Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0620651
Nº Convencional: JTRP00039203
Relator: LUÍS ANTAS DE BARROS
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Nº do Documento: RP200605230620651
Data do Acordão: 05/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 217 - FLS 95.
Área Temática: .
Sumário: I - Para aplicação do disposto no art. 23.º n.º1 do Regulamento CE n.º 44/01 não basta que pelo menos uma das partes seja domiciliada num Estado-membro e que tenham convencionado atribuir a este a competência para dirimir conflitos
II - Necessário se torna ainda que a situação concreta contenha elementos de estraneidade que lhe confiram carácter internacional.
III - Tendo em vista impedir que as partes subtraiam a causa a normas jurídicas imperativas em princípio aplicáveis, é de exigir que a relação jurídica de que a lide resulta tenha os tais elementos de estraneidade, que retirem artificialidade ao pacto atributivo de competência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Relação do Porto

B………., L.ª, com sede na ………., na comarca de Matosinhos, instaurou contra C………., L.ª, com sede na ………., D………., no Porto, acção de processo comum, na forma ordinária, pedindo que se condene esta a pagar-lhe a importância de 209.495,12 € correspondente ao que se obrigou a pagar-lhe pela prospecção e negociação de locais apropriados para instalação de lojas, em Portugal, para comercialização exclusiva de confecções e demais artigos têxteis da marca E………., conforme o contrato celebrado entre a autora e a ré nos termos constantes de fls. 9 e 10, acrescida de juros à taxa de 4% ao ano, desde a citação nesta acção até pagamento.
A demandada contestou, arguindo a incompetência do Tribunal Cível da comarca do Porto, por ser competente o da comarca de Verin, em Espanha, de acordo com o estipulado na cláusula 7ª do mencionado contrato.
Por cautela, contraria a matéria constante da pi, concluindo que a acção deve improceder.
A autora replicou, pugnando pela competência do aludido Tribunal do Porto.
Apreciando a referida arguição, o Sr. Juiz julgou-a procedente, pelo que absolveu a ré da instância. Foi de tal decisão que a autora interpôs este recurso.
Nas suas alegações, formula as seguintes conclusões:
1. O presente agravo é interposto da sentença proferida de fls. 158 a 162 vº dos autos, pela qual o Tribunal a quo considerou procedente a excepção da incompetência relativa arguida pela ré, determinando-se em consequência a absolvição da presente instância ao abrigo do artº 111º nº 3 do C. P. Civil;
2. O aresto fundamentou-se no facto de vigorarem no direito português normas de direito convencional internacional, que estabelecem regras específicas derrogatórias dos normativos de direito interno- arts. 65 e ss do C. P. Civil;
3. Sendo certo que se aceita a prevalência desse direito convencional internacional, por força do estipulado no artº 8º nº 2 da CRP, e, bem assim, do direito regulamentar comunitário, directamente aplicável por força do tratado de adesão de Portugal à então Comunidade Europeia ( artº 249º II ), concretamente, a Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, e o Regulamento CE nº 44/01, de 22/12/2000;
4. Discorda-se que em concreto o mesmo seja aplicável, já que o pacto de aforamento arguido pela ré, como se pretende demonstrar em infra, não preenche os respectivos requisitos, especialmente, mas não só, daqueles previstos no artº 17º da dita convenção e no artº 23º do Regulamento (CE) nº 44/2001- cláusula 7ª do contrato celebrado entre a autora e a ré, junto com a pi. Sob o doc. nº 1.
5. Tudo, acabando por recair na previsão dos arts. 65º, 74º e 99º do C. P. Civil, que, como já oportunamente se defendeu, exclui a sua procedência, ferindo-o de nulidade.
6. Já que é entendimento doutrinal pacífico, em ordem a que se afastem as normas de direito interno e para que os indicados normativos de direito internacional convencional passem a ser aplicáveis, que a relação jurídica génese da qual emana o litígio cuja composição é posta a Juízo se revista de carácter internacional, conferido por circunstâncias concretas e objectivas, como o domicílio diferente das partes, o local de execução de um contrato, do lugar em que se produziu o dano;
7. Igualmente, cumpre evidenciar que para efeito da Convenção de Bruxelas uma dada sociedade comercial encontra-se domiciliada no local da sua sede social - art. 53°; ou, na acepção do artº 59º do Regulamento n° 44/01, o local do domicílio é determinado pela lei interna do Estado a cujos tribunais é submetida a questão.
8. Sendo a regra geral acolhida na indicada Convenção e no Regulamento n° 44101 a foro do domicílio do demandado - arts. 2º e 3° de ambos os diplomas.
9. No caso em apreço, tal como reconheceu o tribunal de 1ª instância, o foro eleito foi o de Verin, - Espanha, se bem que as sedes sociais de autora e ré e o local de cumprimento do contrato que deu génese ao litígio se situem(assem) em território português;
10. Se assim é, tudo levaria a concluir pelo carácter meramente interno ou nacional (português) da relação jurídica subjacente ao pacto de aforamento, no entanto assim não considerou o Tribunal a quo;
11. Implicando, pois o aresto sob crítica, erro de direito no momento da subsunção a si da concreta matéria factual;
12. Na verdade, data vénia, os factos elencados na fundamentação do aresto sob recurso carecem de idoneidade para deles se inferir o carácter internacional. da relação jurídica em discussão nos autos;
13. A empresa ré não concretiza juridicamente a noção de "filial. - art. 5° do CSC, sendo ainda chamados à colação os arts. 13° do mesmo diploma legal, e 7°, 8° e 22º do C PC;
14. O facto da sociedade espanhola F………., SA, ser a principal titular do capital da sociedade portuguesa ré, não faz revestir à actuação desta qualquer conteúdo internacional.;
15. A sociedade ré está estabelecida e funciona em Portugal no respeito e segundo a lei portuguesa;
16. O facto de um dado quadro assegurar idênticas funções em simultâneo na sociedade espanhola e na portuguesa (aqui ré), e no exercício destas funções emanar instruções às empresas contratadas por esta, por si só de nada significa em termos de internacionalização da respectiva actividade social;
17. Acresce que, segundo as regras específicas do direito internacional, à míngua de determinação da lei competente, o presente litígio é dirimido segundo o direito substantivo português - arts. 41 ° e 42º, nº1 do C. Civil - não se compreendendo que interesse sério de qualquer dos contratantes em fazer remeter o conhecimento da mesma para outra jurisdição nacional, que não a portuguesa, com certeza menos hábil e preparada para o bem aplicar, para além daquele não atendível de dificultar o acesso aos tribunais de uma das partes- a autora, ora recorrente;
18. Por mera cautela, chama-se ainda à colação o disposto no art. 24° do citado Regulamento 44/2001, que reiterou o conteúdo do art. 18° da Convenção de Bruxelas), concretamente que é competente o tribunal perante o qual o demandado compareça, desde que, conforme ocorreu no caso vertente, a dita comparência não se resuma à mera arguição da incompetência desse mesmo tribunal;
19. Em consequência, a questão da competência relativa é dirimida pelas respectivas regras de direito interno;
20. No caso português, levando em consideração a matéria factual supra enunciada, o tribunal territorialmente competente é o do Porto, comarca onda a demandada está domiciliada e onde corre a presente acção - art. 74°, n° 1 do C PC;
21. Por outro lado, a jurisdição portuguesa é internacionalmente competente, não só por ser um seu tribunal o territorialmente competente, mas também por ter a ré domicílio em Portugal (cidade do Porto), país do lugar de cumprimento do objecto do contrato génese da presente lide cujo alegado incumprimento integra a causa de pedir -alíneas a) a c) do n° 1, e n° 2 do art. 65° do C PC.
22. Por último, atenta a factualidade exposta, o pacto atributivo de competência em discussão não tem conexão com outra ordem jurídica para além da portuguesa, razão pela qual, dado que não preenche os requisitos de que depende a respectiva admissibilidade, é nulo e de nenhum efeito –artº 99º nº 1 do C PC.
23. O aresto recorrido violou os arts. 2º, 3°, 17°, 18° e 53° da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, os arts. 2º, 3°, 23°, 24° e 59º do Regulamento CE n° 44/01, de 22/12/2000, o artº 8º nº 2 da CRP, os arts. 5° e 12º do CSC, os arts. 65°, n° 1 als. a) a c), e n° 2, 74°, n° 1 e 99º, n° 1 do C. P. C.,
pelo que deve ser revogado, declarando-se a competência internacional da jurisdição portuguesa, concretizada na comarca do Porto, para conhecer da presente lide.
A recorrida contra-alegou, defendendo que se mantenha o decidido.
O Sr. Juiz a quo sustentou o seu mencionado despacho.
Colhidos os visto dos Ex.mos Srs. Adjuntos, cumpre conhecer do recurso.
*
Ressalta das conclusões da alegação da recorrente que a questão a apreciar se centra na natureza da relação material de que emana o litígio dos autos.
Não se trata, em rigor, de ser, ou não, uma relação internacional, propriamente dita.
Isso resultaria desde logo da diversa nacionalidade dos sujeitos da relação ou do desenvolvimento do negócio em diferentes países, o que nem as regras de direito nem a doutrina exigem.
Contudo, como se assinala no despacho recorrido, deve conter elementos de estraneidade que lhe confiram carácter internacional.
No aludido despacho entendeu-se que, sendo a ré uma empresa dependente, na composição do respectivo capital social, de uma outra de direito espanhol, apelidando-se a ré mesmo de sua filial, quer no contrato quer nos articulados da presente acção, existem no caso tais elementos de estraneidade que justificam a aplicação do artº 23º do Regulamento CE nº 44/01.
Apreciando a questão, cumpre ter em conta que, nos termos do citado artº 23º nº 1 do mesmo Regulamento, se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada num Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais serão competentes.
Nestes termos, a situação que se aprecia parece incluir-se na atribuição da competência à comarca de Verin, integrada na ordem jurídica espanhola, pois as partes têm a sede em Estados-Membros, Portugal e Espanha, e o tribunal designado é espanhol.
Porém, como já se fez notar, entende-se na doutrina dominante e na jurisprudência, que tendo em vista impedir que as partes subtraiam a causa a normas jurídicas imperativas em princípio aplicáveis, é de exigir que a relação jurídica de que a lide resulta tenha os tais elementos de estraneidade, que retirem artificialidade ao pacto atributivo de competência.
Diferentemente do que se sustenta no despacho recorrido, entende-se que não se verificam tais elementos no caso em apreciação.
Com efeito, os sujeitos da mencionada relação são duas sociedades de direito português, o contrato que celebraram uma com a outra foi-o em Portugal e todos os factos relevantes que constam dos articulados são situados em Portugal, sendo a lei interna portuguesa a que regula o cumprimento das obrigações resultantes do contrato.
Ser a ré uma «filial», no sentido de subsidiária, de uma empresa espanhola, dona da maioria do respectivo capital social e mesmo serem espanhóis os restantes sócios, e ser espanhol, director comercial daquela, o director comercial da ré, não atribui à relação material de que emerge o litígio destes autos esse matiz de internacionalidade ou estraneidade que concorra para afastar a artificialidade a que atrás se alude. É que essa ligação de uma sociedade espanhola e de cidadãos espanhóis à ré em nada altera o carácter interno, do ponto de vista da ordem jurídica portuguesa, da referida relação.
Efectivamente, reafirma-se, os sujeitos são de direito português, têm sede em Portugal, o contrato foi celebrado em Portugal, com estipulações a serem cumpridas em Portugal, sendo a portuguesa a lei aplicável.
Mesmo o único interesse dos titulares do capital social da ré, razoavelmente atendível, que seria o de a acção decorrer no país em que têm sede ou residência, não se mostra desatendido com excessivo gravame, pois entre Verin e o Porto a distância em pouco vai além de 100 quilómetros.
Pelo exposto, decide-se dar provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido e declarando-se competente para prosseguir com a acção o Tribunal Cível da comarca do Porto.
Custas pela recorrida.

Porto, 23 de Maio de 2006
António Luís Caldas Antas de Barros
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Mário de Sousa Cruz