sendo que enquanto tais foram já objeto de apreciação no momento próprio, ou seja do conhecimento do recurso sobre a matéria de facto, para onde remetemos pois, do que resulta, quanto a quaisquer eventuais factos que se pretendessem impugnar, que o Recorrente o deveria ter feito em cumprimento dos ónus legais estabelecidos, o que, no que agora imposta, não fez.
Mais se acrescenta, nas mesmas conclusões, que «Segundo o tribunal "a quo", para a presente questão laboral é aplicável o regime legal da LCT - Dec. Lei n.º 49 408 de 24/11/1969, não lhe sendo aplicável o Código do Trabalho, nem a presunção de laboralidade consagrada no seu art.º 12.º”, dizendo depois que vê assim “mais dificultada a prova da existência do seu contrato de trabalho uma vez que pela LCT basta às Recorridas efectuar a contraprova com factos que tornem duvidosa a existência do mesmo contrato, no respeito pelo art.o 346. º do C.C..”
Ora, temos alguma dificuldade em perceber o que pretende o Recorrente com tal observação, pois que, salvo o devido respeito, argumento jurídico algum indicou, como lhe competia em sede de recurso, tendente a afastar o entendimento do Tribunal recorrido, tanto mais que se limita depois, mais uma vez, a argumentar que teria feito “prova documental e testemunhal da sua relação laboral”, competindo “à empregadora contraditá-la de acordo com o art.º 350.º, n.º 2, do mesmo diploma, não bastando apenas efectuar uma mera contraprova, por testemunhas desacreditadas, destinada a tornar duvidoso o facto presumido, presunção que não foi ilidida”, mais acrescentando que o “tribunal deveria ter respeitado o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador o que não fez, pondo em causa o exercício dos direitos fundamentais, consagrados no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa, que impõe que não se possa tratar de forma igual o que, à partida é desigual, como acontece no direito laboral, marcado por gritante desigualdade entre as partes”. Na verdade, se a intenção era que se dessem como provados quaisquer factos que o Recorrente tivesse alegado e que o Tribunal não tivesse considerado provados, importaria que indicasse quais – factos pois e não a conclusão, assim de que existiria a invocada relação laboral –, o que não fez, razão pela qual terá de apelar-se, para se chegar ou não a tal conclusão, apenas àqueles que se demonstram. Ou seja, estamos mais uma vez no domínio do recurso sobre a matéria de facto, sobre o qual nos pronunciámos anteriormente, no momento próprio.
Apenas acrescentaremos, ainda assim, quanto ao regime tido como aplicável pelo Tribunal recorrido, que esse é também para nós o que deve ser chamado à apreciação[26], razão pela qual sufragamos o que na sentença se fez constar a esse propósito, nos termos que seguidamente se transcrevem:
“(…) Na presente acção suscita-se desde logo a questão de identificar a entidade empregadora do autor. Defende este que a sua empregadora é hoje a ré C…, S.A. e afirmam todos os réus que o empregador do autor é o réu E….
Na data a que o autor pretende que retroajam os efeitos do reconhecimento de existência de um contrato de trabalho, 1985, vigorava o regime previsto pelo Decreto-lei nº 49 408 de 24/11/1969 (doravante LCT), tendo entretanto entrado em vigor o Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27/08, e posteriormente o Código de Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12/02.
De resto, importa desde já referir que aplicável na situação dos autos é o regime legal consagrado pela LCT, não sendo aplicável o Código do Trabalho, nem a presunção de laboralidade consagrada no seu art. 12º, incluindo com a redacção introduzida pela Lei 9/2006 de 10/03, já que o início da relação contratual se reporta a um momento anterior à sua entrada em vigor e não resulta da matéria de facto que tenha existido qualquer modificação relevante capaz de configurar uma nova fase da relação contratual após a entrada em vigor do Código do Trabalho, designadamente para efeitos de aplicação da presunção de laboralidade – neste sentido veja-se entre outros o AC. STJ de 16/10/2010, acessível no site www.dgsi,pt.(...)”
Como consta também do Acórdão deste mesmo Coletivo de 8 de janeiro de 2018[27], trata-se, diga-se, de posição firme da nossa Jurisprudência, em particular do Supremo Tribunal de Justiça, como resulta expressamente do seu Acórdão de 21 de setembro de 2017[28], em que pode ler-se, com plena aplicação ao caso que nos ocupa, o seguinte (citação):
(…) O contrato em causa foi celebrado em 01 de junho de 1997 e vigorou até 01 de junho de 2012 [iniciou-se na vigência da LCT e cessou na do CT/2009].
Coloca-se, assim, a questão de saber se a qualificação do contrato deve ser aferida à luz do Código do Trabalho ou se, pelo contrário, deve ser apreciada face ao regime jurídico-laboral que anteriormente vigorava.
A resposta encontra-se no n.º 1 do art.º 7.º Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprovou a revisão do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, pois aí se estipula que, sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado, pela presente lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho celebrados ou adotados antes da entrada em vigor da referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.
Ora, a relação contratual em apreço, caso venha a entender-se que a mesma é de trabalho subordinado, passou a estar sujeita ao regime jurídico do Código do Trabalho, após a data em que este entrou em vigor [quer ao de 2003 quer ao de 2009].
Porém, no que diz respeito à sua eventual qualificação como contrato de trabalho, o regime legal a atender não é o contido no Código do Trabalho, mas sim o regime anterior a este, ou seja, o regime do contrato individual de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969.
Com efeito, estando a qualificação jurídica do contrato dependente da vontade real das partes, aquando da celebração do mesmo, a qualificação não pode deixar de ser considerada como um efeito daquela vontade. E, constituindo esta um facto totalmente passado antes da entrada em vigor do Código do Trabalho, torna-se evidente, nos termos da segunda parte do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, que o regime aplicável à qualificação do contrato não é o do Código do Trabalho, mas sim o que estava em vigor quando o mesmo foi efetuado.
Só assim não seria relativamente aos factos ocorridos posteriormente à entrada em vigor do Código do Trabalho, se deles resultasse que o relacionamento entre as partes tinha passado a ser substancialmente diferente do que tinha sido anteriormente, caso em que seria necessário indagar se essa alteração correspondia a uma modificação da natureza do vínculo que até aí tinha existido.
Esta é a jurisprudência, que está consolidada e é uniforme neste Supremo Tribunal de Justiça.
A este respeito, refere-se, por todos, o acórdão de 25.01.2016[11], proferido no Processo n.º 22501/09.6TTLSB.L2.S1,que decidiu o seguinte:
“[D]iscutindo-se a qualificação da relação jurídica estabelecida entre as partes, desde 5 de março de 2007 até 5 de março de 2009, portanto, constituída na vigência do Código do Trabalho de 2003 e que subsistiu após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009, o que ocorreu em 17 de fevereiro de 2009, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir de 17 de fevereiro de 2009, os termos dessa relação, aplica-se o regime jurídico do Código do Trabalho de 2003, não tendo aqui aplicação a presunção estipulada no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, mas sim no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, na redação dada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de março. Na verdade, quando o Código do Trabalho de 2009 regula determinados efeitos como expressão de uma valoração dos factos que lhes deram origem, deve entender-se que só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência.
No caso em apreço, e não resultando da matéria de facto provada que as partes [Autor e Réu] o tivessem alterado, é aqui aplicável o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de novembro de 1969 [LCT].
Deste modo não são aplicáveis quer a presunção estabelecida no artigo 12º, do Código do Trabalho de 2003 [CT/2003], na sua redação original e na sua redação subsequente, dada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, quer a presunção contida no artigo 12º do Código do Trabalho de 2009 .» (fim de citação)
Do exposto resulta, pois, a falta de fundamento nesta parte do recurso, não merecendo assim censura a decisão recorrida, ao não aplicar, em conformidade com o regime afirmado anteriormente, a presunção estabelecida no artigo 12.º do CT/2009, como ainda a do CT/2003 (redação inicial e posterior), recorrendo antes, como no domínio anterior da LCT (aplicável como se disse ao caso), à verificação, divergindo as partes quanto à existência de contrato de trabalho entre o Autor e a Ré C…, S.A. (antes a D…) – o Autor tal sustenta, ao contrário dos Réus que sustentam ser o empregador o Réu E… –, dos indícios da existência ou inexistência de subordinação jurídica, esses interpretando, com o objetivo de ser obtida a resposta.
Isso mesmo tem afirmado a nossa Jurisprudência, como resulta do Acórdão antes citado ou ainda, entre muitos outros, do Acórdão do mesmo Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 2016[29], em que pode ler-se, a propósito (citação):
“Nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e indícios negociais externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização).
Cada um daqueles indícios tem naturalmente um valor muito relativo e, por isso, o juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade (MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 145), a ser formulado com base na totalidade dos elementos de informação disponíveis, a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo. (fim de citação) ”
Assim, sendo elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho, de acordo com a norma legal, a prestação de atividade, a retribuição e a subordinação jurídica, não podendo deixar de se ter presente que a existência de subordinação jurídica se assume como seu elemento estruturante – pois que aquele se caracteriza, como sabemos, fundamentalmente, pela dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face ao empregador (aquele fica sujeito às ordens deste, relativamente aos termos em que desenvolve a prestação do seu trabalho e ao respetivo poder disciplinar) –, importando ainda reconhecer, do mesmo modo, que nos deparamos, não raras vezes, com situações de fronteira em que se conjugam elementos caraterísticos de relações contratuais tipo diversas – de que sendo exemplos mais frequentes o contrato de trabalho e o de prestação de serviços, mas que abrange outras realidades, assim no que ao caso importa, o saber se a relação, ainda que de trabalho, o foi com uma pessoa ou outra –, torna-se necessário, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de fevereiro de 2012[30], fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam aquela subordinação, os chamados ndícios negociais internos[31] e externos[32], sem esquecermos também, como lembra Monteiro Fernandes[33], que “cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade”, pelo que “o juízo a fazer (…) é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética da tessitura jurídica da situação concreta”, não existindo “nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação, desde logo porque cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso”. Ou seja, como se conclui também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de novembro de 2015[34], por uma lado torna-se “necessária uma ponderação global dos elementos indiciários constatados, tentando encontrar o sentido dominante dos mesmos, procurando encontrar uma maior ou menor correspondência dessa dimensão global com o conceito-tipo de contrato de trabalho” e, por outro, que “a conclusão no sentido da existência de subordinação jurídica, a partir dos indícios de subordinação indicados, e a consequente qualificação laboral do contrato deve (…) ser rodeada das cautelas normalmente exigidas pela aplicação de um método indiciário à qualificação de um negócio jurídico”, devendo ainda, citando Maria do Rosário da Palma Ramalho[35], “ter especial atenção à evolução moderna do contrato de trabalho enquanto tipo negocial e, por fim, não deve conduzir a um resultado qualificativo contrário à vontade real das partes na conclusão do negócio”.
Ora, no caso, fazendo então tal percurso, não se considera, salvo o devido respeito, que assista razão ao Recorrente, tendo como base a factualidade provada – e só essa pode relevar e não pois as conclusões que avança mas que não encontram na mesma real sustentação –, factualidade essa que, diversamente, dá sustentação ao que, a esse respeito, se fez constar da sentença recorrida, que acompanhamos integralmente, apreciando o que se provou, nos termos seguintes:
“(…) Resultou desde logo assente nos autos que a ré D… foi-se associando a despachantes oficiais para desse modo poder entregar as mercadorias ao importador já libertas da acção fiscal.
No sentido de aproximarem a laboralidade do autor à ré D… é de ponderar os seguintes factos que resultaram provados:
- Desde 15 de Abril de 1985 que o autor passou a exercer a sua actividade profissional nas instalações pertencentes à ré D…, S.A. na sua filial sita então à Rua …, n.º .., …..
- Tendo sido colocado no sector aduaneiro, com função de ligação entre a D… e a Alfândega H….
- O autor utilizava equipamentos e instrumentos de trabalho da ré D…, tais como instalações, secretárias, cadeiras, armários, telefones, faxes, computador, papel, canetas, carimbos, impressos e demais material de escritório daquela ré.
- Com avença para estacionamento no Parque … – Staff Individual – trimestral, conforme pedido da ré D… à BA…, c/o à BB…. – Aeroporto H…, de 17/9/2004, em documento assinado pelo Director Comercial Sr. O….
- Incluído num seguro de grupo com a seguradora BE… para protecção dos bens e valores da empresa.
- O autor e o réu E… foram incluídos em 1999 num organigrama da ré D… como integrando o serviço aduaneiro.
Por outro lado, no sentido de aproximarem a laboralidade do autor ao réu E… e a outros despachantes que antes deste se associaram à ré D…, é de ponderar os seguintes factos:
- Em Abril de 1985 o autor auferia a retribuição ilíquida de Esc.: 25.400$00, constando do respectivo recibo como empregador “BC…, Despachante Oficial”.
- Em Maio de 2002 o autor auferia uma retribuição base ilíquida de €698,32, constando do respectivo recibo AX… – Despachante Oficial, como empregador.
- O despachante BC…, a quem a ré D… se associou, tratou de inscrever e acreditar o autor como Praticante de Despachante.
- A situação do autor manteve-se inalterada perante a sucessão de despachantes com quem a ré D… trabalhou, sendo o último destes o réu E….
- De entre esses despachantes foi também o Despachante Oficial Sr. AX….
- A ré D… entregava ao Despachante uma quantia pecuniária relativa a “comparticipação para as despesas de pessoal”.
- Nestas associações sucessivas da ré D… com despachantes, desde Janeiro de 2003 que o autor está inscrito como ajudante de despachante do réu E….
- Em resposta à carta de resolução remetida pelo autor e que consta do ponto 22. dos factos provados, o réu E… enviou ao autor o recibo e comprovativo de pagamento da retribuição de Setembro de 2014, descontando aí ao autor a quantia de €1.640,00 que correspondem a dois meses de retribuição.
- Por carta datada de 6/12/2002, com o assunto de “denúncia do contrato de prestação de serviços aduaneiros, remetida por AX…, Unipessoal, Lda. e dirigida à ré D…, por aquela sociedade foi declarado denunciar tal contrato a partir de 31/12/2002, aí declarando ainda que “o nosso funcionário B… transitará para a firma a constituir pelo Sr. E…”.
- Por documento datado de 28/4/2003 a ré D… e o réu E… celebraram um contrato intitulado de prestação de serviços, mediante o qual este réu obrigou-se a prestar à ré D… os serviços aduaneiros nas alfândegas.
- O autor e o réu E… foram colegas de trabalho durante vários anos.
- Em determinada altura, o despachante que trabalhava com a ré D…, deixou de lhes prestar serviço e, vendo uma oportunidade de se lançar por conta própria, o demandado ora contestante, decidiu ir fazer o curso de despachante e propôs à D…, passar ele a prestar-lhe tais serviços.
- E acertaram – réu E… e ré D… – que aquele passaria a utilizar as suas instalações e equipamentos, no exercício da actividade de despachante, e como contrapartida da referida prestação de serviços e preço estabelecido, não tendo, contudo, aquele réu, qualquer relação de exclusividade com aquela entidade.
- Utilização essa que tinha sido já efectuada por outros despachantes e que se justifica em ordem da importância do cliente D…, e da necessidade desta em ter uma maior proximidade entre os serviços que prestava e os serviços de despachante.
- Por documento datado de 1/1/2003, e dirigido ao autor, o réu E… declarou ter admitido “como meu funcionário, a partir de 1/1/2003, o Sr. B… (…) e declaro sob compromisso de honra, para os efeitos julgados convenientes que assumo a antiguidade em termos de anos de trabalho do Sr. D… desde 1/4/1985”.
Confrontando os factos indiciários que resultaram provados, é de concluir que a sua maioria aponta para a existência de um contrato de trabalho entre o autor e o réu E…. Na verdade, se por um lado é certo que o autor trabalhava nas instalações da ré D… e usava os equipamentos e instrumentos de trabalho desta, é também de aceitar que tal ocorria na sequência do contrato de prestação de serviços que a ré D… celebrava com os despachantes, à semelhança do que continuou a fazer com o réu E… (cfr. ponto 32. dos factos provados). De igual modo a avença de estacionamento e a inclusão no seguro de grupo para protecção de valores é também justificável pela mesma via, pois é certo que o autor prestava seu trabalho nas instalações da ré D….
Por outro lado, na relação do autor com os despachantes resulta que eram os despachantes quem emitiam os recibos de vencimento, o autor estava inscrito como ajudante dos sucessivos despachantes, em 2002 o então despachante AX… identifica e reconhece o autor como sendo seu funcionário, o que aconteceu depois com o réu E… que assume expressamente o autor como seu funcionário, reconhecendo-lhe a antiguidade reportada a 1985, por documento datado de 2003 (e que o autor não afirmou ter alguma vez se insurgido contra o seu teor, antes de 2014).
Assim, resultando que os indícios expostos apontam para a existência de subordinação jurídica do autor ao réu E…, é de considerar que é este o empregador do autor, não ocorrendo qualquer situação de pluralidade de empregadores com afirma o autor no petitório.(…)”
Deste modo, sem necessidade de outras considerações, improcede o recurso quanto a esta questão.
3.2 Do assédio moral
Pronuncia-se seguidamente o Recorrente, numa segunda alínea (B) sobre a questão do assédio moral de que diz ter sido vítima tendente a provocar a sua desvinculação laboral.
A esse propósito nos pronunciámos já anteriormente, assim para afirmarmos que o Recorrente não logrou, em sede de recurso sobre a matéria de facto, obter o resultado pretendido.
De facto, o Recorrente pretendia que fosse dado como provado o que havia alegado nos artigos 30.º a 33.º e 40.º e 41.º da petição inicial, sendo que, nos termos afirmados supra (ponto “2.2.2” deste acórdão), do aí alegado apenas se considerou provado em sede de recurso o facto seguinte: “O subsídio de Férias de 2013 só foi pago ao Autor em 24 de Dezembro do mesmo ano, sendo que o de Natal só lhe foi pago em 7 de Janeiro de 2014”.
Daí que fique sem fundamento fáctico, e nesse medida também de direito, o que o Recorrente avança nas conclusões – assim considerações sobre assédio moral e sua dificuldade de prova, bem como referências doutrinárias e ou jurisprudenciais (do mesmo modo as referências a meios de prova, já objeto de apreciação no momento próprio, ou seja o da apreciação do recurso sobre a matéria de facto e em particular sobre o alegado nos indicados artigos da petição inicial) – que não obtém, como se disse, sustentação na factualidade provada.
Segundamos pois, sem necessidade de aqui o repetirmos ou de acrescentarmos outras considerações, o que se fez constar da sentença, a propósito de assédio moral, assim o tratamento teórico aí dado, bem como, acrescente-se, a sua aplicação ao caso que se aprecia. Assim o concluímos não obstante, diversamente do que aí se referiu, se ter logrado a prova do facto a que supra aludimos – na sentença, não se tendo então dado como provado tal facto, fez-se constar: “Apesar do autor alegar factos na petição inicial que se poderiam enquadrar numa situação de assédio moral, nos termos supra expostos, a verdade é que não logrou fazer a prova destes em audiência de julgamento, como supra se deixou expresso. Como tal, e na ausência de factos que indiciem desde logo uma qualquer conduta ilícita de qualquer uma das rés, mormente do empregador E…, improcede também o pedido de indemnização formulado pelo autor”.
É que, como aliás resulta do enquadramento realizado na sentença sobre o que deve entender-se por assédio moral, não pode dizer-se que esse se tenha verificado no caso, com base no que se provou.
Não obstante o que fez constar o Tribunal a quo, para demonstrar a nossa conclusão, permitimo-nos fazer ainda algumas considerações, no sentido de acompanharmos o decidido.
Em linha com o preceituado no artigo 15.º, segundo o qual o trabalhador goza do direito à respetiva integridade física e moral, e ainda nos artigos 23º, 24.º, 25.º e 129.º, n.º 1, al. c) do CT/2009, e concretizando os comandos constitucionais elencados nos artigos 25.º, n.ºs 1 e 2 da CRP – onde se estabelece, respetivamente, que “a integridade moral e física das pessoas é inviolável” e que “ninguém pode ser submetido a tortura, nem a maus tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos” – resulta do n.º 1 do artigo 29.º que se entende “por assédio moral o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, humilhante ou desestabilizador”, sendo que, de acordo com o seu n.º 4, consubstancia a comissão de uma contraordenação muito grave.
Apreciando a previsão da norma, acompanha-se aqui, dada a sua relevância, o que a esse respeito, por apelo fundado à Doutrina[36], se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Dezembro de 2014[37]:
“De acordo com o entendimento perfilhado pela generalidade da doutrina, pode dizer-se, numa formulação sintética, que o assédio moral implica comportamentos (em regra oriundos do empregador ou superior hierárquicos do visado) real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador[38], aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências.
Ora, é patente que uma abordagem do art. 29.º, n.º 1, do CT, apenas assente no seu elemento literal, se revela demasiado abrangente, pelo que se impõe um esforço adicional para adequadamente delimitar a sua esfera de proteção.
Com efeito, como enfatiza Monteiro Fernandes, “a definição do art. 29º não parece constituir o instrumento de diferenciação que é necessário”, uma vez que “nela cabem, praticamente, todas as situações que o mau relacionamento entre chefes e empregados pode gerar”.[39]
E, como realça Júlio Manuel Vieira Gomes[40], “importa (…) advertir que nem todos os conflitos no local de trabalho são, obviamente, um “mobbing”, sendo (…) importante evitar que a expressão assédio se banalize. Nem sequer todas as modalidades de exercício arbitrário do poder de direção são necessariamente um “mobbing”, quer porque lhes pode faltar um carácter repetitivo e assediante, quer porque não são realizados com tal intenção”.
Ensaiando uma interpretação “capaz de servir as finalidades operatórias” do conceito de assédio, diz-nos Monteiro Fernandes[41]:
“Entrando em conta com o texto da lei e os contributos da jurisprudência, parece possível identificar os seguintes traços estruturais da noção de assédio no trabalho:
a) Um comportamento (não um ato isolado) indesejado, por representar incómodo injusto ou mesmo prejuízo para a vítima (…);
b) Uma intenção imediata de, com esse comportamento, exercer pressão moral sobre o outro (…);
c) Um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, consistente na obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (…).
A definição do art. 29.º parece, por exemplo, prescindir do elemento intencional que parece essencial à diferenciação da hipótese de assédio, face a outros tipos de comportamento incorreto, abusivo ou prepotente do empregador ou dos superiores hierárquicos do trabalhador. A interpretação do preceito deve, pois, ser feita no sentido indicado.”
A propósito da dimensão volitiva/final do conceito de assédio, a doutrina sempre se mostrou dividida, pois, “enquanto para alguns o mobbing pressupõe uma intenção persecutória ou de chicana (ainda que não necessariamente a intenção de expulsar a vítima da empresa), para outros, o essencial não são tanto as intenções, mas antes o significado objetivo das práticas reiteradas”.[42]
Neste âmbito, havendo que reconhecer a necessidade de uma interpretação prudente da sobredita disposição legal, também importa ter presente que não pode ser considerado pelo intérprete um “pensamento legislativo” que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas – art. 9.º, n.ºs 2 e 3, C. Civil.
Incontornavelmente, a lei estipula que no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”.
No entanto, quanto aos precisos contornos desta exigência, duas observações se impõem.
Em primeiro lugar, uma vez que a esfera de proteção da norma se circunscreve, como vimos, a comportamentos que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos, não pode deixar de notar-se que é dificilmente configurável a existência de (verdadeiras) situações de assédio moral que - no plano da vontade do agente - não imponham concluir que ele, pelo menos, representou as consequências imediatas da sua conduta, conformando-se com elas.
Por outro lado, para referir que a circunstância de o legislador ter prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento não obsta à afirmação de que o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra[43] associado um objetivo final “ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável” (v.g. a discriminação, a marginalização/ estigmatização ou neutralização do trabalhador, atingir a sua auto-estima ou, no tocante ao “assédio estratégico”, os objetivos específicos supra expostos).”
Ora, provando-se apenas no caso que “O subsídio de Férias de 2013 só foi pago ao Autor em 24 de Dezembro do mesmo ano, sendo que o de Natal só lhe foi pago em 7 de Janeiro de 2014”, não se vê em que medida, tais atos, isolados aliás, possam ser enquadrados, nos termos anteriormente delimitados, na figura do assédio moral. Assim o concluímos não obstante a necessidade de se ter presente – tal como salienta Maria do Rosário Ramalho[44] – a necessidade de não se apreciarem os elementos exigidos para a
configuração de uma situação como tal em moldes tão estritos e exigentes como no caso da justa causa disciplinar, designadamente no que se refere ao juízo sobre se os factos tornam imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência do vínculo laboral, não poderemos esquecer, tal como reiteradamente o tem afirmado a jurisprudência, que a dimensão normativa da cláusula geral de rescisão exige mais do que a mera verificação material de um qualquer comportamento do empregador, pressupondo ainda que dessa atuação, culposa do empregador, resultassem “efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que seja inexigível ao trabalhador – no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – a continuação da prestação da sua atividade”[45].
Não assiste pois, sem necessidade de maiores argumentos, também neste aspeto razão ao Recorrente.
3.3 Da resolução do contrato com invocada justa causa
Numa terceira alínea (C), pronuncia-se então o Recorrente sobre o “despedimento” que operou referindo razões que na sua ótica preenchem o conceito de justa causa.
Também neste domínio importa fazer o mesmo esclarecimento que fizemos no ponto anterior, assim de que o Recorrente não logrou afinal, em sede de recurso sobre a matéria de facto, obter o resultado por si pretendido, sendo que essa não prova desses factos faz claudicar a quase totalidade da argumentação que ofereceu. Repete-se, pretendendo o Recorrente que fosse dado como provado o que havia alegado nos artigos 30.º a 33.º e 40.º e 41.º da petição inicial, nos termos afirmados supra (ponto “2.2.2” deste acórdão), do aí alegado apenas se considerou provado em sede de recurso que “O subsídio de Férias de 2013 só foi pago ao Autor em 24 de Dezembro do mesmo ano, sendo que o de Natal só lhe foi pago em 7 de Janeiro de 2014”.
Remetendo no mais para o enquadramento feito na sentença recorrida, numa breve abordagem sobre o regime da resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, sem necessidade de aviso prévio com invocação de justa causa, a que alude o artigo 394.º do Código do Trabalho, desse resulta, para além do mais que agora não importa, que essa pode ser fundada num comportamento ilícito do empregador. Porém, tem de ser comunicada a intenção de resolução ao empregador nos 30 dias subsequentes ao conhecimento pelo trabalhador dos factos que a justificam, de forma escrita, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” (n.º1 do art.º 395.º, do CT/09) – indicação essa que, afastando-se outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão[46] –, sendo que é a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, pois que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem – principio da vinculação temática (n.º 3, do art.º 398.º) –, sem esquecermos, ainda, que é “a justa causa apreciada nos termos do n.º 3, do art.º 351.º, com as necessárias adaptações” (n.º 4 do art.º 394.º), bem como que é sobre o trabalhador que impende o ónus de alegação e prova da existência de justa causa – ou seja, que alegue e prove os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho (art.º 342.º n.º 1, do Código Civil).
No caso que se aprecia, estamos perante invocação de justa causa subjetiva, assente em comportamento(s) do empregador que se reconduza(m) a ato(s) ilícito(s), nomeadamente, uma das situações previstas nas alíneas do n.º 2, do citado artigo 394.º, assim: a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição; b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador; c) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho; d) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; e) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticado pelo empregador ou seu representante.
Ora, não demonstrados os demais comportamentos (integrantes do invocado assédio moral, nos termos anteriormente afirmados), restando então apreciar da relevância que o facto agora provado em sede de recurso possa ter para a pretendida fundamentação da justa causa, a verdade é que, ainda assim, a conclusão a que chegamos vai de encontro à sentença recorrida, quando afirmou a inexistência de justa causa para a resolução do contrato.
É que, como afirmámos no Acórdão desta Secção e Relação de 20 de novembro de 2017[47], por assumir também relevância determinante para a solução do caso agora apreciado, o argumento decisivo “é o de que, contrariamente do que seria pressuposto, os factos invocados na carta de resolução do contrato que obtiveram sustentação factual nos termos anteriormente indicados, não são bastantes para termos como verificada a característica essencial do conceito de justa causa, assim a demonstração de que tais comportamentos da entidade patronal, que lhe podem ser imputáveis a título de culpa, pela sua gravidade e consequências, tornassem inexigível a manutenção do vínculo laboral. Dito de outro modo, como então o dissemos, não consideramos que, no caso, dos comportamentos que se lograram demonstrar – assim o não pagamento tempestivo dos subsídios de férias e de Natal de 2013 (ou seja, os salários teriam sido pagos!) – tenham resultado efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que fosse inexigível ao trabalhador, no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, bem como o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostram relevantes, a continuação da prestação da atividade pelo trabalhador/Autor – como a dimensão normativa da cláusula geral de rescisão o exige. E, acrescente-se, esse juízo tem também necessariamente presente que a preocupação com a manutenção da relação de trabalho e a diversidade de interesses e de posições das partes devem motivar exigências diversas relativamente ao preenchimento da justa causa de resolução por iniciativa do trabalhador, projetando-se assim a referida preocupação de salvaguarda da relação de trabalho na ponderação do preenchimento daquele conceito.”
Mas, ainda que assim não fosse, uma outra questão obstaria sempre ao pretendido pelo Autor, como se verá de seguida:
4. Da caducidade/ampliação do recurso:
Na sua resposta requer o Apelado E… a ampliação do objeto do recurso para a eventualidade de ser dada razão ao Apelante, em sede de recurso, de tal modo que nesse caso este Tribunal da Relação aprecie a invocada caducidade do direito do Autor/recorrente a fazer cessar o contrato de trabalho, julgando-a procedente, com as mais consequências da lei – artigo 636.º, n.º 2, do CPC.
Ora, apreciando, não provado o enquadramento como assédio moral, os factos provados terão de ser vistos por si, isoladamente, assim por referência à data em que ocorreram, o que assume relevância para a questão da caducidade invocada pelo Réu E…, não apreciada pelo Tribunal a quo porque então prejudicada (não se tinham provado quaisquer os factos) mas que agora nesta sede se imporia atender, face à data do envio pelo Autor da carta de resolução do contrato, afinal mais de dois anos depois da ocorrência dos factos, muito para além pois do prazo de 30 dias de que dispunha o trabalhador, nos termos anteriormente mencionados, sendo que a tal não obsta, esclareça-se, a circunstância de ter apresentado certificados de incapacidade temporária para o trabalho no período de 20/5/2014 a 10/9/2014.” (ponto 35.º da factualidade).
De facto, dispondo-se no n.º 1 do artigo 395.º do CT que “O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos”, tal prazo, sem dúvidas de caducidade[48] atento o que resulta do n.º 2 do artigo 298,º do CC – “Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição” –, conta-se a partir do momento do “conhecimento dos factos”, ou seja, no que ao caso importa, independentemente do momento em que o titular do direito, depois de ter tomado conhecimento efetivo dos factos, toma consciência da respetiva gravidade, independentemente das razões que invoca e que a sua ótica tenham eventualmente obstado a que essa tomada de consciência tivesse sido anterior. Dito de outro modo, enquanto prazo de caducidade, determinada por razões objectivas de segurança jurídica, sem que o mesmo possa ser suspenso[49], inicia-se, como resulta da norma citada, com o conhecimento dos factos, ainda que esse conhecimento se possa referir, assim nomeadamente nas hipóteses assentes em situações de efeitos duradouros suscetíveis de agravamento com o decurso do tempo, não ao conhecimento da materialidade dos factos propriamente dita e sim, noutros termos, quando, no contexto da relação laboral, assumem tal gravidade que tornem imediatamente impossível a subsistência do contrato de trabalho, situação esta, porém, que diz respeito a efeitos na relação laboral e não, diga-se, na saúde do trabalhador.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de junho de 2002[50]’[51], a situação de doença do autor, (…) corresponde à consequência atribuída pelo mesmo autor à actuação da ré, consubstanciando um efeito dos factos fundamentadores da justa causa e não, obviamente, um "comportamento" da entidade patronal.” Aliás, veja-se que, a propósito do período de suspensão do contrato de trabalho durante situações de doença, ao referir-se que durante esse período ficam suspensos os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que pressuponham a efectiva prestação de trabalho (nº 1 do citado artigo 295º), não se suspende, por conseguinte, o prazo de caducidade para invocação, pelo trabalhador, de justa causa para a resolução do seu contrato de trabalho.
Ou seja, ainda que porventura pudesse ser dada razão ao Recorrente, e não foi, quanto à sua pretensão de ver afirmada a licitude da resolução do contrato que operou por justa causa com base nos factos que se provaram na presente ação, a verdade é que teria ocorrido a caducidade do direto quanto a tais factos, nos termos expostos, o que se repercutiria no destino da ação, levando à sua improcedência.
No entanto, como se viu, o recurso do Autor não obteve provimento.
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Da improcedência do recurso quanto à justa causa invocada, que como se viu não se demonstrou, daí decorre, por consequência, a falta de fundamento do demais pretendido pelo Recorrente, assim designadamente a condenação dos Recorridos nos pedidos formulados, como ainda na devolução da quantia retida por falta de aviso prévio, pretensão esta sobre a qual aliás, sequer se dirige também qualquer argumento jurídico nas alegações, no sentido de infirmar o julgado, para o qual remetemos, por o acompanharmos.
5. Da pretensa má-fé
Nas contra-alegações invoca-se que o Autor/recorrente atua com má-fé, devendo por essa razão “ser condenado como litigante de má-fé, nos termos do disposto no art. 542.º do CPC em multa a fixar pelo Tribunal, e indemnização ao ora recorrido, a fixar no valor que o Tribunal entenda por justo e proporcional.”
Para o efeito refere-se o seguinte: “Não só alega factos que sabe não corresponderem à verdade – umas vezes diz que o recorrido E… é seu colega de trabalho, outras vezes diz que é sua entidade patronal -, como faz junção de documentos cujo pedido de junção lhe foi rejeitado. Fazendo tábua rasa das decisões já proferidas nos autos, com trânsito em julgado. Fazendo junções de documentos que são idênticos a outros que já juntou, nomeadamente cópias de cheques e autorizações de férias. De facto, para além de deduzir pretensão cuja falta de fundamento não ignora, o autor/recorrente fez do processo e dos meios processuais legalmente admissível, um uso reprovável, com o único fim de conseguiu um objetivo ilegal. Para além disso, e com este recurso, apenas pretende protelar sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
A noção de litigância de má-fé resulta do n.º 2, do artigo 542.º do CPC, em cujas alíneas se encontram tipificadas as condutas que constituem violação do dever de agir de boa-fé processual a que as partes estão vinculadas (art.º 8.º, do CPC), dizendo-se “litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: [a] Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; [b] Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; [c] Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; [d] Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção de justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Como sabemos corresponde esta norma ao artigo 456.º n.º 2, do pretérito CPC e foi alterada relativamente à noção anterior na reforma operada àquele diploma pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro.
Na sua formulação anterior, dizia-se litigante de má-fé “(..) não só o que tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava, como também o que tiver conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais e o que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável , com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça ou de impedir a descoberta da verdade”.
Entendendo-se então, quer na doutrina quer na jurisprudência, que era necessário existir dolo para que houvesse litigância de má-fé, como o elucida, entre muitos outros, o Ac. do STJ de 17.11.1972[52] em cujo sumário se lê: - “Só a lide essencialmente dolosa, e não meramente temerária ou ousada, justifica a condenação como litigante de má fé (artigo 456.º do citado Código)”.
No preâmbulo daquele diploma, a propósito da norma em causa e das alterações introduzidas na reforma operada pelo mesmo, encontra-se esta breve explicação: - “Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagram-se expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos (..)”. Ou seja, entendeu o legislador alargar a litigância de má fé às condutas processuais gravemente negligentes, não oferecendo tal qualquer dúvida, já que a norma o expressa claramente ao dizer que litiga de má-fé “quem com dolo ou negligência grave (..)”. Parafraseando o Ac. do STJ de 6.12.2001, “Há negligência grave, fundamentadora de um juízo de litigância de má-fé, quando o litigante procede com imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um”[53].
Ora, no caso, não obstante é certo o Autor/recorrente continuar a apresentar argumentos que como se viu não obtêm fundamento, argumentos esses em parte mesmo contraditórios, como ainda, acrescente-se, como que esquecendo decisões já proferidas no processo e contra as quais não reagiu, assim quanto a documentos cuja junção já havia sido indeferida, ainda assim, na consideração, que se impõe, da própria complexidade da relação havida entre as partes, passível de mais do que uma interpretação e/ou enquadramento jurídico, consideramos que, ainda que possa porventura ser tida como construção ousada ou mesmo manifestamente errada, essa, enquanto tal, enquadra-se dentro da litigância admissível, não se configurando pois como de má-fé[54].
Pelo exposto, não ocorre no caso má-fé do Autor/recorrente, diversamente do que se sustenta nas contra-alegações do Apelado.
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Decaindo, sem prejuízo do decidido sobre apoio judiciário, a responsabilidade pelas custas impende sobre o Autor (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
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V – DECISÃO
Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, procedendo parcialmente quanto à matéria de facto, em considerar no mais improcedente o recurso.

Custas pelo Autor, sem prejuízo de proteção jurídica de que beneficie.
Anexa-se sumário do Acórdão.
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Porto, 24 de janeiro de 2018
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] António Abrantes Geraldes, Recursos No Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 185
[2] Manual de Processo Civil, 2.ª Ed. Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1985, pp. 531 a 534
[3] Que entrou em vigor a 1 de Setembro de 2013 (art.º 8.º/Lei 41/2013)
[4] Sobre tal problemática se pronunciou o Acórdão desta Relação e Secção de 2 de Março de 2017, disponível em www.dgsi.pt, relatado pelo Desembargador Jerónimo Freitas e em que interveio o ora Relator como 1.º adjunto.
[5] Excluídas as notas desse constantes - Relatora Desembargadora Maria José Costa Pinto, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Cfr. Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 92/93
[7] Código de Processo Civil Anotado, 5º, pág. 143.
[8] “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”
Também na instância recursiva, nesse caso por referência às conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objeto do recurso, conforme resulta dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.
[9] Código de Processo Civil Anotado, cit., 5º, pág. 143.
[10] No mesmo sentido, Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil” de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320, e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Alm. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143
[11] In www.dgsi.pt.
[12] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222
[13] Op. cit., p. 235/236
[14] cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[15] cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[16] www.dgsi.pt
[17] processo nº 220/13.8TTBCL.G1.S1, disponível igualmente em www.dgsi.pt
[18] no mesmo sentido, o Acórdão do mesmo Tribunal de 27 de Outubro de 2016, processo 110/08.6TTGDM.P2.S1, mais uma vez em www.dgsi.pt
[19] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª ed., pág. 147.
[20] Ver Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2°, 605.
[21] Disponível em www.dgsi.pt.
[22] Excluindo-se aqui as notas de rodapé.
[23] Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[24] Relator Conselheiro Ferreira Pinto, in www.dgsi.pt.
[25] Proferido no processo n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1 – em www.dgsi,pt
[26] Assim o afirmou este mesmo Coletivo na apelação nº 1731/16.9T8VFR.P1, de cujo sumário consta: “I- A lei aplicável, para efeitos da qualificação do contrato de trabalho, é a que vigorava à data do início da relação entre as partes, salvo alteração ocorrida nessa relação em momento posterior.”
[27] Mesmo Relator e Adjuntas – apelação 25904/15.2T8PRT.P1
[28] Disponível para consulta em www.dgsi.pt, Relator Conselheiro Ferreira Pinto.
[29] Recurso 2501/09.6TTLSB.L2.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[30] Processo 2178/07.3TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, citado no Ac. do mesmo Tribunal de 12 de novembro de 2015, processo 618/11.6TTPRT.P1.S1, também no mesmo Sítio.
[31] Citando: “a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a atividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da atividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da atividade, existência de controlo externo do modo de prestação da atividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa.”
[32] Citando de novo: “o número de beneficiários a quem a atividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da atividade, a inscrição do prestador da atividade na Segurança Social e a sua sindicalização”.
[33] Direito do Trabalho, 14.ª Edição, 2009, Almedina, p. 149, citado no mesmo Acórdão de 12 de novembro de 2015.
[34] In www.dgsi.pt,Relator Conselheiro António Leones Dantas.
[35] Ob. cit. pág. 44.
[36] Que se incluem em notas de rodapé, no correspondente local do texto.
[37] Proferido na revista n.º 712/12.6TTPRT.P1.S1, citado por sua vez no Acórdão do mesmo Tribunal de 26 de Maio de 2015, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[38] Correspondente à nota 12 do Acórdão: Cfr. Pedro Romano Martinez (e outros), Código do Trabalho Anotado, 9ª edição, p. 187, e Bernardo da Gama Lobo Xavier, Direito do Trabalho, 2011, p. 450.
[39] Correspondente à nota 12 do Acórdão: Direito do Trabalho, Almedina, 16ª edição, p. 160.
[40] Correspondente à nota 13 do Acórdão: Ob. cit., p. 436.
[41] Correspondente à nota 14 do Acórdão: Ibidem.
[42] Correspondente à nota 15 do Acórdão: Júlio .Manuel Vieira Gomes, ob. cit., p. 436.
[43] Correspondente à nota 16 do Acórdão: Em regra, mas não necessariamente, sendo – no limite - configuráveis quadros de assédio resultantes de repetidas e graves “descargas emocionais do assediador, sem qualquer intenção [específica] de sujeição da vítima” – cfr. Rita Garcia Pereira, Mobbing ou Assédio Moral no Trabalho, Coimbra Editora, 2009, p. 100.
[44] Nos termos anteriormente mencionados.
[45] Ac. STJ de 11 de maio de 2011, supra citado.
[46] Cf. Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Ed., Principia, 2012, pág. 533.
[47] In www.dgsi.pt, deste mesmo Coletivo.
[48] Cfr., entre muitos, os Acs. STJ de 17 de Novembro de 2016, Relatora Ana Luísa Geraldes, e 14 de junho de 2011, Relator Conselheiro Pinto Hespanhol, ambos in www.dgsi.pt.
[49] Vaz Serra, cit., pág. 174 e seguintes
[50] Relator Conselheiro Mário José de Araújo Torres, in www.dgsi.pt.
[51] E o reafirmámos no recente Acórdão de 24 de janeiro de 2018 – Apelação n.º 1029/17.5T8PNF.P1
[52] BMJ 221.º, 164.
[53] Proc.º 01A3692, Conselheiro Afonso de Melo, disponível em http://www.dgsi.pt.
[54] Como o afirmaram os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Dezembro de 2003 e 17 de Maio de 2011, respetivamente, Conselheiro Quirino Soares e Gregório Silva Jesus, igualmente disponíveis em http://www.dgsi.pt.