Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
103/14.4T8PFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
EMPREITADA DE CONSUMO
DEFEITOS
CADUCIDADE
ÓNUS DA PROVA
RENÚNCIA ABDICATIVA
Nº do Documento: RP20161215103/14.4T8PFR.P1
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 639, FLS.221-246)
Área Temática: .
Sumário: I - A nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão (art. 615º, n.º 1 al. c) do CPC) ocorre quando a fundamentação convocada pelo Juiz conduza, em termos lógico-dedutivos, a conclusão decisória divergente da proferida.
II - O art. 1219º do Código Civil consagra uma causa de renúncia abdicativa legalmente presumida, na medida em que o legislador presume, de forma absoluta, que o dono da obra que aceita esta, conhecendo os seus defeitos (aparentes ou ocultos), sem os denunciar no acto de aceitação da obra, renuncia à responsabilização do empreiteiro pelo cumprimento defeituoso da sua prestação.
III - Através do art. 1219º do Cód. Civil o legislador pretende afastar a tutela do dono da obra que, agindo com incúria ou displicência perante a colocação da obra concluída à sua disposição por parte do empreiteiro, omite a verificação da mesma e/ou a comunicação dos resultados dessa verificação.
IV - Estando em causa um negócio tendente à construção de uma moradia (prometida vender após a respectiva edificação), celebrado no âmbito da actividade comercial da empreiteira/vendedora, e sendo a moradia destinada à habitação familiar (permanente ou não) do agregado familiar dos donos da obra (e compradores) – pessoas singulares -, estar-se-á perante uma relação de consumo, seja o contrato qualificável como compra e venda, empreitada ou com um contrato misto, reunindo as prestações de ambos os tipos contratuais, submetida ao regime jurídico emergente da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96 de 31.07) e do DL n.º 67/2003 de 8.04.
V - Neste contexto, estando em causa a construção ou a venda de um bem imóvel, o prazo de denúncia dos defeitos consagrado pelo art. 5º-A, n.º 2 do citado DL n.º 67/2003 é de um ano a contar da data em que tiver sido detectado o defeito, incumbindo ao vendedor ou empreiteiro a prova do decurso desse prazo para efeitos de procedência da excepção de caducidade.
VI - Apenas são de considerar como defeitos juridicamente relevantes as desconformidades entre o convencionado e o executado ou fornecido (independentemente do reflexo que tenham no valor ou na funcionalidade do bem) e os vícios que afectem negativamente o valor do bem ou a sua funcionalidade ordinária (das coisas idênticas em termos de categoria ou género) ou específica, consoante o fim expressa ou implicitamente previsto no programa contratual.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 103/14.4T8PFR.P1 - Apelação
Origem: Comarca do Porto Este – Paços de Ferreira - Instância Local – Secção cível – J1.
Relator: Jorge Seabra
1º Adjunto Des. Sousa Lameira.
2º Adjunto Des. Oliveira Abreu
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Sumário (elaborado pelo Relator):
I. A nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão (art. 615º, n.º 1 al. c) do CPC) ocorre quando a fundamentação convocada pelo Juiz conduza, em termos lógico-dedutivos, a conclusão decisória divergente da proferida.
II. O art. 1219º do Código Civil consagra uma causa de renúncia abdicativa legalmente presumida, na medida em que o legislador presume, de forma absoluta, que o dono da obra que aceita esta, conhecendo os seus defeitos (aparentes ou ocultos), sem os denunciar no acto de aceitação da obra, renuncia à responsabilização do empreiteiro pelo cumprimento defeituoso da sua prestação.
III. Através do art. 1219º do Cód. Civil o legislador pretende afastar a tutela do dono da obra que, agindo com incúria ou displicência perante a colocação da obra concluída à sua disposição por parte do empreiteiro, omite a verificação da mesma e/ou a comunicação dos resultados dessa verificação.
IV. Estando em causa um negócio tendente à construção de uma moradia (prometida vender após a respectiva edificação), celebrado no âmbito da actividade comercial da empreiteira/vendedora, e sendo a moradia destinada à habitação familiar (permanente ou não) do agregado familiar dos donos da obra (e compradores) – pessoas singulares -, estar-se-á perante uma relação de consumo, seja o contrato qualificável como compra e venda, empreitada ou com um contrato misto, reunindo as prestações de ambos os tipos contratuais, submetida ao regime jurídico emergente da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96 de 31.07) e do DL n.º 67/2003 de 8.04.
V. Neste contexto, estando em causa a construção ou a venda de um bem imóvel, o prazo de denúncia dos defeitos consagrado pelo art. 5º-A, n.º 2 do citado DL n.º 67/2003 é de um ano a contar da data em que tiver sido detectado o defeito, incumbindo ao vendedor ou empreiteiro a prova do decurso desse prazo para efeitos de procedência da excepção de caducidade.
VI. Apenas são de considerar como defeitos juridicamente relevantes as desconformidades entre o convencionado e o executado ou fornecido (independentemente do reflexo que tenham no valor ou na funcionalidade do bem) e os vícios que afectem negativamente o valor do bem ou a sua funcionalidade ordinária (das coisas idênticas em termos de categoria ou género) ou específica, consoante o fim expressa ou implicitamente previsto no programa contratual.
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO

1. B… e mulher C…, ambos residentes em Paços de Ferreira, intentaram a presente ação declarativa de condenação sob a forma comum contra “D…, Lda.”, com sede em … – Lousada, pedindo, a final, que seja a Ré condenada a:
a) Reparar e eliminar os defeitos existentes no prédio propriedade dos Autores e melhor identificados na p. i. e a entregar tal prédio em estado de novo e perfeitamente apto à finalidade a que se destina;
b) Caso a Ré se recuse a reparar e eliminar os defeitos existentes no prédio propriedade dos Autores, seja ela condenada a pagar aos Autores o montante necessário para a reparação e eliminação total desses defeitos, montante este a liquidar ulteriormente;
c) Caso se revele tecnicamente impossível proceder à reparação/eliminação dos defeitos existentes no prédio propriedade dos Autores, seja a Ré condenada a realizar uma nova construção para os Autores, de acordo com o projeto da edificação atualmente existente;
d) Deverá ainda a Ré ser condenada a pagar aos Autores todos os danos patrimoniais por estes sofridos, e melhor descritos sob os artigos 46º a 68º da p. i. que, à data da propositura da ação se liquidam em 5.050 €, bem como aqueles que entretanto se forem vencendo e que os Autores se vejam forçados a pagar até final dos presentes autos.
e) Finalmente, deverá a Ré ser condenada no pagamento aos Autores, de quantia nunca inferior a 10.000€ a título de danos não patrimoniais, conforme alegado sob os artigos 69º a 84º da p. i..
Fundamenta a sua pretensão, em síntese, no facto de ter acordado com a Ré a construção e a respectiva venda do prédio urbano identificado no artigo 6º da p. i., cujo preço ascendeu a 197.250,00€, integralmente pago e de o prédio não ter ficado acabado e possuir muitos defeitos de construção que impediram os Autores de o ir habitar, o que lhes causou graves prejuízos.
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2. Citada, a Ré contestou, invocando, em suma, que procedeu à reparação dos vários defeitos que foram surgindo, não restando atualmente quaisquer defeitos na obra. Mais invoca que quando outorgaram a escritura, os Autores bem conheciam a obra e nunca reclamaram de tais defeitos, pelo que já caducou o direito de os Autores exigirem agora a sua reparação.
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3. Os Autores responderam, na audiência prévia, à excepção de caducidade, invocando que existe numerosa correspondência trocada entre as partes que demonstra que os Autores reclamaram atempadamente os defeitos e, ainda que assim não se entendesse, por carta de 23.01.2014, denunciaram à Ré todos os defeitos cuja reparação peticionam, pelo que, tendo a acção dado entrada em Juízo em 6.11.2014, consideram-se cumpridos todos os prazos legalmente previstos para a denúncia dos defeitos.
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4. Proferiu-se despacho saneador no qual se declarou válida e regular a instância, relegando para final o conhecimento da exccepção de caducidade.
Fixou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
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5. Efectuado o julgamento foi a acção julgada parcialmente procedente, condenando-se a Ré a proceder, a expensas suas, à correcção definitiva na casa de habitação dos AA. dos defeitos elencados no ponto 22), alíneas a) a zz) da matéria factual constante da sentença, e no pagamento da indemnização, a título de danos patrimoniais, da quantia de € 20.074,00, acrescida da que se vier a liquidar, à razão mensal de € 500, 00, pela privação da vivenda, desde a presente data até à data em que a aludida vivenda ficar em condições de ser habitada e juros de mora, à taxa legal de 4% a contar da citação e até integral e efectivo, assim como da indemnização, a título de danos não patrimoniais, de € 5.000,00, acrescida dos mesmos juros desde a data da sentença e até integral pagamento.
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6. Inconformada com a dita sentença, dela veio a Ré interpor recurso de apelação, deduzindo as seguintes
CONCLUSÕES
I. Foram violados, entre outros, os arts. 627.º, 629.º n.º 1, 631.º n.º 2, 638.º, n.º 1 e 639.º e 615º, nº1, alinea c) todos do Código de Processo Civil, e art. 1219º, 1224º e 1225º, todos do Código Civil.
II. Os apelados confessaram (com força probatória plena) que tomaram conhecimento dos defeitos a 22 de Março de 2013 (data da outorga da escritura pública), tendo intentado a presente acção a 6 de Novembro de 2014.
III. Pelo que, nos termos do art. 1224º do Código Civil, caducou o direito dos ora apelados a peticionar a reparação de tais defeitos.
IV. A decisão de que se recorre erradamente deu como provados os factos elencados em 22 c) e 22 dd) e 22gg).
V. A factualidade vertida em 21º e 22º da Contestação deve ser dada como provada.
VI. Tendo em conta o provado acordo entre as partes no que à carpintaria, cozinha e bomba de calor concerne, dúvidas não subsistem que os apelados receberam a moradia em regulares condições.
VII. Alegar assim a falta de habitabilidade configura manifesto abuso de direito, excepção que expressamente se invoca para todos os legais efeitos.
VIII. Julgada provada a habitabilidade da moradia, deverá improceder totalmente o pedido indemnizatório formulado.
IX. Deve, pois, a Decisão ser alterada, julgando-se improcedente o pedido de condenação nos danos patrimoniais e não patrimoniais.
X. As contradições antes descritas encerram uma nulidade, a qual, desde já e expressamente, se argui, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 615º, nº 1 c) do C.P.C.
Concluiu, assim, a apelante pela procedência do recurso e pela revogação da sentença proferida.
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7. Os apelados ofereceram contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.
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8. Foram cumpridos os vistos legais.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso -cfr. arts. 635º, nº 3, e 639º, nsº 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, na redacção emergente da Lei n.º 41/2013 de 26.06 [doravante designado apenas por CPC].
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No seguimento desta orientação, as questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
a)- nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão – art. 615º, n.º 1 al. c)- do CPC;
b)- excepção de caducidade quanto ao direito à eliminação ou correcção dos defeitos;
c)- julgamento da matéria de facto, concretamente os pontos 22 c), 22 d) e 22 gg) da sentença recorrida, que deveriam ter sido julgados como não provados, e desconsideração dos arts. 21º e 22º da contestação da Ré que deveriam ter sido julgados como provados;
d)- a invocação da falta de habitabilidade da vivenda por parte dos autores integra uma situação de abuso de direito, em razão do que improcede totalmente o pedido indemnizatório, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, deduzido pelos autores.
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II.I. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a considerar provados são os seguintes:
1. A Ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à construção, promoção e comercialização de empreendimentos imobiliários.
2. No exercício do seu objeto comercial, a Ré desenvolveu e promoveu a construção e venda de prédios urbanos destinados a habitação (habitações unifamiliares) em lotes de terreno de sua propriedade, e sitos na Rua … da freguesia …, concelho de Paços de Ferreira.
3. Os Autores, por pretenderem adquirir uma habitação de tipo unifamiliar, entre agosto e setembro de 2010, visitaram o empreendimento referido em 2), tendo então encetado negociações com a Ré e tendentes à aquisição de uma habitação nesse empreendimento.
4. Tais negociações vieram a culminar na celebração de um contrato promessa de compra e venda de uma habitação a edificar no lote .. sito na Rua …, freguesia …, concelho de Paços de Ferreira, que veio a sofrer posteriores aditamentos, nos termos constantes dos documentos de fls. 38 a 59, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. Na data de assinatura do contrato promessa de compra e venda ia iniciar-se o processo de edificação.
6. Por escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, de 22/03/2013, celebrada no escritório do Dr. E…, Advogado, os Autores adquiriram à ora Ré, por compra, o prédio urbano, composto por casa de habitação com 2 andares e logradouro, sito na Rua …, lote .., da freguesia …, concelho de Paços de Ferreira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o nº 2336 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 2497º – cfr. documento de fls. 60 a 77 que se dá por integralmente reproduzido.
7. A habitação em causa foi adquirida pelos Autores à Ré pelo preço de 197.250,00€ (cento e noventa e sete mil, duzentos e cinquenta euros), integralmente pago pelos Autores.
8. A habitação adquirida pelos Autores destinava-se à sua habitação própria e permanente.
9. Na data de aquisição do imóvel - 22/03/2013 - os Autores não foram, imediatamente, habitar a vivenda.
10. Na data referida no ponto anterior, ainda faltavam alguns acabamentos, nomeadamente, pinturas interiores e colocação do módulo do videoporteiro, bem como a obtenção final de solução para o problema dos estores, que a Ré se comprometeu a concluir e reparar.
11. O tempo foi decorrendo sem que a Ré concluísse tais acabamentos, ficando, por isso, os Autores impossibilitados de habitar a vivenda.
12. Quando a Ré terminou a realização das pinturas interiores (em vésperas da época de Natal de 2013), e os Autores se aprestavam a efetuar as mudanças para a vivenda, mesmo sujeitando-se a pequenos acertos que ainda seria necessário realizar, e sem que estivesse assegurado o normal funcionamento dos estores, descobriram que, devido às chuvas que naquela altura ocorreram, verificaram-se grandes infiltrações de água na vivenda, designadamente ao nível da sala situada no rés-do-chão, suite e respetivo wc, escritório, garagem e hall dos quartos, levando, nomeadamente, a que o teto falso existente na sala, caísse, danificando o soalho.
13. Para além de existirem fortes infiltrações de água pelas esquinas de todas aquelas divisões, onde as paredes se unem ao teto, tal facto impediu que os Autores fossem habitar a vivenda nesse mês de dezembro de 2013, sendo que, desde então e até à presente data, ainda não conseguiram habitá-la.
14. Nesse mês de dezembro de 2013, parte da tela asfáltica da cobertura, nomeadamente da pala posterior da suite situada ao nível do primeiro andar, foi totalmente arrancada, devido ao facto de ter sido mal colocada, e parte dos estores da vivenda foram arrancados, o que causou as infiltrações de água referidas.
15. A água escorria pelos tetos e paredes e foi necessário colocar baldes para aparar a água que caía nessas várias divisões.
16. Com a entrada de água e as humidades existentes no interior da habitação, o pavimento em madeira de sucupira ficou danificado e afetado, tendo que ser substituído.
17. As infiltrações e humidades têm vindo a causar problemas ao nível dos rodapés das divisões em causa, bem como nos apainelados das portas, respetivas ombreiras e janelas dessas divisões e em toda a obra de carpintaria em geral.
18. Os Autores, entretanto, por carta de 23.01.2014, recebida em 24.01.2014 denunciaram os defeitos que eram visíveis nesse momento nos termos constantes do documento de fls. 81 a 83, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
19. A Ré procedeu à reconstrução do teto falso que havia caído, mas o teto voltou a cair com as consequentes infiltrações e repetição dos episódios de entrada de água na habitação.
20. Por email de 19 de março de 2014, à Ré, prontificou-se a fazer as reparações que fossem necessárias nos termos constantes do documento de fls. 94/95, que se dá por reproduzido.
21. Por carta de 26.06.2014, os Autores, por intermédio do seu Ilustre Mandatário, interpelaram de novo a Ré para que procedesse à reparação dos defeitos, nos termos constantes do documento de fls. 91, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
22. À data da propositura da ação, a vivenda adquirida pelos Autores apresentava ainda as seguintes deficiências e/ou omissões:
a) Em geral, os estores existentes na vivenda não abrem/enrolam na sua totalidade, sendo que levado ao máximo a sua abertura fica sempre uma zona do estore por enrolar, ocultando, assim, parte dos vãos (portadas/janelas) onde estão colocados;
b) Todos os estores estão empenados, desnivelados e desalinhados, relativamente aos vãos (portadas/janelas) e calhas/guias respetivas e as caixas onde enrolam não possuem isolamento térmico;
c) Existe uma pequena diferença de tonalidade entre a cor dos estores e a cor das respetivas caixilharias;
d) O portão da garagem apresenta-se parcialmente danificado, evidenciando alguma oxidação (ferrugem), tendo algumas travessas empenadas e com as borrachas de vedação rasgadas e soltas, permitindo a entrada de água nessas zonas.
e) Na zona do pavimento, onde o portão apoia, existem infiltrações de águas pluviais, por não existir contra soleira para remate do pavimento.
f) A pintura do portão da garagem encontra-se parcialmente danificada;
g) As paredes exteriores, na zona da garagem, apresentam-se manchadas, fruto das infiltrações de água a que têm sido sujeitas;
h) O portão exterior (grande) no muro de vedação frontal do lote onde se insere a vivenda não abre na sua totalidade (apenas cerca de 1 metro), não permitindo a entrada de viaturas automóveis para acesso à garagem;
i) O portão exterior (pequeno) no muro de vedação frontal do lote tem o trinco elétrico fora de funcionamento;
j) Os portões exteriores (pequeno e grande) no muro de vedação frontal do lote onde se insere a vivenda apresentam a pintura totalmente danificada, com zonas enferrujadas;
l) O muro de vedação exterior está desaprumado e a sua espessura não é constante em toda a sua extensão;
m) As fachadas exteriores da habitação apresentam fissuras várias com necessidade absoluta e urgente de reparação e, em alguns locais, o acabamento superficial (reboco) presenta-se totalmente degradado, apresentando alterações quer na sua cor quer na sua textura e estrutura;
n) O muro de vedação exterior do lote onde se insere a vivenda apresenta, em locais pontuais, o reboco e a pintura degradados;
o) Não estão aplicados os focos de iluminação exterior;
p) A platibanda da cobertura da zona de entrada principal da casa apresenta-se fissurada e com vestígios de infiltração de humidades. Tendo sido realizado um teste de estanquicidade, constatou-se a infiltração de um grande teor de humidades.
q) Algumas zonas das fachadas têm as lajetas de ardósia descoladas, sendo necessário proceder à sua substituição;
r) Os pátios exteriores da zona do logradouro e jardim são em massame de betão, faltando aplicar o acabamento/revestimento final;
s) Em algumas zonas localizadas, mais especificamente nas zonas de fixação dos rodapés, o reboco interior e respetiva pintura das paredes dos vários compartimentos da habitação apresenta-se degradado e com zonas partidas;
t) Na sala e no escritório, no reboco interior, nomeadamente junto aos rodapés, são visíveis, a olho nu, vestígios de infiltração de humidades;
u) Na casa de banho de um quarto é visível falta de ortogonalidade entre o soalho e das paredes;
v) As telas de cobertura ao nível dos terraços do 1º andar deixam passar água para o interior da habitação. No ensaio realizado no âmbito da perícia judicial, constatou-se que existem dois pontos de infiltração de águas, nomeadamente pelo teto da sala e pelo teto da lavandaria.
x) Parte do terraço do 1º andar não possui acabamento, apresentando-se, presentemente, em algumas paredes, em cimento afagado;
z) O soalho do pavimento, no seu geral, apresenta-se riscado e, pontualmente em alguns cómodos, apresenta as juntas entre as tábuas abertas;
aa) Em alguns locais as tábuas do soalho não estão em esquadria com as paredes divisórias dos compartimentos;
bb) A iluminação da suite não funciona;
cc) Existem pontualmente rodapés riscados, incluindo na zona dos roupeiros, com necessidade de reparação;
dd) A instalação da domótica e respetivo funcionamento encontra-se por concluir;
ee) Algumas sancas dos estores das janelas da suite e respetiva casa de banho e sala, bem como algumas portas da habitação e ombreiras respetivas encontram-se danificadas pela exposição a elevado teor de humidade;
ff) Os tetos falsos da sala da lavandaria e respetiva pintura apresentam-se danificados em resultado da entrada de água;
gg) Existem algumas peças de cerâmica do wc da suite e da cozinha que se apresentam riscadas.
hh) Na zona da garagem verifica-se um cheiro amorfo e nauseabundo;
ii) O painel de madeira da entrada e respetiva porta possuem ligeiros riscos e o aro inferior da porta não possui acabamento;
jj) Algumas janelas e respetivas caixilharias apresentam problemas no seu manuseamento, nomeadamente impossibilidade de fecho;
ll) Não existem “ralos” na varanda para filtragem de água;
mm) O piso radiante colocado não corresponde ao indicado inicialmente e por email (ROTH), marca que presta garantia do piso e da instalação de 10 anos e valores de indemnização de 1.000.000,00, tendo sido colocado outro de qualidade inferior, mas houve entretanto acordo entre as partes, de colocação de material da marca Relopa Troia, com obtenção da mesma garantia pela Marca.
nn) Na generalidade, os motores dos estores não funcionam.
oo) Não existe “tapa vistas” lateral do prédio, em chapa;
pp) Não existem acessórios nas casas de banho;
qq) Alguns rodapés encontram-se danificados;
rr) A pintura da habitação (tanto interior como exterior) encontra-se danificada em alguns locais pontuais, em consequência das infiltrações de água;
ss) Existe diferença na cor entre a porta de entrada da habitação e os aros de alumínio da entrada;
tt) As portas de acesso aos contadores de água, gás e eletricidade encontram-se danificadas e a sua cor é diferente da cor existente no muro onde estão aplicados;
uu) O sistema de aquecimento de água via painéis solares e respetivos circuitos não se encontram a funcionar;
vv) O recuperador de calor está com a pintura parcialmente danificada;
xx) Os portões exteriores da habitação encontram-se totalmente avariados;
zz) As caixilharias da habitação estão, em geral, danificadas;
23) Em consequência do referido em 22), os Autores continuaram impossibilitados de ir habitar na vivenda.
24) Os Autores quando celebraram a escritura de compra e venda, tinham a expectativa de ir residir para a vivenda por volta do mês de maio de 2013.
25) Até à presente data, a Ré não procedeu à correção das deficiências e acabamentos referidos no ponto 22).
26. Em 5.12.2013 os Autores celebraram contrato promessa de compra e venda do apartamento de que eram proprietários e onde se encontravam a habitar, nos termos do qual se comprometiam a celebrar a escritura definitiva de compra e venda até 05.04.2014 – cfr. cláusula 2ª do contrato, cuja cópia consta a fls. 112 a 114 e se dá por integralmente reproduzido.
27. Mais ficou estabelecido que os Autores ainda poderiam ficar a habitar nessa fração autónoma, para além da data da escritura, e até 05.07.2014, mas mediante o pagamento de uma compensação, aos promitentes adquirentes, no montante de 300€ mensais, acrescido do condomínio no montante mensal de € 60.
28. Por não poderem habitar na vivenda que adquiriram à Ré, os Autores tiveram que permanecer no apartamento que haviam vendido entre 05.04.2014 e 05.07.2014, ou seja, durante o período de 3 meses.
29. Durante este período os Autores tiveram que pagar, conforme acordado no contrato promessa a quantia mensal de 300€, acrescida da quantia global de € 180 a título de quotas do condomínio.
30. Após 05.07.2014, os Autores tiveram que sair do apartamento que venderam e foram residir para uns anexos, sem as condições de conforto a que estavam habituados, na casa dos pais da Autora mulher até que pudessem habitar a vivenda que haviam adquirido à Ré, situação que se mantém atual.
31. Em consequência do descrito nos pontos 9) a 30), os Autores têm passado por sofrimento moral intenso e desgaste psicológico, pois a aquisição da vivenda em causa constituía a realização de um projeto e de um sonho de uma vida de casal que acabou por se transformar num duro pesadelo.
32. Os Autores encontram-se a pagar um empréstimo bancário para aquisição de uma vivenda de que não usufruem.
33. Têm sofrido desgosto e tristeza por não poderem ter a vida que desejavam no local que escolheram e já não são capazes de olhar para essa vivenda como a sua casa de sonho, mas apenas como a materialização de problemas.
34. Os Autores ficaram em situação de pesar, abatidos e deixaram de conviver com os amigos como vinham fazendo anteriormente.
35. A aquisição das louças cerâmicas e a carpintaria ficaram a cargo dos Autores.
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III- O DIREITO

A. Nulidade da sentença (art. 615º, n.º 1 al. c) do CPC).
Como resulta da fixação do objecto do presente recurso [delimitado, como se referiu, pelas conclusões recursivas, salvo no que seja de conhecimento oficioso] a primeira questão que importa dirimir refere-se à alegada nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão e/ou por ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível.
Com efeito, segundo o disposto no art. 615º, n.º 1 al. c)- do CPC, é «nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.»
Quanto à primeira hipótese (contradição entre os fundamentos e a decisão), ela bem se compreende, pois que os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a mesma, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário.
Tratar-se-á, portanto, dito de outra forma, de a conclusão (decisão) decorrer logicamente das premissas argumentativas expostas na decisão.
Assim sendo, existirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença (ou do despacho) apenas quando os respectivos fundamentos conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada.
Por outro lado, quanto à segunda hipótese (obscuridade ou ambiguidade da sentença) ela ocorrerá sempre que a sentença seja obscuro ou ambíguo, ou seja, quando contenha algum passo cujo sentido não seja inteligível, ou quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes, não se sabendo o que o juiz quis dizer, na primeira situação, e hesitando-se entre dois sentidos diferentes e, porventura, opostos, na segunda.
Em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade; se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas e antagónicas, não se sabe ao certo qual o pensamento do juiz.
Neste sentido, o despacho/sentença ou acórdão será obscuro quando contenha algum passo cujo sentido seja ininteligível e será ambíguo quando alguma passagem se preste objectivamente a interpretações diferentes.
Ora, nesta matéria, e ponderando a argumentação exposta pelo ora Recorrente (que se alcança dos n.ºs 15 a 45 do corpo das alegações recursórias), é patente que o vício invocado pelo apelante nada tem que ver com a apontada nulidade da sentença, com a sua concordância lógica ou a sua inteligibilidade, as quais, diga-se, não são minimamente suscitadas ou postas em causa no recurso do apelante.
É que, devidamente interpretadas as aludidas alegações recursórias do apelante, o que nelas se suscita não é a ocorrência de uma contradição lógica entre a fundamentação e a decisão proferida, mas antes um eventual erro de julgamento ou «error in judicando» por errónea valoração dos meios de prova produzidos nos autos (e que o apelante invoca) ou por errónea análise/ponderação da factualidade provada e não provada e erróneo julgamento ou subsunção jurídica do direito aos factos.
Com efeito, o que se alcança com clareza da argumentação recursiva é que o apelante discorda de terem sido julgados como provados os factos 22 c), 22 d) [vide n.ºs 15 a 20 do corpo alegatório], 22 g) [vide n.ºs 21 a 25 do corpo alegatório], de não terem sido julgados provados os factos constantes dos arts. 21º e 22º da sua contestação [vide n.ºs 26 a 38 do corpo alegatório] e, ainda, de ter lhe ter sido assacada a «responsabilidade» pela reparação ou eliminação dos defeitos antes referidos, atenta a factualidade que se deve ter por demonstrada, nos termos por si defendidos.
Por outro lado, ainda, como também se alcança dos pontos n.º 39 a 45 do mesmo corpora legatório, o que ali a apelante esgrime é a sua discordância face à subsunção jurídica efectuada na sentença recorrida e que conduziu à sua condenação quanto aos danos patrimoniais e não patrimoniais, que, na sua perspectiva, não se deverá manter.
Ora, perante este quadro argumentativo da apelante, é evidente, segundo cremos, que, de facto, a questão suscitada não se nos coloca em sede de uma eventual nulidade da sentença (vício lógico – formal, atinente ao raciocínio exposto pelo juiz na sentença, à sua concordância intelectual-dedutiva e significado enunciativo e decisório), mas antes em sede de um eventual erro de julgamento, seja esse erro atinente à própria fundamentação/motivação da matéria factual, a impor, observados os devidos ónus pelo recorrente (art. 640º do CPC), a sua respectiva reapreciação por este tribunal superior (cfr. art. 662º, n.º 1 do CPC), seja ele atinente à interpretação e aplicação do direito ao quadro factual relevante, com a consequente reapreciação jurídica da solução do litígio.
Todavia, seguro será que, no enquadramento suscitado pela apelante, a figura da nulidade da sentença não terá, com o devido respeito, aplicação ao caso dos autos.
Por outro lado, ainda, é de referir que, analisada a sentença proferida nos autos, nela não só é patente e clara a argumentação facto-jurídica invocada pela Srª. Juiz, assim como a concordância lógico-dedutiva entre a argumentação invocada e os segmentos decisórios contidos na sentença proferida a final, que apontam claramente para a procedência parcial da acção (evidente a concordância lógica entre os fundamentos e a decisão), independentemente da questão do mérito da mesma sentença em sede de julgamento de facto e/ou de direito, questão esta que, como já se expôs, em nada contende com a nulidade da sentença invocada pela apelante, mas antes, como também já se aludiu, com um eventual «error in judicando», a conhecer em sede própria. [1]
Como assim, tem a sobredita nulidade que improceder, o que julga.
* *
B. Caducidade quanto ao direito à eliminação ou correcção dos defeitos em apreço.
Relativamente à excepção de caducidade, e segundo se percebe das suas alegações, sustenta a apelante que, tendo os apelados outorgado a escritura de compra e venda do imóvel em apreço a 22.03.2013, sem ali consignar qualquer reserva quanto à aceitação da obra em apreço (assim conhecendo os defeitos da mesma), e vindo a propor a presente acção (tendo em vista a eliminação ou correcção de tais defeitos) a 6.11.2004, à luz do preceituado no art. 1224º do Código Civil, caducou o direito dos mesmos à reparação de tais defeitos.
Por outro lado, ainda, sustenta a apelante que, à luz da confissão dos autores (art. 14º da respectiva petição inicial) do conhecimento pelos mesmos das características da obra à data da sua aquisição (que aceitaram, sem qualquer reserva), excluída estará a sua responsabilidade (art. 1219º do Cód. Civil), pelo que jamais poderia ser condenada a reparar os defeitos nos termos da sentença recorrida.
Decidindo.
Não obstante a apelante tenha situado as duas questões antes enunciadas no âmbito da excepção de caducidade (vide pontos n.ºs 5. a 14. do corpo alegatório), deve dizer-se que só a primeira questão se situa propriamente nessa sede, pois que a segunda em nada contende com a excepção de caducidade.
Com efeito, a previsão do art. 1219º do Cód. Civil não exclui a responsabilidade do empreiteiro em razão do decurso dos prazos de denúncia dos defeitos, do exercício dos direitos consignados nos arts. 1221º, 1222º e 1223º ou do prazo de garantia, seja o geral de 2 anos a contar da entrega (art. 1224º, n.º 2), seja o específico de 5 anos a contar da entrega, para os imóveis destinados a longa duração (art. 1225º, n.º 1), mas antes em razão apenas da aceitação sem reservas da obra por parte do dono da mesma e relativamente aos defeitos (aparentes, que se presumem conhecidos – art. 1219º, n.º 2 - ou ocultos) que sejam do seu conhecimento, à data da dita aceitação (sem reservas) da obra.
Fazendo, precisamente, esta distinção, referem ANTUNES VARELA, P. LIMA, que «se o dono da obra, conhecendo os defeitos, aceita a obra sem reserva, perde o seu direito, nos termos do artigo 1219º. Não há que falar em caducidade.» [sublinhado nosso] [2]
Trata, portanto, o aludido art. 1219º, n.º 1 do Cód. Civil de um caso de renúncia abdicativa, legalmente presumida, na medida em que o legislador presume de forma absoluta que o dono da obra que aceita esta, conhecendo os seus defeitos, sem os denunciar nesse mesmo acto (de aceitação da obra), renuncia à responsabilização do empreiteiro pelo cumprimento defeituoso da sua prestação. [3]
Como se vê, assim, do antes exposto, a questão da aceitação da obra sem reservas, suscitada pela apelante, não se confunde com a caducidade, enquanto facto extintivo dos direitos (conferidos ao dono da obra ou ao comprador) [4], comungando apenas da circunstância de ambas poderem conduzir, em razão de diversos fundamentos, à improcedência das pretensões deduzidas pelo comprador ou dono da obra com base no cumprimento defeituoso do contrato.
Feita esta referência ou distinção prévia, cumpre, não obstante, conhecer das questões suscitadas pela apelante, começando pela caducidade suscitada.
Nesta matéria, como se vê da sentença recorrida e do próprio teor das alegações da apelante, o regime jurídico que se considera aplicável ao caso dos autos reconduz-se ao regime civilístico comum do contrato de empreitada, previsto nos arts. 1218º e segs… do Cód. Civil.
Todavia, liminarmente, em sede de fixação do regime jurídico aplicável ao caso dos autos, e tendo por indiscutido que estamos em presença de um contrato de empreitada, tal como definido pelo art. 1207º do Cód. Civil [enquanto contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, enquanto resultado final sobre uma coisa corpórea], não cremos, com o devido respeito, que o regime e enquadramento jurídico convocado na sentença recorrida seja, de facto, o aplicável ao caso dos autos.
Vejamos.

De acordo com a factualidade provada [e indiscutida em sede de impugnação da matéria de facto pela ora apelante], a empreiteira/ré é uma sociedade comercial que se dedica à construção, promoção e comercialização de empreendimentos imobiliários (vide ponto 1 dos factos provados).
No exercício desta sua actividade comercial, a ré desenvolveu e promoveu a construção e venda de prédios urbanos destinados a habitação (habitações unifamiliares) em lotes de terreno de sua propriedade, vindo os autores e ora apelados e encetar negociações com a mesma ré para a aquisição de uma das aludidas habitações integradas no dito empreendimento levado a cabo pela ré (vide pontos 2 e 3 dos factos provados).
Estas negociações vieram a conduzir à celebração entre ambos, a 20.08.2010, de um contrato promessa de compra e venda da aludida habitação unifamiliar, a edificar pela ali promitente vendedora e ré (ora apelante) – segundo a tipologia e características enunciadas nas plantas e caderno de encargos juntos ao dito contrato promessa (anexo 1) -, e, posteriormente, à outorga, em 22.03.2013, do contrato de compra e venda da aludida habitação unifamiliar, tudo conforme documentos juntos aos autos. (pontos 4., 5. e 6. dos factos provados)
A habitação adquirida pelos autores destinava-se à sua habitação própria e permanente. (ponto 8. dos factos provados).
Em suma, como se alcança da factualidade exposta, celebraram as partes, a par com um contrato pelo qual a ré e ora apelante se obrigou, mediante um determinado preço, a levar a cabo a construção da habitação em causa (com a tipologia e características acordadas no anexo 1), ainda, um contrato promessa de compra e venda dessa mesma construção (bem futuro), a levar cabo pela apelante.
Como assim, no momento acordado, outorgaram as mesmas partes o prometido contrato de compra e venda dessa mesma habitação, sendo certo que qualquer um dos ditos negócios (empreitada e compra e venda) foi celebrado pela apelante no quadro da sua actividade comercial (de construção, promoção e comercialização de imóveis), do mesmo passo que os donos da obra, promitentes-compradores e posteriores proprietários do dito prédio o destinavam à sua habitação própria e permanente.
Ora, neste quadro factual, se é, como já referido, indiscutido que as partes celebraram um negócio de empreitada, a questão que se coloca é saber se estamos em face de um contrato de empreitada «comum», sujeito às regras do Código Civil, ou antes perante o sub-tipo de empreitada de consumo, sujeito a regime jurídico específico, qual seja o que decorre da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96 de 31.07 -LDC) e, ainda, o que decorre do DL n.º 67/2003 de 8.04, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 84/2008 de 21.05, que procedeu à transposição para o direito interno da Directiva 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio.
Nesta sede, conforme é hoje pacífico, o citado Decreto-Lei nº 67/2003, não obstante tenha procedido à transposição da Directiva 1999/44/CE, de 25/5/1999, estabeleceu, por comparação com o texto da mesma, uma ampliação do âmbito da sua aplicação, abrangendo na noção de bens de consumo não apenas os bens móveis (como sucede com o art. 1º, n.º 2 al. b)- da Directiva), mas ainda os bens imóveis.
Neste sentido, refere PEDRO ROMANO MARTINEZ, «a primeira modalidade (construção de imóveis) que constitui a situação paradigmática de empreitada, encontra-se excluída na directriz comunitária, por via do disposto no art. 1º, n.º 2 al. b), da Directiva, onde se determina que o bem de consumo é «(…) qualquer bem móvel corpóreo (…)». Não assim no que respeita ao âmbito de aplicação do diploma nacional, onde não se distinguem os bens de consumo, entre coisas móveis e imóveis; deste modo, à construção de bens de consumo imóveis aplica-se o regime fixado no Decreto-Lei n.º 67/2003.» [sublinhado nosso] [5]
Como assim, tem-se por indiscutido que o citado DL n.º 67/2003 (seja na sua versão original, seja já com as alterações subsequentes do DL n.º 84/2008), é aplicável à empreitada de construção de imóveis.
Todavia, essencial para a aplicação deste regime é que na posição de empreiteiro se encontre uma pessoa colectiva ou pessoa singular que exerça com caracter profissional uma actividade económica, onde se inclua a realização da obra contratada, o que lhe confere uma posição de superioridade perante o consumidor, e, por outro, que na posição de dono da obra esteja uma pessoa singular que destine a obra contratada a um fim não profissional, nomeadamente à sua vida privada (habitação familiar própria, seja permanente ou não). [6]
Com efeito, como já referido, ao contrário do que sucede com a própria Directiva, que restringe a definição de bens de consumo aos bens móveis corpóreos [art. 1º, n.º 2 al. b)], a partir do regime consagrado no nosso direito interno pelo DL n.º 67/2003 (mesmo na sua versão original, antes das alterações introduzidas pelo DL n.º 84/2008), que inclui, expressamente, os bens imóveis (art. 3º, n.º 2 do citado DL n.º 67/ 2003), deixaram de subsistir quaisquer argumentos para excluir a empreitada de construção de imóveis da aplicação do regime ora em apreço.
Aliás, no caso dos autos, em que o vendedor do imóvel é também o construtor do mesmo (construtor/vendedor), hipótese em que o art. 1225º, n.º 4 do Cód. Civil, sempre determinaria a aplicação do regime da empreitada, relativamente à existência de defeitos, desde que o vendedor tenha actuado no exercício da sua actividade profissional e o comprador não destine o imóvel à satisfação de necessidades profissionais, é «óbvia a aplicação do regime constante do DL n.º 67/2003, o qual visou, em primeira linha, regular precisamente os contratos de compra e venda.» [sublinhado nosso] [7]
Nestes termos, em conclusão, poder-se-á dizer que estamos perante uma relação de empreitada de consumo quando o relacionamento contratual se mostra estabelecido entre alguém que destina a obra encomendada a um uso não profissional e outrem que exerce com carácter profissional uma determinada actividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa, mediante remuneração (cfr. artigo 2.º, nº 1 da LDC de 24/96 e 1.º-B, alínea a) do DL 67/2003).
Efectivamente, são estes sujeitos - com presumida desigual experiência, organização e informação - cuja intervenção simultânea transforma um contrato de empreitada (ou compra e venda) em empreitada (ou compra e venda) de consumo, que justificam a aplicação dum regime especial, visando a protecção da parte considerada mais débil - o consumidor/dono da obra. [8]
Assim, revertendo ao caso dos autos, cremos ser indiscutível que estamos perante uma relação de consumo, sujeita ao regime legal especial antes exposto, pois que o réu construtor/vendedor se dedica precisamente a tal actividade profissional, em cujo âmbito foi celebrado o negócio jurídico em causa, do mesmo passo que os donos da obra/compradores (ora apelados) destinavam a obra edificada à sua habitação familiar, isto é, não a destinavam a qualquer fim profissional.
Como assim, sendo o regime do Decreto-Lei 67/2003 (com as alterações introduzidas pelo DL n.º 84/2008) especial relativamente ao regime geral do Código Civil, deverá ser ele o convocado para a solução do caso dos autos, sem prejuízo da aplicação das normas gerais do Código Civil em tudo o que não esteja em contradição com o mesmo e ponderando que a especial natureza dos diplomas de protecção do consumidor, pode permitir uma inversão daquela relação de especialidade quando as normas do Código Civil se apresentem, em concreto, mais favoráveis ao mesmo consumidor. [9]
Definido, assim, o quadro legal aplicável, cumpre, à sua luz, conhecer da excepção de caducidade.
Vejamos.
É consabido que para o exercício válido da responsabilidade por cumprimento defeituoso imputável ao empreiteiro, é necessário que os vícios, patologias ou desconformidades existentes na obra sejam previamente denunciados perante o empreiteiro (art. 1220º do Cód. Civil) e tempestivamente exercidos os direitos a que aludem os arts. 1221º e 1222º do mesmo Código, ou seja, respectivamente, os direitos à eliminação dos defeitos (ou à realização de nova obra, se tal eliminação não for possível), à redução do preço e à resolução do contrato.
Neste conspecto, o citado DL n.º 67/2003 não consigna qualquer especialidade quanto aos direitos que assistem ao dono da obra consumidor (cfr. art. 4º, n.º 1) e quanto à necessidade de denúncia dos defeitos por parte do consumidor perante o vendedor ou, como é o caso, perante o empreiteiro (cfr. art. 5º-A, n.ºs 1 e 2).
No que respeita ao exercício dos direitos por parte do consumidor, a lei consigna (3) três tipos de prazo.
O primeiro (1º) será o prazo para a denúncia dos defeitos (isto é para a declaração/comunicação do dono da obra ao empreiteiro dos vícios ou patologias de que teve conhecimento); O segundo (2º) será o prazo para o exercício (judicial) dos direitos que legalmente lhe são conferidos (de eliminação dos defeitos; redução do preço; resolução do contrato e indemnização) e o terceiro (3º) será o prazo ou limite máximo da garantia legal.
Quanto ao primeiro (1º) - denúncia -, vale, no âmbito da empreitada de consumo, não o prazo geral de 30 dias estabelecido no art. 1220º, n.º 1 do Cód. Civil, mas o prazo de um (1) ano fixado para os imóveis, a contar da data em que tiver sido detectado o defeito - cfr. art. 1225º, n.º 2 e art. 5º-A, n.º 2 do citado DL n.º 67/2003 de 8.04.
Um tal prazo, aliás, sempre decorreria, independentemente da qualificação do contrato como compra e venda ou como empreitada, do preceituado nos arts. 916º, n.º 3 e 1225º, n.ºs 2 e 4 do Cód. Civil (com a redacção introduzida pelo DL n.º 267/94 de 25.10).
Consequentemente, sustentando a própria apelante que os apelados tiveram conhecimento da situação da obra em apreço na data da escritura pública de compra e venda da vivenda em apreço (ou seja, a 22.03.2013),e tendo os mesmos efectuado a denúncia dos defeitos (evidenciados e conhecidos até àquela data) pela carta de 23.01.2014, recebida pela Ré e ora apelante a 24.01.2014 – vide documentos a fls. 81 a 83 dos autos [facto provado sob o n.º 18 da sentença recorrida] -, seguro é, a nosso ver, que os autores efectuaram, de forma tempestiva, a denúncia dos defeitos, pois que teve ela lugar dentro do prazo de um ano a contar da data em que, na própria versão da ora apelante, os autores tiveram conhecimento dos defeitos, ou seja na data da escritura de compra e venda – cfr. art. 1225º, n.º 2 e art. 5º-A, n.º 2 do citado DL n.º 67/2003.
Destarte, quanto à denúncia dos defeitos e consequente caducidade falece a tese sustentada pela ora apelante, como já decidido pelo tribunal recorrido, embora com base em fundamentação jurídica diversa da aqui perfilhada.
Aliás, diga-se, neste conspecto, que apenas para efeitos de raciocínio se tem e aceita como data de conhecimento da situação da obra a data da celebração da escritura pública de compra e venda, pois que nada nos autos e, em particular, na factualidade provada evidencia, bem pelo contrário, que, nessa data [data da escritura de compra e venda], a obra (concluída, como é bom de ver), tivesse sido colocada à disposição dos autores para a sua fiscalização e aceitação, com ou sem reservas.
De facto, como a este propósito salienta P. ROMANO MARTINEZ, «a responsabilidade derivada dos defeitos da prestação só é excluída se o credor tinha conhecimento das desconformidades ao tempo em que o cumprimento foi efectuado. A data relevante [para aferição do conhecimento dos defeitos da prestação] será, pois, a do cumprimento da prestação e não a da celebração do contrato.» [10]
Quanto ao segundo (2º) prazo - de exercício do direito -, no caso de imóvel, como sucede nos autos, está consagrado o prazo de 3 anos, mas a contar da denúncia (atempada) dos defeitos (cfr. art. 5º-A, n.º 3 do antes citado DL n.º 67/2003).
Consequentemente, mostrando-se, a denúncia (atempada) efectuada a 24.01.2014, necessariamente que os autores observaram este outro prazo consignado no art. 5º-A, n.º 3 do DL n.º 67/2003, pois que a presente acção data de 6.11.2014, ou seja em data muito anterior ao termo do dito prazo de 3 anos.
Por seu turno, quanto ao terceiro (3º) prazo, vale para o caso dos autos (imóvel), não o prazo geral de 2 anos (cfr. art. 1224º, n.º 2 do Cód. Civil) - após a entrega da obra, independentemente da data do conhecimento dos defeitos e da sua denúncia -, mas o prazo de garantia de 5 anos, a contar, repete-se, da entrega (cfr. art. 1225º, n.º 1 do Cód. Civil e art. 5º, n.º 1 do mesmo DL n.º 67/2003).
Este último prazo, note-se, no âmbito do regime da empreitada de consumo é um prazo de garantia, no sentido de que fixa «o período em que a falta de conformidade se deve manifestar e não a data limite para o exercício dos direitos do dono da obra consumidor, como sucede com iguais prazos consagrados no regime geral do contrato de empreitada (arts. 1224º, n.º 2 e 1225º, n.º 1, do CC). Enquanto neste último regime os prazos de 2 e 5 anos são prazos de caducidade, cujo termo determina a extinção dos direitos do dono da obra, os prazos de igual duração consignados no art. 5º, n.º 1, do DL n.º 67/2003, são prazos de garantia, que fixam o lapso de tempo durante o qual a manifestação duma falta de conformidade faz surgir na esfera jurídica do dono da obra consumidor os respectivos direitos.» [11]
Com efeito, esta outra natureza do prazo em apreço (por comparação com igual prazo no âmbito do contrato de empreitada «comum») resulta de expressa opção do legislador ao prever sob o art. 5º, n.º 1 do citado DL n.º 67/2003 que «o consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior (direitos à reparação, substituição, redução do preço e resolução do contrato – cfr. art. 4º) quando a falta de conformidade se manifestar dentro do prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel.» [sublinhado nosso] [12]
Ora, no caso em apreço, como é bom de ver, também este prazo não se mostra ultrapassado, pois que os vícios, patologias ou desconformidades da obra se evidenciaram, foram denunciados e, até, exercidos judicialmente, muito antes de concluído o prazo de garantia de 5 anos. [13]
O que, em conclusão, tudo conduz à improcedência da excepção de caducidade invocada pela apelante, o que se julga.
Todavia, para além da excepção de caducidade, suscita, ainda, a apelante a questão da sua alegada irresponsabilidade pelos defeitos da obra em razão da aceitação sem reservas da obra em causa pelos autores/donos da obra, como decorre do preceituado no art. 1219º do Cód. Civil.
Não lhe assiste, porém, nesta matéria, qualquer razão.
Segundo o preceituado no art. 1219º, n.º 1 do Cód. Civil, «o empreiteiro não responde pelos defeitos da obra, se o dono a aceitou sem reserva, com conhecimento deles», acrescentando, ainda, o n.º 2 do mesmo preceito que «presumem-se conhecidos os defeitos aparentes, tenha ou não havido verificação da obra.»
Consagra o aludido normativo uma exclusão da responsabilidade do empreiteiro pelos defeitos conhecidos pelo dono, presumindo-se (presunção «iuris tantum» – art. 350º, n.º 2 do Cód. Civil) conhecidos do dono da obra os defeitos aparentes, isto é os defeitos que, revelando-se por sinais visíveis e permanentes, podem ser observados e conhecidos pelo comum das pessoas, perante um exame diligente da obra. Relativamente já aos defeitos ocultos, desconhecidos do dono da obra, porque não detectáveis com um exame diligente da obra, a aceitação da mesma (sem reservas), não preclude, como é consabido, a consequente responsabilidade do empreiteiro, embora seja sempre exigível a sua denúncia perante o empreiteiro. [14]
Diferente será a situação se o dono da obra for ele próprio técnico na área ou se, sendo leigo na matéria, se fizer acompanhar na verificação da obra por técnico da área, hipóteses em que o padrão de diligência para efeitos de definição do vício como aparente ou oculto deve ser mais exigente, situando-se ao nível da diligência e capacidade técnica médias de um profissional daquela área. [15]
De todo o modo, no que ora importa, a aceitação da obra sem reserva por parte do dono da obra, qualquer que seja a modalidade que a mesma assuma (verificação da obra por parte do dono da obra, com a consequente aceitação sem reservas da mesma; a ausência de verificação e de posterior comunicação do seu resultado ao empreiteiro por parte do dono da obra ou verificação da obra sem comunicação do seu resultado ao empreiteiro, condutas que poderão equivaler ou ser lidas enquanto (tácita) aceitação da mesma sem reservas), supõe um acto prévio por parte do empreiteiro no sentido de «… colocar o dono da obra em condições de a poder fazer» - cfr. art. 1218º, n.º 2, parte final, do Cód. Civil.
Como referem PEDRO de ALBUQUERQUE, M. ASSIS RAIMUNDO, o dono da obra deve verificar a obra após a sua conclusão e antes da aceitação, visando essa actuação comprovar se ela se encontra de acordo com o plano convencionado e sem vícios (art. 1218º, n.º 1 do Cód. Civil). «Condição da verificação é o cumprimento do dever do empreiteiro de comunicar a conclusão da obra, bem como do dever de a colocar à disposição do dono da obra, como resulta do artigo 1218º/2. Este último dever impõe não só uma conduta positiva do empreiteiro no sentido de facultar a obra ao seu dono, mas ainda uma conduta negativa no sentido de não praticar quaisquer actos que estorvem ou prejudiquem essa verificação.» [sublinhado nosso] [16]
O que, aliás, bem se compreende.
Com efeito, a razão de ser da norma do art. 1219º do Cód. Civil, é a de sancionar o dono da obra que, mostrando-se concluída e colocada à disposição pelo empreiteiro, se exime, no prazo acordado, no prazo usual, ou, na ausência deste, em prazo razoável, a efectuar a verificação e aceitação da obra (com ou sem reservas) e a comunicar, no mesmo prazo, o resultado dessa sua verificação ao empreiteiro ou que, tendo efectuado a verificação, se exime a fazer a posterior ou concomitante comunicação dos seus resultados ao empreiteiro.
Ora, se assim é, como cremos, para que a «sanção» do art. 1219º do Cód. Civil possa ser cominada e aplicada, é suposto, não só, que a obra se mostre totalmente concluída (salvo se se tratar obra em que foi acordada a sua execução parcelar, o que não é o caso), como, ainda, é suposto que o empreiteiro tenha comunicado (ainda que de forma consensual) ao dono da obra a conclusão da obra e a disponibilidade da mesma para a consequente aceitação, mediante prévia verificação. Só reunidos tais pressupostos, naturalmente, se poderá falar do dever ou ónus de verificação da obra e sua posterior aceitação, com ou sem reservas, como, ainda, sobretudo, da ausência (culposa) de tal verificação da obra por parte do dono da obra, com as inerentes consequências ao nível do afastamento da responsabilidade do empreiteiro.
Resumindo, por via do aludido art. 1219º do Cód. Civil, visa o legislador afastar a tutela do comprador ou dono da obra que, agindo com incúria ou displicência perante a colocação da coisa ou da obra (concluída) à sua disposição pelo vendedor ou empreiteiro, omite a verificação da mesma e/ou a comunicação dos resultados da mesma, se vê desprotegido perante os defeitos da coisa ou da obra que podia e devia, agindo com a diligência exigível, conhecer.
Nestas circunstâncias, refere PEDRO ROMANO MARTINEZ, que «tendo em conta que o comprador e o dono da obra devem examinar a prestação que lhes é feita e sendo os defeitos da mesma detectáveis com a diligência média exigida àquele tipo de credor, a responsabilidade deverá ser excluída, pois não há que tutelar a incúria do accipiens.» [sublinhado nosso] [17]
Ora, perante este enquadramento, é patente que no caso dos autos não é possível, ao contrário do que sustenta a apelante, fazer equivaler a celebração da escritura pública de compra e venda a qualquer aceitação sem reservas da obra, desde logo porque não evidencia a factualidade provada que, nessa data (ou outra), tenha a obra sido colocada à disposição pela ora apelante para a sua verificação (e eventual aceitação) pelos apelados, como, ainda, como se vê dos factos provados na sentença recorrida [e não impugnados em matéria de decisão de facto], a obra, nessa data, nem sequer se encontrava concluída, como, aliás, ainda sucede nesta data.
Ora, num tal contexto, em que a obra acordada nem sequer se encontrava concluída (não obstante a prévia outorga da escritura pública de compra e venda e ainda que os autores se dispusessem a ir habitar o prédio em apreço, o que, aliás, acabou por não ocorrer devido às grandes infiltrações de águas ocorridas ao nível da sala, suite e respectivo wc, escritório, garagem e hall dos quartos, provocando a queda do tecto falso da sala e danificando o soalho – cfr. ponto n.º 12 dos factos provados da sentença recorrida) e em que, em razão de tal circunstancialismo (apenas imputável à ora apelante, como empreiteira), acabou a obra por não estar, assim, disponibilizada para verificação por parte dos autores, nenhuma incúria se lhes pode apontar, sendo, de todo, a nosso ver, e salvo melhor opinião, destituída de fundamento a tese sustentada pela apelante no sentido de terem os autores/apelados aceite sem reservas a obra em causa, enquanto meio de excluir a sua responsabilidade pelos ostensivos e graves defeitos patenteados na mesma.
Aliás, como resulta com linear clareza da tese sustentada em alegações, pretende a apelante extrair sem mais da outorga da escritura de compra e venda e da circunstância de os autores se disporem a habitar a moradia, ainda que não concluída e com defeitos, uma aceitação sem reservas da obra, o que, com o devido respeito, temos por absolutamente insustentável e contrário às regras da boa-fé, do proceder honesto e leal.
Aliás, ainda que assim não se entendesse, o que não é o caso, sempre é de referir que, conforme é lição da doutrina e da jurisprudência, no âmbito da empreitada de consumo «… não funciona a presunção legal de conhecimento dos defeitos aparentes, constante do art. 1219º, n.º 2 do CC, uma vez que esta encontra-se estabelecida com vista à exclusão da responsabilidade do empreiteiro em resultado da aceitação da obra com defeitos conhecidos (art. 1219º, n.º 2, do C.C.)».
Tal decorre do facto de os arts. 10º, n.º 2 do DL n.º 67/2003 e 16º, n.º 1 da LDC cominarem com a nulidade os pactos excluídores ou limitativos do exercício dos direitos do dono da obra consumidor celebrados antes das denúncias dos defeitos, o que contraria que o acto de aceitação da obra sem denúncia dos defeitos verificados possa determinar a exclusão da responsabilidade do empreiteiro. [18]
Como assim, também esta outra questão suscitada pela apelante deverá improceder, inexistindo qualquer fundamento para excluir a sua responsabilidade pelos defeitos da obra em apreço nos autos.
*
C. Da impugnação da matéria de facto:
No que respeita à impugnação da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, discorda a apelante dos factos provados sob o n.º 22, alíneas c), dd) e gg), os quais, em seu entender, face à prova pericial, aos esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos em audiência de julgamento e ao teor do facto provado sob o n.º 35, deveriam antes ter merecido resposta de não provados.
Decidindo.
No que se refere à matéria constante do ponto n.º 22, alínea c), o tribunal recorrido julgou como provada a seguinte factualidade: «c) Existe uma pequena diferença de tonalidade entre a cor dos estores e a cor das respetivas caixilharias».
Ora, é de dizer que a factualidade em apreço mostra-se absolutamente confirmada pelo relatório técnico de vistoria a fls. 97 a 102 dos autos, como, ainda, sobretudo, do relatório pericial (subscrito por unanimidade pelos Srs. Peritos nele intervenientes) a fls. 176 a 193 dos autos (vide quesito 3º e a sua respectiva resposta).
Sendo assim, nesta matéria, não se vislumbram quaisquer razões para dissentir do julgamento da matéria de facto.
E dizemos matéria de facto pois que a questão de saber se a aludida pequena discrepância entre a cor dos estores e a cor das respectivas caixilharias consubstancia um defeito da obra (ou não), não constitui matéria de facto, mas antes matéria de direito, sobre a qual é, obviamente, irrelevante a opinião que possam ter os Srs. Peritos, cabendo antes ao juiz, em sede de subsunção jurídica do direito aos factos, explicitar a sua posição relativamente a tal matéria.
De todo o modo, esgrimindo a apelante não só a questão de facto, mas ainda a questão de a aludida discrepância não constituir defeito juridicamente relevante, sendo assim de excluir a sua responsabilidade pela reparação em causa, cumpre-nos tomar posição nesta matéria.
Vejamos.
Em sede de empreitada e em matéria de perturbações da prestação (vícios da obra), segundo a doutrina, é usual distinguirem-se duas categorias gerais, como sejam as desconformidades e os vícios, nos seguintes termos:
a)- desconformidade da obra em relação ao que foi convencionado;
b)- vício que exclue ou reduz o seu valor;
c)- vício que exclue ou reduz a aptidão da obra para o seu uso comum ou ordinário;
d)- vício que exclua ou reduza o valor da obra para o uso previsto no contrato.
Relativamente à desconformidade da obra não se traduz ela, necessariamente num valor negativo da obra ou numa sua patologia, bastando apenas que se verifique uma falta de coincidência entre a prestação e o programa contratual estipulado, independentemente de esse desvio conduzir a uma desvalorização ou, até, à valorização da obra.
Pelo contrário, a existência de um vício implica uma apreciação negativa da obra, seja em termos do seu valor, seja em termos de funcionalidade normal, seja em termos de funcionalidade para o fim específico contratualmente previsto.
Os vícios que excluem ou reduzem o valor da obra correspondem a situações em que o valor de mercado da obra é afectado, face aos defeitos detectados, ainda que essa afectação não perturbe a utilização da obra para os seus fins ordinários ou contratualmente estipulados.
A exclusão ou redução do valor afere-se, não pelas expectativas subjectivas do dono da obra, mas sim pelo seu valor normal de mercado. Se a deficiência em causa retira qualquer valor económico à obra, ou o reduz, tendo por referência um padrão de normalidade, atento o valor corrente das coisas da mesma categoria ou género existentes no comércio, estaremos perante um vício juridicamente relevante.
Já os vícios que excluam ou reduzam a aptidão da obra para o seu uso ordinário correspondem às situações em que as características da obra não lhe permitem desempenhar os seus fins normais ou socialmente típicos. [19]
A exclusão ou redução da aptidão, relativamente ao fim ou ao uso a que se destina, reporta-se a uma utilização satisfatória, num padrão de normalidade, ou a uma especial finalidade visada pelo dono da obra, caso essa finalidade se mostre explicita ou implicitamente contida nos termos contratuais.
Face aos ensinamentos antes expostos, no que se refere à pequena diferença de tonalidade da cor entre as caixilharias e os estores é de dizer que, de facto, a situação não pode ser qualificada como desconformidade pois que, analisados os termos constantes dos cadernos de encargos da construção da obra em apreço – anexo 1 ao contrato promessa de 20.08.2010 e anexo 1 ao seu aditamento de 21.08.2010 - não ficou ali acordada uma qualquer exigência quanto à correspondência da cor da caixilharia com a cor dos respectivos estores, fazendo-se apenas referência a que a caixilharia deveria ter cor «cinzenta escura».
Como assim, e sendo certo que incumbia aos autores a prova do defeito (em qualquer das ditas modalidades – art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil), não se vislumbrando, neste conspecto, divergência entre o convencionado (que nada prevê nesta específica matéria) e o executado pela ora apelante, não existe desconformidade.
Por outro lado, é absolutamente seguro que a dita pequena discrepância de tonalidade não põe em causa a utilização comum ou ordinária dos próprios estores ou da moradia, nem se evidencia, tratando-se de pequena divergência de tonalidade, que a mesma importe uma qualquer diminuição do valor de mercado do edifício em apreço por comparação com idênticos prédios com a sua finalidade. Aliás, essa diminuição de valor, enquanto elemento constitutivo do defeito, teria também ela que obter prova nos autos, prova que não existe.
Como assim, embora não ocorram razões para proceder à alteração do decidido em termos de matéria de facto (pelas razões já expostas), em sede de subsunção jurídica, ter-se-á de excluir a responsabilidade da apelante pela reparação de tal divergência, pois que, não obstante ela exista, não pode ela ser juridicamente qualificada como um defeito (vício ou desconformidade) juridicamente relevante. [20]
Assim, nesta parte, isto é no segmento em que a apelante discorda da sua condenação na reparação da aludida divergência, deve a apelação proceder.
No que se refere já à factualidade provada sob o n.º 22 al. dd), consta da sentença recorrida o seguinte: «dd) A instalação da domótica e respetivo funcionamento encontra-se por concluir.»
A sobredita questão de facto mostrava-se formulada no âmbito da perícia efectuada sob o quesito 28º, que mereceu a seguinte resposta unânime dos Srs. Peritos: «Sim, porquanto existem sinais de terem sido retirados elementos da instalação para serem acautelados das infiltrações.»
Desta forma, perante a resposta afirmativa dos Srs. Peritos (e nenhuma outra prova foi produzida que a lograsse infirmar) dúvidas não existem que a instalação da domótica e o seu funcionamento se encontram por concluir.
É certo que de acordo com os Srs. Peritos existem indícios do levantamento de elementos para os acautelar das infiltrações de águas.
No entanto, nenhum dos Srs. Peritos (e nenhuma outro meio probatório invoca a apelante em abono dessa sua conclusão) confirmou que o dito levantamento foi efectuado pelos autores e ora apelados, antes afirmaram expressamente não terem elementos para formular uma tal conclusão, pois que não assistiram às circunstâncias de tal levantamento.
Como assim, em resumo, ponderando a aludida prova pericial produzida e a resposta unânime dos Srs. Peritos, e não vislumbrando este tribunal superior outro meio probatório que a possa, fundadamente infirmar, não ocorrem razões bastantes para alterar, neste conspecto, o decidido por parte do tribunal recorrido.
Mais se insurge, ainda, a apelante quanto à matéria constante do ponto 22 gg) da factualidade provada na sentença recorrida.
Nesta matéria, o tribunal recorrido julgou provada a seguinte factualidade: «existem peças de cerâmica do wc da suite e da cozinha danificadas
A ora apelante sustenta a sua discordância na circunstância de, tendo ficado provado (ponto n.º 35) que «as louças cerâmicas e a carpintaria ficariam a cargo dos Autores», os defeitos existentes nas louças e na carpintaria jamais lhe poderiam ser assacados, em razão do que a dita matéria deveria ter sido julgada não provada.
Com o devido respeito, a apelante pretende confundir duas realidades distintas. Uma são as peças de cerâmica (azulejos em parede ou tijoleira no pavimento dos compartimentos em causa) e outras são as louças cerâmicas (em partícula do wc) e a carpintaria a instalar.
A resposta, a este nível, por parte dos Srs. Peritos (vide quesito 31º da perícia), apesar de poder ter sido mais específica e clarificadora, não pode deixar de se entender como referida às peças de cerâmica (e não às louças cerâmicas) – tal como consta, aliás, da questão formulada sob o aludido quesito 31º.
Com efeito, à pergunta formulada: - «existem peças cerâmicas do wc da suite e da cozinha danificadas?», os Srs. Peritos responderam: «sim, foram identificadas algumas peças riscadas
Sendo assim, não só inexiste qualquer contradição quanto à matéria em apreço e a matéria de facto provada em 35. da mesma sentença (pois que se reportam a realidades diversas), como não existe, por essa mesma razão, fundamento para a julgar não provada, como sustenta a apelante, sendo certo que é indiscutido, perante os cadernos de encargos a que já fizemos referência, que a colocação de tais peças cerâmicas (azulejos em parede ou tijoleira no pavimento) incumbiam contratualmente à ora apelante.
Destarte, incumbindo à apelante a colocação de tais peças de cerâmica, apresentando algumas das ditas peças riscos, seguro é que a responsabilidade pela eliminação de tais defeitos lhe incumbe, sendo certo que, como é consabido e já antes se afirmou, lhe incumbe demonstrar a origem de tais defeitos e que os mesmos não são decorrentes do cumprimento deficiente da sua prestação, o que não sucede.
Recorde-se, neste âmbito, que as deficiências podem ocorrer quer nos materiais utilizados pelo empreiteiro, quer nas operações de aplicação destes, seja pelo método utilizado, seja pela deficiente execução. [21]
Todavia, e sem prejuízo do antes exposto, uma vez que a decisão de facto do tribunal, nesta matéria, se nos apresenta como menos correcta (conclusiva) e até divergente da resposta dos Srs. Peritos (que concretizaram os danos existentes nas peças – riscos), proceder-se-á à alteração do decidido substituindo a expressão «danificados» pela expressão riscadas (alteração já feita constar do elenco dos factos provados e ali assinalada).
Por último, sustenta, ainda, a apelante que deveria, ao invés do decidido, o tribunal recorrido ter julgado como provada a matéria dos arts. 21º e 22º da contestação.
No seu aludido articulado, a ora apelante alegou os seguintes factos:
Art. 21º: Apesar das hipotéticas infiltrações, a obra sempre esteve em condições de habitabilidade.
Art. 22º: Os AA. sempre ali puderam residir com todos os cómodos.
Em abono desta sua discordância face ao decidido e de forma concretizadora (como se lhe impõe – cfr. art. 640º, n.º 1 al b) do CPC), a apelante invoca a confissão dos autores constante do art. 14º da sua petição inicial, o depoimento da testemunha F…, G… e, ainda, os esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos.
Decidindo.
Com todo o respeito, não assiste à apelante, nesta matéria, qualquer razão, sendo até, segundo cremos, praticamente despicienda a análise dos depoimentos das testemunhas citadas e dos esclarecimentos dos Srs. Peritos.
Com efeito, a demais factualidade provada nos autos e que não se mostra sequer impugnada pela apelante (nos termos exigidos pelo art. 640º, n.ºs 1 e 2 do CPC), infirma, de forma cabal e indubitável, as asserções de facto contidas nos arts. 21º e 22º da contestação.
É de recordar, nesta matéria, que o empreiteiro está obrigado a entregar a obra totalmente concluída, sem qualquer vício ou desconformidade, assim permitindo ao dono da obra, como é normal, a plena e satisfatória utilização e fruição da obra, para os fins a que a mesma se destina, segundo critérios de razoabilidade e normalidade.
Vale por dizer que ao cumprimento pontual e exacto do contrato de empreitada (art. 406º, n.º 1 do Cód.Civil) não basta apenas que a obra proporcionada pelo empreiteiro reúna quaisquer condições de habitabilidade, antes se exige que a obra reúna as condições de habitabilidade normais ou ordinárias próprias das obras da mesma categoria ou género, de acordo com a sua finalidade.
O cumprimento pontual e exacto do contrato e os deveres de boa-fé no seu cumprimento assim o exigem.
Neste sentido, com todo o respeito, não correspondem, obvia e necessariamente, às condições normais ou sequer mínimas de habitabilidade, com «todos os cómodos», de uma moradia destinada a residência do agregado familiar, encontrar-se a obra, em Março de 2013, por concluir, faltando acabar as pinturas interiores, a colocação do módulo de videoporteiro, a resolução dos problemas dos estores da habitação (cfr. factos provados em 10.), encontrar-se a mesma em Dezembro de 2013 (quando os autores se aprestavam a mudar para a vivenda) ainda com acertos para realizar, sem que se mostrasse assegurado o normal funcionamento dos estores, com grandes infiltrações de águas ao nível da sala no r/c, na suite e respectivo wc, escritório, garagem e hall dos quartos, com parte do tecto falso da sala caído (não obstante a reparação efectuada, parte do dito tecto falso da sala voltou a cair por força das infiltrações de águas), com danificação do piso da mesma divisão, com parte da tela asfáltica da cobertura totalmente arrancada, com parte dos estores arrancados, com água a escorrer pelo tectos e paredes (carecendo de baldes para aparar a água que caía nas divisões), com o pavimento danificado por via das infiltrações de águas e humidades, com danos ao nível dos rodapés de algumas das divisões, bem como nos apainelados das portas, respectivas ombreiras e janelas das mesmas divisões – vide factos provados em 12., 13., 14., 15., 16. e 17. -, sendo certo que mesmo após aquela data, e em particular à data da instauração da presente acção, a mesma moradia continua sem possuir os estores em condições de normal funcionamento, continua a possuir os estores empenados, desnivelados e desalinhados, sem isolamento térmico das respectivas caixas, com entrada de águas pelo portão da garagem, com infiltrações de águas pluviais na zona do pavimento, com o portão exterior sem abrir na totalidade (não permitindo a entrada de viaturas para acesso e parqueamento na garagem), com fissuras várias nas fachadas exteriores, com o acabamento superficial das fachadas (reboco) degradado, com alterações da cor, textura e estrutura, sem focos de iluminação exterior instalados, com a platibanda da cobertura da entrada principal da casa fissurada e com vestígios de humidade (grande teor de humidades), com lajetas de ardósia das fachadas em algumas zonas descoladas, com os pátios exteriores em massame de betão sem acabamento/revestimento final, com vestígios de humidades junto aos rodapés da sala e do escritório, com (2) pontos de infiltrações de águas pelo tecto da sala e pelo tecto da lavandaria (por as telas de cobertura ao nível dos terraços do 1º andar deixarem passar água para o interior da habitação), com parte do terraço do 1º andar sem possuir o acabamento final, sem iluminação a funcionar na suite, sem domótica completamente instalada e a funcionar, com os tectos falsos da sala e da lavandaria danificados fruto das infiltrações de águas, com algumas janelas sem possibilidade de fecho, com os motores do estores sem funcionar, sem colocação de acessórios nas casa de banho, com rodapés e pintura interior da habitação danificadas em consequência das infiltrações de águas, sem o sistema de aquecimento de águas via painéis solares e respectivos circuitos a funcionar, com os portões exteriores da habitação totalmente avariados – vide factos provados em 22 a), b), d), e), h), m), o), p), q), r), s), t), v), bb), dd), ff), jj),nn), pp), rr) e xx).
Ora, como já antes se expôs, perante todo o antecedente circunstancialismo factual, que não foi sequer impugnado, sustentar-se, como o faz a apelante, que a moradia em apreço oferecia «condições de habitabilidade» e oferecia «todos os cómodos» e que os autores apenas a não habitaram e utilizaram por não terem efectuado a instalação da cozinha (que era a seu cargo) é, com todo o respeito, absolutamente destituído de razoabilidade e, em especial, destituído de qualquer sustento probatório minimamente razoável, a menos que se sustente, o que se tem por inaceitável, à luz das regras da lógica e da experiência comum, que estavam os autores em condições de habitar, com o mínimo de comodidade e qualidade, uma moradia familiar (destinada a sua residência) por concluir, com componentes essenciais sem funcionamento, e com tão graves defeitos, pelo menos no que se refere às fortes infiltrações de águas e humidades em vários compartimentos da mesma moradia, o que, consabidamente, inviabiliza, naturalmente, a respectiva utilização em termos ordinários, em particular para os fins previstos, quais sejam a habitação do agregado familiar.
Consequentemente, à luz do antes exposto e ainda que os depoimentos e esclarecimentos invocados pela apelante (por nós escutados) não suportem, em conjunto com a demais prova produzida e invocada, aliás, de forma criteriosa e exaustiva na sentença recorrida, a convicção sustentada pela impugnante, certo é que a demais facticidade demonstrada (e não impugnada) – antes elencada – desmente e contraria, em absoluto, também essa sua conclusão.
Razões estas que, em conjunto e ponderadas de forma crítica, só podem conduzir à improcedência da impugnação de facto, inexistindo, pois, fundamento para esta Relação divergir da convicção formada pelo tribunal recorrido.
Concluindo, salvo quanto à alteração acima aludida no que respeita ao facto provado sob o n.º 22 gg) da sentença recorrida, no mais deve improceder a impugnação de facto deduzida pela apelante, o que se julga.
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D. Dirimidas as antecedentes questões, cumpre ainda conhecer do alegado abuso de direito dos apelados e autores.
Vejamos.
Sustenta, nesta sede, a apelante que, reunindo a moradia condições de habitabilidade e podendo os autores (donos da obra) habitar a mesma com «todos os cómodos», será abusivo por parte dos mesmos invocarem a pretensa falta de habitabilidade da moradia e reclamarem, a esse título, qualquer indemnização (a título de danos patrimoniais ou não patrimoniais), sendo certo, ademais, que a circunstância de os mesmos não habitarem a moradia em causa, quando o podiam fazer, contribuiu para o agravamento dos danos.
Decidindo.
A apelante, como se alcança das suas alegações, não põe em crise a admissibilidade da pretensão indemnizatória deduzida pelos autores, nem sequer os montantes, a esse título, arbitrados pelo tribunal recorrido.
Pelo contrário, sustentando a mesma que a dedução de tal pretensão indemnizatória constitui uma situação de abuso de direito, sob pena de absoluta contradição nos próprios termos, admite ela que, em tese geral, essa pretensão indemnizatória assiste aos autores.
Com efeito, o abuso de direito, como decorre do seu próprio conceito e previsão normativa (art. 334º do Cód. Civil) supõe a titularidade de um direito e o seu consequente exercício, legítimo em tese geral, mas que, em face dos contornos concretos da situação ajuizada, se revele manifestamente excessivo em face dos «limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.»
No caso em apreço, isto é, de cumprimento defeituoso do contrato de empreitada de consumo, não se suscitam dúvidas sobre a admissibilidade, em tese geral, da pretensão indemnizatória (abrangendo os danos patrimoniais e não patrimoniais) formulada pelos autores/donos da obra.
Nesta matéria e tratando-se (como se viu antes) de uma empreitada de consumo, apesar de o DL n.º 67/2003 não incluir no seu regime o direito de indemnização, este sempre decorre da previsão do art. 12º, n.º 1 da Lei de Defesa do Consumidor ou, em última análise, do preceituado no art. 1223º do Cód. Civil. Ponto é que, nos termos gerais, o seu exercício respeite os limites ou as exigências impostas pela boa-fé, pelos bons costumes e a sua finalidade económico-social. [22]
No caso ora em juízo, como se vê da pretensão dos autores e do próprio sentido decisório, as indemnizações arbitradas tiveram por referência, além do sofrimento moral e desgaste psicológico causados pela aquisição de uma moradia com o vastíssimo conjunto de defeitos que os autos comprovam, o desgosto e a tristeza sentidos por não poderem ter a vida que desejavam na habitação que escolheram (vide factos provados sob os n.ºs 31., 33. e 34. da sentença recorrida), o acréscimo de despesas que a impossibilidade de habitação na moradia
originou (pagamento de compensação aos proprietários da fracção que os autores alienaram no pressuposto de que a moradia estaria concluída e pronta a habitar, pelo menos, em Maio de 2013 (vide factos provados sob os n.ºs 23, 24., 25. a 30. da sentença recorrida), bem como a privação do uso da moradia até à data, sendo certo que, à data da sentença, todas desconformidades e vícios acima elencados se mantinham por suprir ou eliminar por parte da ora apelante (vide factos provados sob os n.ºs 23., 24. e 25. da sentença recorrida).
Certo é que, como já antes se deixou nota, a apelante não suscita, seja no corpo das alegações, seja nas conclusões do recurso [que, como é consabido, delimitam o objecto da apelação] a questão da admissibilidade de tais pretensões indemnizatórias ou sequer os montantes, nesse âmbito, arbitrados.
O que a apelante suscita [assim delimitando, nesta sede, o objecto da presente apelação e consequente aresto] é a questão de tais pretensões indemnizatórias (independentemente da sua admissibilidade e do seu «quantum») se configurarem como manifestamente excessivas face às regras da boa-fé, dos bons costumes e do fim social e económico do direito.
Nesta matéria, e não obstante não tenha a apelante explicitado a modalidade de abuso de direito por si esgrimida, estamos em crer que a situação em apreço se poderá associar à figura que a doutrina usualmente denomina de «tu quoque», exprimindo, assim, a ideia geral segundo a qual «a pessoa que viole uma norma jurídica não pode depois, sem abuso, prevalecer-se da situação daí decorrente.» [23]

No caso dos autos, e tal como configurada pela apelante, a aludida figura desenhar-se-ia do seguinte modo: - podendo (e devendo) os apelados habitar a moradia em apreço [por possuir todas as condições para o efeito], não podem os mesmos, sem abuso, pretenderem fazer-se prevalecer dessa sua conduta (ilícita) para efeitos indemnizatórios, nomeadamente reclamando uma pretensão indemnizatória de ressarcimento pelos prejuízos que a sua própria conduta deu causa. A tal asserção associar-se-ia ainda, na perspectiva da apelante, a circunstância de os próprios apelados terem contribuído, por via da não ocupação/habitação da moradia em apreço, para o agravamento dos danos.
Como se antevê da posição que já antes assumimos em sede de impugnação de facto, a excepção de abuso de direito sustentada pela apelante não deve merecer o nosso acolhimento.
Desde logo, é de dizer que a própria factualidade provada (já acima explicitada) não fornece qualquer apoio bastante para a tese delineada pela apelante, antes a desmente.
Com efeito, como já antes se teve oportunidade de dirimir e decidir, a moradia em apreço não teve e não tem ainda (nesta data) condições para que os autores e ora apelados ali instalem a sua habitação de forma minimamente satisfatória, segundo um critério de razoabilidade e normalidade.
Na verdade, a nosso ver, não podem estes serem compelidos a aceitar uma moradia/obra e a habitar a mesma que, além de não se mostrar concluída nos termos convencionados, apresenta ainda o conjunto de desconformidades e vícios que comprometem a sua normal funcionalidade e utilização, e cuja imputação não foi minimamente ilidida ou afastada por parte da ora apelante e empreiteira.
Ao invés, segundo é nosso julgamento, no quadro factual que logrou demonstrar-se, o exercício dos direitos reclamados pelos autores, nomeadamente na vertente de reparação e eliminação de defeitos e de ressarcimento dos danos que a própria reparação e eliminação dos defeitos não é susceptível de suprimir (despesas já efectuadas; danos morais sofridos e privação do uso até à data em que a integral reparação e eliminação dos defeitos venha a ter lugar), mostra-se plenamente justificado, não consubstanciando um qualquer exercício abusivo, desproporcionado ou irrazoável dos direitos que o regime jurídico convocado (e decorrente do regime da empreitada de consumo ou, até, em outra configuração jurídica possível, como compra e venda de consumo ou contrato misto) lhes confere.
Ora, se assim é, o que, no contexto factual supra descrito, temos por evidente, sem outras considerações teóricas que temos por irrelevantes ao caso, e face ao caminho argumentativo por nós antes trilhado, temos por segura a conclusão que não ocorre uma qualquer situação de abuso de direito por parte dos autores, pois que o exercício pela via judicial dos direitos em apreço (e espelhado nos autos) não é qualificável como violador das regras da boa-fé (do honesto e leal proceder), dos bons costumes (a consciência ou os valores imanentes à ordem jurídica) ou que confronte o seu próprio fim sócio-económico.
Consequentemente, a excepção de abuso de direito não poderá deixar de improceder, o que se julga.
*
A última referência, e que se nos impõe por razões de transparência e rigor, é que, a nosso ver, a sentença proferida incorre em lapso (ao que tudo indica involuntário) quando ali consigna a condenação da ora apelante na «correcção definitiva dos defeitos elencados no ponto 22), alíneas a) a zz)», assim incluindo a alínea mm).
Com efeito, não evidenciando os autos que o piso radiante instalado sofra de qualquer vício ou falha ao nível da sua instalação e funcionamento e correspondendo ele ao que foi, entretanto, acordado pelas partes (marca Relopa Troia, com a mesma garantia da marca), a situação descrita em mm) do ponto 22. não se traduz num defeito (vício ou desconformidade) relevante.
Como assim, a condenação neste segmento (que cremos, como se disse, ter-se-á ficado a dever a lapso involuntário), não é de manter, o que se julga.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, absolvendo a Ré e apelante quanto à correcção dos «defeitos» elencados em c) e mm) do ponto 22. dos factos provados, mantendo a sentença recorrida em tudo o mais.
*
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Custas nesta instância pela apelante e pelos apelados, na proporção de 99, 75% e 0,25%, respectivamente - art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Porto, 15-12-2016
Jorge Seabra
Sousa Lameira
Oliveira Abreu
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[1] Sobre a distinção entre nulidade da sentença prevista no art. 615º, n.º 1 al. c)- do CPC e erro de julgamento, vide, por todos, AC RP de 29.06.2015, Processo n.º 1106/12.9YYPRT-B.P1, relator ALBERTO RUÇO, AC RP de 1.06.2015, Processo n.º 843/13.5TJPRT.P1, relator CAIMOTO JÁCOME, AC RG de 14.05.2015, Processo n.º 414/13.6TBVVD.G1, relator MANUEL BARGADO, disponíveis in www.dgsi.pt e, ainda, ao nível da doutrina, J. LEBRE de FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO, “Código de Processo Civil Anotado”, II volume, Coimbra Editora, 2001, pág. 670.
[2] ANTUNES VARELA, PIRES de LIMA, “Código Civil Anotado”, II volume, 3ª edição, pág. 825.
[3] Vide, neste sentido, J, CURA MARIANO, “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, Almedina, 2015, 6ª edição, pág. 83.
[4] Segundo MANUEL de ANDRADE, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II volume, Almedina, 1987, pág. 463, o instituto da caducidade, tendo por fundamento razões de certeza jurídica, traduz-se na extinção dos direitos potestativos pelo seu não exercício, por banda do respectivo titular, prolongado por certo período de tempo. Vide, ainda, em sentido similar, C. MOTA PINTO, “Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra Editora, 4ª edição, pág. 373-374.
[5] PEDRO ROMANO MARTINEZ, “Empreitada de Bens de Consumo”, Estudos do Instituto de Direito do Consumo ”, II volume, Almedina, 2005, pág. 21-22.
[6] Vide, neste sentido, por todos, J. CURA MARIANO, op. cit., pág. 233-237, PEDRO de ALBUQUERQUE, MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, “Direito das Obrigações – Contratos em Especial – Contrato de Empreitada”, Almedina, II volume, 2ª edição, pág. 468-470, L. MENEZES LEITÃO, “Direito das Obrigações – Contratos em Especial”, III volume, Almedina, 5ª edição, pág. 556-558, P. ROMANO MARTINEZ, op. cit., pág. 15, 21-22 e JORGE MORAIS CARVALHO, “Manual de Direito do Consumo”, Almedina, 2016, 3ª edição, pág. 192-195.
[7] Cfr. J. CURA MARIANO, op. cit., pág. 243.
[8] Vide, neste sentido, J. CURA MARIANO, op. cit., pág. 236-238, e, ainda, AC RP 16.05.2016, Processo n.º 263/13.1T2ILH.P1, relator MANUEL DOMINGOS FERNANDES, AC RC de 16.02.2016, Processo n.º 12/14.7TBAGN.C1, relator ARLINDO OLIVEIRA e AC RP de 8.05.2014, Processo n.º 298/11.9TBPFR.P1, relator LEONEL SERÔDIO, todos in www.dgsi.pt.
[9] Vide, neste sentido, além dos AC RP de 16.05.2016 e da RC de 16.02.2016, ainda, AC RG de 3.02.2011, Processo n.º 270/08.6TCGMR.G1, relator MANUEL BARGADO, também in www.dgsi.pt.
[10] PEDRO ROMANO MARTINEZ, “Cumprimento Defeituoso em Especial da Compra e venda e na Empreitada”, Colecção Teses, Almedina, 1994, pág. 494.
[11] Cfr., neste sentido, J. CURA MARIANO, op. cit., pág. 263, PAULO MOTA PINTO, “Cumprimento Defeituoso do Contrato de Compra e Venda”, Instituto do Consumidor, 2002, pág. 43, PEDRO de ALBUQUERQUE, M. ASSIS RAIMUNDO, op. cit., pág. 484.
[12] Cfr., neste sentido, J. CURA MARIANO, op. cit., pág. 263 e doutrina e jurisprudência citados sob a nota 727 dessa mesma página.
[13] Vide sobre a aplicação dos aludidos prazos no âmbito do contrato de empreitada de consumo, no sentido por nós perfilhado, J. CURA MARIANO, op. cit., pág. 256-257, 263-264, J. MORAIS CARVALHO, op. cit., pág. 248-258, bem como, além do AC RC de 16.02.216, antes citado, AC RP de 24.02.2014, Processo n.º 2644/10.3TBMTS.P1, relator AUGUSTO CARVALHO, in www.dgsi.pt.
[14] Sobre a distinção entre defeitos aparentes e defeitos ocultos, vide, por todos, L. MENEZES LEIITÃO, “Direito das Obrigações”, III, cit., pág. 546, J. CURA MARIANO, op. cit., pág. 89-90, A. VARELA, P. LIMA, op. cit., pág. 817-818 e P. ROMANO MARTINEZ, “Cumprimento Defeituoso …”, cit., pág. 201-204.
[15] Cfr., neste sentido, J. CURA MARIANO, op. cit., pág. 90, A. VARELA, P. LIMA, op. cit., pág. 818 e PEDRO de ALBUQUERQUE, M. ASSIS RAIMUNDO, op. cit., pág. 415.
[16] PEDRO de ALBUQUERQUE, M. ASSIS RAIMUNDO, op. cit., pág. 285. Reconhecendo, ainda, este dever acessório do empreiteiro de colocação da obra, após a sua conclusão, à disposição do dono da obra como condição do exercício do ónus de verificação e aceitação da mesma por parte deste último, J. CURA MARIANO, op. cit., pág. 83, P. ROMANO MARTINEZ, “Direito das Obrigações – Parte especial – Contratos”, Almedina, 2000, pág. 403-404 e L. MENEZES LEITÃO, III volume, cit., pág. 521.
[17] P. ROMANO MARTINEZ, “Cumprimento Defeituoso …”, cit., pág. 492.
[18] Vide, neste sentido, J. CURA MARIANO, op. cit., pág. 255 e 257, PEDRO ROMANO MARTINEZ, “Empreitada da Consumo”, Revista “ Themis ”, ano II, n.º 4, Almedina, 2001, pág. 167-168, AC RP de 6.09.2010, Processo n.º 2788/06.6TBPNF.P1, relator ANTÓNIO ELEUTÉRIO e AC RC de 18.02.2014, Processo n.º 2817/09.1TBFIG.C1, relator SILVIA PIRES, ambos in www.dgsi.pt.
[19] Vide, neste sentido, sobre as distintas categorias de vícios e desconformidades da obra, por todos, L. MENEZES LEITÃO, “Direito …”, III volume, cit., pág. 544-545, J. CURA MARIANO, op. cit., pág. 57-67, PEDRO ALBUQUERQUE e M. ASSIS RAIMUNDO, op. cit., pág. 407-409 e P. ROMANO MARTINEZ, “Direito das Obrigações”, cit., pág. 436.
[20] Com efeito, pertence ao dono da obra o ónus de prova da existência dos defeitos, como factos constitutivos do seu direito, ao passo que que cabe já ao empreiteiro a prova da sua origem e, em particular, que não emergem eles do cumprimento defeituoso da sua prestação – Vide, neste sentido, por todos, P. ALBUQUERQUE, M. ASSIS RAIMUNDO, op. cit., pág. 410, J. CURA MARIANO, op. cit., pág. 59 e 71 e P. ROMANO MARTINEZ, “Direito das Obrigações”, cit., pág. 438.
[21] Vide, neste sentido, J. CURA MARIANO, op. cit., pág. 59.
[22] Vide, neste sentido, por todos, J. CURA MARIANO, op. cit., pág. 261, assim como a demais doutrina e jurisprudência citadas pelo Autor sob a nota 716.
[23] Sobre o conceito do abuso de direito, a modalidade de «tu quoque», vide, A. MENEZES CORDEIRO, “Tratado de Direito Civil Português - I - Parte Geral”, tomo IV, Almedina, 2007, pág. por 327-339.