Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
70838/14.3YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: EMPREITADA RELATIVA À ORGANIZAÇÃO DE ACÇÕES OU DE PRODUTOS
DISTRIBUIÇÃO PÚBLICA EM CAMPANHA ELEITORAL
NECESSIDADE DE FORMA ESCRITA
MANDATO COM REPRESENTAÇÃO
Nº do Documento: RP2016112270838/14.3YIPRT.P1
Data do Acordão: 11/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 741, FLS.226-232)
Área Temática: .
Sumário: I – Se os candidatos autárquicos do Réu receberam poderes para actuar em nome deste, no que respeita ao conjunto de acções/empreendimentos ou meras encomendas de produtos, relativos às diversas campanhas eleitorais autárquicas, por terem maior noção do terreno, e um relacionamento mais directo com os prestadores de serviços, constituíram-se como mandatários com representação do Réu, como tal actuando.
II – O mandato com representação produz assim plenos efeitos na esfera jurídica do Réu na presente acção, nos termos dos artºs 1157º e 1178º nºs 1 e 2 CCiv, se, por aplicação do disposto no artº 236º nº1 CCiv (não tendo sido possível apurar a vontade real do declarante partido político, designadamente não tendo sido estabelecido um tecto para as despesas da campanha, em face dos mandatários candidatos), for de concluir que o declaratário normal não poderia deixar de figurar encontrar-se mandatado para a requisição de serviços e acções de campanha até ao termo desta que concorressem ao bom resultado eleitoral esperado pelo partido político Réu.
III - A procuração deve revestir a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar – artº 262º nº2 CCiv.
IV – A empreitada relativa à organização de acções ou de produtos para distribuição pública em campanha eleitoral não tem forma legal tarifada, pelo que apenas exige o mero consenso das partes – artºs 219º e 220º CCiv.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec. 70838/14.3YIPRT.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão de 1ª instância de 21/4/2016.
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com processo declarativo comum nº70838/14.3YIPRT, da Instância Central da Comarca do Porto (Vª Nª de Gaia).
Autora – B…, Ldª.
Réu – Partido C….
Pedido
Que o Réu seja condenado a pagar à Autora o capital de €93.254,91, acrescido de um total de juros de €10.911,21, num capital acumulado de 104.166,12€.
Pedido Reconvencional
Que a Autora seja condenada a pagar ao Réu o valor de €7.289,94, acrescido dos juros moratórios vencidos e vincendos, desde a data da notificação da contestação, até integral pagamento.
Tese da Autora
No âmbito da respectiva actividade, celebrou com o Réu um contrato de prestação de serviços de marketing político e impressão de materiais, para as eleições autárquicas de 2013, traduzido nas facturas FT 168/2013B, 191/2013B, FT 212/2013B a FT 217/2013B (sequência numérica) e FT 219/2013B e FT 220/2013B no valor de 96.932,94 €, o qual
Tese do Réu
Invocou pagamento das facturas que foram apresentadas aos respectivos órgãos representativos, desconhecendo o teor de quaisquer outras.
Do pagamento das facturas que reconhece, resulta um saldo que lhe é favorável, por força de pagamentos “a mais”, no montante de €7.289,94.
Sentença Recorrida:
O Mmº Juiz “a quo”, conhecendo de mérito, e no dispositivo da sentença recorrida, julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condenou o Réu no pagamento à Autora, do montante de €101.756,09, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento.
Conclusões do Recurso de Apelação do Réu:
A. O M. Juiz “a quo” considera que estamos perante um contrato de empreitada.
B. Nos termos do disposto no artigo 1207º do C.C., o contrato de empreitada como sendo “…o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.
C. Da noção legal do contrato de empreitada resultam dois pressupostos fundamentais e cumulativos, a realização de uma obra e o pagamento de um preço.
D. Sendo o contrato de empreitada um contrato típico, uma vez que a lei lhe estabelece um regime jurídico específico, nos artigos 1207º e ss. do CC e é um contrato nominado, pois é uma categoria (contratual) legalmente prevista.
E. O contrato de empreitada é um contrato que é fonte de obrigações: a obrigação de realizar certa obra e a obrigação de pagar o respectivo preço, contudo, a empreitada pode, também, ser um contrato real quoad effectum.
F. É ainda um contrato oneroso na medida em que comporta sacrifícios económicos para ambas as partes (o dono da obra paga o preço e o empreiteiro despende trabalho e, eventualmente, materiais fornecidos).
G. A empreitada é, em princípio, um contrato comutativo, visto que as prestações tanto do empreiteiro como do dono da obra são certas e determinadas quanto à existência e conteúdo.
H. O tribunal "a quo" faz uma total integração do contrato estabelecido entre o recorrido e o aqui apelante na figura jurídica do «contrato de empreitada», chegando ao ponto de chamar ao recorrido de «...dono da obra...», para além de se referir ao ora recorrente como «… ter o R. contratado com a A. a realização de "obra"...».
I. Ora, não restam dúvidas que estamos a falar de um «contrato de empreitada».
J. Isto significa que para o tribunal "a quo", o conceito de obra previsto na empreitada é amplo e abarca as obras incorpóreas ou intelectuais, coadunando-se com o sentido corrente do termo, tal como é aceite em ordenamentos jurídicos estrangeiros.
K. E, como a palavra “obra” utilizado no artigo 1207º do Código Civil não distingue entre obra material e obra de engenho ou intelectual, não existe razão para que alguma distinção seja feita pelo intérprete.
L. E, estamos de acordo, logo admitimos que a totalidade do ordenamento jurídico que regulamenta o contrato de empreitada é direitamente aplicável ao litígio que levaram a que o apelante e o recorrido recorressem aos tribunais para dirimir o conflito que opõe ambas as partes.
M. Existe legislação avulsa que regula certos aspetos do regime do contrato de empreitada, como é o caso do Decreto-Lei nº 12/2004 de 09 de janeiro, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 18/2008 de 29 de janeiro.
N. O nº 1 do artigo 29º deste diploma estabelece a obrigatoriedade da forma escrita para os contratos de empreitada cujo valor seja superior a €16.600,00, fulminando com «nulidade» o não cumprimento da forma escrita.
O. Este regime prevalece, pois, sobre o regime do Código Civil, como o reconhece expressamente, o artigo 30.º supratranscrito.
P. Ou seja, como estamos perante um contrato de empreitada celebrado entre o apelante e a sociedade aqui recorrida e o valor do contrato é superior a €16.600,00 (dezasseis mil e seiscentos euros), e sendo que este contrato não respeitou a forma, porque nunca foi reduzido a escrito nos termos legais, o mesmo é nulo por falta de forma.
Q. Nulidade que desde já fica aqui invocada com os devidos e legais efeitos, não esquecendo as consequências de tal invocada nulidade.
R. Sendo esta nulidade de conhecimento oficioso nos termos do artigo 286º do C.C., até porque foi o tribunal "a quo" que veio considerar (oficiosamente) o contrato entre o ora recorrente e a recorrida, como um contrato de empreitada.
S. Estamos perante uma decisão surpresa proferida em sede de sentença, sendo de todo impossível que a questão da nulidade nos temos expostos supra fosse – de alguma forma - suscitada durante a lide, razão pela qual também nunca a questão da nulidade tenha sido suscitada – anteriormente - pelo ora recorrente.
T. Assim, a questão da nulidade apenas pode ser invocada em sede de recurso, dado que enquadramento do contrato de empreitada foi vertido na sentença final (sob recurso), estava o tribunal "a quo" obrigado a pronunciar-se sobre esta questão de direito.
U. Não tendo o tribunal abordado esta questão, violou o Mmo. Juiz "a quo" o disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, sendo esta uma causa de nulidade da sentença.
V. O ora recorrente é um dos mais importantes partidos nacionais, sendo fácil de deduzir que tem uma máquina administrativa complexa, pelo que muitos atos e contratos praticados por pessoas necessariamente relacionadas ao partido, como é o caso dos respetivos candidatos a presidentes de Câmaras Municipais (como aconteceu in casu) passam perfeitamente despercebidos aos respetivos órgãos representativos.
W. Atos e contratos que não podem ser imputados automaticamente ao partido político como pessoa coletiva, sob pena de assistirmos a que todo e qualquer militante do C… possa - validamente - vincular e amarrar contratualmente o aqui recorrente a contratos que nunca celebrou e, ou a condições que desconhece, e que nunca quis.
X. A prova produzida foi manifestamente insuficiente, na medida em que o tribunal “a quo” estriba a decisão condenatória apenas com base em declarações das testemunhas do Autor, fazendo tábua rasa do facto de não existir prova documental que comprove a empreitada invocada na PI.
Y. O Partido C… é um partido político e, como tal, é uma pessoa coletiva dotada de personalidade jurídica, sendo a sua vontade expressa pelos respetivos órgãos partidários, tal como resulta do disposto nos artigos 3.º e 24.º, da Lei dos Partidos Políticos.
Z. De acordo com os Estatutos do Partido C…, o Partido organiza-se a nível local, distrital, regional e nacional. A estrutura do Partido a nível local assenta nas secções de residência e nas concelhias.
AA. No caso concreto não se apurou que os serviços - alegadamente - prestados pela sociedade autora tivessem sido solicitados por qualquer órgão partidário do C… resultando antes que tal prática é, quanto muito, imputável a um candidato a Presidente da Câmara Municipal, proposto, é certo, pelo C…, mas que em momento algum, ou sobre qualquer circunstância pode vincular o C… a um contrato de empreitada.
BB. O M. Juiz “a quo” não fez uma correta interpretação da matéria factual.
CC. Autora e o Réu estabeleceram relações comerciais no ano de 2013, no âmbito da sua atividade normal e corrente do ora Réu C… e no âmbito da campanha eleitoral – C…-Autárquicas 2013.
DD. O Réu liquidou todas as faturas que conhecia, correspondentes aos serviços de empreitada prestados pela Autora, sendo as únicas que integraram as contas de campanha apresentadas e subscritas pelo respetivo Mandatário Financeiro Local.
EE. Por imposição legal, o ora Réu efetuou o pagamento das faturas, melhor identificadas nos factos provados al.e), f), g), h) e i), fls.5 e 6 da douta sentença.
FF. O ora Réu Partido C… desconhece todas as outras faturas identificadas nos presentes autos, uma vez que os serviços nunca lhe foram prestados.
GG. No âmbito das eleições autárquicas foi nomeado um mandatário nacional para as eleições autárquicas de 2013, e este mandatário nacional, por sua vez, substabeleceu nos mandatários financeiros concelhios os poderes que lhe foram conferidos.
HH. No caso da campanha autárquica de …, foi nomeado Mandatário Financeiro Local o Dr. D….
II. O Mandatário Financeiro local, é o representante local do C… que cabe definir e entregar o orçamento de campanha eleitoral, contratar os serviços necessários para o correto desenvolvimento da campanha eleitoral autárquica, o qual é responsável pela contratação de bens e/ou serviços no âmbito da campanha eleitoral e, no final, prestar as devidas contas de campanha.
JJ. A ora Autora tem conhecimento de todos estes procedimentos, pois o legal representante da Autora, à data dos factos, era ele próprio membro da Comissão Nacional do C… (órgão do Partido C…).
KK. E sendo o legal representante da Autora está familiarizados com todos os procedimentos internos do C… quanto à contratação e aquisição de bens e serviços, devendo compreender as limitações e consignações que sobre esse processo impendem.
LL. A sociedade recorrida sabe e tem conhecimento pelas razões supra, que o Mandatário financeiro local não pode celebrar contratos por telefone, existindo regras concretas quanto a esta temática – preenchimento de notas de encomenda, autorização para celebrar contrato, prévio cabimento orçamental, entre outras.
MM. Com efeito, não nos parece que o tráfico comercial se coadune com esta prática, mesmo em casos sui generis, como este, em que um fornecedor de serviços integra, ele mesmo, a própria estrutura diretiva da entidade supostamente adquirente, confundindo lealdades e prejudicando obrigações.
NN. Assim e face ao depoimento do Mandatário Financeiro local de …, D…, impunha-se uma decisão diversa da proferida pela 1.ª instância, pois conforme ficou comprovado o Sr. Mandatário Financeiro local D…, não encomendou os serviços constantes das faturas dos autos.
OO. Logo, não pode o Tribunal “a quo”, atender como válidas aquelas faturas, pois tal tornaria impossível qualquer gestão prudente e parcimoniosa de uma campanha eleitoral.
PP. O que, transformaria o Partido C…, ou qualquer outro Partido colocado na mesma posição, num mero caixa de responsabilidades financeiras determinadas por outrem, concertado ou não com as empresas fornecedoras e seus representantes.
QQ. O M. Juiz “a quo”, deu a matéria dos presentes como provada com fundamento nos depoimentos, prestados pelas testemunhas arroladas pela Autora/Recorrida, e desde já cumpre fazer um reparo à fundamentação do M. Juiz “a quo”, uma vez que, estas testemunhas, são prestadores de serviços na empresa Autora, únicas pessoas que poderiam ser prejudicadas por prestarem depoimento contrário.
RR. Até porque do depoimento destas testemunhas não resulta evidenciado que o C… tenha encomendado os serviços suportados pelas faturas identificadas nos pontos 2 a 15 dos factos provados (da sentença), sendo que estas testemunhas apenas fizeram referência aos «.. materiais e utensílios necessários à execução da obra...» (artigo 1210º doCC), sendo que em momento algum o seu testemunho tenha feito qualquer referência a «… alterações ao plano convencionado…» (artigo 1214º do CC), sendo certo que é isso que se discutiu durante o processo em primeira instância: a alteração da obra sem o consentimento do dono da obra.
SS. Logo, o depoimento das testemunhas arroladas pela Recorrida não deve ser valorizado, nem atendido no que respeita à produção da prova nestes autos.
TT. Ficou demonstrado atentas as transcrições do depoimento da testemunha: D… é que os órgãos que vinculam validamente o C… não encomendaram, não solicitaram os serviços, nem os objetos produzidos pela recorrida.
UU. Assim, e com base na prova produzida o tribunal estava obrigado a incluir as faturas identificadas nos pontos 2 a 15 dos factos provados nos factos não provados, uma vez que o C… desconhece, ainda hoje, depois do julgamento quem encomendou aqueles serviços e a produção dos objetos.
VV. O M. Juiz “a quo” ao julgar como julgou, violou o disposto artigo 29º e 30º do Decreto-Lei nº 12/2004 de 09 de janeiro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 18/2008 de 29 de janeiro, artigo 286º do C.C, a alínea d) do nº 1 do artigo 615º, alínea a) do n.º 2 do artigo 639º, e artigo 640º todos do CPC.

Por contra-alegações, a Autora veio sustentar a confirmação do julgamento de mérito da sentença recorrida.
Factos Provados
(a) A Requerente, na prossecução da sua actividade comercial, forneceu ao Requerido os seus serviços de comunicação, marketing político e impressão de materiais, designadamente para as eleições autárquicas de 2013 nos municípios de …, …, … e …, tendo procedido à emissão das seguintes facturas:
1) Factura …/….. emitida em 13-09-2013 no valor de 3.621,12€ + juros entre 13-10-2013 e 20-05-2014 (59,53€ (80 dias a 7,50%) + 100,70€ (140 dias a 7,25%))
2) Factura …/…… emitida em 28-09-2013 no valor de 2.933,93€ + juros entre 31 -10-2013 e 20-05-2014 (37,38€ (62 dias a 7,50%) + 81,59€ (140 dias a 7,25%))
3) Factura …/….. emitida em 27-09-2013 no valor de 5.043,00€ + juros entre 27 -09-2013 e 20-05-2014 (99,48€ (96 dias a 7,50%) + 140,24€ (140 dias a 7,25%))
4) Factura …/….. emitida em 27-09-2013 no valor de 27.416,70€ + juros entre 27-09-2013 e 20-05-2014 (540,82€ (96 dias a 7,50%) + 762,41€ (140 dias a 7,25%))
5) Factura ./….. emitida em 27-02-2013 no valor de 17.377,44€ + juros entre 27-02-2013 e 20-05-2014 (457,53€ (124 dias a 7,75%) + 657,01€ (184 dias a 7,50%) + 483,24€ (140 dias a 7,25%))
6) Factura ../…… emitida em 20-03-2013 no valor de 1.537,50€ + juros entre 20 -03-2013 e 20-05-2014 (33,62€ (103 dias a 7,75%) + 58,13€ (184 dias a 7,50%) + 42,76€ (140 dias a 7,25%))
7) Factura …/ emitida em 27-09-2013 no valor de 6.241,25€ + juros entre 27 -10-2013 e 20-05-2014 (87,57€ (66 dias a 7,50%) + 179,57€ (140 dias a 7,25%))
8) Factura …/….. emitida em 27-09-2013 no valor de 9.284,04€ + juros entre 27 -10-2013 e 20-05-2014 (125,91€ (66 dias a 7,50%) + 258,17€ (140 dias a 7,25%))
9) Factura …/…. emitida em 27-09-2013 no valor de 12.691,14€ + juros entre 27-10-2013 e 20-05-2014 (172,11€ (66 dias a 7,50%) + 352,92€ (140 dias a 7,25%))
10) Factura …/….. emitida em 27-09-2013 no valor de 2.152,50€ + juros entre 27-10-2013 e 20-05-2014 (29,19€ (66 dias a 7,50%) + 59,86€ (140 dias a 7,25%))
11) Factura …/….. emitida em 27-09-2013 no valor de 9.610,92€ + juros entre 27-10-2013 e 20-05-2014 (130,34€ (66 dias a 7,50%) + 267,26€ (140 dias a 7,25%))
12) Factura …/….. emitida em 27-09-2013 no valor de27.416,70€ + juros entre 27-09-2013 e 20-05-2014 (540,82€ (96 dias a 7,50%) + 762,41€ (140 dias a 7,25%))
13) Factura …/….. emitida em 27-09-2013 no valor de 18.097,76 € + juros entre 27-10-2013 e 20-05-2014 (245,44€ (66 dias a 7,50%) + 503,27€ (140 dias a 7,25%))
14) Factura …/….. emitida em 27-09-2013 no valor de 3.813,00€ + juros entre 27-10-2013 e 20-05-2014 (51,71€ (66 dias a 7,50%) + 106,03€ (140 dias a 7,25%))
15) Factura …/….. emitida em 27-09-2013 no valor de 19.861,06€ + juros entre 27-10-2013 e 20-05-2014 (269,35€ (66 dias a 7,50%) + 552,30 € (140 dias a 7,25%)).
(b) Data do contrato: 01-02-2013.
(c) Período a que se refere: 01-02-2013 a 30-10-2013
(d) Alcançadas as respectivas datas de vencimento, a 30 dias tais facturas não foram pagas pelo Requerido.
(e) A FT …/…. de 13/09/2013 no valor de €3.621,12 – emitida a favor de C… Autárquicas 2013 … – esta fatura foi paga à Autoridade Tributária na sequência do pedido supra, por a mesma se encontrar em dívida.
(f) A FT …/….. de 27/09/2013 no valor de €27.416,70 – emitida a favor de C…-Autárquicas 2013 … - da mesma forma, foi paga à Autoridade Tributária.
(g) A FT …/…. de 27/09/2013 no valor de €18.097,76 – C… Autárquicas 2013 …- da mesma forma, foi paga à Autoridade Tributária.
(h) A FT ./….. de 27/02/2013 no valor de €17.377,44 – C… Autárquicas 2013 …- da mesma forma, foi paga à Autoridade Tributária.
(i) A FT ../….. de 20/03/2013 no valor de €1.537,50 – C… Autárquicas 2013 …- da mesma forma, foi paga à Autoridade Tributária.
(j) O ora Réu ainda efetuou o pagamento “a mais”, referente ao C… de … do valor de €507,35, a Autora emitiu diversas faturas, existindo um saldo devedor de €19.492,65 e o ora Réu C… efetuou o pagamento do valor de €20.000,00.
Factos Não Provados
a) A FT …/….. de 27/09/2013 no valor de €5.043,00 – emitida a favor do C…-Autárquicas 2013 … - uma vez que nunca existiu qualquer nota de encomenda relativa aos serviços descriminados na mesma, nem nunca tal fatura foi recebida pelo Partido C….
b) As Faturas infra identificadas e emitidas a favor de C… - Autárquicas 2013 … - uma vez que nunca existiu qualquer nota de encomenda relativa aos serviços descriminados nas mesmas, nem nunca foram recepcionadas pelo Partido C…, a saber: a) FT …/….. de 27/09/2013 no valor de €6.457,50 b) FT …/….. de27/09/2013 no valor de €9.284,04 c) FT …/…. de 27/09/2013 no valor de €12.691,14 d) FT …/….. de 27/09/2013 no valor de €2.152,50 e) FT …/…. de 27/09/2013 no valor de €9.610,92 f) FT …/….. de 27/09/2013 no valor de €30.128,85 g) FT …/….. de 27/09/2013 no valor de €3.813,00 h) FT …/….. de 27/09/2013 no valor de €19.861,06.
c) A FT …/….. de 28/09/2013 no valor de €2.933,93 uma vez que nunca existiu qualquer nota de encomenda relativa aos serviços descriminados na mesma, nem nunca foi rececionada pelo Partido C…, nem mesmo remetida pela Autoridade Tributária.
d) O ora Réu C… efetuou o pagamento de 27 faturas emitidas pela Autora no valor global de €8.386,74, quando na realidade o valor em dívida, e titulado por aquelas 27 faturas, corresponde a €7.265,99.
e) Conforme se verifica pelo extrato de conta corrente que se junta documento de folhas 67 e seguintes e para o qual se remete, referente ao concelho de …, a Autora emitiu diversas faturas, existindo um saldo devedor de €12.410,04, e o ora Réu C… efetuou o pagamento do valor de €12.336,91, logo existe o valor de €73,13 que não foi pago.
f) Verifica-se no extrato de conta corrente que se junta, documento de folhas 70 e seguintes, e para o qual se remete, referente ao concelho de …, a Autora emitiu diversas faturas, existindo um saldo devedor de €4.920,67, e o ora Réu C… efetuou o pagamento do valor de €4.868,54, logo existe o valor de €52,13 que não foi pago.
g) Verifica-se no extrato de conta corrente que se junta, documento de folhas 76 e seguintes, e para o qual se remete, referente ao concelho de …, a Autora emitiu diversas faturas num valor global de €70.535,73, e o ora Réu C… efetuou o pagamento do valor de €67.601,80, logo existe o valor de €2.933,93 que não foi pago.
Fundamentos
As questões substancialmente colocadas pelo presente recurso consistem em conhecer:
- em primeiro lugar, da impugnação da matéria de facto, designadamente saber se os pontos a) 2 a a) 15 dos factos provados deveriam ter sido considerados não provados, entre o mais porque os serviços não foram encomendados à Autora pelo mandatário financeiro local;
- após, saber se o contrato deveria ter sido celebrado por escrito, e não por forma meramente verbal, desrespeito de forma que é causa da nulidade do contrato e da nulidade da sentença, que não declarou a referida nulidade do contrato – artº 615º nº1 al.d) CPCiv.
Vejamos então.
I
Quanto aos factos fixados esclareça-se que foi ouvido na íntegra o suporte áudio CD relativo ao julgamento realizado, para além de consultados os documentos juntos aos autos.
Em causa as facturas 123 (de 13/9/2013), 168, 191, 204, 5 (de 27/2/2013), 12 (de 20/3/2013), 212 a 217 e 218 a 220, emitidas em 27/9/2013, com excepção daquelas a que se fez menção especial da data de emissão.
A contestação ao valor probatório destas facturas passou pela respectiva data, muito próxima do fecho da campanha.
Para além disso, e com o merecido e devido respeito, as testemunhas arroladas pelo Réu limitaram-se a alegar desconhecimento das facturas (apenas uma eventual duplicação de facturas, no caso do director financeiro local, D…) – a directora financeira nacional (E…) invocou que as facturas não tinham o “visto”, a rubrica, do director local; este invocou que as facturas não tinham o seu visto porque foram enviadas directamente para a direcção financeira nacional.
O que importava apreender, porém, era dois tipos de realidades: o primeiro, saber se os trabalhos foram encomendados por quem poderia vincular o demandado; o segundo, saber se tais trabalhos foram efectivamente realizados.
No primeiro caso, ninguém melhor que a testemunha D…, director financeiro local do Réu, pelo seu depoimento isento e razão de ciência, poderia ter explicado melhor a realidade ao tribunal: quem requisitava os trabalhos eram os candidatos; o processo interno no Réu, a partir daí, exigia uma comunicação escrita e uma aprovação de facturas, todavia, reconheceu, a final do respectivo depoimento, que nem sempre tudo lhe foi mandado como “pedido”, houve “coisas que lhe passaram ao lado”, dentro de “alguma anarquia” e de muita pressão junto da Autora para efectuar determinados trabalhos, até “em repetição”.
Reconheceu conteúdos semelhantes, nas facturas reclamadas, aos das facturas anteriormente pagas pelo Réu, mas igualmente admitiu que as facturas em causa no presente recurso tivessem correspondido a trabalhos efectivamente prestados na campanha.
Este “modus operandi” foi também confirmado pela testemunha e candidato autárquico do Réu, F… – os serviços iam-se pedindo pelo telefone, sem necessidade de formalismo escrito ou notas de encomenda; no mesmo sentido, impressivamente, depôs o ex-funcionário da Autora, G…, no sentido de que os pedidos de fornecimento eram feitos na rua (maioritariamente), em acções de campanha das autárquicas de 2013, pelo telefone, ou em reuniões, concluindo – “era pedir e o material tinha que aparecer rapidamente”.
Quanto aos trabalhos representados nessas facturas, depuseram as testemunhas que os realizaram, subcontratadas pela Autora – H… (publicitário, que depôs sobre a publicidade exterior), I… (gráfico, que depôs sobre cartazes, telas, roll-ups, etc.), J… (som, palcos, microfonia e iluminação) e K… (t-shirts).
Estes depoimentos, no que concerne o conteúdo das facturas em causa, confirmou esse dito conteúdo – pelo menos em termos fácticos gerais; acresceu o depoimento já citado de D…, no sentido de que, em boa verdade, o Réu, pelo menos as suas estruturas formais, nunca chegaram a ter conhecimento e domínio verdadeiro dos trabalhos realizados, admitindo, ao invés, que todos os mesmos trabalhos tenham sido efectivamente realizados, em benefício da campanha política e a pedido dos candidatos, pese embora esse não conhecimento formal, por si “registado”.
Tanto basta para que se afirme a prova dos referidos factos impugnados, acrescendo esclarecer que o fazemos com o grau de certeza suficiente para as necessidades práticas da vida, na expressão consagrada do Prof. Antunes Varela e dos Drs. José Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual, 1ª ed., §144.
Improcede desta forma o recurso, na parte relativa à fixação dos factos provados a que se procedeu em 1ª instância.
II
Em matéria de direito, o presente recurso suscita-nos dois tipos de considerandos diferentes, o primeiro, desde logo, quanto à considerada vinculação do Réu, formação partidária, por acordo com os factos instrumentais que fundaram a convicção do julgador.
O que os referidos factos instrumentais demonstram é que os candidatos autárquicos do Réu receberam poderes para actuar em nome deste, no que respeita ao conjunto de acções/empreendimentos ou meras encomendas de produtos, relativos às diversas campanhas eleitorais autárquicas – tinham maior noção do terreno, e um relacionamento mais directo e “íntimo” com os prestadores de serviços, como declarou em tribunal o director financeiro, D….
Desta forma, constituíram-se como mandatários com representação do Réu, como tal actuando.
Não se constituíam como meros núncios ou comissários, apenas encarregado de transmitir uma declaração – não representar na vontade (Profª Ana Prata, Dicionário, 3ª ed., pg. 675), antes actuavam por força dos poderes concedidos pelo Réu para o representar na encomenda dos serviços prestados, designadamente pela Autora.
E assim, nos termos do disposto no artº 1178º nº1 CCiv, ao mandato com representação é aplicável o disposto no artº 258ºss. CCiv, no sentido de que os negócios jurídicos realizados pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produzem os seus efeitos na esfera jurídica deste último.
A contrario sensu, se o representante não proceder dentro dos limites dos seus poderes, os actos por ele praticados não se repercutem na esfera jurídica do representado.
Nos termos do artº 236º nº1 CCiv, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele – como resulta do disposto na parte final do nº1 e no nº2 do normativo, este critério de interpretação aplica-se quando se desconheça a vontade real do declarante e do declaratário e quando o declaratário desconheça a vontade real do declaratário, não tendo sido possível determiná-la.
Trata-se da usualmente designada doutrina da impressão do destinatário, recondutível ao âmbito do princípio da protecção da confiança, impondo ao declarante um ónus de clareza na manifestação do seu pensamento, desde forma se concedendo primazia ao ponto de vista do destinatário da declaração, a partir de quem tal declaração deve ser focada (Prof. Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente, pg.206). Todavia, a lei não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário, significando o entendimento subjectivo deste, mas apenas concede relevância ao sentido que apreenderia o declaratário normal, colocado na posição do real declaratário – a pessoa com capacidade, razoabilidade, conhecimento e diligência medianos (ut Prof. P. Mota Pinto, op. cit., pg.208).
No caso dos autos, não tendo sido possível apurar a vontade real do declarante Partido C…, designadamente, o que teria sido bastante fácil e/ou prudente, não tendo a Direcção Financeira do Réu estabelecido um tecto seja para quantidades a encomendar, seja para as despesas da campanha, em face dos seus mandatários candidatos (que apenas se encontravam obrigados a uma comunicação posterior interna por escrito), o declaratário normal não poderia deixar de figurar encontrar-se mandatado para a requisição de serviços e acções de campanha até ao termo desta (vejam-se as datas da maior parte das facturas em causa nos autos) e também serviços esses e acções que concorressem ao bom resultado eleitoral esperado pelo Partido Político Réu, que aliás, como é facto notório, se consagrou claro vencedor dessas eleições, seja em número de autarquias, de mandatos ou simplesmente de votos.
Dos factos instrumentais aludidos supra em I resultou claramente a aplicação dos trabalhos realizados pela Autora ao serviço da campanha autárquica do Réu, serviços esses requisitados pelos representantes candidatos do Réu. Não se provou que o Partido C… Réu não estivesse na disposição de não aceitar previamente tais serviços ou trabalhos ou que, mesmo em sentido material, tivesse outorgado a cada candidato uma conta específica que não pudesse ser ultrapassada, assim formulando claramente objectivos orçamentais a par de objectivos de vitória política/autárquica.
Não se demonstra assim, por qualquer forma, a existência de uma representação sem poderes ou de abuso de representação – artºs 268º nº1 e 269º CCiv.
Todos os serviços requisitados foram-no assim no âmbito dos poderes de representação que o Réu outorgara aos seus candidatos.
O mandato com representação produziu assim plenos efeitos na esfera jurídica do partido político Réu na presente acção, nos termos dos artºs 1157º e 1178º nºs 1 e 2 CCiv.
III
A segunda questão prende-se com a forma dos negócios em causa, questão também suscitada nas doutas alegações do Recorrente.
Manifestamente, como demos conta, o Réu atribuiu aos seus candidatos poderes representativos para celebrar os negócios em causa nos autos – artº 262º nº1 CCiv.
A procuração deve revestir a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar – artº 262º nº2 CCiv.
Não se provou ou resultou da discussão efectuada no processo qualquer espécie de forma para o negócio de representação, atribuído pelo Réu aos seus candidatos.
As doutas alegações referem a forma escrita, invocando o disposto no D-L nº 12/2004 de 9/1, que estabelece o regime jurídico do ingresso ou permanência na actividade da construção (artº 1º), e que veio, no seu artº 29º, consagrar a forma escrita para os contratos de empreitada e subempreitada de obra de construção civil particular acima do valor de 10% fixado para a classe 1, ou seja, o valor de €140.000, resultante da Portaria nº 17/2004 de 10/1.
Duas notas sobre este ponto:
- desde logo, que o diploma não se aplica ao caso dos autos, que não lida com empreitada de construção civil;
- depois, que o artº 29º nº2 do diploma em causa sempre estabeleceria, como sanção para a falta de forma escrita do contrato, uma nulidade atípica, a arguir pelo dono da obra (cf. Ac.R.G. 21/1/2016 Col.I/255, relatado pela Desembª Isabel Rocha); não tendo arguido tal nulidade em 1ª instância, não caberia ao Réu argui-la em recurso.
É de concluir assim que a empreitada relativa à organização de acções ou de produtos para distribuição pública em campanha eleitoral não tem forma legal tarifada, pelo que apenas exige o mero consenso das partes – artºs 219º e 220º CCiv.
De todo o modo, no caso concreto da decisão recorrida e considerando sobre o mais que o diploma invocado não é aplicável ao contrato dos autos, considerado como “empreitada”, tal como se considerou em 1ª instância, manifestamente não é caso de ponderar a proibição do julgamento em excesso de pronúncia (artº 615º nº1 al.d) CPCiv), pois que a qualificação do contrato equivale ou integra o munus do juiz, isto é, integra a interpretação, indagação e aplicação de regras de direito – artº 5º nº3 CPCiv, e não foram extraídas, no dispositivo da sentença, quaisquer consequências que não tivessem sido previamente discutidas pelas partes no processo, com independência da qualificação do contrato ou contratos dos autos, efectuados fosse pelas partes, fosse pelo tribunal.
Em suma, nada obsta à confirmação da sentença recorrida.
A fundamentação poderá resumir-se por esta forma:
I – Se os candidatos autárquicos do Réu receberam poderes para actuar em nome deste, no que respeita ao conjunto de acções/empreendimentos ou meras encomendas de produtos, relativos às diversas campanhas eleitorais autárquicas, por terem maior noção do terreno, e um relacionamento mais directo com os prestadores de serviços, constituíram-se como mandatários com representação do Réu, como tal actuando.
II – O mandato com representação produz assim plenos efeitos na esfera jurídica do Réu na presente acção, nos termos dos artºs 1157º e 1178º nºs 1 e 2 CCiv, se, por aplicação do disposto no artº 236º nº1 CCiv (não tendo sido possível apurar a vontade real do declarante partido político, designadamente não tendo sido estabelecido um tecto para as despesas da campanha, em face dos mandatários candidatos), for de concluir que o declaratário normal não poderia deixar de figurar encontrar-se mandatado para a requisição de serviços e acções de campanha até ao termo desta que concorressem ao bom resultado eleitoral esperado pelo partido político Réu.
III - A procuração deve revestir a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar – artº 262º nº2 CCiv.
IV – A empreitada relativa à organização de acções ou de produtos para distribuição pública em campanha eleitoral não tem forma legal tarifada, pelo que apenas exige o mero consenso das partes – artºs 219º e 220º CCiv.
Dispositivo (artº 202º nº1 CRP):
Julga-se improcedente, por provado, o interposto recurso de apelação, e, em consequência, confirma-se integralmente a douta sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.

Porto, 22/XI/2016
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença