Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
92/11.7JAAVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: CONCURSO DE CRIMES
PENA ÚNICA
EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Nº do Documento: RP2015060592/11.7JAAVR-A.P1
Data do Acordão: 06/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Uma vez transitada em julgado uma decisão que aplica pena de prisão efetiva esta deve ser imediatamente executada ainda que o tribunal tenha que efetuar um cúmulo jurídico que a integre.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 92/11.7JAAVR-A.P1
Instância Central Criminal de Aveiro – J3

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório.
B… recorreu do despacho proferido no processo em epígrafe que indeferiu o seu requerimento para que fosse efectuado cúmulo jurídico entre as penas em que foi condenado neste e no processo n.º 79/11.0AAVR e, em consequência, estabelecida uma pena única, pedindo que o despacho recorrido seja declarado nulo e substituído por outro que ordene a recolha dos mandados de condução ao estabelecimento Prisional, após o que deverá ser realizada audiência e proferida decisão em cúmulo jurídico, em conformidade com toda a prova produzida, concluindo a motivação com as seguintes conclusões:
I. Entende o recorrente não terem sido levadas em consideração todas as circunstâncias relevantes para a boa decisão da causa, sendo que a decisão de emissão dos mandados de condução do recorrente ao Estabelecimento Prisional, após por este ter sido requerido o cúmulo jurídico entre várias penas, não se encontra suficientemente motivada e justificada.
II. O ora recorrente foi julgado e condenado, no âmbito dos presentes autos, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, na forma consumada, na pena de um (01) ano e seis (06) meses de prisão; pela prática de cinco crimes de pornografia de menores, na forma tentada, nas penas de um (01) ano e seis (06) meses de prisão por cada um deles; um crime de pornografia de menores, na forma tentada, na pena de dois (02) anos de prisão; e pela prática de cinco crimes de coacção, na forma tentada, nas penas de nove (09) meses de prisão por cada um deles, tendo sido condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de seis (06) anos de prisão.
III. Os factos delituosos ocorreram entre Junho de 2010 e Maio de 2011, sendo a decisão condenatória datada de 22 de Maio de 2013.
IV. Por sua vez, no âmbito do Processo Comum Singular n° 79/11.OAAVR, da Secção Criminal da Instância Local de Cantanhede, Comarca de Coimbra, foi o arguido, ora recorrente, condenado pela prática de um crime de pornografia de menores na forma agravada, na pena de dois (02) anos e seis (06) meses de prisão; pela prática de um crime de ameaça, na forma agravada, na pena de doze (12) meses de prisão; e pela prática de um crime de perturbação da vida privada, paz e sossego, na pena de dois (02) meses de prisão, tendo sido condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de três (03) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, condicionada a regime de prova.
V. Os factos delituosos objecto desses autos ocorreram entre 01 de Março e 30 de Julho de 2011, tendo sido proferida sentença em 28 de Março de 2014, a qual transitou em julgado em julgado em 06 de Maio de 2014.
VI. Consagra o artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena”.
VII. Atento o atrás exposto, todos os crimes foram praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles. Estando assim verificados iii casu os pressupostos para aplicação do cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos referidos.
VIII. Apesar de ao arguido, ora recorrente, ter sido aplicada, nos presentes autos nos, em cúmulo jurídico, pena de seis (06) anos de prisão, das penas parcelares que entraram neste cúmulo, a mais elevada é de dois (02) anos de prisão.
IX. Ora, nos termos do artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal, a pena aplicável tem como limite mínimo a pena mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, o que significa que para efectuar o pretendido cúmulo jurídico tenha o Tribunal que desmembrar as penas aplicadas em cúmulo nos dois processos.
X. Assim, e mau grado ter sido aplicada em cúmulo jurídico nestes autos uma pena única de seis (06) anos de prisão efectiva, nada impede que, na sequência do desmembramento que se impõe, partindo da pena parcelar mais elevada, de dois (02) anos e seis (06) meses (que foi aplicada na decisão proferida no Processo Comum Singular 110 79/11OAAVR, da Secção Criminal da Instância Local de Cantanhede, Comarca de Coimbra), e sem infringir as regras do cúmulo jurídico, se venha a aplicar pena de prisão não superior a cinco (05) anos, e suspensa na sua execução.
XI. Uma vez que, sendo admissível a aplicação em cúmulo jurídico de uma pena única de prisão suspensa na sua execução, o cumprimento, ainda que parcial, da pena aplicada quando já foi requerido, com fundamento legal, tal cúmulo jurídico, poderia levar a que houvesse penas cumpridas não mantidas posteriormente em virtude de uma eventual suspensão, o que constituiria uma manifesta injustiça material, restringindo desse modo os direitos, liberdades e garantias do arguido, constitucionalmente consagrados (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/10/2008, Recurso penal n.° 303/03.2GTAVR-Bcl, 5.ª Secção, mau grado se tratar de um caso de reabertura da audiência para aplicação retroactiva da lei mais favorável).
XII. Assim, a questão ora suscitada consiste fundamentalmente em saber se se verifica fundamento para suspender a execução dos mandados de condução do arguido ao Estabelecimento Prisional para inicio do cumprimento efectivo de pena de prisão, até que seja apreciado e decidido pelo Tribunal a quo o cúmulo jurídico entre essa pena e uma outra, aplicada têm autos distintos.
Cremos, salvo o devido e merecido respeito, que sim.
XIII. Ao proferir o despacho do qual se recorre, o Tribunal a quo fez tábua rasa sobre a possibilidade da medida da pena aplicada ao arguido poder vir a ser alterada em cúmulo jurídico com outras penas. Querendo que o recorrente cumpra, ou comece a cumprir, uma pena que, com toda a certeza, será alterada.
XIV. Não obstante não existir base legal para o requerimento apresentado pelo arguido, no qual requereu a suspensão da emissão dos mandados de condução, o que é certo é que a sua pretensão não é, de todo, descabida.
XV. Efectivamente, ao serem emitidos os referidos mandados e, consequentemente, o arguido ser conduzido ao Estabelecimento Prisional, estará o mesmo a iniciar o cumprimento de uma pena que, para maior ou menor medida, irá ser modificada.
XVI. Por este motivo, poderia e deveria o Tribunal a quo, ao abrigo do seu poder discricionário, suspender, até à decisão que irá proferir em cúmulo jurídico, a emissão dos mandados, fundamentalmente por uma questão de economia processual e de meios.
XVII. Não obstante não existir norma legal que sustente esta posição, também não existe uma que a proíba.
XVIII. Ademais, a decisão requerida e indeferida no despacho, já foi requerida e deferida num outro processo.
XIX. Assim, no âmbito do Processo Comum Singular n.º 58/08.8GAILH do Juízo de Média Instância Criminal de Ílhavo, da extinta Comarca do baixo Vouga, num caso semelhante ao dos presentes autos, foi pelo ali arguido requerido a realização de cúmulo jurídico e a recolha dos mandados já emitidos, tendo a sua pretensão sido deferida por despacho datado de 14 de Novembro de 2013.
XX. No caso supra referido, ficou o aí arguido a aguardar a realização da audiência de cúmulo jurídico em liberdade para, após decisão, cumprir a pena que, efectivamente, vier a ser decretada.
XXI. No caso dos presentes autos, ao não deferir a pretensão do arguido, ora recorrente, o Tribunal a quo violou o princípio de igualdade, constitucionalmente consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
XXII. Ademais, o despacho recorrido não se encontra devidamente fundamentado no que ao indeferimento da pretensão do recorrente diz respeito, limitando-se o Tribunal a quo a determinar a emissão dos mandados sem justificar tal decisão, violando assim o disposto no n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa.
XXIII. Ao indeferir o pretendido pelo arguido o Tribunal a quo violou os seus direitos fundamentais, constitucionalmente protegidos.

O Ministério Público respondeu ao recurso, pedindo que se lhe negue provimento e se mantenha o despacho recorrido, para tanto alinhando as seguintes razões:
(…)
Entendemos, Senhores Desembargadores, que não Ihe assiste qualquer razão, nem legal nem de economia de meios e processual.
Desde logo, porque, como o próprio recorrente o admite, não tem tal pretensão sua qualquer fundamento legal.
Depois, porque também em concreto se não vê qualquer interesse prático, na medida em que
• não só do facto de iniciar já o cumprimento da pena em que foi condenado nos presentes autos não Ihe resulta qualquer prejuízo, antes pelo contrário,
• como não se vê em que é que a realização do pretendido cúmulo jurídico das penas em causa o beneficia ao ponto de justificar uma qualquer suspensão da execução dos ditos mandados, porquanto estamos perante o cúmulo da pena ultima (a dos presentes autos) -pena única de 6 anos de prisão - com uma pena anterior de 3 anos de prisão suspensa na sua execução, estando em causa em ambos os processos (também) crimes idênticos, sendo absurdo pensar, nesse contexto, na eventual aplicação, em cúmulo, de uma pena única de prisão cuja execução viesse a ser suspensa na sua execução, finalidade que visa em primeira linha com tal requerimento...
Desconhecemos também o caso que o recorrente invoca, ficando por saber em que medida é ou não idêntico ao dos presentes autos, para aferirmos da invocada violação do princípio da igualdade.
Por último, a decisão de emissão dos mandados de condução do arguido ao Estabelecimento Prisional funda-se/justifica-se, naturalmente, no acórdão condenatório devidamente transitado.
E nos autos estão em curso as diligências necessárias à apreciação do requerido cúmulo jurídico depenas.

Nesta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, para tanto louvando-se no seguinte:
(…) em nosso entender, a tese defendida pelo recorrente de que "mau grado ter sido aplicada, em cúmulo jurídico, nestes autos, uma pena única de 6 anos de prisão efectiva, nada impede que, na sequência do desmembramento que se impõe, partindo da pena parcelar mais elevada, de 2 anos e 6 meses, que foi fixada no NUIPC 79/11.0AAVR, de Cantanhede, e sem infringir as regras do cúmulo jurídico, se venha a aplicar pena de prisão não superior a 5 anos, e suspensa na sua execução" é perfeitamente absurda e juridicamente insustentável.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem qualquer sequela por parte do recorrente.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
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II - Fundamentação.
1. O despacho recorrido:
O arguido B… foi condenado nos presentes autos, por acórdão transitado em julgado, na pena única de 6 anos de prisão (cfr. fls. 593 a 628 e 699 a 723).
O cúmulo jurídico de penas requerido pelo mesmo, em 27-01-2015, em nada interfere com tal condenação, podendo o mesmo, se os respectivos requisitos se verificarem, levar à fixação de uma pena única superior àquela (fls. 739 a 745).
Assim, em face daquela decisão transitada, emitam-se mandados para condução do arguido B… ao Estabelecimento Prisional, para cumprir tal pena (art.º 478.º do CPP).
D.N.
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No mais, proceda-se em conformidade com o promovido.
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Oportunamente, após obtida a certidão do Processo Comum Colectivo n.º 79/11.0AAVR, será apreciado o requerido pelo arguido B… quanto ao cúmulo jurídico de penas (fls. 739 a 745).
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2. Poderes de cognição desta Relação e objecto do recurso.
2.1. O âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado.[1] Às quais acrescem as questões que são de conhecimento oficioso desta Relação enquanto Tribunal de recurso, como no caso das nulidades a que se reporta o art.º 119.º do Código de Processo Penal.[2] Tendo isso em conta e uma vez que se não detecta qualquer nulidade no despacho recorrido de entre os que se devesse conhecer ex officio, diremos que as questões a apreciar neste recurso são as seguintes:
1.ª Tendo o recorrente sido condenado nestes autos, por acórdão transitado em julgado em 05-01-2015, pela prática de crimes praticados entre Julho de 2010 e Maio de 2011 quando já o havia sido no processo n.º 79/11.0AAVR, por acórdão transitado em julgado em 06-03-2014, pela prática de crimes praticados entre 01-03-2011 e 30-07-2011, haverá lugar à efectivação de cúmulo jurídico dessas penas?
2.ª Nesse caso, pode o recorrente ser preso para cumprir a pena em que aqui foi condenado sem que seja efectuado o cúmulo de todas as penas, com o fundamento em que será sempre condenado numa pena superior, sabido que a maior de todas elas é inferior a cinco anos de prisão?
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2.2. Vejamos então as questões atrás enunciadas, começando, naturalmente, pela primeira delas.
De acordo com o estabelecido pelo art.º 77.º, n.º 1 do Código Penal, «quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». Daí se impõe concluir que pressuposto do concurso é a verificação de uma pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente antes de qualquer deles ter sido objecto de uma sentença transitada em julgado[3] e isso ocorre quando o seu agente é julgado num mesmo processo pela prática de vários crime.

Porém, muitas vezes acontece um arguido cometer vários crimes que, ao invés da situação atrás retratada, são objecto de vários processos mas isso só vem a saber-se em momento posterior ao julgamento de qualquer deles. Para esses casos rege o art.º 78.º do Código Penal, de acordo com o qual (1) «se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes» e (2) «o disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado». Ainda aqui, vale dizer, «no caso de o conhecimento do concurso ser superveniente, ou seja, quando só após o trânsito em julgado se tem conhecimento da existência de condenações anteriores, aplicam-se as mesmas regras (art.º 78.º, n.os 1 e 2, do CP), devendo o tribunal da última condenação proceder ao cúmulo jurídico das penas como se o conhecimento de todas elas fosse contemporâneo».[4] Porém, é ainda necessário atender a um pormenor: «o conhecimento superveniente do concurso de crimes pode levar a soluções diversas consoante são cometidos antes ou depois da anterior condenação transitada em julgado. Se todos os crimes forem cometidos antes da condenação transitada em julgado por um deles, o tribunal deve realizar um único cúmulo de todos eles. Se uns forem cometidos antes dessa condenação e outros depois, o tribunal deve proceder a cúmulos distintos; tantos quantas as situações de concurso».[5] Isto porque se entende agora, na esteira de jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, que com o actual texto legal deixou de haver lugar ao chamado cúmulo por arrastamento,[6] porquanto, «parte da ideia de que o que se pretende com o cúmulo jurídico superveniente é abranger nesse cúmulo as condenações por infracções que teriam sido apreciadas conjuntamente se delas houvesse atempadamente conhecimento»[7] e, por outro, «aniquila a teleologia e a coerência interna do ordenamento jurídico-penal, ao dissolver a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência (…) E as razões por que a pena aplicada depois do trânsito em julgado, à partida, não deve ser englobada no cúmulo, aplicando-se, antes, as regras da reincidência, resulta do facto de ao assim proceder o arguido revelar maior inconsideração para com a ordem jurídica do que nos casos de inexistência de condenação prévia, deixando de ser possível proceder à avaliação conjunta dos factos e da personalidade, circunstância óbvia para afastar a benesse que representa o cúmulo (…)».[8]

Posto isto, podemos agora baixar ao caso concreto.
Os crimes julgados neste processo foram praticados entre Julho de 2010 e Maio de 2011 e os que o foram no processo n.º 79/11.0AAVR foram-no entre 01-03-2011 e 30-07-2011. Por sua vez, a primeira decisão condenatória foi proferida no processo n.º 79/11.0AAVR em 28-03-2014 e transitou em julgado em 06-03-2014.
Assim sendo, os crimes deste processo estão todos numa relação de concurso com os do processo n.º 79/11.0AAVR pois que o último daqueles foi praticado em Maio de 2011 e o último dos que foi julgado nesse processo foi praticado em 30-07-2011 e a decisão nele foi proferida em 28-03-2014.[9] O que significa que o Tribunal terá que ser efectuar cúmulo jurídico de todas essas penas.

2.3. E a necessidade de efectuar esse cúmulo jurídico reconduz-nos à outra questão por decidir no recurso, qual seja, saber se o recorrente deve ser desde já preso para cumprir a pena única em que foi condenado neste processo porquanto o acórdão nele proferido transitou em julgado e a pena única que resultará do cúmulo das penas parcelares integrantes desse com as penas parcelares integrantes do cúmulo a que se chegou no processo n.º 79/11.0AAVR será necessariamente mais elevada que aqueloutra e por isso não será suspensa na sua execução, como já não a dita pena única deste processo.

Pois bem, a primeira coisa que se nos oferece dizer é esta: não cabe ao Mm.º Juiz do processo dizer se assim será ou não pois que não é ele o materialmente competente para tal decidir mas o Tribunal Colectivo (que porventura integre), pois que a pena máxima aplicável é superior a cinco anos de prisão.[10]

Por outro lado, convém ter presente que para a formação da pena única concorrem, em conjunto, para além dos critérios gerais relevantes para as penas em geral,[11] os factos e a personalidade do agente.[12] E «na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não releva os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele "pedaço" de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa, o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respectiva personalidade».[13] Assim sendo e uma vez que a pena única tem como limite mínimo a pena mais elevada das que se encontram em concurso[14] e que essa é, no caso sub iudicio, a pena de dois anos e seis meses de prisão em que foi condenado no processo n.º 79/11.0AAVR pela prática de um crime de ameaça na forma agravada, dúvidas não restam, salvo o devido respeito por opinião contrária, de que poderá ser condenado em pena de prisão inferior e, portanto, até cinco anos de prisão. Será caso raro, admitimos, mas tem fundamento legal e naturalmente poderá vir a acontecer. Sigamos, de novo, as palavras por Manuel Simas Santos, publicadas em https://repositorio.ismai.pt/bitstream/10400.24/224/1/SS4.pdf, páginas 8 e 9: «Se anteriormente tiverem sido efectuados cúmulos anteriores cúmulos, deve atender-se às respectivas penas únicas conjuntas, apesar de tais cúmulos serem entretanto desfeitos, retomando todas as penas parcelares a sua autonomia. Assim, nada na lei impede que a pena única conjunta a encontrar possa ser inferior a uma outra pena idêntica anteriormente fixada para parte das penas parcelares, embora esse resultado se apresente como uma antinomia do sistema, uma vez que tendo a anterior pena única conjunta transitado em julgado e começado a ser executada, se vê assim reduzida, aquando da consideração de mais pena(s) aplicada(s) ao mesmo arguido. Aceitar-se-á que assim possa ser em casos contados e especialmente justificados, como quando o conhecimento de mais infracções pelo agente constitui o elo perdido entre essas condutas permitindo estabelecer uma clara e franca pluriocasionalidade, até então não estabelecida, ou quando o crime que provoca o cumulo superveniente permite concluir por uma muito menor necessidade da pena».[15] Por isso é que o Tribunal Constitucional considerou «que, na lógica deste sistema, tanto não viola o caso julgado a não manutenção, na pena única, de suspensão de penas parcelares, como a suspensão total da pena única, mesmo que nela confluam penas parcelares de prisão efectiva. Com efeito, uma vez determinada a medida da pena única, se esta for de prisão não superior a três anos, o tribunal tem de obrigatoriamente ponderar a possibilidade de essa pena ser suspensa na sua execução, "se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da puni­ção" (n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal). Se, feita esta ponderação, se concluir por um prognóstico favorável, a pena (única) deve ser suspensa, mesmo que englobe penas parcelares de prisão efectiva; se, ao invés, esse prognóstico for negativo, a pena (única) não deve ser sus­pensa, mesmo que englobe penas parcelares suspensas. A lógica do sistema é sempre a mesma e obedece a dois vectores: (i) no caso de conhecimento superveniente do concurso, tudo se deve passar como se passaria se o conhecimento tivesse sido contemporâneo; mas (ii) a decisão sobre a suspensão da pena deve atender à situação do condenado no momento da última decisão e sempre reportada à pena única.[16]

Mas, se é certo que é ao Tribunal Colectivo, que não ao Mm.º Juiz a quo, que cumpre proferir acórdão fundamentado acerca da medida concreta da pena resultante do concurso de todas as penas de prisão em que o recorrente se mostra definitivamente condenado e se essa pena, eventualmente, ainda pode ser uma pena de prisão suspensa na sua execução,[17] malgrado a pena do concurso aqui cominada ser de seis anos de prisão, a verdade é que estamos perante uma pena de prisão transitada em julgado e, por isso, imediatamente exequível.[18]
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III - Decisão.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, embora não acolhendo todos os seus fundamentos, confirmar o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC (art.os 513.º, n.º 1 e 514º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa).
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Porto, 05-06-2015.
Alves Duarte
Castela Rio
___________
[1] Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Na linha, aliás, da doutrina propugnada por Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil, Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, página 359: «Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.»
[2] Que assim é decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão do Plenário das Secções Criminais, de 19-10-1995, tirado no processo n.º 46.680/3.ª, publicado no Diário da República, série I-A, de 28 de Dezembro de 1995, mantendo esta jurisprudência perfeita actualidade, como se pode ver, inter alia, do acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 18-06-2009, no processo n.º 1248/07.2PAALM.S1, publicado em http://www.dgsi.pt, assim sumariado, na parte relevante: «Continua em vigor o acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-09-1995 (DR I Série - A, de 28-12-1995, e BMJ 450.º/71) que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.» No sentido propugnado, vd. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, 3.ª edição actualizada, página 1049.
[3] Como referiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16-10-2013, no processo n.º 19/09.6JBLSB.L1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt, «o trânsito em julgado de uma condenação estabelece, pois, uma linha de demarcação entre os crimes cometidos antes e depois, impedindo que as penas correspondentes a todos eles sejam abrangidas por uma única pena conjunta. Nesse caso, não haverá concurso, mas sim sucessão de crimes e de penas».
[4] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16-10-2013, no processo n.º 19/09.6JBLSB.L1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[5] Acórdão da Relação do Porto, de 27-10-2010, no processo n.º 988/04.2PRPRT.P2, publicado em http://www.dgsi.pt.
[6] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-11-2013, no processo n.º 125/07.1SAGRD.S1 e de 04-06-2014, no processo n.º 186/13.4GBETR.P1.S1, publicados em http://www.dgsi.pt.
[7] Manuel Simas Santos, visto em https://repositorio.ismai.pt/bitstream/10400.24/224/1/SS4.pdf, páginas 4 e 5.
[8] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-01-2014, no processo n.º 556/10.0PCBRG.G1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[9] Note-se que a data relevante é a da condenação e não a do seu trânsito em julgado (art.º 78.º, n.º 1 do Código Penal), conforme acentuam Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, página 246 e Miguez Garcia e Castela Rio, no Código Penal, Parte geral e especial, Almedina, 2014, página 391.
[10] Art.os 14.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal e 77.º, n.º 2 e 78.º, n.º 1 do Código Penal. Repare-se que só neste processo as penas atingem 13 anos e 3 meses de prisão.
[11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-03-2014, no processo n.º 420/11.5TCGMR.S1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[12] Art.º 77.º, n.º 1, in fine, do Código Penal.
[13] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16-10-2013, no processo n.º 341/08.9PCGDM.P2.S1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[14] Art.os 77.º, n.º 2 e 78.º, n.º 1 do Código Penal.
[15] Em abono desta solução refere o A., no loc. cit., que assim decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 06-11-2008, no processo n.º 2483/08-5, por si relatado, o qual se encontra publicado e pode ser consultado em http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de Justiça de 10-01-2008, no processo n.º 07P3184, publicado em http://www.dgsi.pt.
[16] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 3/06, de 03-01--2006, no processo n.º 904/05, publicado em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060003.html. No mesmo sentido se pronunciam Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, página 247 e Miguez Garcia e Castela Rio, no Código Penal, Parte geral e especial, Almedina, 2014, página 391.
[17] Art.º 50.º, n.º 1 do Código Penal.
[18] Art.º 477.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Neste sentido, Lopes Rocha, em Execução das penas e medidas de segurança privativas de liberdade, Jornadas de Direito Processual Penal — O novo Código de Processo Penal, Livraria Almedina, 1993, página 512 (onde expressamente refere: «Uma vez transitadas em julgamento, as decisões que imponham reacções criminais devem ser imediatamente executadas»).