Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6108/19.1T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: PRAZO PARA DEDUZIR OPOSIÇÃO
AGENTE DE EXECUÇÃO
ERROS E OMISSÕES
Nº do Documento: RP202004236108/19.1T8VNG.P1
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Segundo o prescrito no artigo 157.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.
II - Por isso, se a irregularidade consistir em ter sido indicado para a defesa um prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares (cf. art.º191º, nº3 do CPC).
III - As funções de Agente de Execução são equiparadas pela lei, às secretarias judiciais, tal como decorre do disposto nos artigos 231º, 719º,720º e 722º, todos do Código de Processo Civil e resulta do D.L. nº38/03 de 8 de Março.
IV - Assim a supra citada norma do artigo 191.º, n.º3, do Código de Processo Civil deve valer também para a notificação efectuada por Agente de Execução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº6108/19.1T8VNG.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia

Relator: Carlos Portela (1003)
Adjuntos: Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório:
B…, residente na Rua …, n.º .., …, …. - … Porto veio instaurar a presente providência cautelar especificada de restituição provisória de posse contra C…, residente na Rua …, N.º .., …. - … Vila Nova de Gaia, pedindo que a mesma seja decretada, sem audiência prévia do requerido e ordenada a imediata restituição provisória à requerente, da posse da fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente a um armazém, sito na Rua …, n.º …, …. - …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 10147/20190125 com todas as demais e legais consequências.
Mais pediu que fosse deferida a inversão do contencioso, nos termos do disposto no artigo 369.º do C.P.C.
Os autos prosseguiram os seus termos acabando por ser proferida decisão que decretou a providência da restituição provisória de posse e, consequentemente, ordenou a restituição provisória à requerente da posse do imóvel identificado no artigo 1º, do requerimento inicial: a fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente a um armazém, sito na Rua …, n.º …, …. - …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 10147/20190125.
Mais se decidiu que, tendo em conta o disposto no artigo 369º, do Código de Processo Civil, fosse deferida a inversão do contencioso.
Por fim, ordenou-se a notificação do requerido para os efeitos dos artigos do n.º 6 do artigo 366º e a parte final do n.º 2 do artigo 369º, do Código de Processo Civil e nos termos do previsto no artigo 372º e artigo 370º, do Código de Processo Civil.
O requerido C… veio deduzir oposição, concluindo a pedir que a providência cautelar fosse indeferida por não estrem verificados os pressupostos legais para o seu decretamento.
A requerente B… veio exercer o seu direito ao contraditório, alegando, entre o mais, a intempestividade da apresentação da oposição e pedindo a final, a sua absolvição da instância.
Foi então proferido o seguinte despacho:
Conforme vem suscitada em dúvida com a referência 408022672, resulta dos autos que a restituição provisória da posse e consequente notificação do requerido foi concretizada em 17/09/2017, como resulta do expediente com a referência 23583440 de 18/09/2019.
Nos termos do previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 372º, do Código de Processo Civil, o prazo para o requerido deduzir oposição é de 10 dias que, em concreto nos autos, terminaram em 27/09/2019, sendo ainda possível a prática do acto, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 139º, do Código de Processo Civil, até ao dia 02/10/2019.
A oposição foi apresentada em juízo no dia 07.10.2019.
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Por isso, como bem argui a requerente, é extemporânea a oposição deduzida que, por isso, não se admite e determina-se, em consequência, o seu desentranhamento.
Pelo incidente a que deu origem, condeno o requerido em 2 Uc´s, nos termos do n.º 8 do artigo 7º, do RCP.
Notifique.”.
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Inconformado com esta decisão dela veio interpor recurso o Requerido, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos, as suas alegações.
A Requerente contra alegou.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo requerido/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas conclusões:
A. Considerou o Tribunal “a quo” que o ora recorrente apresentou a sua oposição intempestivamente, dado ter ocorrido a citação deste por contacto pessoal por Agente de Execução, a 17 de Setembro de 2019, tendo o mesmo apresentado a sua oposição a 07 de Outubro de 2019, sendo que dispunha, pelo alegado pela requerente, de 10 dias para deduzir oposição, nos termos do artigo 372.º, n.º1, alínea b) do Código de Processo Civil, sendo que seria ainda possível a prática do ato, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 139.º, do Código de Processo Civil, até ao dia 02/10/2019.
B. O recorrente foi citado através de contacto pessoal por Agente de Execução, a 17 de Setembro de 2019, sendo-lhe concedido o prazo de 20 dias para apresentação de oposição.
C. Assim, o despacho referido viola as normas dos artigos 191.º, n.º 3; 157.º, n.º 6; 231.º, 719.º, 720.º e 722.º, todos do Código de Processo Civil e o Decreto-Lei n.º 38/03 de 8 de Março.
D. Isto porque, nos presentes autos, não será de se socorrer do regime consagrado pela utilização conjugada dos artigos 293.º n.º 2, 365.º n.º 3, 366. n.º 6 e 372.º nº1, todos do Código de Processo Civil para a contagem do prazo para deduzir oposição.
E. Isto porque, termos do artigo 191.º, n.º3, do Código de Processo Civil “Se a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares.”
F. Resultando facilmente da leitura da citação e da consulta dos autos que na citação pessoal feita foi indicado prazo de defesa superior ao que a lei concede, sendo que a requerente não efectuou nova citação em termos regulares.
G. Ao que se acrescenta, para leitura conjugada, que resulta do artigo 157º, nº6, do Código de Processo Civil que “6 - Os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.”.
H. Realçando-se que as funções de Agente de Execução são equiparadas pela lei, para o efeito em crise, às secretarias judiciais, tal como decorre pelo estudo do artigo 231º, 719º,720º e 722º, todos do Código de Processo Civil, em consonância com o restante ordenamento jurídico.
I. Concluindo-se assim que a norma do artigo 191.º, n.º3, do Código de Processo Civil vale para a notificação efectuada por Agente de Execução, sendo de aplicar igualmente o princípio inserido no artigo 157º, nº6, do Código de Processo Civil, resultando da própria letra da lei estarmos perante um dos casos previstos no referido artigo 191º, nº3, do Código de Processo Civil, indicação de um prazo para defesa superior ao que a lei concede.
J. Salientando-se que resulta do Decreto-Lei n. º 38/03 de 8 de Março, designadamente para efeito da citação, as funções dos Agentes de Execução são equiparadas por lei às das secretarias judiciais.
K. Solução diferente levaria a que as partes não confiassem nos serviços judiciais, assim se desvirtuando o papel que cada agente judiciário tem no processo, idóneo para produzir o resultado que a todos interessa - cooperar com boa-fé numa sã administração da justiça.
L. Assim, foi o requerido citado por contacto pessoal por Agente de Execução, a 17 de Setembro de 2019, tendo o mesmo apresentado a sua oposição a 07 de Outubro de 2019, dentro do prazo de 20 dias indicado para a apresentação de dias, sendo assim a mesma tempestiva.
M. Por tudo o exposto, impõe-se, por isso, a revogação do despacho que decidiu pelo desentranhamento da oposição apresentada pelo recorrente, substituindo-o por outro que admita a sua apresentação, por tempestiva.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido que recusou a oposição apresentada por extemporânea, substituindo-a por outra que admita tal oposição, seguindo-se os ulteriores termos processuais.
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Por seu turno, a requerente/apelada conclui as suas contra alegações, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.
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Perante o antes exposto, resulta claro ser a seguinte a questão suscitada no presente recurso:
A da tempestividade da oposição deduzida pelo requerido/apelante C….
O circunstancialismo processual a ter em conta é aquele que já antes deixamos melhor descrito em I.
Como todos já vimos, o Tribunal “a quo”, no despacho recorrido, considerou que o requerido ora apelante apresentou a sua oposição intempestivamente, sendo as razões para tal entendimento os que constam suficientemente do despacho recorrido.
Não tem no entanto razão neste seu entendimento.
E as razões em que sustentamos esta nossa opinião são as seguintes:
Não se discute que a notificação pessoal do requerido/apelante, realizada através de Agente de Execução ocorreu no dia 17.09.2017.
Também não se questiona que o requerimento de oposição que o mesmo deduziu foi apresentado em juízo a 07.10.2019.
Sabe-se igualmente que segundo o disposto na alínea b) do nº1 do artigo 372º do CPC, o prazo para nestes casos o requerido deduzir oposição à providência é de 10 dias.
E a ser assim, deveria, em princípio considerar-se que o nos autos, tal prazo terminaria em 27.09.2019, podendo ainda o acto ser praticado até ao dia 02.10.2019 (cf. º nº5 do art.º139º do CPC).
Perante tais dados e sem mais elementos, teria em princípio razão o Tribunal “a quo”, quando considerou extemporânea a oposição deduzida.
Só que no caso há um elemento que por si só, altera tal raciocínio e leva a uma conclusão diametralmente diversa.
Assim, do documento junto a fls.65 e datado de 17.09.2019, o que foi feito constar foi o seguinte:
“Fica V.Exª pela presente notificado nos termos do artigo 366º, nº6:
Quando o requerido não for ouvido e a providência vier a ser decretada, só após a sua realização é notificado da decisão que a ordenou, aplicando-se à notificação o preceituado quanto à citação.”
Prazo: 20 dias.” (sublinhado nosso)
Perante tal circunstancialismo o que se nos apraz dizer é o seguinte:
Vale aqui o disposto no nº3 do art.º 191.º do Código de Processo Civil, o qual e sob a epígrafe “nulidade da citação”, dispõe do seguinte modo:
“Se a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares.”
Já vimos que, no caso, na citação pessoal feita foi indicado prazo de defesa superior ao que a lei concede, sendo também certo que a requerente não efectuou nova citação em termos regulares.
Por outro lado, também valem as regras prescritas no artigo 157.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, segundo o qual, “Os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.”.
Para além disso, resulta para nós evidente que as funções de Agente de Execução, devem ser no caso, equiparadas às das secretarias judiciais, tal como decorre entre o mais, do previsto nos artigos 231.º, 719.º, 720.º e 722.º, todos do Código de Processo Civil.
Mais, para efeitos de citação, as funções dos agentes de Execução são equiparadas por lei às das secretarias judiciais (cf. o D.L. nº38/03 de 8 de Março).
A ser assim e perante o exposto, a conclusão necessária a tirar no caso é a seguinte:
Deve ter-se por tempestiva a oposição deduzida nos autos pelo requerido/apelante a 07.10.2019.
E a ser deste modo e acolhendo os seus argumentos recursivos, impõe-se revogar o despacho que decidiu não admitir a oposição deduzida e ordenar o seu desentranhamento dos autos.
Cabe, pois, determinar que o mesmo seja substituído por outro que o considere tempestivo e que caso nada mais obste a tal procedimento, faça prosseguir os autos nos termos e para os efeitos do disposto no art.º367º, nº1 do CPC.
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Sumário (cf. art.º663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso de apelação e, em consequência, determina-se que o mesmo seja substituído por outro que julgando a oposição tempestiva, faça prosseguir a mesma nos termos e para os efeitos sobreditos.
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Custas pela parte vencida a final (cf. art.º527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 23 de Abril de 2020
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos