Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
17013/21.1T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: ERRO NA QUALIFICAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL
INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP2023020617013/21.1T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 02/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Por força do disposto no nº 4 do artigo 105º do Código de Processo Civil, o recurso de apelação é ostensivamente um meio processual inadequado para provocar o conhecimento da questão da incompetência territorial do tribunal recorrido.
II - Quando o erro na qualificação do meio processual se verifique apenas em relação a parte do ato processual, não é viável a aplicação do regime do nº 3 do artigo 193.º do Código de Processo Civil, afigurando-se-nos que aquele instrumento só é cabido quando esse erro ocorre relativamente à totalidade do ato processual, assim se possibilitando a sua conversão ou convolação no meio processual adequado.
III - Nesta situação de erro na qualificação do meio processual apenas em relação a parte do ato processual, tal como sucede nos casos de cumulação de pedidos em que a forma processual usada é inadequada para um ou vários dos pedidos formulados, deve o tribunal abster-se de conhecer da pretensão relativamente à qual se verifica o referido erro e absolver o requerido da instância dessa mesma pretensão.
IV - Tanto no caso de notificação da parte contrária ou de terceiro para apresentação de documento ou de requisição de documento por parte do tribunal a título oficioso ou a requerimento tem-se em vista documentos, ou seja, meios de prova que já existem e estão perfeitos antes de surgir a necessidade da prova e não um escrito que adrede é confecionado em resposta à solicitação feita.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 17013/21.1T8PRT-A.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 17013/21.1T8PRT-A.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 22 de outubro de 2021, no Juízo Local Cível do Porto, Comarca do Porto, AA instaurou ação declarativa sob forma comum contra BB pedindo:
- a condenação do réu a pagar à autora a quantia de €40.000,00, a título de compensação pela partilha do património do casal unido de facto, a que acrescem os juros de mora já vencidos calculados à taxa legal de 4%, que até hoje perfazem €3.733,00, para além dos vincendos até integral pagamento;
- caso assim não se entenda, pediu a condenação do réu a restituir à autora metade do valor que se apurar ser o que constitui o património que existe apenas em nome do réu à data da cessação da união de facto com a autora, mediante avaliação a realizar por perito indicado pelo Tribunal.
Para fundamentar as suas pretensões a autora alegou, em síntese, que na sequência de uma relação de namoro iniciada no ano 2000, autora e ré começaram a viver em união de facto em 2010, nascendo dessa união duas filhas, a primeira em 18 de dezembro de 2015 e a segunda em 30 de agosto de 2017; inicialmente autora e réu instalaram a sua casa de morada num imóvel propriedade do réu, na Rua ..., no Porto; a autora é engenheira civil e o réu é advogado; quando terminou o curso, em 2006, a autora começou de imediato a trabalhar na sociedade A..., Lda. onde auferia o valor líquido aproximado de €800,00; em fevereiro de 2008 a autora foi trabalhar para a B... S.A., em Guimarães, onde auferia o valor líquido aproximado de €1.200,00; em abril de 2010 a autora iniciou funções no gabinete C... Lda., onde auferia a quantia líquida mensal de €1.400,00; em inícios de 2011, o réu recebeu uma indemnização no valor aproximado de vinte e cinco mil euros e decidiu iniciar um negócio (D... IMOBILIÁRIA), entusiasmando a autora a ir trabalhar para esse negócio; em 25 de março de 2011 o réu constituiu a sociedade unipessoal por quotas “D... Unipessoal Lda.”, com o NIF ...; nunca foi objetivo do réu deixar a advocacia e passar a gerir imobiliário e nem sequer era possível fazê-lo em simultâneo por tais exercícios serem incompatíveis (o da advocacia com o imobiliário), o que aliás levou a que o réu deixasse de ser gerente da referida sociedade e tivesse designado o seu pai, CC, como gerente; o réu incentivou a autora a despedir-se e a ir gerir a “D... Unipessoal Lda.” e não a designou desde logo como gerente por esta estar ainda a auferir do subsídio de desemprego que era na altura essencial para a subsistência do casal; o objetivo da constituição da referida sociedade foi sempre que a autora, engenheira civil de formação, assumisse o negócio com vista ao lucro do então casal, falando o réu sempre na “nossa” sociedade; em setembro de 2011 a autora celebrou um acordo de revogação do contrato de trabalho que tinha com a C... Lda. e passou a auferir de subsídio de desemprego no valor mensal de €768,30 e começou desde logo a “levar por diante” a referida da sociedade, tendo em 13.07.2012 a sociedade celebrado um contrato de franquia com a D... PORTUGAL para a instalação de uma loja da D... em Barcelos, como efetivamente sucedeu; autora e réu foram então viver para Barcelos e desde então que a autora sempre trabalhou neste negócio na convicção de que de era de ambos, como o réu frequentemente anunciava à frente de toda a gente, dizendo que “a loja era a autora”; nomeadamente foi a autora que frequentou praticamente todas as formações a que o franchisador obrigava e este sempre soube que a D... de Barcelos era tanto da autora como do réu; e tanto o Réu (sócio único da D... LIBERDADE) como o seu pai (gerente de direito), outorgaram procuração à autora onde lhe conferiram todos os poderes necessários para praticar todos os atos inerentes tanto à qualidade de sócio como à qualidade de gerente; a autora estava inscrita na segurança social como sendo diretora comercial da sociedade, auferindo o vencimento base de €729,00, que na verdade nem sempre recebia, pois na sua função de gerente de facto muitas vezes não se pagava a si própria por o dinheiro fazer falta para fazer face a outras despesas da sociedade; a autora trabalhava naquela loja todos os dias das 9h até muito depois do seu horário de fecho, inclusive aos sábados e domingos, sem nunca receber uma comissão ou fosse o que fosse por estar convicta que estava a trabalhar para a economia comum; nos primeiros dois anos, como sucede com qualquer negócio, a loja não deu qualquer lucro e inclusive os pais da autora chegaram a emprestar dinheiro à autora e ao réu para avançarem com o negócio; como a autora foi mãe nessa altura, tanto a mãe da autora como a mãe do réu foram para Barcelos para dar ajuda à autora com as filhas, nomeadamente durante a noite, tendo a autora após o nascimento de cada uma delas voltado ao trabalho ao fim de 15 dias, indo a casa durante o dia apenas para dar de mamar às menores e voltando de imediato para a loja; todas as reuniões com o Franchisador foram sempre tidas pela autora que sempre agiu como se o negócio fosse seu à frente de todos e todos a reconheciam como tal; em 20 de janeiro de 2015 o réu propôs à autora constituir a sociedade por quotas unipessoal “E... Lda.”, onde era sócia da mesma apenas a autora e cujo objeto era também apenas o ramo imobiliário; em 18 de novembro de 2017 alteraram o objeto social da referida sociedade para poderem comercializar veículos automóveis e abriram um stand de automóveis, em Barcelinhos, onde inclusive contrataram um funcionário; em fins de agosto de 2018 a união de facto que existia entre autora e réu cessou, tendo a autora saído daquela que era a casa de morada de família, em Barcelos e deixado também a referida loja da D... de Barcelos; quando se iniciaram os problemas entre autora e réu que resultaram na cessação da união de facto, as partes gizaram um acordo de partilha mediante o qual a autora ficaria com a propriedade do Volvo ... com a matrícula ..-TG-.. que estava registado em nome da “E...” e que a autora utilizava como seu e que o réu lhe entregaria a quantia de setenta e cinco mil euros; em 27 de julho de 2018, o réu propôs-se pagar €50.000,00 antes de ir de férias e os €25.000,00 até ao final do ano de 2018; em 08 de agosto de 2018, o réu propôs-se pagar de imediato €35.000,00 e o remanescente em prestações mensais de €11.000,00; no dia 11 de agosto de 2018 propôs-se pagar €30.000,00 no dia 28 de agosto de 2018 e o restante em prestações mensais e sucessivas de €5.000,00 com início em outubro de 2018; tendo em conta o acordo gizado entre autora e réu, a autora cedeu a quota que detinha na E... em 07 de dezembro de 2018 e em dezembro de 2018 assinou um documento a rescindir o contrato de trabalho que tinha com a D... Liberdade, sem qualquer compensação; do acordo efetuado entre autora e réu, este apenas pagou à autora a quantia de €35.000,00 em dezembro de 2018; durante o tempo de duração da união de facto constituíram um património comum e contribuíram para a economia doméstica e para a constituição de duas sociedades comerciais bem como de património imobiliário, compartilhando as responsabilidades financeiras do agregado, trabalhando a autora para o sucesso das referidas sociedades, nomeadamente da D... Liberdade, para além de assegurar as lides domésticas e familiares comuns, sendo certo que, enquanto as filhas eram muito pequenas beneficiou da ajuda tanto da sua mãe como da mãe do réu; a autora concorreu para o auferir de rendimentos que integravam o acervo financeiro da união no pressuposto da permanência/subsistência dessa união; o réu fez suas ambas as sociedades comerciais após a cessação da união de facto.
Citado o réu, o mesmo veio comprovar ter requerido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e pagamento da respetiva compensação, de atribuição de agente de execução e dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e suscitar a nulidade da sua citação.
Em 07 de dezembro de 2021, proferiu-se despacho a declarar interrompido o prazo para contestar.
Foi concedido apoio judiciário ao réu nas modalidades requeridas.
BB contestou invocando a prescrição do direito acionado pela autora com fundamento em enriquecimento sem causa e impugnou alguma da factualidade alegada pela autora, alegando ainda que em agosto de 2012 autora e réu decidiram mudar a sua residência para um apartamento T3 sito na Travessa ..., apartamento ..., ... Barcelos e que foi sempre o réu que custeou as despesas associadas ao uso da acima identificada habitação sita em Barcelos e na qual viveram de agosto de 2012 a julho de 2018, nomeadamente, renda mensal de €450,00, consumos mensais com gás de €30,00, consumos mensais com electricidade de €60,00, consumos mensais com água de €25,00, consumos mensais com Internet e TV Cabo e telefone de €30,00; a autora nunca contribuiu com qualquer montante durante o dito período de agosto de 2012 a julho de 2018 para custear ou ajudar a custear as despesas antes indicadas; a ré foi desde sempre e unicamente e até ao último dia em que foi colaboradora da empresa D... Unipessoal Lda., mediadora imobiliária/diretora comercial da mesma; o empréstimo que os pais da autora efetuaram e a que a autora alude na petição inicial foi no montante de €7.500,00, ocorreu em janeiro de 2013, e no mesmo mês foi restituído/pago unicamente pelo réu aos pais da autora e não serviu para avançarem com o “negócio” pois o “negócio” estava já criado e todas as despesas referentes às infraestruturas deste negócio (mobiliário, ferramentas tecnológicas, obras na loja escolhida, reclamos luminosos, porta-folhetos, etc…) incluindo o pagamento da franquia celebrada com a .../D... Portugal foram integralmente pagas até agosto de 2012; conclui pela total improcedência da ação.
A autora foi notificada para, querendo, se pronunciar sobre a defesa por exceção deduzida pelo réu na sua contestação e ofereceu articulado pronunciando-se pela improcedência da exceção de prescrição invocada pelo réu, oferecendo dois documentos.
Realizou-se audiência prévia, tendo a Sra. Juíza que presidiu à diligência comunicado às partes que os autos podiam eventualmente conter todos os elementos necessários para o tribunal conhecer do mérito da causa, tendo ambas as partes requerido trinta dias para se pronunciarem por escrito, pretensão que foi deferida.
O réu pronunciou-se no sentido da ação ser julgada improcedente porque a união de facto não constitui fonte para as pretensões formuladas pela autora.
A autora pronunciou-se no sentido da procedência da ação na medida em que o réu se confessou devedor à autora da quantia de setenta e cinco mil euros, tendo pago desse montante apenas trinta e cinco mil euros e, caso assim não se entenda, deve o processo prosseguir com produção de prova pois que é unânime a jurisprudência e a doutrina no sentido da possibilidade de aplicação do instituto do enriquecimento sem causa no caso de dissolução da união de facto.
Em 21 de julho de 2022 proferiu-se decisão[1] no sentido de os autos deverem prosseguir para instrução, dispensou-se a continuação de audiência prévia, fixou-se o valor da causa no montante de €43.300,00, proferiu-se despacho saneador tabelar, relegou-se para final o conhecimento da exceção perentória de prescrição suscitada pelo réu, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas da prova, apreciaram-se os requerimentos probatórios das partes, indeferindo-se provisoriamente o requerimento do réu para notificação da D... PORTUGAL - ..., a fim de informar se o réu BB frequentou todas as formações teórico-práticas da D... Portugal, em concreto, a formação de franqueado e diretor comercial (ministrada pelo Sr. Dr. DD) e as formações de comercial I e comercial II (ministrada pela Sr.ª Dr.ª EE)[2], admitindo-se perícia requerida pela autora e notificando-se o réu para, querendo, em dez dias se pronunciar sobre o objeto da perícia.
Em 12 de setembro de 2022, BB interpôs recurso de apelação contra a decisão que julgou o Juízo Local Cível do Porto territorialmente competente e ainda na parte em que indeferiu o seu requerimento para prestação de informações por parte de terceiro, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Atenta a forna como a Autora conformou a pretensão que dirigiu ao Tribunal, refere o douto Despacho saneador que o objecto do litígio será:
“- Declaração de confissão de dívida pelo R. e seu (in)cumprimento;
- Enriquecimento sem causa.”
2. O Réu é uma pessoa singular, não sendo, portanto, uma pessoa colectiva.
3. Nem o Réu nem a A. têm residência na área metropolitana do Porto.
4. Resulta à saciedade dos autos que o R. reside efectivamente na cidade de Barcelos.
- a própria A., através do requerimento com a referência 30537940, enviada via Citius no dia 17.11.2021 informa os autos que a residência do R. era na Travessa ..., ... BARCELOS, terminando o seu requerimento com o pedido de que seja “repetida a citação do Réu na Travessa ..., ... BARCELOS”.
- Também por requerimento com a referência 30671521, remetido aos por correio recepcionado pelo Tribunal em 30.11.2021, o recorrente indica como sua morada a cidade de Barcelos, informando que já não reside na morada para onde havia sido remetida a citação desde o ano de 2012, facto esse do conhecimento quer da A. quer da sua mandatária.
- Essa mesma morada de Barcelos é também a que é indicada pela Segurança Social na comunicação que remete ao tribunal e que constitui o documento com a referência 30874072, de 22.12.2021.
- E consultando também quer o documento comprovativo de concessão de protecção jurídica, quer o documento de nomeação de patrono juntos com a contestação, em todos eles é indicada como residência do R. a referida Travessa ..., Apartamento ..., ... BARCELOS.
5. Como tal, residindo o R. na cidade de Barcelos, sendo o Tribunal competente o do seu domicílio, logo competente para a presente acção será o Juízo Local Cível de Barcelos, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
6. Acresce que não é de acolher qualquer argumentação no sentido da falta de invocação dessa
excepção ou da sua invocação extemporânea, pois dispõe o artº 104º, nº 1 do CPC, sob a epígrafe, “Conhecimento oficioso da incompetência relativa”, que a incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários, nos casos a que se referem o artigo 70.º, a primeira parte do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 71.º, os artigos 78.º, 83.º e 84.º, o n.º 1 do artigo 85.º e a primeira parte do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 89.º.
7. Violou, assim, a Decisão recorrida, o preceituado no art.º 104, n.º 1, alínea a) e n.º 3, e no art.º 71.º, n.º 1, 1ª parte, ambos do CPC.
8. A decisão recorrida deverá, pois, de ser revogada, declarando-se o Tribunal Judicial da Comarca do Porto / Juízo Local Cível do Porto territorialmente incompetente para apreciar a
acção em causa, sendo competente para o efeito o Tribunal Judicial da Comarca de Braga /Juízo Local Cível de Barcelos, para onde deverá ser remetido o processo.
9. Por outro lado, na parte final do seu articulado de Contestação, quanto aos meios de prova, requereu a ora recorrente o seguinte:
“C – Requer a notificação da D... PORTUGAL - ..., com sede no ..., Avenida ..., ... Lisboa, para que informe nos autos se o R. BB frequentou todas as formações teórico-práticas da D... Portugal, em concreto, a formação de franqueado e director comercial (ministrada pelo Sr. Dr. DD) e as formações de comercial I e comercial II (ministrada pela Sr.ª Dr.ª EE)?”
10. Este meio de prova é fundamental para o direito de defesa do R., visando demonstrar o que alegou designadamente nos artºs 5º, 6º e 7º da Contestação.
11. A única condição que a lei impõe para que seja deferida a requisição de documentos ou informações é que os factos que a parte pretende provar tenham interesse para a decisão da causa.
12. Ora, conforme se alcança dos artºs 5º, 6º e 7º da Contestação, o R. pretende demonstrar factos contrários aos alegados pela A., designadamente em como exerceu as funções de chefe de serviço de 1.3.2012 até 30.10.2016 e de director administrativo desde esta data, bem como de gestor processual de Julho de 2012 a meados de 2015.
13. Para tanto, pretende o R. demonstrar ter frequentado a formação que o habilitava a desempenhar as funções que invocou.
14. E, diversamente do propugnado no douto despacho sub judice, o pedido foi bem concretizado e especificava quais as formações cuja confirmação pretendia: a formação de franqueado e director comercial (ministrada pelo Sr. Dr. DD) e as formações de comercial I e comercial II (ministrada pela Sr.ª Dr.ª EE)!
15. Pelo que deverá ser revogado o douto despacho recorrido e substituído por outro que defira
o requerido pelo R..
16. Sem minimamente prescindir do alegado, sempre se dirá que, como se referiu, no requerimento a parte identificará quanto possível o documento e especificará os factos que com ele quer provar.
17. Caso se entenda que tal não foi feito, estava-se perante um requerimento que não obedecia
aos requisitos legais, o que impunha, por aplicação analógica do art. 590/3 do CPC, um despacho de aperfeiçoamento do requerimento.
18. Quer isto dizer que ele não devia ter sido indeferido antes de se ter convidado o R. a aperfeiçoar o requerimento.
19. Nada havendo nos autos que demonstre que a falta da indicação dos factos que o requerente quer provar decorra de dolo ou culpa grave, ou que a sua correcção vá implicar prejuízo relevante para o regular andamento da causa, o R./requerente deve ser convidado a aperfeiçoar o seu requerimento de provas com a parte em falta.
20. Pelo exposto, sempre deverá revogar-se o despacho recorrido e em sua substituição deverá
convidar-se, ao abrigo do disposto nos arts. 590º/3 e 146º/2, ambos do CPC, o R. a apresentar um requerimento a completar o seu requerimento de provas concretizando a utilidade das informações requeridas.
21. As doutas decisões sub judice violaram, nomeadamente, o preceituado nos artºs 71º, nº 1,
104º, nº 1 do CPC, e arts. 590º/3 e 146º/2, todos do CPC..
Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
Atenta a natureza estritamente jurídica do objeto do recurso e a sua relativa simplicidade, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de imediato.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da incompetência em razão do território do tribunal recorrido;
2.2 Da notificação de terceiro para junção aos autos de documento;

3. Fundamentos de facto
Os fundamentos de facto necessários e pertinentes ao conhecimento do objeto do recurso constam do relatório deste acórdão e resultam dos próprios autos de que estes foram extraídos, autos que, nesta vertente adjetiva, têm força probatória plena, não se reproduzindo nesta sede o que ficou consignado no aludido relatório por evidentes razões de economia e concisão processual.

4. Fundamentos de direito
4.1 Da incompetência em razão do território do tribunal recorrido
O recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida que genericamente afirmou a competência territorial do tribunal a quo e pela sua substituição por decisão que ordene a remessa dos autos ao Juízo Local Cível de Barcelos, Comarca de Braga, isto por força do disposto no nº 1 do artigo 71º do Código de Processo Civil e atenta a oficiosidade do conhecimento da patologia ora invocada em via de recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 105º, nº 4, do Código de Processo Civil, da decisão que aprecia a competência cabe reclamação, com efeito suspensivo, para o Presidente da Relação respetiva, o qual decide definitivamente a questão.
Porque assim é, o recurso de apelação interposto pelo recorrente é ostensivamente um meio processual inadequado para provocar o conhecimento da questão da incompetência territorial do tribunal recorrido.
Porém, de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 193º do Código de Processo Civil, o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos adequados.
Será esta previsão legal aplicável ao caso dos autos já que a impugnação da decisão proferida sobre a competência em razão do território foi deduzida dentro do prazo da reclamação?
Não o cremos.
A nosso ver, quando o erro na qualificação do meio processual se verifique apenas em relação a parte do ato, como sucede no caso em apreço, cremos que não é viável a aplicação do regime do nº 3 do artigo 193.º do Código de Processo Civil, afigurando-se-nos que aquele instrumento só é cabido quando esse erro ocorre relativamente à totalidade do ato processual, assim se possibilitando a sua conversão ou convolação no meio processual adequado.
A ser viável uma tal conversão ou convolação, isso implicaria que um ato uno se cindisse em dois ou mais atos processuais distintos.
Nesta situação, tal como sucede nos casos de cumulação de pedidos em que a forma processual usada é inadequada para um ou vários dos pedidos formulados[3], deve o tribunal de recurso abster-se de conhecer da pretensão em que se questiona a competência em razão do território do tribunal recorrido e absolver-se a recorrida da instância relativamente à pretensão para a qual se verifica o erro parcial no meio processual usado, discordando-se por isso do procedimento que foi seguido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no processo nº 2305/17.2T8VNF-A.P1, acessível na base de dados da DGSI.
Deste modo, por se verificar um erro no meio processual usado para sindicar a decisão proferida sobre a competência territorial do tribunal recorrido e porque tal erro é insanável por atingir apenas parte do ato processual, este tribunal abstém-se de conhecer desta questão recursória, absolvendo-se da instância a recorrida desta pretensão recursória.

2.2 Da notificação de terceiro para junção aos autos de documento
O recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida porque, na sua perspetiva, o seu pedido foi bem concretizado, destinando-se à prova da matéria vertida nos artigos 5, 6 e 7 da contestação e, caso assim não se entenda, deveria ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento do requerimento probatório.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 429º do Código de Processo Civil, “[q]uando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar.
Se o documento estiver em poder de terceiro, a parte requer que o possuidor seja notificado para o entregar na secretaria, dentro do prazo que for fixado, sendo aplicável a este caso o disposto no artigo 429.º” (artigo 432º do Código de Processo Civil).
Incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade” (artigo 436º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A requisição pode ser feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros” (artigo 436º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Todas as previsões legais que se acabam de citar inserem-se no Capítulo II, do Título V, do Livro II do Código de Processo Civil, tendo o referido capítulo a epígrafe de “Prova por documentos”.
Em termos substantivos documento é qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto (veja-se a segunda parte do artigo 362º do Código Civil).
O documento é doutrinalmente uma prova pré-constituída[4], ou seja, trata-se de um meio de prova que já existe e está perfeito antes de surgir a necessidade da prova.
Mesmo quando a lei se refere a informações[5], como sucede no nº 1 do artigo 436º do Código de Processo Civil, tem em vista um documento, algo que já existe e não algo que adrede é confecionado em resposta à solicitação instrutória feita.
Ora, no caso em apreço, o recorrente não pretende que a D... Portugal – ... junte aos autos um qualquer documento preexistente, como seria uma lista de presença elaborada aquando da frequência das ações de formação ou um certificado comprovativo da frequência e aproveitamento dessas ações de formação, mas sim que a entidade a notificar responda por escrito a duas questões que o recorrente formulou no seu requerimento probatório.
Na realidade, a pretexto de requerer o oferecimento por terceiro de prova documental, o que o recorrente de facto pretende é um depoimento por escrito desse terceiro fora das condições legais em que é admitido (veja-se o artigo 518º do Código de Processo Civil).
Assim, por estas razões, distintas das que foram indicadas pelo tribunal recorrido, deve manter-se o indeferimento do requerimento do recorrente para que a D... Portugal –... seja notificada para prestar nos autos as informações que indica.
Pelo exposto improcede esta questão recursória, improcedendo in totum o recurso, sendo as custas do mesmo da responsabilidade do recorrente por força de tal decaimento, ainda que sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto no recurso de apelação interposto por BB acordam em abster-se de conhecer da questão da incompetência territorial do tribunal recorrido por erro insanável do meio processual usado e, consequentemente, absolve-se da instância AA relativamente a esta questão e, no mais, em julgar improcedente o recurso.

Custas a cargo do recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.
***
O presente acórdão compõe-se de doze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 06 de fevereiro de 2023
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
___________________
[1] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 22 de julho de 2022.
[2] O teor integral desta decisão é o seguinte: “Requereu o R., na contestação, a notificação da D... PORTUGAL - ..., com sede no ..., Avenida ..., ... Lisboa, para que informe nos autos se o R. BB frequentou todas as formações teórico-práticas da D... Portugal, em concreto, a formação de franqueado e director comercial (ministrada pelo Sr. Dr. DD) e as formações de comercial I e comercial II (ministrada pela Sr.ª Dr.ª EE).
Apreciando.
Nos termos do art. 429.º, nº 1, do CPC - também aplicável aos documentos em poder de terceiro por força do disposto no art. 432º do mesmo diploma -, a parte que pretende fazer uso de documento em poder de terceiro deverá identificar quanto possível o documento e especificar os factos que com ele quer provar.
No caso que se nos apresenta, dada a forma genérica como o R. alude às informações/aos documentos em causa, desconhece-se, por ora, se do elenco supra constará algum documento específico que releve para a boa decisão da causa, sendo certo que tal utilidade não foi concretizada pelo réu.
Assim, por ora, indefere-se o requerido, sem prejuízo de, no decurso da audiência de julgamento e ponderado o depoimento das testemunhas, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, poder determinar a junção aos autos da prestação das informações / documentos elencada/os e/ou algum deles, caso a utilidade para a boa decisão da causa, seja, em concreto, assim aferida pelo tribunal.
O requerimento probatório do réu objeto de indeferimento tem o seguinte teor: “C – Requer a notificação da D... PORTUGAL - ..., com sede no ..., Avenida ..., ... Lisboa, para que informe nos autos se o R. BB frequentou todas as formações teórico-práticas da D... Portugal, em concreto, a formação de franqueado e director comercial (ministrada pelo Sr. Dr. DD) e as formações de comercial I e comercial II (ministrada pela Sr.ª Dr.ª EE)?
[3] Repare-se que no caso em apreço, o erro não incide apenas sobre o meio processual usado mas também na determinação da entidade judiciária competente em razão da matéria para o seu conhecimento e ainda sobre os reflexos que o meio adequado tem no andamento do processo (veja-se o nº 4 do artigo 105º do Código de Processo Civil). Na verdade, só após conhecimento da reclamação pelo Presidente do Tribunal da Relação e na eventualidade de confirmação da decisão recorrida ou de determinação de um tribunal territorialmente competente da mesma área do Distrito Judicial poderia se poderia seguir o conhecimento da apelação.
[4] Neste sentido vejam-se: Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora Limitada 1979, da autoria de Manuel A. Domingues de Andrade, com a colaboração do Prof. Antunes Varela, nova edição revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves, página 211, alínea f); Manual de Processo Civil, 2ª Edição revista e actualizada, Coimbra Editora Limitada 1985, da autoria de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, páginas 441 e 442, alínea a).
[5] Nos processos administrativos de licenciamento de obras é frequente a existência de variadas informações prestadas por diversas entidades à autoridade administrativa que dirige o procedimento, sendo essas informações existentes nesses procedimentos documentos que por via da requisição documental podem ser obtidos.