Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
445/18.0T8ILH.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: VALOR DA CAUSA
CONTRADITA
PRIVAÇÃO DO USO DE VIATURA AUTOMÓVEL
Nº do Documento: RP20200309445/18.0T8ILH.P1
Data do Acordão: 03/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do disposto no artigo 644º nº 1 al. a) do CPC cabe recurso de apelação da decisão proferida em 1ª instância que ponha termo a “(…) incidente processado autonomamente”.
Entre estes incidentes, inclui-se o incidente do valor da causa, processado nos termos dos artigos 296º a 310º do CPC e como tal processado autonomamente, mesmo que no âmbito do próprio processo.
II - Tendo sobre o incidente suscitado sido proferida decisão final, incumbia à parte interpor recurso no prazo de 30 dias após notificação da decisão, por força do disposto nos artigos 638º nº 1 e 644º nº 1 al. a) do CPC.
III- A nulidade da sentença a que se reporta o artigo 615º nº 1 al. d) do CPC – respeitante à omissão ou excesso de pronúncia – respeita ao não conhecimento de todas as questões/ ou ao conhecimento para lá de todas as questões que são submetidas à apreciação pelo tribunal. Ou seja de todos os pedidos, causas de pedir ou exceções cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo conhecimento de outra(s) questão(ões). Não se confundindo questões com argumentos ou razões invocadas pelas partes em sustentação das suas pretensões.
IV - O objeto processual é conformado pelo pedido e causa de pedir delineados na petição inicial pelo autor.
Sendo o objeto da ação o limite da condenação.
V - A junção de documentos – para prova dos fundamentos da ação ou da defesa - em sede de recurso, com as alegações só é permitida:
- quando tal apresentação não tenha sido possível até à apresentação do recurso;
ou
- quando a sua junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
VI- O meio próprio para abalar a credibilidade do depoimento de testemunha, oferecendo para tanto prova documental, é o recurso à “Contradita” regulado nos artigos 521º e segs. do CPC.
VII - Visando os documentos oferecidos com as alegações abalar a credibilidade do depoimento de testemunha ou fazer prova ou contra prova de factualidade alegada nos articulados anterior à decisão proferida, é em sede de recurso inadmissível a sua junção.
VIII - Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair; bem como e no caso de prova gravada, da indicação das passagens da gravação em que se funda o recurso, sob pena de rejeição da reapreciação desta prova gravada.
IX - Na reapreciação da matéria de facto o tribunal da Relação, fazendo uso dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, deve alterar o decidido pelo tribunal a quo quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão, fundada então em erro de julgamento.
X - A privação do uso de veículo automóvel constitui um dano autónomo indemnizável, desde que o lesado alegue e prove que para além da impossibilidade de utilizar o bem, tal privação gerou perda das utilidades pelo mesmo proporcionadas.
XI - O período em que o lesado fruiu das utilidades de um veículo alugado é de excluir do dano indemnizável referido em IX.
XII - O montante a colocar à disposição do lesado pela empresa de seguros nos termos e para efeitos do disposto no artigo 42º nº 2 do DL 291/2007 tem de ser o correspondente ao valor da indemnização devida.
XIII - Incumbindo ao autor alegar e provar os danos por si suportados em consequência do evento danoso, recai sobre o mesmo o ónus de alegar e provar que o valor disponibilizado pela seguradora para os fins referidos em XI foi insuficiente e assim que o dano correspondente à privação do uso do seu veículo se prolongou para além de tal momento.
XIV - Na fixação do quantum indemnizatório por danos não patrimoniais e tal como decorre do disposto no artigo 496º nº 4 do CC, há que recorrer a critérios de equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 445/18.0T8ILH.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta - Juiza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta – Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso
- T J Comarca de Aveiro –
Jz. Compet. Gen. de Ílhavo
Apelante/ B…
Apelada/ C… Companhia de Seguros, S.A.”
Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I- Relatório
B… instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “C… Companhia de Seguros, S.A.”, peticionando pela procedência da ação a condenação da R. ao pagamento de:
“a) 25.976,34€ (vinte e cinco mil novecentos e setenta e seis euro e trinta e quatro cêntimos) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.
b) Juros desde a citação e até efectivo e integral pagamento.”
Alegou para tanto ter ocorrido um acidente de viação no qual foram intervenientes dois veículos. Um primeiro de matrícula LU ……. e o segundo de matrícula .. – MH - ... Acidente do qual resultou danos em dois veículos estacionados, incluindo o veículo de sua propriedade e de matrícula .. - .. - TH.
Acidente este cuja dinâmica descreveu e cuja ocorrência imputou em exclusivo à conduta culposa do condutor e proprietário do LU, o qual para a R. havia transferido a responsabilidade civil emergente da circulação do mesmo por danos causados a terceiros.
Tendo do mesmo sobrevindo para si danos patrimoniais e não patrimoniais que identificou e quantificou, em conformidade com o pedido formulado.
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Devidamente citada, contestou a R. Seguradora em suma tendo impugnado o valor atribuído à ação pelo autor, pugnando pela fixação do valor de €19.377,13, correspondente à “causa de pedir e os valores indemnizatórios com ela relacionados, (…) plasmados nos artºs 51º, 52º, 53º, 54º e 55º da p.i., onde se identificam as alegadas quantias de prejuízos e/ou danos do A. (…)
- artº 51º da p.i.: € 13.860,00;
- artº 52º da p.i.: € 3.500,00;
- artº 53º da p.i.: € 1.152,22;
- artº 54º da p.i.: € 198,02;
- artº 55º da p.i.: € 666,89.”
Impugnou ainda e por desconhecimento a versão dos factos alegada pelo A. quanto ao modo como ocorreu o acidente. Factos que mais alegou serem insuficientes para concluir pela responsabilização do seu segurado.
Finalmente impugnou os danos alegados pelo A..
Tendo a final concluído pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.
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Realizada audiência prévia, e verificado pelo tribunal a quo “que o autor pede que o Tribunal condene a sociedade ré no pagamento de determinada quantia monetária relativa a danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de acidente de viação ocorrido em 28 de Agosto de 2015, alegando, no entendimento deste tribunal, de forma insuficiente a dinâmica do acidente.”, foi o A. convidado a “aperfeiçoar tais factos, descrevendo, de forma circunstanciada, a dinâmica do acidente e os factos de onde emerge a imputada responsabilidade pela sua eclosão ao condutor do veículo de matrícula LU.”
No novo articulado tendo o A. alegado factualidade relativa à dinâmica do acidente.
Ao de novo alegado exerceu a R. o contraditório, pugnando em parte pela sua inadmissibilidade por exceder o que lhe era permitido.
Proferiu após o tribunal a quo despacho a considerar como válido e contido no objeto delimitado pelo despacho de convite ao aperfeiçoamento o de novo alegado.
Proferido despacho saneador, foi no seu âmbito fixado valor à ação.
Foi igualmente identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova, sem reclamação.
Agendada audiência final, procedeu-se à sua realização, após o que foi proferida sentença na qual se decidiu julgar a ação “parcialmente procedente por provada e, em consequência, condenar a sociedade ré C… – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A a pagar ao Auto B… o valor de €1.151,22 (mil cento e cinquenta e um euros e vinte e dois cêntimos ) a título de danos sofridos com a privação de uso do veículo de matrícula TH, valor este acrescido de juros à taxa legal de 4% vencidos desde a data da presente sentença e vincendos até efectivo e integral pagamento e absolver a sociedade ré de tudo o demais peticionado pelo Autor.”
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Do assim decidido apelou o A., oferecendo alegações e formulando as seguintes
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Ofereceu ainda o recorrente com as alegações prova documental.
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Apresentou a R. contra-alegações, em suma tendo alegado ter já transitado a decisão que fixou o valor à ação porquanto do decidido não apresentou o A. reclamação nem recurso oportunamente.
Concluindo assim nesta parte não poder ser admitido o recurso.
A assim não ser entendido, sempre pugnando pela improcedência do recurso nesta parte.
Pugnou pela improcedência da invocada nulidade por omissão de pronúncia, alegando pretender o recorrente por esta via introduzir nos autos uma pretensão nova, não processualmente admissível.
Bem como pela inadmissibilidade processual da junção dos documentos oferecidos pelo recorrente com as suas alegações.
No mais concluiu pela total improcedência do recurso apresentado, face ao bem decidido pelo tribunal a quo tanto em sede decisão de facto, como em sede de aplicação do direito.
Afirmando inexistir fundamento para a ampliação da decisão de facto pugnada pelo recorrente, seja (no que respeita ao valor venal do veículo sinistrado), por repetir o invocado quanto à invocada nulidade por omissão de pronúncia; seja (no que respeita às alegadas consequências da vida diária do autor e família, privados do uso do veículo) por respeitar a matéria já constante dos factos provados.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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II - Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelo apelante serem questões a apreciar:
1) Recurso da decisão que fixou o valor da ação [vide conclusões C) a P).
E como questão prévia: admissibilidade do recurso.
2) Eliminação do 2º § da p. 3 da sentença por estar em contradição com os dois últimos parágrafos da mesma p. 3 da sentença [conclusões Q) a S];
3) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia – em causa o não arbitramento de dano patrimonial pela perda total do veículo [conclusões T) a AG)].
E com esta questão relacionado: apurar se em causa está a invocação de questão nova em sede de recurso (tal como a R. o invocou em sede de contra alegações e respetiva admissibilidade).
4) Admissibilidade de junção dos documentos oferecidos pelo autor recorrente com a justificação pelo mesmo invocada nas conclusões BA) a BH) [questão igualmente suscitada pela recorrida].
5) Erro na decisão de facto [vide conclusões AH) a BV)].
Em causa:
- os factos provados 20 e 46 que o recorrente pugna sejam considerados como não escritos.
Ou quando assim se não entenda quanto ao ponto 20 que seja a sua redação alterada em conformidade com o sugerido na conclusão AU).
[vide conclusões AH) a BJ) para este segmento];
- os factos não provados que o recorrente pugna deverão ser considerados provados [vide conclusões BK) a BP) para este segmento];
- ampliação da decisão de facto, por insuficiência [vide conclusões BQ) a BV)].
E admissibilidade desta pretensão – questão também suscitada pela recorrida.
6) erro na aplicação do direito, também como consequência da pugnada alteração da decisão da matéria de facto [vide conclusões BW) a CH)].
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III - Fundamentação
Foram dados como provados os seguintes factos:
(da petição inicial)
1. O Autor é dono e legítimo proprietário do veículo ligeiro de passageiros, marca Nissan …, matrícula .. - .. - TH.
2. O veiculo automóvel Mercedes …, com a matrícula Suíça LU ……, era propriedade, à data do acidente infra referido, de D…, residente em Lugar …, n.º .. (….) Schötz, Suíça.
3. O qual, por contrato de seguro, válido e eficaz à data do acidente, titulado pela apólice n.º CH/…/………, transferiu a responsabilidade por danos causados a terceiros, pela referido veículo, para a companhia de seguros C…i Companhia de Seguros, S.A..
4. No dia 28 de Agosto de 2015, pelas 13:00 horas, ocorreu um acidente de viação na Avenida …, …, …, Ílhavo.
5. Intervieram nesse acidente o veículo ligeiro/passageiros da marca Mercedes …, com a matrícula Suíça LU …….. e o veículo ligeiro/passageiros da marca Mitsubishi … com caixa térmica, com a matrícula .. – MH - .. e que causaram danos em dois veículos estacionados de marca Opel …, matrícula .. – CS - .. e Marca Nissan …, matrícula .. - .. - TH.
6. O primeiro veículo era propriedade de D… e era conduzido pelo próprio; o segundo veículo era propriedade da empresa “E…, Lda.” e era conduzido por F…, no seu próprio interesse.
7. O aqui Autor não presenciou o acidente, na medida em que se encontrava na praia, e o seu veículo devidamente estacionado, em local para o efeito, fora da faixa de rodagem.
8. Somente após a sua chegada ao local onde havia estacionado o carro (aproximadamente pelas 13h30) é que o Autor teve conhecimento do ocorrido, bem como das circunstâncias em que o acidente ocorreu.
9. Os danos na viatura do Autor foram causados pelo veículo Mitsubishi … com caixa térmica, com a matrícula .. - MH - .., na sequência de um primeiro embate deste com o veículo de marca Mercedes …, com a matrícula Suíça LU …….
10. O veículo ligeiro de passageiros de Marca Mercedes …… com a matrícula LU …… circulava na Avenida … no sentido da Praia … para a Praia ….
11. A via em que o supra referido veículo circulava é de sentido único e com duas faixas de rodagem.
12. O veículo ligeiro de passageiros de Marca Mercedes …… com a matrícula LU …… iniciou uma manobra de ultrapassagem.
13. Ao efectuar a manobra descrita no artigo anterior, o veículo de Marca Mercedes … com a matrícula LU ……, ocupou a segunda via da faixa de rodagem.
14. Nesse preciso momento, circulava na faixa de rodagem da esquerda (2.º via de sentido único) o veículo de Marca Mitshubishi … com a matrícula .. – MH - ...
15. A manobra efectuada pelo veículo ligeiro de passageiros de Marca Mercedes … com a matrícula LU ……. levou o mesmo a ocupar a faixa de rodagem mais à esquerda sem verificar se nessa faixa estaria ou não a circular outra, ou outras viaturas.
16. O veículo ligeiro de passageiros de Marca Mercedes … com a matrícula LU ……. embate no veículo de Marca Mitshubishi … com a matrícula .. – MH - .. já na faixa de rodagem da esquerda, onde este já circulava.
17. O veículo de Marca Mitshubishi … com a matrícula .. – MH - .. não pode de forma alguma evitar o acidente e com a colisão despista-se indo embater nas viaturas estacionadas.
18. O veículo de Marca Mitshubishi … com a matrícula .. - MH - .. embateu no veículo do Autor, que por sua vez ao ser arrastado embate no veículo Opel … de matrícula .. - CS - ...
19. O veículo de Marca Mitshubishi … com a matrícula .. – MH - .., ficou imobilizado um pouco mais à frente.
20. A Ré assumiu a responsabilidade do acidente provocado pela viatura do seu segurado.
21. Como consequência directa e necessária do acidente, o veículo do Autor ficou com a traseira destruída e sofreu danos.
22. Na sequência de peritagem realizada em Setembro de 2015, pela empresa G…, a Ré considerou que a reconstituição natural não era possível, pelo que considerou o veículo de marca Nissan, matrícula .. - .. - TH em situação de perda total.
23. A viatura ficou imobilizada desde a data do acidente a 28/08/2015 até agora.
24. O agregado familiar do autor é composto por quatro (4) pessoas, sendo que tem duas (2) filhas em idade escolar e que, à data do acidente, tinham 8 e 15 anos de idade.
25. Privados do seu principal meio de transporte e perante a ausência de alternativa em termos de transportes públicos na freguesia onde residem, o agregado familiar viu-se forçado a reestruturar e reorganizar os seus horários, de forma a poderem cumprir os seus compromissos pessoais, profissionais e escolares.
26. O Autor e o agregado familiar residiam e residem em …, ….
27. Para se deslocar ao local de trabalho que se situa em …, o Autor necessita de utilizar um veículo automóvel na medida em que da residência ao local de trabalho distam pelo menos 15 (quinze) quilómetros.
28. A esposa trabalhava e trabalha em Águeda, e as filhas menores estudavam nessa cidade que dista mais ou menos 10 (dez) quilómetros da residência do Autor.
29. A dinâmica do agregado familiar foi bastante difícil de conciliar, na medida em que as quatro pessoas que o compõem tinham horários de trabalho e escolares muito diferentes.
30. Sendo que, com a aproximação da época escolar e da necessidade de prover pelo cumprimento de horários e deslocações de todos os elementos do agregado familiar, o A. alugou uma viatura.
31. A viatura alugada foi de gama inferior ao veículo acidentado, em termos de marca e modelo.
32. Porque o encargo do aluguer do veículo representava um encargo adicional às despesas do agregado familiar, o Autor apenas utilizou este serviço entre 04/09/2015 e 05/10/2015, e a partir de tal data quer o Autor quer a sua mulher e filhas passaram a estar dependentes da disponibilidade e boa vontade de amigos e familiares para as suas deslocações.
33. Nomeadamente quanto às deslocações para o trabalho, para a escola, actividades extracurriculares, de lazer e até para, junto da Companhia de Seguros e Advogado, tentar resolver os aspectos burocráticos do acidente.
34. O Autor teve dificuldades em fazer compras, deslocar-se a casa de amigos a familiares e de passear ao fim de semana.
35. Acresce que, o Autor pratica ciclismo habitualmente e o veículo acidentado permitia-lhe transportar a sua bicicleta para qualquer lado.
36. O veículo de marca Nissan …, matrícula .. - .. - TH, adquirido em 2002, encontrava-se em excelente estado de conservação e satisfazia, integralmente, as necessidades de deslocação diária do agregado familiar.
37. Por missiva datada de 16 de Setembro de 2015, a Ré informou o aqui Autor do resultado da perícia, mais informando que “consultado o mercado de especialidade, fomos informados que o valor comercial para o veículo em causa é de 4.750, que será o valor considerado para efeitos de indemnização, caso não estejam interessados em manter o salvado”.
38. A proposta foi rejeitada pelo Autor, em carta remetida à Ré em 07 de Outubro de 2015, por entender ser o valor manifestamente insuficiente, alegando para tanto: o veículo propriedade do Autor, foi adquirido, num concessionário da Nissan, em estado novo, em 29 de Março de 2002, possuindo diversos extras, o que lhe conferia um acréscimo ao valor de mercado; todas as revisões foram feitas na marca e, à data do acidente, a viatura encontrava-se em excelentes condições de funcionamento e de conservação; uma busca, realizada em Outubro de 2015, por plataformas de venda (online) de viaturas com características equivalentes (em termos de ano e potência), mas com mais quilómetros e inferiores em termos de equipamentos, revelou que o valor médio do carro era de 6.600,00€ (seis mil e seiscentos Euro).
39. A proposta apresentada não contemplava o reembolso pelas despesas despendidas com o aluguer de uma viatura, no período que intermediou o acidente até à comunicação da Ré de perda total.
40. Pese embora os transtornos e alterações de rotina para o agregado familiar, o Autor só conseguiu adquirir novo veículo automóvel em Outubro de 2016.
41. O valor de aluguer de um veículo automóvel de gama inferior, mas que satisfizesse as necessidades de deslocação do agregado familiar ronda os 35,00€ (trinta e cinco euros) diários.
42. O Autor pagou a título de IUC (Imposto Único de Circulação) do veículo acidentado referente aos anos de 2016, 2017 e 2018 o montante de 198,02€ (cento e noventa e oito euro e dois cêntimos)
43. À carta de reclamação referida em 38. respondeu a Ré a 17 de Novembro de 2015, um e-mail, com referência do processo de sinistro do Autor, epigrafado de “Reclamação C…” com o seguinte teor: “(…) Cumpre-nos informar V.Exa. que relativamente à perda total da viatura e de acordo com o art. 41.º, n. 1, n.º 2, n.º 3 e n.º 4 do DCL291/2007, reiteramos o conteúdo da nossa carta datada de 16 de Setembro de 2015. Junto anexamos o cálculo de perda total efectuado pelos nossos serviços técnicos, bem como um print de uma viatura equivalente à sinistrada à venda pelo valor proposto pelos nossos serviços. Nesta conformidade, informamos que para efeitos de indemnização consideramos o valor de Eur:3.490,00, quantitativo este correspondente ao valor venal da viatura antes do sinistro deduzido do valor do salvado que se fixa em Eur:1.260,00. Quanto à paralisação informamos que iremos assumir desde o dia 04/09 ao dia 24/09, data em que emitimos o recibo de indemnização referente à perda total do veículo. (…).
44. Com a emissão do recibo de indemnização, a Ré deu informação à Conservatória do Registo Automóvel de que o veículo com a matrícula .. - .. - TH havia sido considerado salvado.
45. Para além do recibo de indemnização de perda total, no valor de €3.490,00, a ré emitiu recibo de indemnização por paralisação do TH, pelo período de 04/09 a 24/09/2015, no valor de €611,10.
46. O Autor não mais contactou a Ré, nomeadamente reclamando das comunicações referidas em 43. e 45.”
*
O tribunal a quo deu ainda como não provada a seguinte factualidade:
“- a imobilização da viatura referida em 23. decorre de única e exclusiva responsabilidade da Ré.
- o referido na parte final do facto referido em 25., ou seja, após 5.10.2015 ocorreu por facto que a que o autor e seu agregado familiar eram alheios,
- A falta de pagamento da indemnização por parte do Réu ao Autor gerou impossibilidade financeira, designadamente por falta de liquidez para adquirir um novo veículo automóvel.
- Acresce ainda ao Autor a despesa pela guarda do salvado, em oficina, no montante de 666,89€ (seiscentos e sessenta e seis euro e oitenta e nove cêntimos).”
*
Conhecendo.
1) Cumpre em primeiro lugar apreciar do recurso interposto sobre a decisão que fixou o valor da ação.
E como questão prévia: da admissibilidade do mesmo.
Nos termos do disposto no artigo 644º nº 1 al. a) do CPC cabe recurso de apelação da decisão proferida em 1ª instância que ponha termo a “(…) incidente processado autonomamente”.
É precisamente o caso do incidente do valor da causa, processado nos termos dos artigos 296º a 310º do CPC e como tal processado autonomamente, mesmo que no âmbito do próprio processo[1].
Tendo sobre o incidente suscitado sido proferida decisão final, incumbia à parte interpor recurso no prazo de 30 dias após notificação da decisão, por força do disposto nos artigos 638º nº 1 e 644º nº 1 al. a) do CPC.
A admissibilidade do recurso está dependente da verificação de vários pressupostos, tanto objetivos como subjetivos.
Entre os primeiros se integrando a tempestividade da interposição do recurso.
Da decisão que fixou o valor da ação foi ao recorrente enviada notificação a 29/11/2018.
O recorrente interpôs recurso desta decisão conjuntamente com o recurso interposto da decisão final, em 31/05/2019.
Então claramente havia já decorrido o prazo para a interposição do recurso da decisão proferida em novembro de 2018, como tal já transitada.
Conclui-se nestes termos pela inadmissibilidade do recurso interposto da decisão que fixou o valor da ação, por extemporâneo.
2) Cumpre em segundo lugar apreciar da alegada contradição imputada à decisão final recorrida.
Conforme se extrai das conclusões Q) a S) em causa o 2º parágrafo, conjugado com os dois últimos parágrafos da p. 3 da sentença recorrida.
Parágrafos que aqui se reproduzem:

“*
Em sede de saneamento da acção foram aferidos pela positiva os pressupostos processuais, fixado o objecto do litígio e dispensada a enunciação dos temas de prova.”
(dois últimos parágrafos):
“*
*
Submetidas à apreciação do tribunal estão as seguintes questões:
- Aferir dos pressupostos da responsabilidade civil da ré pelos danos patrimoniais e não patrimoniais reclamados pelo autor como decorrência do acidente de viação descrito nos autos, por responsabilidade atribuído a veículo segurado pela ré.
- Apurar a extensão de tais danos.
- Apurar o quantum indemnizatório.
*
Foram fixados os seguintes temas de prova:
1. Apurar a dinâmica de eclosão do acidente e da responsabilidade exclusiva do veículo de matrícula suíça LU …… na sua produção;
2. Apurar o valor dos danos sofridos no veículo do autor, de matrícula TH;
3. Apurar o período de paralisação do veículo TH;
4. Apurar os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de tal paralisação, em concreto, o prejuízo diário decorrente da privação do seu uso, na vida profissional e pessoal/familiar, o prejuízo inerente ao aluguer de veículo e aquisição de novo veículo.”
*
Alega a recorrente que da análise do 2º com os dois últimos, todos acima reproduzidos, se verifica entre os mesmos contradição e por tanto pugna pela eliminação do primeiro parágrafo
Não se entende onde a recorrente encontra a invocada contradição.
O 2º parágrafo traduz o que foi apreciado em sede despacho saneador tabelar quanto aos pressupostos processuais que aqui se reproduz:
“II.
O tribunal é competente em razão da matéria, da hierarquia, da nacionalidade e do território.
Não há nulidades que invalidem todo o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há nulidades ou excepções dilatórias que cumpra conhecer.”
Os últimos parágrafos respeitam à definição do objeto do litígio e temas da prova que oportunamente foram elencados aquando da prolação do despacho saneador e que aliás resultam de uma reprodução daquele.
Como objeto do litígio foi identificado, entre o mais, aferir dos pressupostos da responsabilidade civil.
Admite-se (já que o recorrente não foi claro) que seja esta a base da sua pretensão. Mas a sê-lo, funda-se a mesma na não distinção entre a afirmação positiva da regularidade dos pressupostos processuais e a apreciação substantiva da pretensão formulada pelo recorrente [pressupostos da responsabilidade civil] e que no objeto do litígio foi identificada.
Inexiste portanto qualquer contradição na sentença recorrida com base no alegado pelo recorrente, a implicar a improcedência da invocada contradição e consequentemente da pugnada eliminação do 1º parágrafo acima reproduzido.
*
3) Em terceiro lugar, importa apreciar da invocada nulidade da sentença proferida por omissão de pronúncia [em causa conclusões T) a AG)].
Dispõe o nº 1 do artigo 615º do CPC
“1- É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”
É pacificamente aceite que as causas de nulidade da sentença, previstas de forma taxativa no artigo 615º do CPC[2], respeitam a vícios formais decorrentes “de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito”[3], pelo que nas mesmas não se inclui quer os erros de julgamento da matéria de facto ou omissão da mesma, a serem reapreciados nos termos do artigo 662º do CPC, quando procedentes e pertinentes, quer o erro de julgamento derivado de errada subsunção dos factos ao direito ou mesmo de errada aplicação do direito[4].
E no que à nulidade invocada e a que se reporta a al. d) concerne – quanto à omissão ou excesso de pronúncia – quer a doutrina quer a jurisprudência têm vindo a entender que a mesma respeita ao não conhecimento de todas as questões/ ou ao conhecimento para lá de todas as questões que são submetidas à apreciação pelo tribunal. Ou seja de todos os pedidos, causas de pedir ou exceções cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo conhecimento de outra(s) questão(ões). Não se confundindo questões com argumentos ou razões invocadas pelas partes em sustentação das suas pretensões.
Encontra este dever a sua consagração legal no disposto no artigo 608º nº 2 do CPC.
Sendo ainda de distinguir questões a resolver (para efeitos do artigo 608º nº 2 do CPC), da consideração ou não consideração de um facto em concreto que e quando se traduza em violação do artigo 5º nº 2 do CPC, deverá ser tratado em sede de erro de julgamento e não como nulidade de sentença [5].
Por último, de relembrar que a causa de pedir consiste no facto concreto ou composto factual concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido pelo A., consubstanciando-se numa indicação de factos suficientes para individualizar o facto jurídico gerador da causa de pedir[6].
Pelo que e para que o tribunal reconheça ao autor o direito que o mesmo invoca, há de este alegar factos suscetíveis de gerar esse direito, segundo a ordem jurídica constituída.
Sendo estes factos, postos em contacto com a ordem jurídica que constituem a causa de pedir, o fundamento ou fundamentos da ação que justificam o consequente pedido formulado.
O objeto processual é pois conformado pelo pedido e causa de pedir delineados pelo autor na petição inicial, o qual em respeito pelo princípio da estabilidade da instância, deve manter-se o mesmo, salvo as possibilidades de alteração previstas na lei: vide artigo 260º e quanto à modificação objetiva – por alteração do pedido e/ou causa de pedir artigos 264º e 265º do CPC.
Sendo o objeto da ação o limite da condenação [vide artigos 608º, 609º nº 1 e 615º nº 1 al. d) e e) do CPC].
Presentes estes conceitos, cumpre aferir se em função do objeto processual delineado pelo autor na p.i. [considerando ainda o aperfeiçoamento desta posteriormente apresentado a convite do tribunal e que pelo mesmo foi aceite] cumpria ao tribunal a quo apreciar a questão que ora o recorrente invoca relativa “ao valor do dano patrimonial do veículo sinistrado (…) a título de dano patrimonial pela perda total do veículo sinistrado” [vide conclusão T)].
Para tanto há que analisar o que pelo A. foi alegado e peticionado no seu articulado inicial e respetivo aperfeiçoamento.
Porquanto o alegado no articulado de aperfeiçoamento se ateve ao modo como o acidente se produziu e responsabilidade assacada ao segurado da R., nenhum relevo tem para o que se aprecia nesta sede.
E do alegado na p.i. impõe-se concluir que o autor não incluiu nos danos por si peticionados o dano ora em discussão – indemnização pela perda total do veículo sinistrado.
Assim e para que claro fique, reproduzimos em parte o que foi alegado na p.i.:
“28. Como consequência directa e necessária do acidente, o veículo do Autor ficou com a traseira destruída e sofreu danos avultados.
29. Na sequência de peritagem realizada em Setembro de 2015, pela empresa G…, a Ré considerou que a reconstituição natural não era possível, pelo que considerou o veículo de marca Nissan, matrícula .. - .. - TH em situação de perda total.
30. Assim por única e exclusiva responsabilidade da Ré – a viatura ficou imobilizada desde a data do acidente a 28/08/2015 até agora.
31. E desde essa data que o autor terá direito a juros à taxa legal até efectivo pagamento, por parte a Ré, do valor da indemnização por perda total.”
Deste trecho resulta que o A. alegou efetivamente que a R. considerou o veículo em perda total. Entendimento que em si o A. não questionou.
E mais alegou que teria direito a juros desde a data em que a viatura ficou imobilizada até efetivo pagamento do valor da indemnização por perda total.
Nos artigos subsequentes em que identificou o transtorno causado pelo facto de ter ficado privado da sua viatura, o que justificou um inicial aluguer de uma viatura e após ficar dependente da disponibilidade e boa vontade de amigos e familiares para as suas deslocações, alegou o A. que a R. lhe propôs uma indemnização correspondente ao valor de mercado do veículo de €4.750,00, caso não estivesse interessado em manter o salvado.
Proposta que mais alegou (artigo 47º da p.i.) ter rejeitado por carta enviada à R. na qual manifestou o entendimento de ser tal valor manifestamente insuficiente porquanto no seguimento de busca por si efetuada, revelou esta:
“(…) que o valor médio do carro era de 6.600,00€ (seis mil e seiscentos Euro).
d. A proposta apresentada não contemplava o reembolso pelas despesas despendidas com o aluguer de uma viatura, no período que intermediou o acidente até à comunicação da Ré de perda total.” (conforme doc. 4 para que remeteu).
E no seguimento do assim alegado, continuou o autor (artigos 48 e segs. da p.i.)
“48. A falta de pagamento da indemnização por parte do Réu ao Autor gerou impossibilidade financeira, designadamente por falta de liquidez para adquirir um novo veículo automóvel.
49. Aliás sempre se dirá que, pese embora os transtornos e alterações de rotina para o agregado familiar, o Autor só conseguiu adquirir novo veículo automóvel em Outubro de 2016.”
Após o que identificou os prejuízos que tal atuação lhe provocaram:
“50. O valor de aluguer de um veículo automóvel de gama inferior, mas que satisfizesse as necessidades de deslocação do agregado familiar ronda os 35,00€ (trinta e cinco euro) diários.
51. Pelo que, a Ré deverá indemnizar o Autor no valor de 35,00€ (trinta e cinco euro) por dia, até à data em que o mesmo adquiriu novo veículo automóvel, no montante global de 13.860,00€ (treze mil oitocentos e sessenta euro) a título de privação de uso de veículo automóvel.
52. Por danos morais, sofridos pela impossibilidade de se deslocar convenientemente, visitar amigos, familiares, passear aos fins-de-semana, ter de se levantar mais cedo para se deslocar para o trabalho – deverá a Ré indemnizar o Autor em 3.500,00€ (três mil e quinhentos euro).
53. A título de danos patrimoniais pela presente acção, deverá a Ré indemnizar o Autor no valor do aluguer do veículo supra referido, no montante de 1.152,22€ (mil cento e cinquenta e dois euro e vinte e dois cêntimos).
54. Deve ainda a Ré reembolsar o Autor pelo valor pago a título de IUC (Imposto Único de Circulação) do veículo acidentado referente aos anos de 2016, 2017 e 2018 que se fixa no montante de 198,02€ (cento e noventa e oito euro e dois cêntimos) (Cfr. Doc n.º 5, 6, 7, que se junta e se dão por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).
55. Acresce ainda a despesa pela guarda do salvado, em oficina, no montante de 666,89€ (seiscentos e sessenta e seis euro e oitenta e nove cêntimos).”
Os prejuízos aqui reproduzidos perfazem o valor de €19.377,13.
Precisamente o valor fixado pelo tribunal a quo como valor de acção[7].
Do assim alegado temos como certo que o A. não identificou como dano peticionado o correspondente à perda total do veículo.
Note-se que embora tenha alegado tal ocorrência; tenha até invocado a posição que assumiu em relação a uma proposta que pela R. lhe foi presente em termos indemnizatórios que rejeitou, nos termos que acima deixámos reproduzidos, nenhuma outra referência foi efetuada pelo autor quanto a este dano que assim não quantificou e mais relevante não introduziu no objeto do processo, não tendo peticionado a condenação da R. a do mesmo o ressarcir.
A pronúncia do tribunal a quo sobre questão que não foi incluída no objeto processual redundaria em violação do princípio do dispositivo, de acordo com o qual o tribunal só pode resolver o litígio que lhe é submetido pelas partes - vide artigo 3º nº 1 do CPC que o consagra e artigos 608º e 609º do CPC que em consonância definem os limites das questões a resolver por referência às que tenham sido submetidas à apreciação do tribunal, bem como os limites da condenação, sob pena de nulidade da sentença por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º nº 1 al. d) do CPC – bem como em violação do direito do contraditório igualmente identificado no artigo 3º nº 1 in fine e nº 3 do mesmo artigo 3º do CPC.
Em suma, improcede o vício de nulidade por omissão de pronúncia imputado à decisão recorrida.

4) Em quarto lugar, está em apreciação a admissibilidade de junção de documentos oferecidos pelo recorrente com as suas alegações de recurso.
A admissibilidade da sua junção foi justificada pelo recorrente nos termos constantes das causa conclusões BA) a BH).

Dispõe o artigo 651º do CPC, sob a epígrafe “Junção de documentos e de pareceres” (em sede de recurso):
“1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.”.
Artigo 425º que assim preceitua, sob a epígrafeApresentação em momento posterior”:
“Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”.
Tem este artigo como pressuposto ser momento processual adequado à junção de documentos aos autos para prova dos fundamentos da ação ou da defesa, o correspondente à apresentação do articulado em que se aleguem os factos correspondentes, tal como se infere do artigo 423º n.º 1 do CPC que regula o “Momento da Apresentação” dos mesmos conforme da sua epígrafe se extrai.
Fora deste momento próprio, sendo ainda permitida a apresentação de tais documentos, conforme decorre do citado artigo 423º:
“2- (…) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.”.
Após tal limite temporal, apenas sendo “3- (…) admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”.
Da conjugação destes normativos resulta que a junção de documentos – para prova dos fundamentos da ação ou da defesa - em sede de recurso, com as alegações só é permitida:
- quando tal apresentação não tenha sido possível até à apresentação do recurso;
Ou
- quando a sua junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
Analisadas as conclusões BA) a BH) temos que o recorrente justifica a junção dos documentos em análise alegando, entre o mais:
“BF - Os supra referidos e-mails são comprovativos que, em virtude da sentença proferida, se tornam necessários pois provam a falsidade do depoimento da testemunha, pelo que se requer a junção aos autos nos termos do disposto no art. 651.º do Código de Processo Civil.
BG - Salienta-se ainda que a testemunha da Ré/recorrida ouvida em audiência de julgamento dia 24/01/2019 exerce função de gestora de sinistros ao serviço da mesma, há mais de 20 anos, motivo pelo qual o seu depoimento não é isento.
BH - Mais grave que a falta de isenção no depoimento prestado é o facto de mentir ao Tribunal o que descredibiliza totalmente o depoimento prestado.
BI - O facto provado em 46 deve ser eliminado, considerado não escrito sendo a matéria de facto alterada nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a) do C.P.C.”
Peticiona o recorrente a junção de tais documentos para prova da “falsidade do depoimento de testemunha” e assim descredibilizar o seu depoimento, por esta via obtendo a eliminação do ponto 46 dos factos provados.
Os documentos em questão consistem em 4 emails alegadamente trocados entre o A. e R. no período compreendido entre 22/01/2016 e 27/06/2018, tendo a ação sido instaurada em julho de 2018.
E visam portanto, de um lado descredibilizar um depoimento prestado e de outro fundamentar a alteração de um ponto da decisão de facto.
Ora se o recorrente pretendia abalar a credibilidade do depoimento da testemunha prestado em audiência, o meio próprio que deveria ter oportunamente convocado era o da “Contradita”, regulado nos artigos 521º e segs. do CPC.
Momento processual adequado para oferecer os documentos que tivesse por oportunos.
Ultrapassado tal momento, está vedado ao recorrente nomeadamente em sede recursória invocar como fundamento para a junção de documentos o que anteriormente deveria ter convocado, no fim do depoimento da testemunha.
Por outro lado, os documentos em questão reportam-se a momento temporal à instauração da ação e não pode o recorrente invocar, com propriedade, que a sua junção se tornou necessária em virtude do decidido, pois que em causa está apenas a apreciação por parte do tribunal a quo de matéria de facto em discussão.
Poderá discordar do julgamento efetuado, e assim expressou o seu entendimento. Mas tal é questão a apreciar em sede de reapreciação da decisão de facto.
Não é contudo fundamento para a pretendida junção de documentos, pois que se trata de decisão sobre factualidade que estava em discussão.
Em conclusão, por inadmissível, vai indeferida a junção dos documentos oferecidos pelo recorrente com as suas alegações.

Documentos que como tal se determina sejam devolvidos ao apresentante.
5) Em quinto lugar há que apreciar do imputado erro à decisão de facto [vide conclusões AH) a BV), das quais a questão da admissibilidade dos documentos oferecidos está já decidida].
Questionou o recorrente:
I - os factos provados 20 e 46, que pugna sejam considerados como não escritos.
Ou quando assim se não entenda quanto ao ponto 20 que seja a sua redação alterada em conformidade com o sugerido na conclusão AU), ou seja:
Facto provado 20: “Resulta provado que a Ré é civilmente responsável pelo acidente de viação ocorrido no dia 28/08/2015.”
[vide conclusões AH) a BI) para este segmento];
Ii - os factos não provados que o recorrente pugna deverão ser considerados provados [vide conclusões BJ) a BP) para este segmento];
Iii - ampliação da decisão de facto, por insuficiência [vide conclusões BQ) a BV)].
E admissibilidade desta última pretensão – questão também suscitada pela recorrida.
Expressou o recorrente a sua pretensão, nesta sede, no seguintes termos.
A matéria de facto constante da sentença proferida é insuficiente, motivo pelo qual deve ser aditado um novo artigo respeitante ao valor venal do veículo sinistrado e um novo artigo sobre as consequências na vida diária do Autor/Recorrente e do seu agregado familiar decorrentes do facto de ficarem privados do veículo automóvel sinistrado, nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 2, alínea c) do C.P.C.” – conclusão BQ).
Resultando “das declarações de parte do Autor/Recorrente B… ouvido na audiência de julgamento, no dia 16/01/2019, o seguinte: (…) Minuto 14.48 e seguintes: Isto é um bocado ingrato, tentamos resolver isto com a companhia, tinha o carro paradinho. Simplesmente não concordei com o que me propuseram, nunca a companhia, desde o primeiro dia apresentaram uma contra proposta.” [conclusão BT]
“todos os documentos constantes dos autos e os depoimentos produzidos em audiência, provam que o Autor e o seu agregado familiar sofreram consequências, transtornos, aborrecimentos e tristezas porque ficaram sem o veículo sinistrado.” [conclusão BU]
Resultando ainda “das declarações de parte do Autor/Recorrente, do depoimento da testemunha H… (sua esposa), do depoimento das testemunhas I…, J…, K… e L… que o que mais causa estranheza e sentimento de injustiça ao Autor/Recorrente é o facto de até à presente data a Ré/Recorrida não ser responsabilizada pela sua conduta e não ser ressarcido do dano patrimonial respeitante ao veículo sinistrado.” - conclusão BV).
***
*
Para a apreciação desta pretensão importa ter presente os seguintes pressupostos:
i- Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao recorrente [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Sendo ainda ónus do recorrente apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.
Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo.
Tratamento diverso merece o vício imputado à decisão de facto com base em eventual vício de deficiência, obscuridade ou contradição da decisão proferida, que quando invocado e se procedente, ou mesmo conhecido oficiosamente, poderá implicar quando dos autos não constem todos os elementos necessários, a anulação da decisão de facto para suprimento de tais vícios ou ampliação da decisão de facto nos termos do artigo 662º nº 2 al. d) do CPC.
Estes últimos vícios não estão, como tal, sujeitos aos requisitos impugnativos prescritos no artigo 640º nº 1 do CPC “os quais só condicionam a admissibilidade da impugnação com fundamento em erro de julgamento dos juízos probatórios concretamente formulados”.
Requisitos impugnativos de admissibilidade da impugnação da decisão de facto com base em erro de julgamento que encontram o seu fundamento na garantia da “adequada inteligibilidade do objeto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso”.[8]
ii- Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662º do CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.
Cabendo ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.
Sem prejuízo de e quanto aos factos não objeto de impugnação, dever o tribunal de recurso sanar mesmo oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no artigo 662º n.º 2 al. c) do CPC.
iii- Na medida em que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, temos de concluir que a reapreciação da matéria de facto está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objeto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo [vide neste sentido Acs. do TRG de 12/07/2016, Relator Jorge Seabra e de 11/07/2017, Relatora Maria João Matos, ambos in www.dgsi.pt/jtrg].
iv- Pelos mesmos motivos, temos igualmente de concluir que as questões novas antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, não podem pelo tribunal de recurso ser consideradas, salvo se de conhecimento oficioso [vide, entre outros, Ac. TRC de 14/01/14, Relatora Maria Inês Moura; Ac. TRP de 16/10/2017, Relator Miguel B. Morais e Ac. STJ de 07/07/2016 Relator Gonçalves Rocha, todos in www.dgsi.pt].
*
Tendo presentes estes considerandos e analisadas as conclusões do recorrente, bem como o corpo das mesmas, resulta destas que o recorrente identificou os factos provados e não provados que entende incorretamente julgados, nos termos supra já elencados. Em relação aos quais, mais especificou a redação que defende ser a correta.
Os concretos meios probatórios que no seu entender implicam decisão diferente, foram invocados para os factos provados nos seguintes termos:
- para o ponto 20 dos factos provados, invocou o recorrente a prova documental e a própria posição assumida pela R. nos articulados, conjugada com a produção de prova testemunhal sobre o ponto em questão.
A reapreciação do decidido quanto a este ponto factual será efetuada nos estritos limites em que foi questionada a decisão e portanto alheada dos depoimentos prestados que para além de em concreto não convocados, tão pouco poderiam ser considerados por não observância do disposto no artigo 640 nº 2 al. a) do CPC;
- para o ponto 46 dos factos provados, convocou o recorrente a prova testemunhal produzida [testemunhas H… e K…], conjugado com prova documental cuja junção requereu em sede de recurso e não admitida.
A reapreciação da decisão será neste ponto observada por referência à prova gravada e demais elementos constantes dos autos, no confronto com o ponderado pelo tribunal a quo.

Quanto aos factos não provados, convocou o recorrente de forma genérica o depoimento das testemunhas K… e, I… e J….
Não observou o recorrente quanto a esta impugnação o disposto no artigo 640º nº 2 al. a) do CPC, a implicar a rejeição da reapreciação da decisão de facto nos termos da citada norma, no que aos factos não provados concerne.

Finalmente e no que à ampliação da decisão de facto respeita, estão em causa dois aspetos:
- de um lado o valor venal do veículo;
- de outro as consequências na vida diária do autor e seu agregado familiar.

Neste segmento importa realçar:
- no que ao valor venal do veículo respeita, nem em sede de recurso o recorrente indica qual seria esse valor.
E, julgamos, não o fez precisamente por estar ciente de que já na petição inicial não havia indicado nem peticionado um valor concreto a este título, tal como acima já deixámos analisado.
Pelo que eventual invocação nesta sede implicaria a submissão de questão nova à apreciação do tribunal de recurso, o que não é admissível.
A inadmissibilidade da pretensão nesta sede formulada encontra assim e desde logo o seu fundamento na novidade da questão colocada perante este tribunal de recurso antes não incluída no objeto processual e como tal não apreciada pelo tribunal a quo. Acresce, ainda que assim se não entendesse, não estar especificado o valor a considerar e não terem sido observados os ónus de impugnação e especificação em relação a este ponto factual. Pelo que a decisão sobre a ampliação da matéria de facto neste ponto em análise sempre seria, como é, o de rejeição da sua apreciação.

- no que respeita às consequências na vida diária do autor e seu agregado familiar, limitou-se o recorrente a alegar que resulta das declarações de parte do autor/recorrente:
BT (…) ouvido na audiência de julgamento, no dia 16/01/2019, o seguinte: (…) Minuto 14.48 e seguintes: Isto é um bocado ingrato, tentamos resolver isto com a companhia, tinha o carro paradinho. Simplesmente não concordei com o que me propuseram, nunca a companhia, desde o primeiro dia apresentaram uma contra proposta.”
Mais alegou que (conclusão BU) “(…) Todos os documentos constantes dos autos e os depoimentos produzidos em audiência, provam que o Autor e o seu agregado familiar sofreram consequências, transtornos, aborrecimentos e tristezas porque ficaram sem o veículo sinistrado.”
E (conclusão BV) (…)Resulta ainda das declarações de parte do Autor/Recorrente, do depoimento da testemunha H… (sua esposa), do depoimento das testemunhas I…, J…, K… e L…l que o que mais causa estranheza e sentimento de injustiça ao Autor/Recorrente é o facto de até à presente data a Ré/Recorrida não ser responsabilizada pela sua conduta e não ser ressarcido do dano patrimonial respeitante ao veículo sinistrado.”
A invocação de depoimentos testemunhais sem qualquer alusão às passagens da gravação nem às declarações em concreto prestadas, não respeita o exigido pelo artigo 640º nº 2 al. a) do CPC acima já citado.
A invocação de prova documental sem concretização da mesma tão pouco respeita os ónus de impugnação e especificação que sobre o autor recaem.
Em concreto o recorrente invocou apenas e por transcrição o excerto das declarações do A. acima reproduzido.
E na verdade nem sequer foi muito claro quanto à matéria que pretende ver aditada.
Admitindo-se, todavia que o pretendido é o aditamento da seguinte matéria:
“o Autor e o seu agregado familiar sofreram consequências, transtornos, aborrecimentos e tristezas porque ficaram sem o veículo sinistrado.” e
“o que mais causa estranheza e sentimento de injustiça ao Autor/Recorrente é o facto de até à presente data a Ré/Recorrida não ser responsabilizada pela sua conduta e não ser ressarcido do dano patrimonial respeitante ao veículo sinistrado.”
temos que esta é factualidade não alegada pelo autor na sua petição inicial.
E a aceitar-se que a mesma poderia ser entendida como concretização do antes alegado na p.i. e que foi traduzido para os pontos 24 a 35 dos factos provados, temos que nenhuma prova válida foi invocada para a acrescentar ao que já consta dos factos provados indicados.
A invocação genérica dos depoimentos testemunhais e prova documental nos termos já acima assinalados, não cumpre os ónus de impugnação e especificação exigidos ao recorrente.
Na certeza de que o excerto das declarações do autor, acima reproduzido, tão pouco permite formar no tribunal a convicção necessária à demonstração da factualidade em causa.
Pelo que nesta matéria se rejeita igualmente a reapreciação da decisão de facto.
*
Conclui-se assim terem sido observados pelo recorrente os ónus de alegação e impugnação sobre si incidentes apenas quanto aos pontos 20 e 46 dos factos provados, dentro dos limites acima assinalados.
No ponto 20 dos factos provados está em causa a declarada assunção por parte da R. da responsabilidade do acidente provocado pela viatura do seu segurado.
O A. insurge-se contra o assim decidido convocando a própria postura processual da R. recorrida que na sua contestação efetivamente impugnou o alegado a este propósito pelo autor, impondo produção de prova sobre o modo como decorreu o acidente.
E esta é uma constatação factual.
Ocorre que este ponto factual foi alegado pelo próprio autor no seu articulado de aperfeiçoamento da petição inicial – ponto 11K deste articulado oferecido em 29/10/18.
E pelo próprio autor sustentado na postura alegadamente assumida pela R. em momento anterior à instauração da ação, incluindo a emissão de recibo de indemnização que o A. não aceitou – tudo nos termos que constam dos factos provados, nomeadamente 22, 37, 38 e 43 dos factos provados.
O então alegado pelo autor visava precisamente o momento temporal anterior à instauração desta ação. O que o A. não poderá ignorar já que foi o próprio a alegar tal factualidade.
Neste contexto, o ponto 20 dos factos provados tem de ser entendido pelas partes e nomeadamente pelo autor de acordo com o que por si foi alegado e por referência à posição assumida anteriormente pela R..
E neste sentido é destituído de fundamento tudo o alegado a propósito deste ponto factual pelo autor.
De qualquer modo, a declarada assunção de responsabilidade da R. porque alegada no contexto da postura pela mesma assumida em momento anterior à instauração da ação e que resulta plasmada em 22, 37 e 43 a 46 dos factos provados justifica a eliminação do ponto 20 dos factos provados que daqueles pontos é uma conclusão.

Termos em que se decide eliminar o ponto 20 dos factos provados.
Resta reapreciar o ponto 46 dos factos provados.
Para tanto e convocando o princípio da livre apreciação das provas o qual continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.ºs 341º a 396º do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.ºs 4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis e pelo tribunal a quo ponderados.
Decidindo (o tribunal de recurso) pela pretendida alteração da decisão de facto quando[9], de acordo com o seu juízo autónomo, perante a reapreciação dos meios de prova constantes do processo e em respeito pelo princípio da livre apreciação conclua, na sua própria convicção, impor-se uma decisão diversa.
Neste processo de reapreciação e formação da convicção própria, estando presente o entendimento de que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide artigo 607º nº 4 do CPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram.
Na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos artigos 414º do CPC e 346º do C.C..

Orientados por estes considerandos e analisando em concreto o ponto validamente submetido à nossa reapreciação, recorda-se ter o recorrente convocado o depoimento das testemunhas H… e K…. Depoimentos a cuja audição se procedeu, na integra.

Da sentença recorrida consta a seguinte fundamentação a propósito das comunicações ocorridas e com relevo para este ponto:
“O autor referiu não ter recebido qualquer resposta da Ré à sua reclamação de 7 de Outubro de 2015, razão pela qual aguardou, sem nada fazer face ao automóvel sinistrado, no entanto o teor do documento de fls. 39 verso dos autos não surge expressamente impugnado e pela esposa do Autor, testemunha H…, foi reconhecido o seu destinatário como o seu mediador de seguros, pelo que, salvo melhor entendimento a alegada falta de conhecimento, a existir, não pode ser imputada a comportamento omissivo da sociedade Ré. Certo é que realizada a reclamação, não mais o Autor contactou a sociedade ré, de forma oficial dado que referiu. de forma sustentada, a realização de telefonemas de pedidos de esclarecimentos, relativamente aos quais inexiste registo relevante que possa este Tribunal valorar, julgando as suas declarações, neste particular, insuficientes.”
Ou seja ponderando a insuficiência das declarações do autor, afirmou o tribunal não ter sido produzida prova suficiente dos mencionados (pelo A.) contactos junto da R. após a sua reclamação de 07/10/2015.
A inexistência de contactos – a que se reporta o ponto 46 dos factos provados - foi alegada pela R. a quem incumbia dos mesmos fazer prova.
Ouvidos os depoimentos convocados pelo recorrente, resulta que H…, esposa do A., sobre os contactos estabelecidos referiu ter contactado a R. após a carta recebida, na esperança de chegar a um acordo.
Considerando que a testemunha só reconheceu terem recebido a carta de 16/09 e não tendo precisado quando ocorreram tais contactos – afirmou “liguei um ou dois meses depois” – não é possível inferir do seu depoimento que nomeadamente após a comunicação referida em 43 dos factos provados (de novembro de 2015) ocorreram outros contactos, mesmo que telefónicos.
Acresce que a testemunha K… foi perentória em afirmar que todos os contactos são registados no respetivo processo. Registos que afirmou não existirem após a resposta de 07/10 (vide 38 fp).
Entre a incerteza do depoimento da testemunha do A., no mesmo registo das suas declarações mencionadas pelo tribunal a quo e pelo recorrente não questionadas, e a assertividade da testemunha da R. nos termos acima mencionados, conclui-se não evidenciar o juízo formulado pelo tribunal a quo no contexto acima analisado erro de julgamento que imponha alteração ao decidido.
Improcedendo por esta via a pretendida alteração do ponto 46 dos factos provados.

Termos em que se conclui pela improcedência da alteração pugnada pelo recorrente à decisão de facto, sem prejuízo da eliminação do ponto 20 dos factos provados acima decidida.
***
6) Do erro na aplicação do direito.
Em função do acima enunciado cumpre apreciar de direito, tendo presente que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, não obstante, sem prejuízo do limite imposto pelo artigo 609º quanto ao objeto e quantidade do pedido, não estar o tribunal vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [vide artigo 5º nº 3 do CPC].
Ao pedido indemnizatório formulado pelo autor subjaz a responsabilidade civil emergente de acidente de viação.
A pretensão indemnizatória formulada pelo A. contra a seguradora R. estava dependente da imputação da culpa na produção do acidente ao condutor do veículo por esta segurado.
Questão que mereceu acolhimento por parte do tribunal a quo e está definitivamente assente entre as partes.
In casu, apenas os valores indemnizatórios estão em discussão.
Pugnou o recorrente:
i- pela alteração do valor indemnizatório fixado a título do dano de privação do uso, sendo ao A. atribuído pelo menos 50% do valor por si peticionado.
Ou quando assim se não entenda, pelo menos quantificados os 41 dias de privação contabilizados pelo tribunal a quo – de 28/08/2015 a 07/10/2015;
ii- pela atribuição do valor indemnizatório peticionado a título de dano não patrimonial e que o tribunal a quo julgou improcedente.
*
A título de indemnização pela privação do uso peticionou o A. a condenação da R. ao pagamento de €13.860,00 contabilizados à razão de €35,00 dia – valor diário correspondente ao aluguer de um veículo ainda que de gama inferior que satisfizesse as necessidades de deslocação do seu agregado familiar – até à data em que adquiriu veículo novo em outubro de 2016.
O valor contabilizado pelo autor corresponde a 396 dias [13.860,00: 35,00 = 396] o que significa a contabilização para fins indemnizatórios do período compreendido entre a data do acidente (28/08/2015) e o dia 31/10/16.
Apreciando os valores a este título peticionados e no que ao dano de privação de uso concerne, justificou o tribunal a quo o decidido nos seguintes termos:
“Assente se encontra o facto do veículo do Autor, em consequência do acidente descrito nos autos e imputável a culpa de veiculo segurado pela ré, ter sido declarado em situação de perda total, declaração esta que o Autor não questiona, apenas contesta o montante indemnizatório/valor venal concedido ao seu carro, por força dessa mesma declaração.
(…)
(…) o Autor, na qualidade de lesado, não aceitou o valor indemnizatório atribuído pela seguradora ré.
Nesse caso, salvo melhor entendimento, caber-lhe-ia discutir, em sede judicial, a adequação de tal montante proposto, sabendo-se que o regime do DL 291/2007 e os critérios aí definidos não são directamente aplicáveis à resolução judicial do litígio.
Certo é que não foi esse o caminho escolhido pelo Autor que permaneceu com o salvado na sua posse e aguardou disponibilidade financeira para adquirir novo veículo, pretendendo imputar os danos de tal privação do uso do veículo, entre o período de eclosão do acidente até à aquisição de nova viatura, à sociedade ré.
Encontra demonstrado que a sociedade ré comunicou ao Autor, por escrito datado de 16 de Setembro de 2015, que, considerando o valor por orçamentado para reparação do veículo e o valor que atribuía ao mesmo antes de acidente, entendia tratar-se de uma situação de perda total.
Mais se encontra demonstrado que a ré remeteu ao Autor, por carta datada de 24 de Setembro de 2015, recibo de pagamento da indemnização que considerava devida (no valor de €3.490,00) e recibo de valor referente a imobilização de veículo entre a data do acidente e 24 de Setembro de 2015 (no valor de €611,10).
Trata-se de envio de recibos por via postal registada, pelo que sabemos que tal informação de perda total e recebimento de recibos de indemnização ocorreu antes de 7 de Outubro de 2015, data em que o Autor, em resposta, contestou o valor indemnizatório fixado e devolveu os recibos de indemnização, por considerar a proposta manifestamente inferior face ao valor venal da viatura, antes do acidente (facto 12).
A este propósito devemos socorrer-nos do disposto no artigo 42.º do DL 291/2007, de 21 de agosto – regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel –, segundo o qual, verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente, pelo período necessário à reparação ou, quando se trate de perda total, até à disponibilização ao lesado do pagamento da indemnização.
Ainda nos termos do mesmo artigo, este direito do lesado e obrigação da seguradora existe sem prejuízo do direito de o lesado ser indemnizado, nos termos gerais, no excesso de despesas em que incorreu com transporte em consequência da imobilização do veículo durante o período em que não dispôs do veículo de substituição.”
E atenta a recusa do autor em receber o valor proposto, por com o mesmo não concordar, direito que o tribunal a quo reconheceu ao A. assistir, expressou o entendimento de a partir de então recair sobre o autor o ónus de “reclamar, mormente accionado acção judicial tendente a discutir e fixar o valor venal do veículo para efeitos de indemnização, o que não fez.”, motivo por que a “a partir do momento em que a seguradora firma a conclusão de perda total e disponibiliza o valor de indemnização, sobre a mesma recai o dever de pagar tal valor e não indemnizar pela privação do uso posterior a tal facto.”.
Assim tendo concluído “Decorrendo dos factos dados como provados que a comunicação de perda total e disponibilização da quantia indemnizatória fixada por esta, foi feita pela sociedade Ré seguradora ao Autor pelo menos antes de 7.10.2015 (dado que o envio por meio de via postal registada sem comprovativo de data de entrega terá de ser resolvida a favor do Autor), entendemos que a indemnização por privação do uso deve ser contabilizada desde a data de ocorrência do sinistro – 28.08.2015 e até essa data, num total de 41 dias.
(…)
No caso em apreço, o autor demonstrou ter sofrido tal dano emergente resultante da utilização de transportes alternativos de aluguer, ficando demonstrado tal valor por meio de recibo junto aos autos, no valor de €1.151,22, valor este devido ao Autor pela sociedade ré e que se fixa a título de privação de uso atendível.
Assim, atendendo ao período de paralisação do veículo do autor nos termos supra expostos, fixa-se a indemnização pelo dano de privação de uso em €1.151,22.”
O recorrente discorda do decidido porquanto e sem questionar a data estabelecida pelo tribunal a quo como aquela em que o recorrente tomou conhecimento do valor indemnizatório estabelecido pela R. seguradora – em 07/10/2015 pelo menos - por referência à data da comunicação mencionada em 38) dos factos provados (vide conclusão BY), reitera ter direito a “Atenta a alteração do julgamento da matéria de facto proposta (…) pelo menos 50% do valor peticionado” (vide conclusão CB).
Valor indemnizatório que por si foi calculado tendo em conta um período de privação do uso do veículo desde a data do acidente e até à data em que adquiriu um novo veículo em outubro de 2016 – dos cálculos se depreendendo ter sido pelo recorrente considerada a data de 31/10/16 (apesar de não o ter especificado).
E quando assim se não entenda, pugna pelo menos pela indemnização dos 41 dias reconhecidos na decisão recorrida.
Quanto a este último segmento decorre da decisão recorrida que o valor arbitrado “a título de privação de uso atendível.” corresponde ao valor despendido pelo autor na “utilização de transportes alternativos de aluguer”, ou seja “€1.151,22.”[10], no período compreendido entre 04/09/2015 e 05/10/2015 – contemplando como tal 31 dias.
E tendo o A. igualmente peticionado a título indemnizatório a condenação da R. ao pagamento das despesas de aluguer do veículo, entendeu o tribunal a quo estar tal valor já consumido pelo valor arbitrado a título de dano de privação de uso atendível, nos termos que aqui se deixam reproduzidos: “No que concerne às despesas de aluguer de veículo, foram já as mesmas contabilizadas em sede de aferição do dano de privação do uso, nos termos supra expostos.”
Evidencia a decisão recorrida ter o tribunal a quo entendido, por um lado, estarem as despesas suportadas pelo autor com o recurso a veículo de substituição pelo período de 31 dias consumidas pelo valor fixado a título de dano de privação de uso e, por outro lado, foi fixado como hiato temporal a contabilizar para efeitos da “indemnização por privação do uso” do veículo o período contido entre a data da ocorrência do acidente – 28/08/2015 e a data assumida como aquela em que o A. terá tido conhecimento da indemnização proposta e disponibilizada pela R. ao A. - 07/10/15 - num total de 41 dias.
Para esse período de 41 dias tendo o tribunal a quo fixado o valor indemnizatório correspondente à despesa dos 31 dias de aluguer do veículo de substituição. Certo sendo ainda que resulta do facto provado 41 que o aluguer de um veículo de gama inferior ao do autor mas que satisfaria as necessidades de deslocação do seu agregado familiar ronda os €35,00. Valor que multiplicado por 41 dias perfaria €1.435,00 e se considerado apenas o valor dos 10 dias que excedem o período do aluguer do veículo de substituição €350,00.
A apreciação desta pretensão impõe um prévio enquadramento dos danos em questão.

" Para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém", [cfr. A. Varela in "Das Obrigações em Geral" vol. 1º, 5ª ed., p. 557].
Nos termos do disposto no art.º 566º n.º 1 do C.C. " A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
2 - Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos." (sublinhado nosso).
Deste normativo legal decorre ser a reconstituição natural a regra, só por via subsidiária e na impossibilidade (excessiva onerosidade ou insusceptibilidade de reparação integral dos danos) se recorrendo à fixação de uma indemnização em dinheiro.
Existindo o dano, aquele que estiver obrigado a repará-lo, deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Obedecendo então o juízo de quantificação da indemnização à teoria da diferença (566º n 2 do CC).
A lei manda "reconstituir, não a situação anterior à lesão, mas a situação (hipotética) que existiria, se não fora o facto determinante da responsabilidade." Ant. Varela in ob. cit. p. 862.
“É a noção de dano patrimonial que interessa ao problema do cálculo da indemnização por equivalente. Mas já é o dano real, como prejuízo in natura que interessa ao problema da causalidade e à questão da opção entre a indemnização mediante restauração natural e a indemnização por equivalente”[11].
Em sede de danos patrimoniais – aqueles que são o reflexo do dano real na situação patrimonial do lesado - abrange a obrigação indemnizatória tanto os danos emergentes, traduzidos no prejuízo causado nos bens ou direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão, como o lucro cessante a que corresponde os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão[12].
No caso dos autos e assente a impossibilidade da reconstituição natural, o A. peticionou como consequência do acidente a condenação da R. à indemnização de vários danos como consequência da imobilização do veículo. Entre os quais e no que ora releva o dano decorrente do recurso a um veículo de aluguer pelo período de 31 dias; bem como o dano decorrente da privação do uso do seu veículo pelo período compreendido entre a data do acidente e a data em que adquiriu um outro veículo em outubro de 2016. Cumulando assim e para o mesmo período temporal o dano de privação de uso e o dano relativo ao aluguer de viatura de substituição.

No que ao dano de privação de uso concerne, temos como correto o entendimento jurisprudencial, maioritariamente seguido pelo STJ que defende constituir este dano um dano autónomo suscetível de indemnização desde que o lesado alegue e prove não só que ficou impedido de utilizar o veículo em causa, como ainda que essa impossibilidade de utilização se traduziu numa efetiva impossibilidade de fruir das utilidades que esse mesmo bem lhe proporcionava, descartando assim a exigência de prova de danos concretos e específicos decorrentes de tal privação que a outra corrente jurisprudencial considera igualmente necessário.
Esta corrente jurisprudencial, menos exigente por não fazer depender a indemnização de tal dano da prova de concretos e efetivos prejuízos, tem ganho força, sendo maioritariamente seguida pelo STJ.
Tal como referido no Ac. STJ de 14/12/2016[13], Relatora Fernanda Isabel Pereira, in www.dgsi.pt [e reportando-se ainda a posição já antes defendida em Ac. de 09/07/2015 pela mesma Relatora no mesmo sítio] este tribunal superior tem vindo maioritariamente a entender “no domínio da responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação que a privação do uso de um veículo automóvel constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o artigo 1305º do Código Civil lhe confere de modo pleno e exclusivo, bastando para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava”.
Recorrendo à distinção que jurisprudencialmente tem sido realçada entre “privação do uso” e “privação da possibilidade do uso”, afere-se a exigida prova de que a privação gerou perda de utilidades que o bem proporcionava ao seu titular. Não bastando, no campo das possibilidades, a suscetibilidade de a coisa poder ser usada durante o período da privação.
E uma vez demonstrada a perda de utilidades (não a mera possibilidade) que decorrerá desde logo do demonstrado uso normal que o lesado fazia da coisa, reconhece-se demonstrado um efetivo prejuízo, porquanto só naquele caso fica demonstrada a privação como causa de prejuízo gerador de indemnização [cfr. nesse sentido Ac. TRP de 08/09/2014 Relator Alberto Ruço e Ac. TRP de 30/06/2014 Relator Manuel D. Fernandes; Ac. TRP 30/01/2017, Relator O. Abreu; Ac. STJ de 08/11/18 do mesmo Relator O. Abreu, publicados todos in www.dgsi.pt].

Assentes os pressupostos indemnizatórios, importa reverter à factualidade provada.
Desta resulta que efetivamente o A. esteve privado das utilidades que o seu veículo lhe permitia fruir desde a data do acidente até à aquisição de um novo veículo em outubro de 2016 [vide entre outros 23 e 40 dos factos provados].
Exceção feita ao período em que recorreu ao aluguer de uma viatura de substituição por 31 dias [vide 30 a 32 dos factos provados].
Durante este período o A. viu supridas as necessidades de deslocação que o seu veículo cumpria, através do recurso a um outro veículo.
E porque o recurso ao mesmo ficou factualmente justificado por via das necessidades do A. e seu agregado familiar, é este um dano emergente indemnizável.
O tribunal a quo incluiu o dano a este título suportado pelo A. no dano de privação de uso do veículo.
Na verdade o enquadramento adequado a este mesmo dano é o acima assinalado. Mas e independentemente do enquadramento do dano feito, é de manter o valor indemnizatório arbitrado porque justificado no quadro factual também já referenciado, mas confinado aos 31 dias em que decorreu o aluguer da viatura.
Pois o valor em questão respeita efetivamente a 31 dias de aluguer de viatura.
Consequentemente verifica-se assistir razão ao A. quando invoca que o tribunal a quo não arbitrou valor indemnizatório pelos restantes 10 dias, do total de 41 que reconheceu ser o período a contabilizar para a indemnização pela privação do uso da viatura.
A pretensão do A. nesta parte é procedente e o valor indemnizatório a arbitrar mantém-se, considerando-se a esta data atualizado, à razão de €35,00 dia [valor em si não questionado nos autos tão pouco] correspondente ao valor que se provou ser necessário ao aluguer de uma viatura que satisfizesse as necessidades do agregado familiar, ainda que de gama inferior – ou seja €350,00 a que se reconhece ter o A. direito.
O A., porém, requereu a título principal que o valor indemnizatório abrangesse o período contido entre a data do acidente e a data de aquisição de uma nova viatura e pelo valor de pelo menos 50% do peticionado.
Desta pretensão é logo de excluir o período em que o A. fruiu das utilidades de um veículo alugado, porquanto durante tal período o dano em questão foi eliminado por via da disponibilidade do veículo alugado e cujo custo foi pelo A. peticionado e reconhecido o direito a do mesmo ser ressarcido.
Quanto ao restante período temporal, há que ter presente que o tribunal limitou a pretensão do recorrente à data a partir da qual ficcionou ter o A. tomado conhecimento do valor arbitrado e colocado à disposição do A. pela R..
Conforme bem referiu o tribunal a quo, podia o A. ter discordado de tal valor. Mas fazendo-o e para que pudesse fundadamente formular pretensão indemnizatória por danos sofridos por período posterior à comunicação da R. teria de ter alegado e provado, entre o mais, que o valor oferecido pela R. era desadequado e insuficiente e assim que a sua recusa em aceitar o valor proposto foi legítima – vide artigos 762º e 763º do CC.
Não foi esta questão alegada e como tal debatida nos autos.
Do disposto no artigo 42º nº 2 do DL 291/2007 decorre que no caso de perda total do veículo, o direito do lesado a um veículo de substituição de características semelhantes ao seu veículo acidentado cessa “no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização”.
O montante a colocar à disposição do lesado, para que cesse a obrigação da seguradora tem de ser o correspondente ao valor da indemnização devida, só então se considerando cumprida a obrigação da seguradora.
Até lá, mantém-se o direito do lesado a um veículo de substituição e na ausência deste o respetivo dano pela privação do uso será uma realidade.
Contudo e porquanto ao A. compete alegar os danos e dos mesmos fazer prova, incumbia ao autor ter alegado e feito prova de que o valor a si disponibilizado era insuficiente, o que não observou.
A implicar a improcedência da pretensão do recorrente em ver-se indemnizado pela privação do uso do seu veículo por valor e período superior ao acima já fixado.
*
Quanto aos danos não patrimoniais, justificou o tribunal a quo a improcedência do pedido nos seguintes termos:
“Ora, os danos que o Autor pretender ver ressarcidos por parte da sociedade ré são os decorrentes da privação de fruição das utilidades do seu veículo, após deixar de dispor do mesmo ou de veículo de aluguer de substituição, com prejuízo para o bem-estar e qualidade de vida própria e do seu agregado familiar.
No entanto, tais danos, em face do exposto sobre o momento de cessação da responsabilidade da ré seguradora em face da declaração de perda total e disponibilização do valor indemnizatório, não são causais à actuação da ré seguradora, por posteriores a tal cessação e, assim, falece a pretensão formulada pelo autor de ressarcimento de danos de natureza não patrimonial.”
A improcedência do pedido nesta sede formulado foi, como resulta do segmento decisório acima extratado, justificado com o facto de o autor ter enquadrado os danos não patrimoniais por si elencados num momento temporal posterior à cessação da responsabilidade da seguradora. Ou seja posterior ao momento em que a R. disponibilizou ao A. o valor indemnizatório tido por si como o correto.
No que respeita à postura da R. neste ponto, reitera-se o acima já afirmado.
Provado que pela R. foi disponibilizado ao autor – em 07/10/2015 - um valor indemnizatório que este não aceitou, incumbia ao A. ter alegado e feito prova da pertinência da sua recusa, ou seja que o valor oferecido não era o suficiente para o ressarcir do dano sofrido pela perda do veículo.
Não o tendo feito, temos que eventual indemnização por danos não patrimoniais apenas poderá ser considerada pelo período contido entre a data do acidente e a data em que o recorrente teve conhecimento da disponibilização do valor indemnizatório por parte da R..
Ou seja entre 28/08/2015 e 07/10/2015.
O A. justificou o seu pedido a título de danos morais nos seguintes termos:
“pela impossibilidade de se deslocar convenientemente, visitar amigos, familiares, passear aos fins de semana, ter de se levantar mais cedo para se deslocar para o trabalho” deverá a R. indemnizar o A. por danos morais sofridos em € 3.500,00 (vide 52 da p.i.).
O pressuposto do pedido são os transtornos e incómodos causados pela não fruição das utilidades do seu veículo.
Estando provado que o A. recorreu ao aluguer de um veículo no período contido entre 04/09/2015 e 05/10/2015, temos que atento os termos em que foi formulado este pedido, também durante este período se deve considerar excluída a verificação de dano, na medida em que a viatura alugada visou satisfazer as necessidades de deslocação do autor.
Restam portanto 10 dias durante os quais o A. efetivamente suportou os incómodos derivados da privação do seu veículo, nos termos apurados, como consequência do evento danoso e que assim deverão pela aqui R. ser indemnizados.
Embora seja um período curto, não se pode negar que os transtornos apurados assumem gravidade suficiente que justificam o respetivo ressarcimento do autor - vide em concreto factos provados 23 a 30, 32, 34, 35 e 40.

Na fixação do quantum indemnizatório, e tal como decorre do disposto no artigo 496º nº 4 do CC, há que recorrer a critérios de equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.
Deste normativo resultam especificadas o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, bem como as “demais circunstâncias do caso”, entre as quais naturalmente há que atender desde logo à gravidade do dano e à necessidade de o valor a arbitrar proporcionar ao lesado uma adequada compensação pelos padecimentos por este suportados.
Desta ponderação da culpa e situação do lesante bem como do lesado se extrai uma dupla funcionalidade desta indemnização: sancionatória e reparadora - cfr. neste sentido Ac. TRP de 08/10/2002, Relator Marques Castilho in www.dgsi.pt/jtrp e Ac. STJ de 21/04/2010, Relatora Isabel Pais Martins, in www.dgsi.pt/jstj e ainda Ac. STJ 23/02/2012, in http://www.dgsi.pt/jstj.pt, Relatora Isabel Pais Martins onde se explica “embora o dinheiro e as dores morais sejam grandezas heterogéneas, a prestação pecuniária a cargo do lesante, além de constituir para este uma sanção adequada, pode contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado.

Neste contexto, assumindo os transtornos causados ao A. relevância traduzidos nas alterações do seu modus vivendi, justifica-se o arbitramento de um valor indemnizatório que contudo e pelo período diminuto a que se reporta, se entende ser de fixar a esta data e como tal já atualizado, em €750,00.
No mais improcede a pretensão do autor deduzida.
*
Procede nestes termos, parcialmente, o recurso apresentado pelo recorrente.
*
***
III. Decisão.
Em face do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto e consequentemente, na revogação parcial da decisão sob recurso, decidindo:
1) Condenar a R. a pagar ao A. a quantia acrescida de €350,00 a título de danos sofridos com a privação do uso do veículo.
2) Condenar a R. a pagar ao A. a quantia de €750,00 a título de danos não patrimoniais.
3) Aos montantes referidos em 1) e 2) acrescendo juros de mora à taxa legal desde a presente decisão até integral pagamento.
4) No mais mantém-se a decisão recorrida.
5) Custas do recurso e da ação na proporção do vencimento e decaimento.
***
Porto, 2020-03-09
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
___________________
[1] Vide neste sentido “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, António S. Abrantes Geraldes, 2ª ed. 2014, p. 157/158 em anotação ao artigo 644º.
[2] Preceitua o artigo 615º nº 1 do CPC
“1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
[3] Cfr. Ac. STJ de 23/03/2017, nº processo 7095/10.7TBMTS.P1.S1 in www.dgsi.pt
[4] Vide Ac. STJ de 30/05/2013, nº processo 660/1999.P1.S1, in www.dgsi.pt sobre a distinção entre nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e decisão versus erro de julgamento.
[5] Neste sentido Francisco Almeida in ob. cit., p. 371; Ac. STJ de 30-09-2010, Relator Álvaro Rodrigues, Ac. STJ de 06/12/2012, Relator João Bernardo e mais recentemente Ac. STJ de 23/03/2017, Relator Tomé Gomes (ambos in www.dgsi.pt/jstj), este último convocando o ensinamento de José Alberto dos Reis in CPC anotado, vol. V, 1981, p. 144-146 sobre a distinção entre erro de julgamento e nulidade de sentença nos seguintes termos (ainda por referência ao anterior 664º do CPC, hoje artigo 5º do CPC e no caso considerando o excesso de pronúncia, mas aplicável por identidade de razões à omissão): “(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.»
[6] cfr. art. 581º n.º 4 do N.C.P.C. e Prof. Anselmo de Castro, in “Lições de Processo Civil”, vol. II, p. 764.
[7] O A. no pedido final, não obstante os danos que assim elencou no montante de €19.377,13, terminou peticionando a condenação da R. ao pagamento de €25.976,34 nos termos no início do relatório reproduzidos.
A diferença entre o valor fixado à ação por decisão já transitada, conforme supra apreciado, e o valor indicado a final no pedido perfaz o montante de € 6.599,21. O valor desta verba não foi indicado em nenhum artigo da petição como um dano concreto por si sofrido e peticionado da R. em sede indemnizatória, nomeadamente como valor correspondente ao valor comercial do veículo do A..
O que se afirma, sem prejuízo de tal valor ser sensivelmente o valor indicado pelo A. na carta que remeteu à R. em 07/10/15 e referida em 38 dos factos provados. Todavia, repete-se, o A. não formulou pedido indemnizatório quanto a este dano, não bastando para tanto invocar uma resposta que enviou à R. e na sequência da qual descreveu os danos que a conduta da R. (ao propor um valor indemnizatório que não aceitou lhe causou – conforme alegado em 48º a 55º da p.i. que acima deixámos reproduzido).
[8] Cfr. Ac. STJ de 22/03/2018, Relator Tomé Gomes, in www.dgsi.pt
[9] Em consonância com o disposto no artigo 662º nº 1 do CPC o qual determina que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.».
[10] Embora não conste expressamente dos factos provados - vide factos provados 30 a 32 – ter sido esse o valor suportado pelo autor com o aluguer da viatura, é tal sobejamente afirmado na decisão recorrida, sustentado no doc. junto com a p.i. e nos autos inserto a fls. 11 e igualmente reconhecido pelas partes. Valor de aluguer que inclui IVA e despesas adicionais no montante de €40,90.
[11] Mesmo autor in ob. cit p. 600.
[12] Vide Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª edição, p. 598 e segs..
[13] Estando em causa um acidente de viação tal como nestes autos, aplicam-se os argumentos invocados na integra ao caso sub judice na medida em que são analisados os pressupostos da indemnização na responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito.